Tríduo Pascal

sábado, 19 de novembro de 2011

Comentário do Evangelho Jo 16,5-7

Agora vou para aquele que me enviou, e ninguém de vós me pergunta: Para onde vais? (Jo 16,5)
São João coloca aqui, no Evangelho, que Nosso Senhor Se queixa porque eles não perguntam: “Para onde vais?”
O que quer dizer essa afirmação feita por Nosso Senhor?
Quer dizer o seguinte: é que eles estavam com as vistas tão postas na matéria, eles estavam com as vistas tão postas no que se passava em torno deles e eles estavam, portanto, tão feitos para considerar os aspectos humanos de Nosso Senhor, que eles não tinham a preocupação de qual era o objetivo último de Nosso Senhor, de onde Ele veio e para onde Ele vai. Mas queriam saber de gozar da presença d’Ele de forma humana.
Ele está querendo chamar, sacudir os Apóstolos. Porque os Apóstolos estavam preocupados com o acontecimento humano.
Ora, dali a pouco Nosso Senhor ia ser morto e Ele precisava sacudi-los para que não prestassem atenção nos episódios que vinham imediatamente, mas que tivessem bem claro o fim.
Nosso Senhor nos dá uma lição aqui: desde que nós tenhamos bem claro o nosso fim, todo o resto fica ajustado. Por isso Ele diz em outro trecho:
Procurai o reino de Deus e sua justiça e o resto vos será dado por acréscimo.
Ele o que está dizendo aqui? É que eles não prestavam atenção no fim, eles estavam com os olhos postos no meio. Nós não devemos prestar atenção no meio? Sim. Mas subjugado ao fim, sempre a ideia do fim deve estar clara em nossa cabeça.
“Mas porque vos falei assim, a tristeza encheu o vosso coração”.(Jo 16,6)
Os apóstolos estavam preocupados com os acontecimentos daquele momento, preocupados e atormentados pelos acontecimentos imediatos.
Ora, Nosso Senhor já lhes deveria ter revelado a Igreja que Ele ia fundar, que  Ele ia ressuscitar, que a obra d’Ele se espalharia pelo mundo inteiro. Entretanto, eles tinham uma ideia mundana e julgavam que Nosso Senhor tinha dito isso de forma humana. E Nosso Senhor está querendo chamar a atenção deles para todo o aspecto sobrenatural.
Por que foi Nosso Senhor? Por que Nosso Senhor se foi?
Porque, se eu não for, o Paráclito não virá a vós; mas se eu for, vo-lo enviarei. (Jo 16,7)
São Tomás, Santo Agostinho, os doutores afirmam que para entrar em cena o Espírito Santo, Nosso Senhor precisava retirar-se; que o Espírito Santo procede do amor do Pai e do Filho e que era preciso, uma vez que Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus e Homem, tendo dado origem à Igreja, do costado de Nosso Senhor Homem tivesse saído a Igreja, era preciso que Nosso Senhor Homem fosse ao trono do Pai Celeste e ali, enquanto Homem e enquanto Deus, adorasse na Segunda Pessoa da Santíssima Trindade a Deus e para que daí, o Espírito Santo que procedeu desde toda a eternidade do amor dos Dois, também procedesse dessa forma para a Igreja e aí transformasse a Igreja.

Um outro argumento: os Apóstolos tinham uma ideia muito humana de Nosso Senhor e estavam com a vista turvada pela humanidade de Nosso Senhor. E era preciso que a humanidade de Nosso Senhor desaparecesse diante deles para que eles então, vindo o Espírito Santo, tivessem uma ideia exata de quem era Nosso Senhor.

Trecho adaptado para linguagem escrita, sem conhecimento e/ou revisão do autor

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Evangelho: Cura de um paralítico (final)

Jesus prova, com o milagre, seu poder de perdoar
9 O que é mais fácil dizer ao paralítico: ‘São-te perdoados os pecados’, ou dizer: ‘Levanta-te, toma o teu leito e anda’?
Em substância, é incomparavelmente mais difícil perdoar os pecados do que curar uma paralisia. Entretanto, o dizer “os teus pecados te são perdoados” não põe em risco, nem à prova, a eficácia destas palavras, pois não há elementos para atestar se de fato os pecados foram ou não perdoados. O contrário se passa com a ordem de levantar-se. Neste caso, a comprovação é imediata. Pode-se bem imaginar o que aconteceria se, depois de proferida a ordem, o paralítico não se movesse de sua maca...
Afinal, como os judeus acreditavam haver um vínculo entre pecado e enfermidade, curada a paralisia, forçosamente o enfermo estaria isento de seus pecados.
10 Ora, para que saibais que o Filho do Homem tem na terra poder de perdoar os pecados, (disse ao paralítico) 11 Eu te ordeno: “Levanta-te, toma o teu leito e vai para a tua casa”.
Sobre estes versículos, pululam os comentários dos mais variados matizes. Maldonado, porém, parece ser melhor inspirado em suas observações. Nota o exegeta que Jesus não Se chamou a Si próprio “Filho de Deus”, mas sim “Filho do Homem”, para tornar claro, ademais, que o poder de perdoar pecados, Ele o possuía também como homem. “Ele prova que é Deus, não com argumentos, mas com a obra, quando lhes revela o que estão pensando; e que perdoa enquanto homem”. Não se referiu a esse poder enquanto seu detentor no Céu — pois o possui desde toda a eternidade — mas “sobre a terra”, “demonstrando que também como homem perdoa pecados”.
Mais adiante concluirá o próprio Maldonado: “Do mesmo modo pelo qual o poder de perdoar os pecados foi comunicado à humanidade de Cristo por sua divindade, assim também de Cristo cabeça derivou para os membros que Ele quis, isto é, para os sacerdotes”.
O resto da cena tem algo de necessariamente teatral para demonstrar ad nauseam a grandeza dos milagres ali operados por Jesus. Daí as três ordens consecutivas dadas por Ele: “Levanta-te”, ou seja, o paralítico a executou por si próprio, sem o auxílio de ninguém, para assim tornar patente o quanto Cristo lhe havia devolvido suas forças; “toma o teu leito”, é outro grande prodígio, pois, além de pôr-se em pé, aquele que só descera do teto pela ajuda de quatro outros também deve recolher o seu leito; “e vai para a tua casa”. Imagine-se o espanto daquela multidão, agora ainda mais apinhada, vendo-se na contingência de abrir para o ex-paralítico a passagem que lhe fora negada à entrada, para ele — com sua cama — buscar o caminho da rua...
12 Imediatamente ele se levantou e, tomando o leito, retirou-se à vista de todos, de maneira que se admiraram e glorificaram a Deus, dizendo: “Nunca vimos coisa semelhante”.
A atitude da multidão é oposta à dos escribas. Aquelas pessoas sentem-se pervadidas de admiração, pois, com toda facilidade, dos efeitos remontam à causa e retribuem a Deus em louvores aquilo que Lhe é devido, reconhecendo o insólito do ocorrido. Crescem assim, nas virtudes teologais, enchem-se de alegria, recebem uma infusão de energia e também progridem no temor de Deus.
Bem diferente deve ter sido o retorno dos escribas às suas casas, trespassados pelas angústias da blasfémia não-reparada. 
Conclusão
Não devemos jamais tomar uma atitude análoga à dos escribas, fechando- nos diante do divino poder de Jesus de perdoar nossos pecados, e assim negligenciar a eficácia, grandeza e necessidade do Sacramento da Confissão. A Liturgia de hoje nos ensina as maravilhas desse poder, que Ele próprio conferiu aos seus sacerdotes.
A fim de alimentar nossa piedade em matéria tão importante, transcrevemos abaixo um belo fato ocorrido com Santa Margarida de Cortona: Vendo a fervorosíssima conversão de Margarida, o Redentor começou a instruí-la e agraciá-la de muitas maneiras, e, mostrando-Se a ela todo cheio de piedade e de amor, chamava-a frequentemente pelo nome de ‘pobrezinha’.
Um dia, a Santa, repleta daquela confiança que é tão própria ao amor filial, disse-Lhe:
— Senhor, Vós sempre me chamais de “pobrezinha”. Quando chegará o dia no qual eu possa ouvir de vossa divina boca o belo título de “filhinha”?
— Ainda não és digna. Antes de receber o nome e tratamento de filha, convém que purifiques melhor tua alma com uma confissão geral de todas as tuas culpas.
Tendo ouvido isso, Margarida fez um minucioso exame de seus pecados e, durante oito dias contínuos, os expôs ao confessor, mais com lágrimas do que com palavras. Acabada a confissão, tirou o véu que lhe cobria a fronte, pôs uma corda ao pescoço e, nessa humilde postura, foi receber o Corpo Santíssimo do Redentor. Mal acabara de comungar, sentiu ressoar no mais íntimo de sua alma as palavras: “Minha filha”.
Ouvindo essa voz tão doce, pela qual tanto havia suspirado, perdeu todos os sentidos e ficou absorta em um mar de gozo e alegria. Voltando logo a si desse êxtase, começou a repetir, atônita de admiração:
— Oh! doce palavra: “minha filha”! Oh! doce voz! Oh! palavra cheia de júbilo! Oh! voz cheia de segurança: “minha filha”!

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Evangelho: cura do paralítico IV

O Senhor que esquadrinha os corações
6 Estavam ali sentados alguns escribas que diziam nos seus corações: 7 “Como é que Ele fala assim? Ele blasfema. Quem pode perdoar senão Deus?”
Enquanto doutores da Lei, conheciam aqueles escribas que só a Deus cabe perdoar os pecados, conforme se encontra na Escritura: “Sou Eu, sou Eu que por amor a Mim apago os teus pecados e não Me recordo mais de tuas rebeldias” (Is 43, 25). Sabiam eles que nenhum juiz poderia arrogar-se a faculdade de perdoar qualquer pecado, pois este consiste numa ofensa feita a um Ser infinito, eterno, etc., e quem o comete contrai uma culpa também infinita.
Quem afirmasse de público ser capaz de perdoar os pecados proferiria uma blasfêmia, por querer praticamente usurpar o trono de Deus. Ora, segundo a Lei mosaica, o blasfemador era réu de morte por apedrejamento, e as testemunhas deveriam começar por rasgar as vestes. Com esse pensamento, os escribas evidentemente precipitariam a condenação de Jesus à pena capital. Não podemos nos esquecer de que talvez esses fariseus fossem aqueles que haviam presenciado a proclamação do Precursor: “Eis o Cordeiro de Deus, o que tira o pecado do mundo” (Jo 1, 29).
8 Jesus, conhecendo logo no seu espírito que eles pensavam desta maneira dentro de si, disse-lhes: “Por que pensais isto nos vossos corações?”
Aqui está mais uma prova da divindade de Jesus Cristo. As Escrituras são ricas de afirmações a respeito de quanto “o Senhor sonda todos os corações e penetra todos os pensamentos do espírito” (1 Cr 28, 9). Diz Deus a Jeremias: “Eu sou o Senhor que esquadrinho o coração, que sondo os afetos” (17, 10).
Conforme narra o Evangelista, os fariseus nada haviam dito nessa ocasião, tratava-se de puros pensamentos. Só o fato de vê-Lo discernir com tanta precisão o interior das almas, já lhes teria sido suficiente para crerem na divindade do Messias.
Segundo São João Crisóstomo, esse foi o primeiro milagre realizado por Jesus nessa noite, antes mesmo da cura do paralítico. Aqui se percebe o quanto a blasfêmia cabia exclusivamente aos fariseus, e jamais a Jesus.
Muito consoladora é para nós esta passagem, pois ela nos demonstra como nossos pensamentos, desejos e aflições são acompanhados por nosso Redentor a cada instante. Esse poder de Jesus incentiva nossa piedade, fortalece nossa confiança e nos convida à honestidade. Por outro lado, faz crescer nosso temor a Deus e põe freio à nossa negligência.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Evangelho: cura do paralítico III

“Para o amor, nada é impossível!”
4 Como não pudessem levá-lo junto d’Ele por causa da multidão, descobriram o teto na parte debaixo da qual estava Jesus e, tendo feito uma abertura, desceram o leito em que jazia o paralítico.
Os condutores do paralítico usam de tal radicalidade que a cena adquire um caráter dramático. Imaginem-se as tentativas, feitas por eles e talvez até pelos acompanhantes, familiares e amigos do doente, de convencerem as pessoas a abrirem caminho no meio da impenetrável multidão aglomerada. O temperamento oriental, muito dado à tragédia, deve ter se evidenciado de maneira viva nessa ocasião. Uns fazendo pressão teatral para ultrapassar a barreira humana e outros resmungando, à medida que se espremem ainda mais. Intuitivos como são aqueles povos, os condutores e acompanhantes concluíram serem inúteis suas artes diplomáticas. Desistiram de usar as vias normais de entrada e lançaram-se numa aventura, também muito característica daquelas terras.
As casas judias dos tempos messiânicos eram térreas, com um terraço fazendo o papel de telhado, ou uma cobertura construída de uma mescla de barro e fibras vegetais suficiente para resistir às intempéries e permitir seu uso pela família numa noite de verão. Seu acesso se fazia por uma das laterais da casa, através de uma escada fixa. Ao que tudo indica, sem maior risco para os que se encontravam na sala, os portadores da maca do paralítico afastaram os ramos da argamassa, abrindo um buraco no teto.
Esse belo e ousado gesto nos faz entender a realidade do axioma de Santa Teresinha: “Para o amor, nada é impossível!” De fato, ali estava simbolizado o verdadeiro zelo apostólico. Assim devem ser nossa fé e nosso empenho no cuidado pelas almas, não se deixando vencer por obstáculo algum. Por outro lado, o mesmo episódio nos mostra o quanto Jesus deseja que a salvação de uns seja operada pelo auxílio de outros. É bem a imagem da importância do apostolado colateral.
Podemos fazer ideia do espanto dos circunstantes, apinhados em torno de Nosso Senhor, ao se darem conta de que o teto se abria. Poeira, ruído, surpresa! De repente, uma padiola começa a descer através de cordas e, por fim, o pobre paralítico aterrissa, obrigando-os a se afastarem e se espremerem.
5 Vendo Jesus a fé daqueles homens, disse ao paralítico: “Filho, são-te perdoados os pecados”.
Em vista da fama dos inúmeros milagres realizados por Jesus, evidentemente todos os presentes aguardavam a cura imediata daquele paralítico. É de se crer que ele tenha descido do teto com fisionomia de súplica e causadora de pena. Bastaria a presença ali de algumas senhoras, dotadas do admirável instinto materno, para estar criado um clima de comiserado “suspense”. Se qualquer uma delas fosse taumaturga, faria o paralítico levantar-se imediatamente.
A perplexidade suscitada em uns e outros pelas palavras do Divino Mestre foi intencional, e por várias razões. Jesus deixa claro quanto os problemas da alma são mais importantes que os do corpo. Ademais, como anteriormente dissemos, havia uma forte crença entre os judeus de serem as doenças fruto dos pecados próprios ou dos pecados dos antepassados. Outras situações houve nas quais Jesus, após o milagre, recomendou aos beneficiados: “Não tornes a pecar”, a fim de não lhes vir a acontecer males piores. É de se perguntar se, no caso concreto desse paralítico, haveria alguma relação entre seu estado físico e problemas morais, mas nos é possível responder nem afirmativa nem negativamente. Entretanto, pecados ele os deveria ter, pois a frase de Nosso Senhor é inequívoca. É até admissível que estivesse profundamente arrependido, como se comprova pelo afetuoso tratamento a ele dispensado: “Filho, confia”.
Muito interessante é a opinião de Maldonado sobre “a fé daqueles homens”:
“Provavelmente, esse paralítico não teria menor fé que aqueles que o levavam. Mas, segundo está dito, Cristo lhe perdoou os pecados pela fé de seus portadores. Jesus apreciou tanto a fé daqueles bons homens que, mesmo se o paralítico não a tivesse de modo conveniente, Ele lhe teria perdoado, por causa da fé de seus portadores”.
Há também quem — como São João Crisóstomo — levante a hipótese de ter querido Jesus dar oportunidade a uma reação dos fariseus, servindo-se desse pretexto para tornar patente sua divindade.
Continua...

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Evangelho: cura de um paralítico II

1 Alguns dias depois, Jesus entrou novamente em Cafarnaum, e souberam que Ele estava em casa.
Maldonado opina que Jesus deve ter entrado na cidade à noite e de maneira muito discreta, sabendo-o somente os discípulos e mais ninguém, a fim de poder descansar. Logrado foi seu intento, pois a notícia de sua chegada correu pela cidade.
Provavelmente tratava-se da casa de Pedro, e não se pode descartar a hipótese de a notícia ter sido espalhada através de algum amigo, ou até mesmo de um parente seu. Não é fácil fazer passar despercebida a presença de Jesus, uma vez que a própria virtude participada — a dos santos —, ninguém consegue abafá-la.
O período de ausência de Cafarnaum não deve ter sido apenas de “alguns dias”, e sim de semanas, pois deduz-se que Ele pregou aos sábados em várias sinagogas, antes de retornar à casa de Pedro.
2 Reuniu-se tanta gente que não cabia mais ninguém, nem mesmo junto à porta. E Ele pregava-lhes a Palavra.
Era tal a quantidade de pessoas, que estas obstruíam a passagem de quem quer que fosse. É comum em todos os tempos verificar-se a curiosidade, penetrada de egoísmo, da multidão que se apinha e se trata a cotoveladas. Ademais, não devia ser pequeno o número dos representantes de todos os lugares. Ali deviam estar também os fariseus da Judeia e da própria Jerusalém, ansiosos por fazerem de Jesus um dos seus, ou, então, levá-Lo ao Calvário.
Em suma, transparecem neste versículo, numa síntese elegante, a pressa e o empenho um tanto agitados em acercar-se d’Ele, da parte de todos.
O paralítico, símbolo das almas tíbias
3 Nisto chegaram alguns conduzindo um paralítico que era transportado por quatro homens.
Alguns autores — como é o caso de Maldonado — são partidários da hipótese de que se tratava de um paralítico de certa posse e por isso provavelmente se fizesse acompanhar de seus familiares e até mesmo de amigos.
Quanto ao número “quatro”, notado por São Marcos, há uma divergência entre os comentaristas. Alguns, como São Beda, atribuem uma certa alegoria ao fato, aproximando-os dos quatro Evangelistas ou das quatro virtudes que nos conduzem a Cristo. Outros — entre os quais novamente se encontra Maldonado — interpretam como resultado da preocupação de São Marcos em ressaltar o caráter dramático da paralisia do enfermo. Sua capacidade de locomoção era tão restrita que necessitava ser carregado por quatro pessoas. Essa peculiaridade dará ao milagre maior grandiosidade.
Há também quem faça um paralelo entre a paralisia física e a tibieza espiritual, pois a tendência do tíbio é esfriar-se na prática da virtude, estancar-se em seu progresso. Por não tomar a sério o pecado venial, sua vontade se debilita, conduzindo-o a um paulatino e progressivo abandono da oração e, por fim, à queda no pecado grave. Esse mal é recriminado pelo Senhor: “Conheço as tuas obras, sei que não és nem frio nem quente; oxalá foras frio ou quente; mas, porque és morno, nem frio nem quente, começarei a vomitar-te de minha boca” (Ap 3, 15-16).
A considerar como válida essa interpretação, o Evangelho de hoje nos aponta uma solução para a paralisia espiritual: buscar Jesus, ainda que seja através do auxílio de outros. Onde poderá melhor encontrá-Lo uma alma tíbia? Na confissão frequente, feita com amor e seriedade; nela, além do benefício do nosso arrependimento, operará em nós a própria força de Nosso Senhor Jesus Cristo. Quem aplicar assim esse método jamais será apanhado por uma terrível enfermidade.
Continua no próximo post.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Evangelho: A cura de um paralítico

1 Alguns dias depois, Jesus entrou novamente em Cafarnaum, e souberam que Ele estava em casa. 2 Reuniu-se tanta gente que não cabia mais ninguém, nem mesmo junto à porta. E Ele pregava-lhes a Palavra. 3 Nisto chegaram alguns conduzindo um paralítico que era transportado por quatro homens. 4 Como não pudessem levá-lo junto d’Ele por causa da multidão, descobriram o teto na parte debaixo da qual estava Jesus e, tendo feito uma abertura, desceram o leito em que jazia o paralítico. 5 Vendo Jesus a fé daqueles homens, disse ao paralítico: “Filho, são-te perdoados os pecados”. 6 Estavam ali sentados alguns escribas que diziam nos seus corações: 7 “Como é que Ele fala assim? Ele blasfema. Quem pode perdoar senão Deus?” 8 Jesus, conhecendo logo no seu espírito que eles pensavam desta maneira dentro de si, disse-lhes: “Por que pensais isto nos vossos corações? 9 O que é mais fácil dizer ao paralítico: ‘São-te perdoados os pecados’, ou dizer: ‘Levanta-te, toma o teu leito e anda’? 10 Ora, para que saibais que o Filho do Homem tem na terra poder de perdoar os pecados, (disse ao paralítico) 11 Eu te ordeno: Levanta-te, toma o teu leito e vai para a tua casa”. 12Imediatamente ele se levantou e, tomando o leito, retirou-se à vista de todos, de maneira que se admiraram e glorificaram a Deus, dizendo: “Nunca vimos coisa semelhante” (Mc 2, 1-12).
“Assueta vilescunt”, diz-se em latim, ou seja, o uso frequente de algo quase sempre acaba em desgaste. E não importa qual seja a magnitude do objeto usado e nem mesmo sua substância. Por exemplo, nada há de mais banal para nós do que o dia-a-dia do curso solar, entretanto, Santo Agostinho o considera como um dos milagres naturais de Deus.
Mesmo os milagres sobrenaturais não escapam a essa regra. Há cerca de dois mil anos, o Sacramento da Confissão está à disposição de qualquer penitente; contudo, perdemos com facilidade a noção da misteriosa grandeza do perdão que através dele recebemos. A própria noção da gravidade do pecado facilmente se evanesce em nós, quando são insuficientes nossa vigilância e nossa vida de piedade. E pode acontecer de sermos chamados a aderir com fé íntegra a panoramas sobrenaturais inéditos, logo depois de termos elaborado sofismas para justificar nossa fixação no vício. Nesse caso, é de fato difícil reagirmos com toda a retidão.
Estes pressupostos explicam de certa maneira o comportamento dos escribas.
Formados em escolas sérias, conheciam os sinais precedentes e indicativos do surgimento do Messias, e até de seu próprio nascimento. Mas não só estava enfraquecida a fé dos doutores da Lei, como — pior ainda — eles haviam amoldado às suas conveniências egoístas todos os conceitos aprendidos. Elaboraram um sistema doutrinário e ético à margem da verdadeira ortodoxia.
Ora, como desejava a salvação de todos, inclusive dos escribas, Jesus vai lhes demonstrar ser Ele o Cristo, penetrando-lhes divinamente o pensamento, perdoando pecados enquanto Deus e enquanto homem, além de comprovar seu poder com um impressionante milagre.
Qual a reação da multidão ali presente, assim como a dos próprios escribas?
A Liturgia de hoje nos responderá. São Mateus (9, 2-8) e São Lucas (5, 18-26) também relatam o episódio em questão. Apesar de diferenças cronológicas — Lucas e Marcos situam a ocorrência na época em que as autoridades judaicas começam a invectivar Jesus —, os três mostram-se empenhados em transmitir o grande objetivo do Senhor, ou seja, a prova de seu poder de perdoar os pecados.
Dos três narradores do fato, São Marcos, como sói acontecer, tornará mais vivas as cores de sua apresentação.

Continua...