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sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Comentários ao Salmo 37

Palavras aplicadas ao Divino Redentor na Cruz
Considerando essa situação, meu espírito se volta naturalmente para Aquele — com A maiúsculo — que carregou uma cruz maior do que Ele próprio. No sentido material da palavra, tudo leva a crer que a cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo foi mais alta do que era a estatura d’Ele. Artistas há que se comprazem em representar a cruz um pouco mais baixa, de maneira a Jesus se achar na possibilidade de responder àqueles que o cercavam, bem como na de receber maus tratos e injúrias, aumentando as dores inenarráveis que Ele estava sofrendo.
Mas existem outros artistas — para os quais se volta minha preferência — que apreciam representar a cruz muito alta. Dessa maneira, pode-se imaginar que as pessoas no Calvário se sentiam fisicamente pequenas diante daquele patíbulo muito elevado, no qual estava pregado o Redentor, entre o Céu e a Terra, isolado, completamente separado dos homens, que só se dirigiam a Jesus para vociferar injúrias, imoralidades e horrores, e para atirar objetos contra Ele. Nosso Senhor, estertorando no madeiro, recebe esses acréscimos de mágoas, perguntando a si próprio:
“Meu Deus, até que ponto aguentarei tudo isso? Por que me atiraram essa pedrada que me acertou nos olhos, deixando-me quase cego? Sobre esses olhos machucados não posso sequer passar minhas mãos também machucadas, porque estão presas por dois pregos! Tampouco contra a insolência de um mosquito que pouse sobre minha testa ferida e faça suas patas passearem em minha fronte coroada de espinhos, nem sequer contra um inseto tenho possibilidade de defesa! Sou o indefeso por excelência! Dir-se-ia que pequei de modo horroroso, cometi uma falta maior do que Eu mesmo, de um tamanho incomensurável e Vós me arrancastes do meio dos homens, permitindo que Eu fosse cravado nessa cruz para sofrer toda espécie de dores que nenhum homem aguenta. Esta é a posição em que eu estou, ó Deus!”
Então, podem se referir a Nosso Senhor as palavras deste Salmo. Ele, o Homem-Deus, perfeito, sem a menor culpa nem original, nem atual, não tendo praticado senão o bem nas suas formas mais altas e mais magníficas, suporta o peso de todos esses pecados que Ele não cometeu. Jesus, o Puríssimo, o Santíssimo, expia pelo gênero humano que O ofendeu desmedidamente.
Compreende-se, portanto, que este Salmo parece aludir aos padecimentos de Nosso Senhor durante a Paixão e na cruz, e aos gemidos que Ele, como vítima expiatória, apresentava ao Pai Eterno. O Redentor poderia Lhe dizer: “Meu Pai, sei que sou o Cordeiro inocente e não cometi pecado algum. Mas por vossa vontade Eu me encarnei, a fim de ser esta Vítima necessária à redenção dos homens e abrir para eles a porta do Céu. Era preciso que um Atleta, um Herói — diante do qual os atletas e os heróis no sentido terreno da palavra não são senão formigas — se apresentasse em frente dessa enigmática porta cerrada, atrás da qual reinais gloriosamente, e fosse capaz de Vos afirmar: Senhor, mandaste-me para abrir essa porta; o preço da abertura sou Eu mesmo. Na minha cruz pago esse preço e sou a moeda com que se abre a porta do Céu para todos aqueles que têm boa vontade.
Jesus se oferece por todos os homens
Nosso Senhor é, então, a vítima expiatória divina e humana que sofre tudo isso por nós e nos proporciona essa meditação.
No alto da cruz está Ele, o Profeta perfeito, porque profetizou o que faria, e fez o que profetizou. Ali, Jesus toma em consideração os homens que existiram e que existirão até o fim do mundo, pois os conheceu todos, viu passar diante d’Ele cada um de nós individualmente, com suas qualidades e com seus defeitos; contemplou nossas almas hesitando miseravelmente entre o bem e o mal, ora recuando para o caminho do pecado, ora avançando nas sendas da virtude, progredindo rumo à perfeição. E elevou essa súplica:
“Por este, por aquele, pela multidão incontável dos homens, meu Pai, ofereço essa quantidade incontável de dores. Tomai isto que é mais do que um cálice, repleto de sofrimentos e tormentos. Dedico tudo isso também pelos índios que vagueiam ignotos pelas regiões ainda não descobertas da América, pelos pagãos das regiões da Ásia, da África, etc., que vivem na ignorância do verdadeiro Deus.
“De todas essas coisas tenho conhecimento neste momento supremo em que meu holocausto é oferecido. Peço por todos e cada um deles. E rogo por Aquela que é a Obra-prima da criação, Maria Santíssima, que me destes por Mãe. Ela ficou isenta do pecado original por um privilégio que é fruto de minha Redenção, e foi para que Eu nascesse desse seio puríssimo, imaculado, que A criastes. Ela é essa insondável maravilha, partícipe do conjunto da humanidade. Por tudo isto me ofereço.
“E no momento em que Eu sentir as dores subirem em Mim como um mar que ameaça deglutir toda uma cidade praiana, no momento em que Eu estalar com essa fenda aberta em meu ser, no instante em que o padecimento tocar no inimaginável, quero poder dizer que suportei tudo, aceitando esse cálice de amarguras com humildade e inteira conformidade convosco. Então exclamarei: Meu Pai, em vossas mãos entrego o meu espírito!”
Nessa hora as portas do Céu se abrem, os Anjos cantam, e Nossa Senhora ao pé da cruz conhece o significado de tudo que está se passando. Maria Santíssima, a Mater Dolorosa, Ela mesma sente pela primeira vez o bimbalhar de um sorriso em seu coração. Tudo está consumado, o sofrimento acabou e, após três dias de sepultura, virão as glórias da ressurreição.
Nossa Senhora chora — Stabat Mater dolorosa juxta crucem lacrymosa: estava a mãe cheia de dores junto à cruz, vertendo lágrimas —, mas permanece de pé junto ao madeiro. Quer dizer, em nenhum momento Ela flecte, em nenhum momento desmaia. Assiste tudo de pé até a última oblação. Stabat!
E nesse mesmo instante racha-se todo o edifício do demônio, o firmamento se torna escuro, a terra estremece diante do horror do pecado perpetrado contra o Homem-Deus.
Segundo uma tradição — o fato não é inteiramente comprovado — um ilustre filósofo de Atenas, ao ver o sol que se obscureceu naquele momento, e toda a convulsão da terra, disse: “Em algum lugar, morreu um Deus”.
Claro, não morreu Deus, porque Deus não morre. Mas, de acordo com a concepção pagã deles, seus deuses de mentira e de fancaria podiam sofrer a morte. Assim, esse homem teria tido a ideia de um elemento divino que morreu. Donde esse imenso terror.
Mas, não devemos nos esquecer de que se aproxima a hora da alegria e da ressurreição. Nosso Senhor ressuscita, sai da sepultura de pedra reluzente com sua túnica que fora vermelha como a púrpura de um imperador, tingida com esta tintura que não teve igual nem terá até o fim do mundo: o próprio sangue de Cristo. Essa túnica se tornou alva como a neve. Inicia-se, então, a glória d’Ele até a hora da Ascensão para o Céu.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Comentários ao Salmo 37

SALMO 37
Senhor, não me repreendas no teu furor, nem me castigues na tua ira.
Porque as tuas setas se me cravaram, e assentaste sobre mim a tua mão.
Não há parte sã na minha carne, por causa da tua ira; não há paz nos meus ossos à vista dos meus pecados.
Porque as minhas iniquidades se elevaram acima da minha cabeça, e como uma carga pesada me oprimiram.
Apodreceram e corromperam-se as minhas chagas, por causa da minha loucura.
Tornei-me miserável e continuamente todo encurvado; todo o dia andava oprimido de tristeza.
Porque as minhas entranhas estão cheias de ilusões, e não há parte alguma sã na minha carne.
Estou aflito e grandemente abatido; o gemido do meu coração arranca-me rugidos.
Ó Senhor, bem vês todos os meus desejos, e o meu gemido não Te é oculto.
O meu coração está conturbado, a minha força desampara-me; e a própria luz dos meus olhos já não está comigo.
Os meus amigos e os meus íntimos avançaram, e puseram-se contra mim. E os meus parentes puseram-se ao longe. E os que buscavam a minha vida usavam de violência.
E os que me procuravam males falaram coisas vãs, e todo o dia maquinavam enganos.
Mas eu, como um surdo, não ouvia; e como um mudo não abria a boca.
E tornei-me como um homem que não ouve, e que não tem na boca palavras com que replicar.
Porque em Ti, Senhor, esperei; tu me ouvirás, Senhor Deus meu. Porque disse: nunca triunfem de mim os meus inimigos, eles que, tendo visto os meus pés vacilantes, falaram insolentemente de mim.
Porque estou preparado para o castigo, e a minha dor está sempre diante de mim.
Porque eu confessarei a minha iniquidade, e pensarei no meu pecado.
Entretanto os meus inimigos vivem, e têm-se tornado mais fortes que eu; e têm-se multiplicado os que me aborrecem injustamente.
Os que retribuem males por bens murmuravam de mim, porque eu seguia o bem. Não me desampares, Senhor Deus meu; não Te apartes de mim.
Acode em meu auxílio, Senhor Deus da minha salvação.
 “Senhor, não me castigues na tua ira!”
 À primeira vista, o Salmo 37 narra a situação de um pecador que cometeu uma falta muito grave, mas tomou consciência de seu pecado e se arrependeu dele pedindo perdão a Deus.
Belezas próprias ao sofrimento
Esse pecador tem palavras simplesmente magníficas para manifestar a sua dor. Do ponto de vista de expressão literária, esse Salmo é uma maravilha, porque descreve a condição miserável de um homem tão acabrunhado, tão estraçalhado pelas desventuras que Deus permitiu se abatessem sobre ele, que se considera um coitado, um nada. Essa pulcritude dramática e linda do infortúnio, muito bem apresentada nos salmos inspirados pelo Espírito Santo, torna-se mais patente quando da análise de cada versículo. O que pretenderei fazer a seu tempo. Vale dizer que o homem contemporâneo só conhece a beleza da alegria, daquilo que deu certo na vida; a tragédia escapa completamente à apreciação dele.
Mais difícil de entender é a beleza do infortúnio. Porém, é muito importante compreendê-la, pois não raro o infortúnio desaba sobre nós. Se não nos dermos conta do esplendor, da dignidade, elevação e nobreza próprios da nossa infelicidade, podemos não aguentar o baque.
Cântico de uma dor indizível
A humanidade contemporânea está nesse caso. Se ela tivesse um arrependimento real, se se voltasse para Deus com o coração contrito e humilhado, o Criador não a desprezaria. Assim como não despreza o pecador ao qual se refere o Salmo 37. Ele não é rechaçado pelo Senhor, porque seus gemidos e sofrimento revelam um coração arrependido. Daí vem a certeza de que Deus o atenderá. O Salmo fala dos rugidos de dor, de dilaceração de alma pelas quais o homem passa, mas conclui com palavras de confiança na misericórdia divina.
Contudo, é tal a dor aí expressa, que o espírito de uma pessoa habituada a pensar nas coisas da religião, tem a impressão de que esse padecimento é superior às forças humanas, ou seja, indo além da nossa capacidade de sofrer. E, naturalmente, ocorre-lhe a pergunta: “Não haverá certo exagero em todas essas palavras? A proclamação desta dor não excede a nossa disposição de suportá-la? Então, se não existe tal possibilidade de aguentá-la, o Espírito Santo, Espírito de Verdade e de Vida teria cometido um exagero literário?”
A simples hipótese é blasfema.
Como entender, pois, que se cante com palavras magníficas a dor sobre-humana de alguém imerso de tal maneira no sofrimento, que se diria estará ele morto antes de atingir o zênite de seus padecimentos?
Continua no próximo post

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Comentários ao Evangelho da Solenidade de Cristo Rei Ano B

 Devemos distinguir entre o Reinado de Cristo nesta terra e o exercido por Ele na eternidade. No Céu, seu reino é de glória e soberania. Aqui, no tempo, ele é misterioso, humilde e pouco aparente, pelo fato de Jesus não querer fazer uso ostensivo do poder absoluto que tem sobre todas as coisas: “Foi-me dado todo o poder no Céu e na terra” (Mt 28, 18).
Apesar de as exterioridades nos causarem uma impressão enganosa, Ele é o Senhor Supremo dos mares e dos desertos, das plantas, dos animais, dos homens, dos anjos, de todos os seres criados e até dos criáveis. Porém, diante de Pilatos, assevera: “O meu Reino não é deste mundo” (Jo 18, 36), porque não quer manifestar seu império em todas as suas proporções, a não ser por ocasião do Juízo Final.
No tempo, vemo-Lo exangue, pregado na Cruz entre dois ladrões, sendo escarnecido pelos príncipes dos sacerdotes e pelo povo, insultado pelos soldados e objeto das blasfêmias do mau ladrão. A Liturgia exige de nós um esforço de fé para, indo além do fracasso e da humilhação, crermos na grandiosidade do Reino de Jesus.
Por outro lado, errôneo seria imaginar que Ele não deve reinar aqui na terra. Para compreender bem o quanto Cristo é Rei, é preciso diferenciar seu modo de governar daquele empregado pelo mundo.
O governo humano, quando ateu, encontra sua força nas armas, no dinheiro e nos homens. Tem por finalidade as grandes conquistas territoriais, perdurar longamente e alcançar a felicidade terrena. Porém, o tempo sempre demonstra o quanto esses objectivos são ilusórios e até mentirosos. As armas em certo momento caem ao solo, ou se voltam contra o próprio governante; o dinheiro é por vezes um bom vassalo mas sempre um mau senhor; os homens, quando não assistidos pela graça, neles não se pode confiar. Napoleão Bonaparte é um bom exemplo do vazio enganador no qual se fundamentam os Impérios neste mundo. Basta imaginá-lo proclamando seu fracasso do alto de um penhasco na ilha Santa Helena, durante o penoso exílio ao qual ficara reduzido.
Em síntese, a plenitude da felicidade de um governador terreno é um sonho irrealizável. E ainda que ela fosse atingível, a nós caberia a frase do Evangelho: “Que aproveitará ao homem ganhar o mundo inteiro se perder a sua alma?” (Mc 8, 36).
A realeza absoluta de Cristo
A Realeza de Cristo é bem outra. Ele de fato é Rei do Universo e, de maneira muito especial, de nossos corações. Ele possui uma autoridade absoluta sobre todas as criaturas e já muito antes de sua Encarnação, quando se encontrava no seio do Padre Eterno, ouviu estas palavras:
“Tu és meu Filho, eu hoje te gerei. Pede- me; dar-te-ei por herança todas as nações; tu possuirás os confins do mundo, tu governarás com cetro de ferro” (Sl 2, 7-9).
Rei por direito de herança
Ele é o unigênito Filho de Deus e por Este foi constituído como herdeiro universal, recebendo o poder sobre toda a criação, no mesmo dia em que foi engendrado (1).
Rei por ser Homem-Deus
Por outro lado, Jesus Cristo é Deus e, assim sendo, tudo foi feito por ele, o Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis. Senhor absoluto de toda existência, do Céu, da terra, do sol, das estrelas, das tempestades, das bonanças. Seu poder é capaz de acalmar as mais terríveis ferocidades dos animais bravios e as procelas dos mares encapelados. Os acontecimentos, as forças físicas e morais, a guerra e a paz, a pobreza e a fartura, a humilhação e a glória, o revés e o sucesso, as pestes, os flagelos, a doença e a saúde, a morte e a vida, estão todos ao dispor de um simples ato de sua vontade. Aí está um Governo incomparável, superior a ninguém ou nada poderá se subtrair.
O título de Rei Lhe cabe mais apropriadamente do que às outras duas Pessoas da Trindade Santíssima, por ser o Homem-Deus, conforme comenta Santo Agostinho: “Apesar de que o Filho é Deus e o Pai é Deus e não são mais que um só Deus, e se o perguntássemos ao Espírito Santo, Ele nos responderia que também o é...; entretanto, as Sagradas Escrituras costumam chamar de rei, ao Filho” (2).
De fato, o título de Rei, quando aplicado ao Pai, é usado de forma alegórica para indicar seu domínio supremo. E se quisermos atribuí-lo ao Espírito Santo, faltará exatidão jurídica, por tratar-se Ele de Deus não-encarnado, pois, para ser Rei dos homens é indispensável ser Homem. Deus não encarnado é Senhor, Deus feito homem é o Rei.
Rei por direito de conquista
Jesus Cristo é nosso Rei também por direito de conquista, por nos ter resgatado da escravidão a Satanás.
Ao adquirirmos um objeto às custas de nosso dinheiro, ele nos pertence por direito. Mais ainda se o obtivermos através de duras penas, pelos esforços de nosso trabalho, e muito mais, se for conseguido pelo alto preço de nosso sangue. E não fomos nós comprados pelo trabalho, sofrimentos e pela própria morte de Nosso Senhor Jesus Cristo? É São Paulo quem nos assevera: “Porque fostes comprados por um grande preço!” (I Cor 6, 20).
Rei por aclamação
Cristo é nosso Rei por aclamação. Antes mesmo das purificadoras águas do Batismo serem derramadas sobre nossa cabeça, nós O elegemos para ser o regente de nossos corações e de nossas almas, através dos lábios de nossos padrinhos. Por ocasião do Crisma e a cada Páscoa, de viva voz nós renovamos essa eleição, sempre de um modo solene.
Rei do interior dos homens e de todas as exterioridades
Não houve, nem jamais haverá um só monarca dotado da capacidade de governar o interior dos homens, além de bem conduzi-los na harmonia de suas relações sociais, seus empreendimentos, etc. O único Rei pleníssimo de todos os poderes é Cristo Jesus.
Exteriormente, pelo seu insuperável e arrebatador exemplo — além de suas máximas, revelações e conselhos — Ele governa os povos de todos os tempos, tendo marcado profundamente a História com sua Vida, Paixão, Morte e Ressurreição. Por meio do Evangelho e sobretudo ao erigir a Santa Igreja, Mestra infalível da verdade teológica e moral, Jesus perpetua até o fim dos tempos o imorredouro tesouro doutrinário da fé. Através dessa magna instituição Ele orienta, ampara e santifica todos os que nela ingressam, e vai em busca das ovelhas desgarradas.
Aqui precisamente se encontra o principal de seu governo neste mundo: o Reino Sobrenatural que é realizado, na sua essência, através da graça e da santidade.
Nosso Senhor Jesus Cristo enquanto a “videira verdadeira” é a causa da vitalidade dos ramos. A seiva que por eles circula, alimentando flores e frutos, tem sua origem n’Aquele Unigênito do Pai (Jo 15, 1-8). Ele é a Luz do Mundo (Jo 1, 9; 3, 19; 8, 12; 9, 5) para auxiliar e dar vida aos que dela quiserem se servir para evitar as trevas eternas. Jesus — segundo a leitura de hoje — é “a cabeça do corpo que é a Igreja, é o Princípio, o Primogênito entre os mortos, de maneira que tem a primazia em todas as coisas, porque foi do agrado do Pai que residisse n’Ele toda a plenitude e que por Ele fossem reconciliadas consigo todas as coisas, pacificando pelo Sangue da sua Cruz, tanto as coisas da terra, como as do Céu” (Col 1, 18-20).
O Reinado de Cristo, em nosso interior, se estabelece pela participação na vida de Jesus Cristo. Só no Homem-Deus se encontra a plenitude da graça, enquanto essência, virtude, excelência e extensão de todos os seus efeitos. Os outros membros do Corpo Místico participam das graças que têm sua origem em Jesus, a cabeça que vivifica todo o organismo. Quem de maneira privilegiadíssima tem parte em grau de plenitude nessa mesma graça, é a Santíssima Virgem.
Dada a desordem estabelecida em nós após o pecado original, acrescida pelas nossas faltas atuais, nossa natureza necessita do auxílio sobrenatural para atingir a perfeição. Sem o sopro da graça, é impossível aceitar a Lei, obedecer aos preceitos morais, não elaborar razões falsas para justificar nossas más inclinações e conhecer, amar e praticar a boa doutrina de forma estável e progressiva. Ela refreia nossas paixões e as equilibra nos gonzos da santidade, orienta nosso espírito, modera nossa língua, tempera nosso apetite, purifica nosso olhar, gestos e costumes. É através da graça que nossa alma se transforma num verdadeiro trono e, ao mesmo tempo, cetro de Nosso Senhor Jesus Cristo. E é nessa paz e harmonia que se encontra nossa autêntica felicidade, e esse é o Reino de Cristo em nosso interior.

E qual o principal adversário contra esse Reino de Cristo sobre as almas? O pecado! Por isso mesmo, se alguém tem a desgraça de o cometer, nada fará de melhor do que procurar um confessionário e com arrependimento ali declará-lo a fim de ver-se livre da inimizade de Deus. É impossível gozar de alegria com a consciência atravessada pelo aguilhão de uma culpa. Nessa consciência não reinará Cristo; e se ela não se reconciliar com Deus, aqui na terra, tampouco reinará com Ele na glória eterna.
Igreja: manifestação suprema do Reinado de Cristo
O júbilo e às vezes até mesmo a emoção, penetram nossos corações ao contemplarmos estas inflamadas palavras de São Paulo: “Cristo amou a Igreja e Se entregou a Si mesmo por ela, para a santificar, purificando-a no batismo da água pela Palavra, para apresentar a Si mesmo esta Igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e imaculada” (Ef 5, 25-27).
Porém, ao analisarmos a Igreja militante, na qual hoje vivemos, com muita dor encontramos imperfeições — ou, pior ainda, faltas veniais — nos mais justos, conferindo opacidade a essa glória mencionada por São Paulo. Entre as ardentes chamas do Purgatório, está a Igreja padecente, purificando-se de suas manchas. Até mesmo a triunfante possui suas lacunas, pois, exceção feita da Santíssima Virgem, as almas dos bem-aventurados foram para o Céu deixando seus corpos em estado de corrupção nesta terra, onde aguardam o grande dia da Ressurreição.
Portanto, a “Igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e imaculada”, manifestação suprema da Realeza de Cristo, ainda não atingiu sua plenitude.
E quando definitivamente triunfará Cristo Rei? Só mesmo depois de derrotado seu último inimigo, ou seja, a morte! Pela desobediência de Adão, introduziram-se no mundo o pecado e a morte. Pelo seu Preciosíssimo Sangue Redentor, Cristo infunde nas almas sua graça divina e aí já se dá o triunfo sobre o pecado. Mas a morte será rendida com a Ressurreição no fim do mundo, conforme o próprio São Paulo nos ensina:
Porque é necessário que Ele reine, ‘até que ponha todos os inimigos debaixo de seus pés’. Ora, o último inimigo a ser destruído será a morte; porque Deus  ‘todas as coisas sujeitou debaixo de seus pés’ ” (I Cor 15, 25- 26).
Cristo Rei, por força da Ressurreição que por Ele será operada, arrancará das garras da morte a humanidade inteira, como também iluminará os que purgam nas regiões sombrias. Ao retomarem seus respectivos corpos, as almas bem-aventuradas farão com que eles possuam sua glória; e assim, serão também os eleitos outros reis cheios de amor e gratidão ao Grande Rei. Apresentar-se-á o Filho do Homem em pompa e majestade ao Pai, acompanhado de um numeroso séquito de reis e rainhas, tendo escrito em seu manto: “Rei dos reis e Senhor dos senhores” (Apoc 19, 16).
Se Cristo é Rei, Maria é Rainha
Se Cristo é Rei por ser Homem-Deus e recebeu o poder sobre toda a Criação no momento em que foi engendrado, daí se deduz ter sido realizada no puríssimo claustro maternal de Maria Virgem a excelsa cerimônia da unção régia que elevou Cristo ao trono de Rei natural de toda a humanidade.
O Verbo assumiu de Maria Santíssima nossa humanidade, e assim adquiriu a condição jurídica necessária para ser chamado Rei, com toda a propriedade. Foi também nesse mesmo ato que Nossa Senhora passou a ser Rainha. Uma só solenidade nos trouxe um Rei e uma Rainha.