Pentecostes era uma das festas tradicionais judaicas. Nela se ofereciam a Deus as primícias das colheitas do campo. Tratava-se de uma das três grandes festas chamadas da “peregrinação”, pois nelas os israelitas deviam peregrinar até Jerusalém para adorar a Deus no Templo. Os judeus da diáspora (residentes no estrangeiro) designavam-na pela palavra grega pentecosté (qüinquagésimo), por ser celebrada 50 dias depois da Páscoa.
“Estavam todos” presentes no cenáculo, diz São Lucas nos Atos. Era toda a Igreja nascente: cerca de 120 pessoas, entre as quais os 12 apóstolos, os 72 discípulos e as santas mulheres. Encontravam-se absortos na oração quando se fez ouvir um ruído estrondoso e um vento impetuoso. Em seguida, aparecem pequenas chamas. Segundo uma piedosa e antiga tradição, a primeira língua de fogo — a mais rica — pousou sobre a cabeça de Nossa Senhora, e a partir dela se multiplicou para os outros.
Por que essas manifestações exteriores? Deus quis tornar visível a plenitude que entregava, o ímpeto de amor, a grandeza do dom que descia.
O “vento impetuoso” pode ser visto como a chegada da torrente de graças que estavam sendo derramadas sobre todos os presentes. Eram graças místicas eficazes e superabundantes que “invadiram” o cenáculo.
Além do fenômeno auditivo, e talvez sensitivo, terá havido um certo perfume? A idéia nos parece plausível.
O fogo, feito de luz e calor, era o melhor elemento para simbolizar o ardor próprio à ação restauradora e entusiasmante do Espírito Santo. Ao pairarem sobre as cabeças de Maria e dos demais presentes, as chamas se apresentavam sob a forma de línguas de fogo. Nelas podemos ver simbolizadas as labaredas que a pregação daqueles varões suscitaria.
“... ficaram todos cheios do Espírito Santo”. De Maria a Igreja exclama: “cheia de graça”, e de fato Ela o foi desde o primeiro instante de sua Imaculada Conceição. No cenáculo recebe uma plenitude ainda maior. Nessa passagem dos Atos vemos também os apóstolos, de acordo com suas respectivas missões, serem inundados dos mais especiais dons. Lembraram-se, então, com amor e compreensão, de tudo o que o Mestre lhes ensinara, estando prontos para percorrer o mundo pregando a Boa Nova.
A graça do Espírito Santo muda todos
Conta São Lucas que naqueles dias Jerusalém estava repleta de judeus e gentios vindos de todas as partes da terra. Como o ruído da ventania fora ouvido por toda a cidade, reuniu-se diante do cenáculo “muita gente e maravilhava-se de que cada um os ouvia falar na sua própria língua. Profundamente impressionados, manifestavam a sua admiração: ‘Não são, porventura, galileus todos estes que falam? Como então todos nós os ouvimos falar, cada um em nossa própria língua materna?’ (…) Estavam, pois, todos atônitos e, sem saber o que pensar, perguntavam uns aos outros: ‘Que significam estas coisas?’ Outros, porém, escarnecendo, diziam: ‘Estão todos embriagados de vinho doce’.” (At 2, 5-13)
Neste trecho se diz que os apóstolos (como os discípulos e as santas mulheres) começaram a falar várias línguas (At 2, 4) e, mais adiante, que cada um os ouvia falar na sua própria língua (At 2, 6). Não fica claro se falavam uma língua e todos os entendiam, ou se falavam várias. Os exegetas não são concordes a tal respeito. Uma expressão no versículo anterior, “conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem”, favorece a segunda hipótese.
São Pedro levantou a voz e disse ao povo: “Homens judeus e vós todos os que habitais em Jerusalém: seja-vos isto conhecido e com ouvidos atentos ouvi as minhas palavras. Estes homens não estão embriagados, como vós cuidais, sendo a hora terceira do dia” (At 2, 14-15).
Ninguém se embriaga às nove da manhã (a hora terceira). Estavam “ébrios”, mas de uma embriaguez divina, e proclamavam a doutrina do Divino Mestre, pronunciando palavras de sabedoria, acerto, glória e repreensão.
“Mas cumpre-se o que foi dito pelo profeta Joel: Acontecerá nos últimos dias...” (At 2, 14).
São Pedro recordou as profecias sobre Cristo. O povo as conhecia e se impressionou, abrindo os corações à conversão. O príncipe dos apóstolos finalizou suas palavras, dizendo:
“A este Jesus, Deus o ressuscitou: do que todos nós somos testemunhas. Exaltado pela direita de Deus, havendo recebido do Pai o Espírito Santo prometido, derramou-o como vós vedes e ouvis. Pois Davi pessoalmente não subiu ao céu, todavia diz: O Senhor disse a meu Senhor: Senta-te à minha direita até que eu ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés (Sl 109, 1). Que toda a casa de Israel saiba, portanto, com a maior certeza de que este Jesus, que vós crucificastes, Deus o constituiu Senhor e Cristo.”
São Pedro faz aqui, como Papa, a primeira proclamação de um dogma na história: o da divindade de Nosso Senhor.
“Ao ouvirem essas coisas, ficaram compungidos no íntimo do coração e indagaram de Pedro e dos demais apóstolos: ‘Que devemos fazer, irmãos?’ Pedro lhes respondeu: ‘Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para a remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo. Pois a promessa é para vós, para vossos filhos e para todos os que ouvirem de longe o apelo do Senhor, nosso Deus’” (At 2, 37-39).
Terá se convertido a maior parte dos que ouviram São Pedro? Os Atos dos Apóstolos não nos dão elementos para saber. Mencionam, todavia, os que “escarnecendo, diziam: Estão todos embriagados de vinho doce” (At 2, 13). Assim, a mesma graça que convertia a muitos, acabava sendo rejeitada por outros. Também não devem ter sido boas as reações dos fariseus, ao saberem desses prodígios e do início da glorificação pública d’Aquele que haviam feito crucificar.
Foram batizadas três mil pessoas. Em poucas horas, a Igreja passava a contar com pelo menos 3.120 membros. Era o início do apostolado em sistema de “avalanche”, que se multiplicaria quando os apóstolos começassem a fazer milagres. Em breve iam estender a evangelização por todo o mundo antigo, e chegaria um momento em que o Império Romano inteiro estaria cristianizado.