O principal objeto do pensamento, ontem e hoje
“Falhou o motor do carro, acabou a energia elétrica, os bancos entraram em greve, foi lançado um novo tipo de software, afinal a ciência encontrou a substância preventiva contra o câncer”... e, se tempo e espaço houvesse, poderíamos encher páginas e páginas com os assuntos que no mundo atual absorvem exageradamente a atenção da humanidade. Deus deixou de ser a preocupação principal de quase todas as pessoas para dar lugar a um desenfreado egocentrismo. A agitação passou a ser a nota tônica do dia-a-dia em toda a face da terra, o relacionamento humano e a própria estrutura da vida social já não mais facilitam a elevação do pensamento a Deus.
A esse respeito, a situação do gênero humano era bem diversa na época da Jesus; apesar da grande decadência na qual estava ele mergulhado, o empenho em conhecer idéias era mais notório. No povo judeu, em concreto, a apetência por explicitações doutrinárias, sobretudo quando estreitamente ligadas com a religião, era robusta e contagiante. Um exemplo característico deste estado de espírito ocorre com o legista que se levanta para fazer uma pergunta a Nosso Senhor. Por mais que seu intento não fosse inteiramente isento de segundas intenções, o questionamento exposto por ele deixa transparecer qual era o teor dos assuntos tratados nas conversas comuns daquele período histórico.
Malévolas intenções dos doutores da lei e dos fariseus
Então, levantou-se um doutor da Lei, que Lhe disse para O experimentar: “Mestre, que devo eu fazer para alcançar a vida eterna?”
A pergunta feita pelo doutor da Lei é praticamente a mesma relatada tanto por São Mateus (22, 35), como por São Marcos (12, 28). Porém, ao lermos os três Evangelhos, damo-nos conta de serem cenas diferentes. Esta de São Lucas deve ter-se passado em Jericó e, levando em conta o consagrado costume durante as exposições e pregações realizadas nas sinagogas — ou seja, todos os assistentes participavam sentados e, ao surgir uma pergunta, esta deveria ser pronunciada de pé — tudo indica ter-se dado no interior desse ambiente.
O anseio mal-disfarçado desse doutor da Lei de apanhar Jesus em algum lapso, transparece na essência e na forma da pergunta. Se alcançasse êxito em seu intento, teria satisfeito seu amor próprio. Provavelmente se tratava de um fariseu ainda não penetrado das malévolas intenções daqueles que, mais tarde, procurariam pretexto para matá-Lo.
O objetivo desse doutor da Lei era de pôr à prova os conhecimentos de Jesus e estabelecer com Ele uma polêmica da qual, sendo doutor, sairia triunfante. Esta suposição se deduz da segunda pergunta feita pelo mesmo personagem a Jesus. O fato de este encaminhar a conversa para um ponto muito discutido entre os rabinos deixa claro esse seu intuito.
Até os fariseus se preocupavam com a vida eterna... E hoje?
Jesus respondeu-lhe: “O que é que está escrito na Lei? Como lês tu?” Ele respondeu: “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento, e o teu próximo como a ti mesmo.”
Em Marcos encontramos idêntica pergunta feita pelo moço rico, à qual Jesus responde com um elenco sintético das virtudes obrigatórias para todos (cf. 10, 17ss). No caso presente, o doutor da Lei não obtém d’Ele senão uma outra interrogação como resposta. O Divino Mestre lhe propicia a prática da virtude da humildade, remetendo-o ao primeiro Mandamento da Lei de Deus, fato desagradável para um teólogo de fama: o ter de retornar ao Catecismo. Esse procedimento de Jesus não poderia ser melhor, pois desse modo facilitava ao seu interlocutor um passo a mais na sua vida espiritual: o ver-se na contingência de repetir a frase que todo judeu recitava duas vezes ao dia: “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças” (Dt 6, 5). E como não lhe ficaria bem dizer tão pouco, ele resolve acrescentar um complemento para, talvez, fazer assim notar diante dos outros sua erudição: “Amarás teu próximo como a ti mesmo” (Lv 15, 18). Com sabedoria comenta este versículo o famoso Maldonado: “Com admirável prudência, Cristo remete para a Lei aquele doutor que fingia ignorância e pretendia explorar sua doutrina.
Costumava assim proceder quando Lhe faziam perguntas capciosas, para atenuar o efeito desagradável de sua resposta. Remetia, pois, para a Lei, e era esta que condenava quem dela se vangloriava”.
Se fôssemos nos deter na consideração de cada uma das palavras do Deuteronômio (6, 5) espaço não haveria. Basta-nos saber que o verbo empregado nas versões latinas, não é amare mas diligere. Este termo diz respeito ao amor sentido que resulta da soma da vontade espiritual e do sentimento.
Apesar do lamentável estado moral e espiritual do povo naquelas circunstâncias históricas, as pessoas se colocavam diante da problemática da salvação eterna: “... que devo fazer para possuir a vida eterna?” Muito diferentemente de nossos dias, pois quem hoje se preocupa com seu destino após a morte? Atualmente, o empenho por conservar não só a saúde, como também a beleza, uma bem sucedida situação financeira, etc., absorve todas as atenções; o nosso futuro após ultrapassarmos as barreiras do tempo é matéria de total desinteresse. Assim, os patrões não zelam pela formação espiritual de seus empregados; os pais, pela de seus filhos; os professores, pela de seus alunos; etc. Rompem com o gravíssimo dever imposto a eles por Deus de serem mestres junto a outros...
São Basílio, atendendo às aspirações dos fiéis de seu tempo, deixou-nos uma belíssima interpretação a respeito do amor a Deus: “Se alguém nos perguntar como se pode adquirir o amor divino, responderemos que não se aprende este amor.
Não aprendemos de outrem a nos alegrarmos com a presença da luz, nem a amar a vida, nem a amar nossos pais ou nossos amigos; nem, muito menos, podemos aprender as regras do amor divino; mas há em nós um sentimento íntimo, o qual tem suas causas intrínsecas e nos predispõe a amar a Deus. E quem obedece a esse sentimento põe em prática a doutrina dos preceitos divinos e atinge a perfeição da divina graça. Amamos naturalmente o bem; amamos também nossos próximos e parentes; ademais, damos espontaneamente aos benfeitores todo o nosso afeto. Se, pois, o Senhor é bom, e todos desejam o bom, aquilo que se aperfeiçoa por nossa vontade reside naturalmente em nós. A Ele, embora não O conheçamos por sua bondade, no simples fato de que d’Ele procedemos, temos obrigação de amá-Lo sobre todas as coisas, como sendo o nosso princípio. É também maior benfeitor do que todos os que se amam naturalmente. Por conseguinte, o primeiro e principal mandamento é o de amar a Deus” (3).
Quem mais próximo do que Jesus?
Jesus disse-lhe: “Respondeste bem: faze isso e viverás.” Mas ele, querendo justificar-se, disse a Jesus: “E quem é o meu próximo?”
O pobre doutor da Lei se via numa situação de inferioridade — muito útil, aliás, para a sua vida espiritual — e procurou justificar-se, pois nada pior do que o silêncio diante do público que o circundava. Qualquer bobagem cairia melhor. O próprio Pilatos, em circunstâncias análogas, também optou por perguntar : “O que é a verdade?”
“Finge, pois, o doutor que não está perguntando uma coisa tão vulgar e conhecida de todos, mas sim um ponto difícil e discutido entre os mais insígnes doutores (...). Por outro lado, Santo Ambrósio, Teofilaro, Eutímio e (segundo São Tomás) São Cirilo opinam que ele propôs formalmente essa questão por pensar que próximos eram só os justos com respeito a ele, que se considerava justo” (4).
Em síntese, o seu desejo de demonstrar ter inteiro cabimento sua primeira pergunta o leva a enunciar esta outra que, nos dias atuais, com facilidade qualquer criança de Catecismo responderia. Entretanto, naquela quadra histórica constituía uma questão inextricável. As origens familiares, as classes sociais, o regionalismo, a nacionalidade, a raça, eram fatores de separações estanques. Não nos esqueçamos de mencionar a terrível discriminação da escravidão, consagrada em todas as legislações da época. Ora, o povo mais afetado por esse espírito de separatismo era o judeu. Basta correr os olhos pelo Talmud para comprovar os extremos a que chegou contra os goyim, ou seja, todos os não judeus. Muito comum era o juízo de que só os do povo eleito eram chamados à salvação eterna. Ademais, baseados no Levítico: “não guardarás rancor contra os filhos de teu povo” (Lv 19,18), não concebiam que a amizade pudesse transpor os limites da nacionalidade.
Porém, “daí não se segue que ele tenha feito a pergunta com sinceridade e desejo de aprender, porque, embora ignorando, estava convencido de que sabia” e a tal ponto que a Escritura não deixava margem a dúvida de como tratar ao não-judeu: “Se algum estrangeiro habitar na vossa terra, e morar entre vós, não o impropereis; mas esteja entre vós como um natural; e amai-o como a vós mesmos; porque também vós fostes estrangeiros na terra do Egito” (Lv 19. 33-34).
Por outro lado, vemos esse doutor numa situação paradoxal: “Naquele mesmo instante se encontrava um próximo extraordinariamente especial ou seja, o próprio Deus! Por isso, ao fazer essa pergunta, deixa claro (...) que não conhecia seu próximo, porque não acreditava em Cristo, e quem não conhece Cristo desconhece a Lei; porque, ignorando a verdade, como pode conhecer a Lei que anuncia a verdade?”
Talvez a isso o tivesse levado seu orgulho pouco ou nada combatido.
“Elogiado pelo Salvador, por ter respondido bem, o doutor da Lei encheu-se de soberba, não acreditando existir alguém que pudesse ser seu próximo, como se não houvesse quem fosse capaz de equiparar-se a ele em justiça. Por isso diz: ‘Mas ele, querendo justificar-se, disse a Jesus: E quem é o meu próximo?’ Assediavam-no, por assim dizer, alternativamente, os vícios: após a falácia com que fizera a pergunta, tentando, cai na arrogância. Ao perguntar: ‘Quem é o meu próximo?’, já se mostra vazio do amor ao próximo e, em conseqüência, revela-se vazio do amor divino, pois, não amando o irmão a quem vê, não pode amar a Deus a quem não vê” .
Os escribas e fariseus — que alimentavam entre si, dia-a-dia, sua indignação contra os gentios, como até mesmo à própria plebe judaica — iriam ouvir do Mestre uma clara e irrefutável lição, cheia de calor, de como se deve tratar o próximo...
A parábola: Quem é, afinal, o meu próximo?
Jesus, retomando a palavra, disse: “Um homem descia de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos dos ladrões que o despojaram, o espancaram e retiraram-se, deixando-o meio morto.”
Quantas escolas e cursos de didática se multiplicam por todo o orbe! Entretanto, é impossível superar aquela empregada pelo Divino Mestre em sua vida pública. A criação da figura do Bom Samaritano é simplesmente genial. A própria descrição das circunstâncias geográficas nas quais o caso se verifica é de um colorido tão real que por pouco não julgamos tratar-se de um fato histórico.
Jerusalém dista de Jericó, aproximadamente, trinta quilômetros e, entretanto, a diferença de altitude entre uma e outra cidade quase atinge seus mil metros. Ao empreender-se o caminho partindo de Jerusalém, depois de percorrer uns três quilômetros, chega-se a Betânia, após a qual termina a vegetação e uma região bem rochosa se evidencia por longa extensão. A certa altura, nos dias de hoje, encontra-se uma hospedaria com o nome de “Bom Samaritano”, ao que parece, para fazer jus à parábola. Tudo leva a crer que de fato deve ter sido esse o local descrito pelo Senhor, pois ao longo dos séculos multiplicaram-se ali os assaltos, e não só à noite, mas em plena luz do dia. Ademais, existem ainda, não muito distante desse albergue, as ruínas de uma fortaleza, prova evidente do quanto devia ser perigoso o local.
O Evangelho sempre procura ser sintético, motivo pelo qual muitos aspectos, talvez secundários, de suas narrações não passam para a História. Por isso, não é exagero imaginarmos o quanto os detalhes psicológicos e geográficos foram cuidadosamente elaborados pelo Senhor.
Por esse caminho descia supostamente um judeu, pois, não tendo sido mencionada sua raça, por exclusão só podia tratar-se de um co-nacional do levita e do sacerdote que o sucederiam após o assalto. Entretanto, como veremos, essa imprecisão tem sua razão de ser. Das cavernas, ou de trás das rochas, surgem uns assaltantes que despojam o pobre homem e, certamente por ter ele reagido, aplicam-lhe severos golpes, abandonando-o quase sem vida em meio ao seu próprio sangue, impedido, portanto, de seguir seu curso normal.
Uma vez delineada a dramática situação desse homem e a fuga dos bandidos, a cena se enriquece com três personagens mais: um sacerdote, um levita e o samaritano.
O sacerdote e o levita violam a Lei, por terem o coração endurecido
Ora aconteceu que descia pelo mesmo caminho um sacerdote que, quando o viu, passou de largo. Igualmente um levita, chegando perto daquele lugar e vendo-o, passou adiante.
A nacionalidade judaica e a respectiva religião eram os mais elevados pressupostos de honra de todo o povo eleito. Ora, aquele ferido possuía essas características essenciais, e vê-se claramente qual foi a intenção do Divino Mestre ao ideá-lo como vítima, pois o sacerdote ao se aproximar apenas o verá e passará adiante. Deduz-se que ele havia terminado seu serviço no Templo e retornava a Jericó onde residiam muitos dos de sua categoria. Não podia ser mais providencial esse encontro fortuito. A Lei determinava como obrigação grave socorrer qualquer acidentado, sobretudo em estado pré-agônico.
Religião, nacionalidade, desamparo, nada moveu aquele duro coração de um ministro de Deus chamado ao heroísmo da caridade. Não é difícil imaginarmos os raciocínios que provavelmente elaborou a partir de então e ao longo do caminho, para tranqüilizar sua atormentada consciência: “É um homem qualquer! Um desconhecido, sem títulos. É melhor nem me deter, para não rebaixar minha condição”. Eram as razões ditadas pelo orgulho mal-combatido, e não tão raro, naqueles que tinham por vocação a missão de extirpar esse mesmo vício nos outros e em si próprios. Ademais, se a humildade fosse sua companheira, nada lhe custaria, ainda que por puras palavras, procurar confortar aquele pobre hebreu. Um pequeno desvio, sem muito deter-se, foi todo o seu esforço. “Assueta vilescunt”, diz-se em latim; ele estava calcinado por uma rotina entibiada de suas funções litúrgicas no Templo, como também intoxicado pela hipocrisia dos escribas e fariseus.
Não lhe devia ser estranho um certo cálculo dos gastos a serem efetuados, caso ele se propusesse socorrer aquela vítima roubada, despojada e ensangüentada. Nem sequer poderia contar com uma recompensa e, menos ainda, com a recuperação do dinheiro empregado. Nada poderia esperar em retribuição aquele ministro pela perda de tempo, incomodidade, prejuízo, etc. Manifestou-se robusto seu caráter interesseiro de um vil pragmatismo diante daquele drama.
No extremo oposto da bondade, encontramos ao longo da História corações duros, cruéis e difíceis de se deixarem enternecer pelos necessitados. Nada os move à compaixão. Ali “por acaso, descia” um exemplo vivo dessa empedernida insensibilidade.
Aquela cena, entrecortada por gemidos que imploravam socorro e misericórdia, mais inspirava repulsa e náusea do que pena, naquele coração pervadido de amor-próprio.
Porém, a Lei era explicitamente contrária aos seus sentimentos de egoísmo (cf. Ex 23, 5), e ele não podia ter abandonado seu irmão, sobretudo naquelas circunstâncias.
As mesmas considerações serviriam para caracterizar a atitude idêntica do levita que, logo a seguir, também passou por ali. Ambos provavelmente haviam deixado o Templo após o término de seu expediente e desciam para Jericó, cidade que abrigava a metade dos servidores religiosos.
Misericórdia do samaritano
Um samaritano, porém, que ia de viagem, chegou perto dele e, quando o viu, encheuse de compaixão. Aproximou-se dele, ligou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho; e, pondo-o sobre o seu jumento, levou-o a uma estalagem e cuidou dele. No dia seguinte tirou dois denários, deu-os ao estalajadeiro e disse-lhe: “Cuida dele; quanto gastares a mais, eu to pagarei quando voltar”.
Bem diferente foi a reação do samaritano. Sem levar em conta o ódio racial que violentamente os separava, apesar de se tratar de um inimigo seu, sua religiosa incompatibilidade se transformou, no mesmo instante, em comiseração. O Evangelho recolhe os maravilhosos detalhes da divina parábola elaborada por Jesus para o doutor da Lei: o samaritano se manifesta um herói da caridade desde o descer de sua montaria, aplicando in loco todos os cuidados cabíveis naqueles tempos, conduzindo a vítima a uma pousada, até o contrair uma dívida com o estalajadeiro, a fim de que este dispensasse todos os cuidados ao pobre judeu. Percebe-se, pelo contrato proposto e aceito, ser ele um mercador de confiança e muito estimado pelo dono da estalagem.
Qual destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos ladrões? 37 Ele respondeu: “O que usou de misericórdia com ele.” Então Jesus disse-lhe: “Vai e faze tu o mesmo.”
Novamente, Jesus responde ao doutor da Lei com outra pergunta, parecendo à primeira vista desejoso de desviar-se um tanto da substância da temática proposta pelo consulente. Esse aparente desvio da questão, intencionalmente levado a cabo pelo Divino Mestre, é uma quimera que atrai a atenção da maioria dos comentaristas, dando-lhes ocasião para levantar as mais variadas hipóteses. Trazemos à tona a mais sábia e lúcida delas:
“No meu entender, Cristo pretende demonstrar de modo geral que todo homem é nosso próximo; mas o faz de modo adaptado àquele doutor com quem estava tratando. Pensava este que só os justos, ou só os amigos, ou ao menos só os judeus, eram seus próximos. E das próprias palavras da Lei teve ocasião de errar, porque no hebraico próximo significa o mesmo que amigo e companheiro. Quis, pois, Cristo tirá-lo desse erro e obrigá-lo a reconhecer e confessar que próximo não era só o judeu para o judeu, mas também o samaritano para o judeu, isto é, o inimigo para o inimigo. E se o próprio inimigo era próximo para o inimigo, todo homem deve se considerar próximo em relação ao outro. Demonstrou isso com a melhor e mais eficaz argumentação, ou seja, pelo efeito, fazendo ver que o inimigo tinha sido próximo para o inimigo, isto é, o samaritano para o judeu, pois fez o que é característico do próximo, que é ajudar. Por isso Cristo propôs a parábola com o exemplo de um samaritano”.
No mesmo sentido, opina um conhecido comentarista moderno:
A pergunta de Cristo foi feita com intenção especiaL. Perguntou-Lhe o doutor da Lei quem era o próximo para ele. E Cristo [por sua vez], perguntou: Quem agiu como próximo? Desse modo, com um exemplo prático, fez ver que cada homem é próximo para todos os homens. Motivo pelo qual deve estar próximo a ele em todas as suas necessidades. É o paradoxo oriental servindo de máxima pedagogia. Tal foi a lição magisterial de Cristo”.
Tem toda razão Maldonado ao expressar essa análise, pois não era tão explícito para um judeu o conceito de próximo, por várias razões. Por sua história e por sua lei, antes de tudo. Sempre que os judeus se misturavam com outros povos, acabavam caindo na idolatria. Por outro lado, basta considerar o quanto a Terrra Prometida se localizava entre mar, desertos e montanhas, separando o povo judeu, geograficamente, dos demais. Daí ser muito restrito para eles o verdadeiro significado de “próximo”. E entre si julgavam-se irmãos, mas, com os outros, viviam numa antipatia instintiva levada, não raras vezes, até ao ódio.
Por cima dessas circunstâncias, o povo judeu possuía uma missão universal. A ele havia sido confiado o tesouro espiritual do qual deveria ser alimentada toda a humanidade.
Assim se explica essa belissima parábola composta pelo Divino Mestre, que foge um tanto da morfologia das outras, nas quais o simbolismo se espraia por todos os substantivos e adjetivos. Ela constitui um exemplo efetivo e afetivo de amor a Deus, sem o qual não existe Religião, e de amor ao próximo, sem o qual não há amor a Deus.
Quem diz amar a Deus, mas não ama seu próximo, além de mentir, desobedece à Lei divina e se esquece de seu Preciosíssimo Sangue derramado no Calvário.
Esse amor deve ser universal e não podemos nos apoiar em pretextos, aparentemente legitimos, para não praticá-lo, como o fizeram o sacerdote e o levita da parábola. Eles certamente estavam encarregados de missões boas e delas retornavam para suas casas, entretanto, procederam mal com o necessitado.
Não poucos autores aplicam a parábola ao próprio Jesus Cristo, com muita piedade. Não será de mau gosto fazermos urna aplicação a nós, perguntando-nos quais têm sido, em geral, nossas atitudes e reações face aos necessitados de qualquer espécie.