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sábado, 9 de novembro de 2013

Evangelho IV Domingo do Advento – Ano A – 2013 – Mt 1, 18-24

Comentário ao Evangelho – 4º Domingo do Advento  - Ano A  – 2013 – Mt 1, 18-24
           Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
Evangelho -  Mt 1, 18-24
18 “A origem de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua Mãe, estava prometida em casamento a José, e, antes de viverem juntos, Ela ficou grávida pela ação do Espírito Santo. 19 José, seu marido, era justo e, não querendo denunciá-La, resolveu abandonar Maria em segredo. 20 Enquanto José pensava nisso, eis que o anjo do Senhor apareceu-lhe, em sonho, e lhe disse: ‘José, filho de Davi, não tenhas medo de receber Maria como tua esposa, porque Ela concebeu pela ação do Espírito Santo. 21 Ela dará à luz um filho, e tu lhe darás o nome de Jesus, pois Ele vai salvar o seu povo dos seus pecados’. 22 Tudo isso aconteceu para se cumprir o que o Senhor havia dito pelo profeta: 23 ‘Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho. Ele será chamado pelo nome de Emanuel, o que significa: Deus está conosco’. 24 Quando acordou, José fez conforme o anjo do Senhor havia mandado e aceitou sua esposa” (Mt 1, 18-24).
Dois silêncios que mudaram a História
Duas criaturas puramente humanas intervêm no mais grandioso acontecimento da História: a Encarnação do Verbo. Diante do silêncio de Maria face à realização n’Ela desse sublime Mistério, São José atravessa uma provação terrível e lancinante. E pratica, também em silêncio, um dos maiores atos de virtude jamais realizados sobre a Terra.
Dois silêncios se entrecruzam
Com breves e inspiradas palavras, narra-nos São Mateus o mais grandioso acontecimento da História, a Encarnação do Verbo, e os episódios subsequentes.
À primeira vista, a singela descrição do Evangelista pode-nos causar a impressão de que tudo transcorreu de modo suave e aprazível, não havendo lugar para qualquer sofrimento e menos ainda para a terrível provação que levou São José à extrema decisão de “abandonar Maria em segredo”.

Evangelho 3º Domingo do Advento ( Domingo Gaudete) Ano A - 2013

Comentários ao Evangelho III Domingo do Advento  Mt 11, 2-11 ( Domingo Gaudete) Ano A – 2013
 Mons João Clá Dias
“Naquele tempo, 2 João estava na prisão. Quando ouviu falar das obras de Cristo, enviou-Lhe alguns discípulos, 3 para Lhe perguntarem: ‘És Tu, Aquele que há de vir, ou devemos esperar um outro?’.
4 Jesus respondeu-lhes: ‘Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo: 5 os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados. 6 Feliz aquele que não se escandaliza por causa de Mim!’.
7 Os discípulos de João partiram, e Jesus começou a falar às multidões sobre João: ‘O que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? 8 O que fostes ver? Um homem vestido com roupas finas? Mas os que vestem roupas finas estão nos palácios dos reis.
9 Então, o que fostes ver? Um profeta? Sim, Eu vos afirmo, e alguém que é mais do que profeta. 10 É dele que está escrito: ‘Eis que envio o meu mensageiro à tua frente; ele vai preparar o teu caminho diante de Ti’. 11 Em verdade vos digo, de todos os homens que já nasceram, nenhum é maior do que João Batista. No entanto, o menor no Reino dos Céus é maior do que ele’” (Mt 11, 2-11).


Uma lufada de ânimo para chegar até o fim
Dizia o célebre teórico de guerra Karl von Clausewitz1 que a melhor forma de vencer um adversário é fazê-lo perder o ânimo de combater, pois a quebra de sua força moral é a causa principal de seu aniquilamento físico. Assim, quando empreendemos uma ação com desânimo, não atingimos a meta. Pelo contrário, quem tem uma confiança sólida, baseada numa fé vigorosa, desenvolve energias e entusiasmo para perseverar até o fim com galhardia. Se, por acaso, na realização de um árduo esforço, sentimos faltar o fôlego, basta uma lufada de esperança para redobrar as boas disposições e garantir o sucesso.
A Igreja, no 3º Domingo do Advento — chamado Domingo Gaudete —, tem em vista este propósito: fazer uma pausa nas admoestações do período de penitência e amenizar a tristeza causada pela lembrança dos pecados cometidos, para considerar com alegria a perspectiva do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Em breve seremos libertados de nossa miséria, se soubermos ouvir os seus ensinamentos e nos abrirmos às graças que Ele nos traz, e poderemos seguir adiante com entusiasmo, confortados pela certeza de que nos será dada a salvação. Esse verdadeiro gáudio pela próxima vinda do Redentor é a nota tônica desta Missa, simbolizada pela cor rósea dos paramentos e expressa nos textos litúrgicos, sem, todavia, excluir totalmente o caráter penitencial. Depois do pecado original, a cruz tornou-se indispensável para obtermos a glória no cumprimento da finalidade para a qual fomos criados.

Evangelho 2º Domingo do Advento - Ano A - 2013 - Mt 3, 1-12

Comentários ao Evangelho II Domingo do Advento - Ano A - 2013 - Mt 3, 1-12
Mons João Clá Dias

Naqueles dias, apareceu João Batista, pregando no deserto da Judeia: 2 “Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo”.  João foi anunciado pelo profeta Isaías, que disse: “Esta é a voz daquele que grita no deserto: preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas!”
João usava uma roupa feita de pelos de camelo e um cinturão de couro em torno dos rins; comia gafanhotos e mel do campo.  Os moradores de Jerusalém, de toda a Judeia e de todos os lugares em volta do rio Jordão vinham ao encontro de João. 6 Confessavam seus pecados e João os batizava no rio Jordão.  Quando viu muitos fariseus e saduceus vindo para o batismo, João disse-lhes: “Raça de cobras venenosas, quem vos ensinou a fugir da ira que vai chegar? 8 Produzi frutos que provem a vossa conversão. Não penseis que basta dizer: Abraão é nosso pai’, porque eu vos digo: até mesmo destas pedras Deus pode fazer nascer filhos de Abraão.
O machado já está na raiz das árvores, e toda árvore que não der bom fruto será cortada e jogada no fogo. ‘Eu vos batizo com água para a conversão, mas Aquele que vem depois de mim é mais forte do que eu. Eu nem sou digno de carregar suas sandálias. Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo. 2 Ele está com a pá na mão; Ele vai limpar sua eira e recolher seu trigo no celeiro; mas a palha Ele a Queimará no fogo que não se apaga” (Mt 3, l-12).
Tempo de uma nova conversão
Ao invectivar a hipocrisia dosfariseus e saduceus, São João nos põe na perspectiva do Juízo Final, do qual ninguém poderá escapar. Naquele dia, de nada valerão as exterioridades se não tivermos produzido frutos que provem a nossa conversão.
ADVENTO, TEMPO PARA UMA REVISÃO
Quando um navio vai sair do estaleiro pela primeira vez, é costume realizar-se uma cerimônia na qual a nova ‘ embarcação recebe o nome e, como desfecho do ato, uma garrafa de champanhe é quebrada de forma espetacular no casco, escorrendo ali todo o seu precioso líquido. Segundo uma antiga crença, quanto melhor for a qualidade do espumante maior será a probabilidade de que o navio singre os mares com segurança. Depois disso, com o costado recém-pintado, liso e completamente limpo, a embarcação é lançada na água e começa a navegar pelos oceanos. Com o passar dos anos a velocidade do navio vai diminuindo, não por perda de força do motor, mas porque no casco se incrustam moluscos em grande quantidade que dificultam a navegação. Para recuperar a rapidez inicial é imperioso retornar ao estaleiro e remover essa crosta. Também os automóveis quando são novos funcionam bem, e depois de certo tempo de uso é necessário submetê-los a uma revisão, a fim de garantir o bom desempenho de seu mecanismo.
Em relação à saúde, nossa situação é parecida. Periodicamente temos de nos submeter a um checkup médico ou ir ao dentista para verificar se tudo está em ordem. Mas, sobretudo, necessitamos fazer uma revisão.., da alma. Temos de analisar com frequência nossa vida espiritual, porque, apesar de sermos batizados, recebermos os Sacramentos com assiduidade e praticarmos com seriedade a Religião, é frequente passarmos por circunstâncias que nos levam a cometer certas imperfeições ou a nos apegarmos às vaidades deste mundo, e adquirimos manias e maus hábitos.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Evangelho XXXIII Domingo do Tempo Comum - Ano C 2013 - Lc 21, 5-19

Evangelho Lc 21, 5-19
Naquele tempo, 5 algumas pessoas comentavam a respeito do Templo que era enfeitado com belas pedras e com ofertas votivas. Jesus disse: 6 ‘Vós admirais estas coisas? Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído’. 7 Mas eles perguntaram: ‘Mestre, quando acontecerá isto? E qual vai ser o sinal de que estas coisas estão para acontecer?’. 8
Jesus respondeu: ‘Cuidado para não serdes enganados, porque muitos virão em meu nome, dizendo: ‘Sou eu!’; e ainda: ‘O tempo está próximo’. Não sigais essa gente! 9
Quando ouvirdes falar de guerras e revoluções, não fiqueis apavorados. É preciso que estas coisas aconteçam primeiro, mas não será logo o fim’. 10
E Jesus continuou: ‘Um povo se levantará contra outro povo, um país atacará outro país. 11 Haverá grandes terremotos, fomes e pestes em muitos lugares; acontecerão coisas pavorosas e grandes sinais serão vistos no céu. 12 Antes, porém, que estas coisas aconteçam, sereis presos e perseguidos; sereis entregues às sinagogas e postos na prisão; sereis levados diante de reis e governadores por causa do meu nome. 13 Esta será a ocasião em que testemunhareis a vossa fé. 14 Fazei o firme propósito de não planejar com antecedência a própria defesa; 15 porque Eu vos darei palavras tão acertadas, que nenhum dos inimigos vos poderá resistir ou rebater. 16 Sereis entregues até mesmo pelos próprios pais, irmãos, parentes e amigos. E eles matarão alguns de vós. 17 Todos vos odiarão por causa do meu nome. 18 Mas vós não perdereis um só fio de cabelo da vossa cabeça. 19 É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida!’” (Lc 21, 5-19).

Comentário ao Evangelho – XXXIII Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013                                                                           

Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP

Ao longo de sua bimilenar História, a Igreja caminhou sempre sob o signo da perseguição. Entretanto, a cada investida das forças adversárias, brilha ela com maior esplendor.
O Sinal dos verdadeiros discípulos
Conta-se que São Pio X, durante audiência aos membros de um dos colégios eclesiásticos romanos, perguntou aos jovens estudantes:
–– Quais são as notas distintivas da verdadeira Igreja de Cristo?
São quatro, Santo Padre: Una, Santa, Católica e Apostólica — respondeu um deles.
–– Não há mais de quatro? — indagou o Papa.
–– Ela é também Romana: Una, Santa, Católica, Apostólica e Romana.
–– Exatamente, mas não falta mencionar ainda uma característica das mais evidentes? –– insistiu o Pontífice.
Após um instante de silêncio, ele próprio respondeu:
Ela é também perseguida! Esse é o sinal de sermos verdadeiros discípulos de Jesus Cristo.
Ódio contra Cristo e sua Igreja
A Igreja é perseguida. De fato, sem essa nota não se entende bem a história da Esposa de Cristo, que já começa sob esse signo na mais tenra infância do seu Divino Fundador. Que mal poderia fazer a Herodes aquele Menino, filho de carpinteiro, nascido numa gruta e deitado numa manjedoura? Nenhum. Mas na ímpia tentativa de tirar-Lhe a vida, o tetrarca não hesitou em mandar assassinar crianças inocentes.
Ao longo da vida pública de Jesus, o ódio contra Ele não fez senão crescer, e chegou ao paroxismo quando os fariseus tomaram a decisão de matá-Lo e obtiveram de Pilatos a iníqua sentença de condenação. De tal forma detestavam o Divino Mestre, que não toleravam sequer vê-Lo fazer o bem, ou ensinar a doutrina da Salvação.
Nessa mesma inimizade encontra-se a fonte das investidas sofridas pela Igreja após a subida de Nosso Senhor ao Céu. Assim, foi movido por ódio furibundo contra os cristãos que Nero deu início, no ano 64, à sangrenta perseguição que haveria de durar, com intermitências, até 313, quando o Imperador Constantino concedeu liberdade à Igreja, pelo Edito de Milão.1
E ao longo dos séculos subsequentes, a Esposa de Cristo nunca deixou de enfrentar os mais variados ataques — por vezes cruentos — e incessantes oposições, ora abertas, ora solapadas. Mesmo em nossos dias, este ódio contra aqueles que praticam o bem não deixa de se manifestar em seus múltiplos aspectos.
Os maus não suportam os bons
Se o mundo vos aborrece, sabei que aborreceu primeiro a Mim. Lembrai-vos da palavra que Eu vos disse: ‘O servo não é maior que seu Senhor’. Se Me perseguiram a Mim, também a vós vos perseguirão” (Jo 15, 18.20). Por estas palavras de Jesus, vemos serem a adversidade e a incompreensão inerentes à existência terrena do verdadeiro fiel, pela irreversível incompatibilidade entre a doutrina do mundo e a de Cristo. Pois, desde o tempo dos nossos primeiros pais, há entre a bendita posteridade de Maria Santíssima e a raça da serpente maldita o irreconciliável antagonismo descrito pelo Gênesis: “Porei inimizades entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn 3, 15).
Os maus não suportam os bons, e para estes, o ódio daqueles indica eleição por parte de Deus, conforme se depreende destas palavras de São Jerônimo a Santo Agostinho: “Sois celebrado por todo o mundo. Os católicos veneram e reconhecem em vós o restaurador da antiga Fé, e — o que é sinal de glória ainda maior — todos os hereges vos detestam e perseguem com o mesmo ódio que a mim, anelando matar-nos com o desejo, já que não podem fazê-lo com as armas”.2
É na fidelidade dos justos diante das perseguições que reluz de modo especial a glória de Deus.
Anúncio do fim do mundo
A liturgia escolhida pela Igreja para este penúltimo Domingo do Tempo Comum significa praticamente o término do Ano Litúrgico C, uma vez que antecede à Solenidade de Cristo Rei. A perspectiva do fim do mundo e do Juízo Final é muito acentuada nos textos, e convida-nos a considerar com mais atenção a justiça, contraponto indispensável da bondade e da misericórdia divinas.
Naquele tempo, 5 algumas pessoas comentavam a respeito do Templo que era enfeitado com belas pedras e com ofertas votivas”.
Após acerba discussão com os escribas e fariseus, ocorrida justamente no recinto do Templo (cf. Lc 20, 45-47; Mt 23, 13-36; Mc 12, 38-40), dirigia-Se Jesus ao Monte das Oliveiras. No caminho, os discípulos manifestavam seu encanto com a beleza daquela “construção de imensa opulência”, no dizer de Tácito,3 rica em simbologias que elevavam a mente para Deus, como convém a todo edifício religioso.
Ponto de referência máximo do povo judeu, para o Templo se voltavam os corações dos israelitas do mundo inteiro. Extraordinária era sua história, desde o momento em que, erigido por Salomão, uma densa e miraculosa nuvem dele tomara conta: ali ofereciam-se os verdadeiros sacrifícios, eram recebidas insignes graças e os devotos entravam num contato mais intenso com o sobrenatural. Embelezar o Templo era, então, realçar ainda mais o seu significado espiritual.
Entretanto, a julgar pelas palavras ditas a seguir por Nosso Senhor, tudo indica que estavam eles contemplando a Casa de Deus com uma visualização meramente naturalista.
Admiravam o Templo, mas não adoravam Quem o habitava
Jesus disse: 6 ‘Vós admirais estas coisas? Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído’”.
Os Apóstolos tinham diante de si Alguém que valia muito mais do que o Templo: o Criador, o Redentor, a Sabedoria eterna e encarnada. Ao contemplarem com olhos mundanos aquele prédio, manifestavam-se cegos para Deus, porque detinham-se na admiração da criatura sem se elevar até o Criador; compreendiam o símbolo, mas não o Simbolizado. Esta é a razão da contundente advertência de Nosso Senhor.
Pelas mãos de Maria, fora o Menino Jesus apresentado no Templo. Suas muralhas testemunharam as pregações e os inúmeros milagres de Jesus, mas as pedras vivas que o compunham — os sacerdotes e os fiéis — não aceitaram o Messias: “Ele veio para os seus e os seus não O receberam” (Jo 1, 11). Eis por que caiu sobre tão faustoso edifício a terrível condenação: “Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído”.
E essa dura profecia tardaria menos de quarenta anos em realizar-se do modo mais radical possível. “Permitiu a Divina Providência a destruição de toda a cidade e do Templo para que nenhum daqueles que ainda estavam débeis na fé — admirado por subsistirem ainda os ritos de seus sacrifícios — fosse seduzido por suas diversas cerimônias”, comenta São Beda.4
Continua 


quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Evangelho XXXII Domingo do Tempo Comum – Ano C – 2013 - Lc 20, 27-38

Continuação dos comentários ao Evangelho 32º Domingo do Tempo Comum – Ano C – 2013 - Lc 20, 27-38

 A cilada dos Saduceus
Essa é a maravilhosa realidade — revelada por Cristo Jesus e explicitada pela Igreja infalível — que nossa fé católica nos faz aguardar com fortalecida esperança. Mas, na Antiguidade nem de longe essa doutrina era assim conhecida. Sobretudo era ignorada entre os pagãos e mais especialmente em meio a certas correntes filosóficas da Grécia. Não é difícil compreender a razão pela qual se tinha criado obstáculos contra a possibilidade de haver ressurreição.
Antes de tudo devemos considerar a constatação histórica, no dia-adia, sobre os mortos: quais deles retornam à vida? Porém, indo mais ao fundo do problema, encontramos a luta que se estabelece no interior de todo homem entre suas más inclinações e sua consciência. Sendo a criatura humana um monolito de lógica, se admite ela a ressurreição dos corpos como um prêmio ou castigo eternos em proporção aos méritos ou culpas, ver-se-á na obrigação de cumprir as leis morais contra sua própria concupiscência. Sem a graça de Deus, essa batalha sempre termina mal. Ora, foi bem exatamente esse o resultado obtido pelos povos da Antiguidade, chegando alguns filósofos a defender a tese da materialidade da alma e de sua morte concomitante à do corpo.
Origem do partido dos saduceus
Sob o império de Alexandre Magno (356 – 323 a.C.) houve um enorme empenho na helenização e colonização do território pertencente aos hebreus. Do povo eleito, a classe mais abastada foi a mais atingida pela influência estrangeira e, aos poucos, transformou-se numa espécie de aristocracia sacerdotal, dando origem ao partido dos saduceus.
Cumpridores exatos das formalidades da Lei, os membros desse partido eram, na realidade, incrédulos e relativistas em matéria moral. Reduziam ao mínimo as exigências dogmáticas e não receavam professar erros crassos hauridos do mundo pagão, como por exemplo chegavam a se opor à existência dos anjos e, pior ainda, não aceitavam a própria existência das almas separadas dos corpos. Negavam inclusive a providência de Deus, como também Sua ação sobre os acontecimentos. Eram ateus-práticos e apesar de se revestirem dos cerimoniais do culto da religião judaica, não passavam de semipagãos. Não é difícil concebê-lo pois, ainda nos dias de hoje esbarramos não poucas vezes com pessoas dessa mentalidade e submersas nas mesmas convicções.
Apesar do número dos saduceus ser proporcionalmente muito reduzido, a péssima influência por eles exercida sobre o povo, era bem considerável, devido à sua situação social. Seu nome tem origem na palavra hebraica ṣadiq (‫ ,)צדיק‬ou seja, justo. Talvez por arrogância própria, eles mesmos escolheram esse nome, ou por debique lhes foi conferido por outros.
Os saduceus constituíam uma forte corrente, em oposição os fariseus. Os dois partidos compunham o quadro político social e religioso vigente durante a vida pública do Divino Mestre. Apesar do caráter inteiramente pacífico, ordeiro e caritativo em extremo da atuação de Jesus, essas correntes — acrescentemos ademais o sinédrio, os escribas e os herodianos — se alternavam para de maneira encarniçada Lhe armar alguma cilada da qual pudesse resultar sua prisão e condenação à morte. Eis a vez dos saduceus com seu deboche feito de ceticismo.
A objeção levantada pelos saduceus
Aproximaram-se depois alguns saduceus, que negam a ressurreição, e fizeram-Lhe a seguinte pergunta: “Mestre, Moisés deixou-nos escrito: ‘Se morrer o irmão de algum homem, tendo mulher, e não deixar filhos, case-se com ela o seu irmão, para dar descendência ao irmão.’ Ora, havia sete irmãos. O primeiro casou, e morreu sem filhos. Casou também o segundo com a viúva, e morreu sem filhos. Casou depois com ela o terceiro. E assim sucessivamente todos os sete; e morreram sem deixar filhos. Morreu enfim também a mulher. Na ressurreição, de qual deles será ela mulher, pois que o foi de todos os sete?”.
Sobre esses versículos, afirma Filion: “A citação dos saduceus era exata quanto ao sentido. Esta prescrição, que não era particular dos judeus, pois também é encontrada em vários povos antigos, como os egípcios, os persas e os hindus, e ainda hoje entre os circasianos, é conhecida com o nome de lei do Levirado, que seria a lei que regula o matrimônio entre cunhados e cunhadas. Tinha por objetivo conservar o ramo primogênito de cada família e impedir a excessiva transmissão dos bens a outrem. Não estava limitada aos irmãos do marido morto sem filhos, mas se estendia também aos parentes próximos, como sabemos pelo livro de Ruth (3, 9-13). Não era estritamente obrigatória, mas o que se recusasse cumpri-la tinha que se submeter a uma cerimônia humilhante (Dt 25, 7-10; Rt 4, 1-11). Apesar de que no tempo de Nosso Senhor já havia caído em descrédito, que irá aumentando com os anos, não havia cessado de estar em vigor na Palestina. […]
Esta breve narração, picante e rápida, é um modelo de casuística refinada. Seus autores davam por seguro que a questão que acabavam de propor a Jesus lhe co- locaria seguramente em um grande apuro. Como poderá responder esta deductio in absurdum? Não parece que fere de morte o dogma da ressurreição dos corpos, provando que deste nascem dificuldades insolúveis? Ainda que não tivesse havido mais do que dois matrimônios, a questão se apresentaria do mesmo modo (a bem da verdade, a propuseram alguns rabinos e estes a haviam resolvido dizendo que neste caso a mulher pertenceria, na outra vida, ao primeiro dos dois maridos. Zohar Gen. 24, 96); mas, multiplicando-os desta maneira, os saduceus conseguem ressaltar mais a objeção” 12.
Entretanto, poderíamos, com segurança, afirmar ser característica evidente de inteligência superficial e sem substância, o julgar os acontecimentos e o próprio ser humano pelas simples aparências sensíveis, sem nunca se elevar ao invisível. Para esse tipo de gente, Deus lhes é semelhante e a eternidade não é senão um prolongamento do mundo atual se é que ela existe. Não se poderia esperar outro tipo de objeção de um libertino para justificar seu relativismo.
É incrível a semelhança do discurso dos saduceus com o raciocínio de certos filósofos atuais e de outros tempos. São tão numerosas as oposições ao dogma da ressurreição surgidas ao longo da História que se fôssemos catalogá-las todas, seria intérmina sua coleção.
Resposta do Divino Mestre
Jesus disse-lhes: “Os filhos deste mundo casam e são dados em casamento, mas os que forem julgados dignos do mundo futuro e da ressurreição dos mortos, não desposarão mulheres, nem as mulheres desposarão homens, porque não poderão jamais morrer; porquanto são semelhantes aos anjos e são filhos de Deus, visto serem filhos da ressurreição”.
Em nossa vida terrena, devido à mortalidade, a existência da sucessão é indispensável para perpetuar-se a humanidade, e por consequência o matrimônio será uma exigência até se completar o número dos eleitos.
Ora, a eternidade, enquanto excelente imagem de Deus, não comportará a morte, e os bem-aventurados viverão exclusivamente nas leis do Espírito, no conhecimento e amor de Deus, vendo-O face a face. Os corações e as inteligências estarão unidos nas castas delícias da caridade perfeita, sem nenhuma necessidade do matrimônio. “Porque os casamentos são feitos para se ter filhos; os filhos vêm para a sucessão; e a sucessão chega pela morte; portanto, onde não há morte não há casamentos” 13.
Não é demais insistirmos que erraríamos se julgássemos ser a ressurreição um acontecimento exclusivo aos corpos dos justos. Não se deve crer “que unicamente ressuscitarão os que sejam dignos ou os que não se casam, mas também ressuscitarão todos os pecadores, e não se casarão na outra vida. Além do mais, o Senhor, para estimular nossas almas a buscar a ressurreição gloriosa, quis falar somente dos eleitos” 14.
Depois da ressurreição, os corpos dos eleitos serão “angelizados” e já não estarão sujeitos às leis da matéria e nem às da animalidade, conforme anteriormente dissemos. Torna-se patente, assim, o quanto devemos evitar o pecado pois, “se viverdes segundo a carne, morrereis [ressuscitar para ser lançado em corpo e alma no inferno, é morte eterna], mas se, pelo Espírito, fizerdes morrer as obras da carne, vivereis” (Rm 8, 13).
Deus não cria nossos corpos diretamente como o faz com nossas almas. Nesse sentido, somos filhos dos homens, expostos a todas as contingências inerentes à nossa natureza, até a morte. Como “filhos da ressurreição”, seremos filhos da onipotência divina, a qual restaurará nossos corpos de forma imediata, sem o concurso nem sequer de nossos pais terrenos.
Eis o quanto estavam errados os saduceus com seus falsos e infundados argumentos. Quando se afasta de Deus e de sua Revelação, o homem sempre cria sistemas de pensamento obscuros, estreitos e obtusos.
A imortalidade da alma
Que os mortos hajam de ressuscitar, o mostrou também Moisés no episódio da sarça, quando chamou ao Senhor o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, e o Deus de Jacó. Ora Deus não é Deus de mortos, mas de vivos, porque para ele todos são vivos.”
Nesses versículos, claramente defende o Divino Mestre a imortalidade da alma, depois de ter revelado a ressurreição dos corpos. As Escrituras têm outras passagens ainda mais explícitas sobre a ressurreição (Dn 12, 2; Is 26, 19) que bem poderiam ter sido enunciadas por Jesus. Mas Ele lançou mão do exemplo ocorrido na vida de Moisés, para refutar a citação feita pelos próprios saduceus ao Levirato (Dt 25, 5-6).
Se o homem, ao morrer, se precipitasse no vazio, aniquilando-se em seu ser, todas as promessas da Escritura cairiam também no vazio. Deus jamais reduz ao nada qualquer de suas criaturas. As formas podem ser mutáveis, mas as substâncias permanecem. Nossos corpos são como que invólucros de nossas almas. Estas podem se desprender daqueles, cessando de emitir aos nossos sentidos as manifestações de sua existência, mas continuarão a viver na vingança ou no amor de Deus, nas trevas ou na Luz eternas.
Se Deus se define como ‘Deus de Abraão, Deus de Isaac, Deus de Jacó’ e é um Deus de vivos, não de mortos, então quer dizer que Abraão, Isaac e Jacó vivem em alguma parte; se bem que, no momento em que Deus fala a Moisés, eles já haviam desaparecido há séculos. Se existe Deus, existe também a vida além do túmulo. Uma coisa não pode estar sem a outra. Seria absurdo chamar a Deus de ‘o Deus dos vivos’ se, no final, Ele se encontrasse só para reinar sobre um imenso cemitério de mortos. Não entendo as pessoas (parece que existem) que dizem crer em Deus, mas não em uma vida ultra-terrena.
A pesar disso, não é necessário pensar que a vida além da morte começa só com a ressurreição final. Aquele será o momento em que Deus, também, tornará a dar vida aos nossos corpos mortais” 15.
Conclusão
Frustradamente vive o mundo, hoje em dia, à busca de novos prazeres, a fim satisfazer a sede de infinito que arde no âmago da alma humana. Se pudessem os homens ouvir um acorde da música celeste que arrebatou em êxtase a São Francisco, ou contemplar por um rápido momento a face de Deus que levou a São Silvano ter repugnância às faces dos homens, compreenderiam o quanto as delícias do Céu são puríssimas, eternas e opostas às da Terra.
Sêneca comentando o suicídio de Catão, concretizado com o auxílio de um punhal, para fugir das considerações de uma Roma que perdera a liberdade, afirma que o motivo principal de sua morte estava centrado na doutrina elaborada por Platão em sua obra Fedon, na qual explana longamente a imortalidade da alma. Em sua genialidade, Sêneca resume o ato com esta frase: “Ferrum fecit ut mori posset, Plato ut vellet”: O ferro (aço) fez que pudesse morrer, Platão que quisesse.” Se os próprios pagãos quando fiéis à razão chegavam a essas conclusões, por que nós batizados haveremos de seguir os equívocos dos saduceus?
1) Suma contra Gent. 4, 84. 2) Idem, ibidem, 4, 86 3 ) Idem, ibidem. 4 ) Idem, ibidem. 5 ) Idem, ibidem. 6 ) Idem, ibidem. 7 ) Suma contra Gent. 4, 89. 8 ) Idem, ibidem. 9 ) Idem, ibidem. 10 ) Idem, ibidem. 11 ) Idem, ibidem. 12 ) L.–Cl. FILLION. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Madrid: Editorial Voluntad, 1927. T. IV, p. 95-96. 13) SANTO AGOSTINHO apud S. Tomás de Aquino, Catena Aurea.14) BEDA apud Ibidem. 15) CANTALAMESSA, Raniero. Echad las Redes. Ciclo C. EDICEPI C.B., 2001, p. 346.


domingo, 3 de novembro de 2013

Evangelho XXXII Domingo do Tempo Comum – Ano C – 2013 - Lc 20, 27-38

Comentários ao Evangelho 32º Domingo do Tempo Comum – Ano C – 2013 - Lc 20, 27-38

Mons. João Scognamiglio Clá Dias, E.P .

Evangelho Lc 20, 27-38

27 Aproximaram-se depois alguns saduceus, que negam a ressurreição, e fizeram-Lhe a seguinte pergunta: “Mestre, Moisés deixou-nos escrito: ‘Se morrer o irmão de algum homem, tendo mulher, e não deixar filhos, case-se com ela o seu irmão, para dar descendência ao irmão.’ Ora, havia sete irmãos. O primeiro casou, e morreu sem filhos.
30Casou também o segundo com a viúva, e morreu sem filhos. Casou depois com ela o terceiro. E assim sucessivamente todos os sete; e morreram sem deixar filhos. Morreu enfim também a mulher. Na ressurreição, de qual deles será ela mulher, pois que o foi de todos os sete?”
34Jesus disse-lhes: “Os filhos deste mundo casam e são dados em casamento, mas os que forem julgados dignos do mundo futuro e da ressurreição dos mortos, não desposarão mulheres, nem as mulheres homens, porque não poderão jamais morrer; porquanto são semelhantes aos anjos e são filhos de Deus, visto serem filhos da ressurreição. Que os mortos hajam de ressuscitar, o mostrou também Moisés no episódio da sarça, quando chamou ao Senhor o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, e o Deus de Jacó. 38 Ora Deus não é Deus de mortos, mas de vivos, porque para ele todos são vivos” (Lc 20, 27-38).
A Ressurreição dos corpos
Afirma o Apóstolo que Jesus ressuscitou como “primícias dos que morrem” (1 Cor 15, 20). São Paulo não perde nenhuma oportunidade para acentuar a importância da ressurreição final com vistas a animar aos coríntios por ele batizados a continuarem firmes na fé, como também no trabalho apostólico. Segundo ele, sem essa fé, a tendência seria adotar-se um sistema de vida epicurista, relativista e libertino, conforme a expressão de Isaías: “Comamos e bebamos porque amanhã morreremos” (22, 13).
No capítulo 15 de sua Primeira Epístola aos Coríntios, depois de denominar de “insensato” a quem se põe o problema de como e em que condições ressuscitam os mortos, ele procura esclarecer de forma muito simples e acessível a revelação sobre a identidade substancial dos corpos nesta vida terrestre e os readquiridos após o Juízo Final, apesar das enormes diferenças de propriedade e aspecto entre o morto e o ressurrecto.
A comparação é retirada da natureza vegetal. Desta, Paulo faz uma aproximação entre a morte do grão ao ser semeado, sua posterior germinação e frutificação, com o nosso retorno à vida, no dia do Juízo. “Assim também será a ressurreição dos mortos. Semeia-se na corrupção, ressuscita-se na incorrupção. Semeia-se na ignomínia, ressuscita-se glorioso. Semeia-se na debilidade, ressuscita-se na força. Semeia-se um corpo natural, ressuscitará um corpo espiritual” (1 Cor 15, 42-44).
Nosso corpo participa dos prêmios e castigos da alma
Mais de um milênio após essa proclamação de Paulo, o Doutor Angélico nos deixaria uma rica e profunda doutrina sobre a essência dessa revelação. Sempre levando em conta estar a alma unida ao corpo como forma e matéria, e “como a alma é a mesma especificamente, parece que deve ter também a mesma matéria específica. Logo, será o mesmo corpo antes e depois da ressurreição. E assim, será preciso que esteja composto de carne e ossos, e de outras partes da mesma classe” 1.
Nosso corpo ressuscitará porque Deus assim quis e determinou, como também por ser parte integrante de nós mesmos, merecendo os prêmios ou castigos conforme caibam à nossa alma na medida em que tenha participado dos méritos ou das iniqüidades da mesma. Por isso, “entre os bons e os maus permanecerá uma diferença fundamentada no que pertence pessoalmente a cada um. […] e como a alma merece, pelos seus atos pessoais, ser elevada à glória da visão de Deus ou ser excluída pela culpa da ordenação para tal glória, segue-se, como conseqüência, que todo corpo se conformará segundo a dignidade da alma” 2.
Os corpos dos justos se revestirão de glória
A morte não é senão um sono prolongado (cf. Jo 11, 11), e os cemitérios, vastos dormitórios. Os que repousam no pó da terra despertarão, uns para a felicidade eterna, outros para as trevas e castigo também eternos (cf. Dn 12, 2). Os bons, já no acordar, terão seus corpos em claridade. “Pela claridade da alma elevada à visão de Deus, o corpo, unido à alma, alcançará algo mais. Pois estará totalmente sujeito a ela pelo efeito da virtude divina, não só enquanto ser, mas também enquanto ações e paixões, movimentos e qualidades corpóreas. Portanto, assim como a alma se encherá de certa claridade espiritual, ao gozar da visão divina, também, por certa redundância desta no corpo, se revestirá este, à sua maneira, da claridade da glória”. 3
Ademais, os corpos dos bons, no próprio instante da ressurreição, gozarão da agilidade. “A alma, que unida a seu fim último gozará da visão divina, experimentará o cumprimento total de seu desejo em tudo. E como o corpo se move conforme o desejo da alma, resultará que o corpo obedecerá absolutamente à indicação do espírito. Por isso os corpos que terão os bemaventurados ressuscitados serão ágeis. E isto é o que diz o Apóstolo no mesmo lugar (1 Cor 15, 43): Semeado na fraqueza ressuscita vigoroso. Pois experimentamos a fraqueza corporal porque o corpo se sente incapaz de responder aos desejos da alma nas ações e movimentos que lhe impõe; fraqueza que, então, desaparecerá totalmente pela virtude que sobeja no corpo ao estar a alma unida a Deus. Por isso, na Sabedoria (3,7) se diz também dos justos que correrão como centelhas na palha, não porque tenham que moverse necessariamente, pois tendo a Deus de nada precisam, mas para demonstrar seu poder” 4.
O corpo glorioso se levantará da poeira da terra, espiritualizado, dotado de sutileza. “A alma que goza de Deus se unirá perfeitissimamente a Ele e participará de Sua bondade em grau sumo, conforme sua própria medida; e de igual modo o corpo, pois este se sujeitará perfeitamente à alma” 5.
A impassibilidade dos corpos gloriosos não permitirá a existência de nenhum defeito, dor ou mal. “A alma que goza de Deus terá tudo em ordem à remoção de todo mal, porque onde está o Sumo Bem não cabe mal algum. Logo, também o corpo, aperfeiçoado pela alma e em proporção a ela, será imune de todo mal, não só atual, mas inclusive do mal possível. Do atual, porque em ambos nem haverá corrupção, nem deformidade, nem defeito nenhum. Do possível, porque nada poderão sofrer que lhes perturbe. E por isso serão impassíveis. Mas esta impassibilidade não excluirá neles as paixões essencialmente sensíveis, porque usarão dos sentidos para gozar daquilo que não repugna o estado de incorrupção” 6.
Ressurreição dos condenados
Os maus também ressuscitarão íntegros. “As almas dos condenados têm efetivamente natureza boa, que foi criada por Deus; mas terão a vontade desordenada e afastada do próprio fim. Portanto, seus corpos, no que se refere à natureza, serão reparados e íntegros, pois ressuscitarão na idade perfeita, com todos os seus membros e sem nenhum defeito, nem corrupção que tivesse ocasionado uma falha da natureza ou enfermidade” 7.
As almas dos maus, ao ressuscitarem seus corpos, estarão sujeitas a estes; diferentemente da situação dos bem-aventurados, serão elas carnais e não espirituais. “Como sua alma estará voluntariamente separada de Deus e privada de seu próprio fim, seus corpos não serão espirituais, ou seja, sujeitos totalmente ao espírito, senão que sua alma será carnal pelo afeto” 8.
Nem de longe experimentarão a agilidade dos corpos gloriosos. Muito pelo contrário, serão de certo modo sujeitos à lei da gravidade. “Tais corpos não serão ágeis, nem obedientes à alma, sem dificuldade, mas serão graves e pesados, de certo modo insuportáveis à alma, tais quais são as mesmas almas que se afastaram de Deus pela desobediência” 9.
Serão ainda mais sujeitos às dores e ao sofrimento do que o somos nós nesta vida terrena mas, sem nunca em nada se corromper, além das respectivas almas serem “atormentadas pela privação total do desejo natural da bem-aventurança” 10.
E pelo fato de estar a alma excluída da luz do conhecimento divino, seus corpos serão “opacos e tenebrosos” 11.
Sobre esses desgraçados, triunfará a morte. Ressuscitarão para ser lançados na morte eterna. A eles não se aplicarão as palavras de Isaías (25, 8) e Oséias (13, 14) citadas pelo Apóstolo “A morte foi tragada pela vitória. Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?” (1 Cor 15, 55).
Continua...