Segundo o acertado ensinamento de Santo Inácio de Loyola, o conjunto dos homens egoístas que vivem, não para Deus, mas para eles mesmos - triste maioria, sobretudo nas épocas de decadência como a nossa pendem - para um destes três objetivos: as delícias, as riquezas ou as honras.
Ora, pelo ensinamento inaciano, na festa do Natal quis Nosso Senhor Jesus Cristo dar aos homens uma tríplice lição, provando-lhes que tais prazeres não valem nada diante do único e autêntico fim para o qual devem tender, isto é, amar a Deus sobre todas as coisas neste mundo, e depois adorá-Lo face a face na bem-aventurança eterna.
Vinda do próprio Homem-Deus, esta lição é infinitamente sábia e verdadeira, e nenhum de nós tem o direito de não aceitá-la. Sensíveis ou não aos princípios religiosos, temos de ouvi-la e aprendê-la.
Nulidade das riquezas
Primeiro, quanto às riquezas mundanas. Sobre estas, o que Nosso Senhor Jesus Cristo nos ensina no presépio?
Como Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, foi Ele quem criou o Céu e a terra, com tudo o que nesta existe de rico, de maravilhoso, de belo, tudo quanto aqui seja capaz de fundamentar a prosperidade de um homem. Mais. Ele é rico em sua essência, e não apenas criou todas as riquezas existentes, mas tem ainda o poder inesgotável de criar quantas outras queira. E sem o menor esforço, sem o menor empenho, sem a menor aplicação especial. Ele é onipotente e exerce sua onipotência com perfeitíssima facilidade, criando estrelas e universos como criou um grão de areia.
Ora, esse Deus infinitamente rico quis vir à terra como pobre. Quis nascer de um pai carpinteiro, de uma Mãe que executava em casa serviços domésticos; quis vir ao mundo numa manjedoura, lugar o mais modesto e rústico que se possa imaginar. Como aquecimento, quis ter apenas o bafo de alguns animais e as roupinhas que Nossa Senhora Lhe fez. Como asilo, preferiu não uma residência de homens, mas o local onde os bichos iam se abrigar e se alimentar. Foi aí que nasceu o Verbo de Deus!
Quis Ele mostrar, assim, quanto o homem deve ser indiferente às riquezas quando postas em comparação com o serviço do Altíssimo. E como, portanto, deve viver, antes de tudo, não para ser rico, não para ter grandes cabedais, mas para glorificar o Criador, amando-O, louvando-O e servindo-O nesta terra, e depois adorando-O no Céu por toda a eternidade.
Infelizmente, vemos em torno de nós homens que correm debandadamente atrás do dinheiro, que fazem da posse deste a única preocupação de sua vida, que colocam toda sua felicidade na sensação de que possuem grandes finanças, na ilusão de que nunca ficarão pobres e sim cada vez mais ricos. Tais homens são uns perfeitos insensatos. Porque esses bens, por mais que valham, são uma parcela minúscula dos existentes no universo. E, para Deus, o que são senão um pouquinho de poeira e de lama?
Imaginemos o homem mais rico do mundo, um magnata. Imaginemos ainda que a relação de seus bens ocupem um catálogo do tamanho de uma lista telefônica: imóveis, dinheiro, títulos, créditos, objetos de valor, etc., O que é tudo isto em comparação com Deus Nosso Senhor? Nada, absolutamente nada.
Amar as riquezas mais que a Deus é uma completa inversão de valores, é calcar aos pés a lição que Jesus nos deu no presépio. É não compreender que Nosso Senhor, ali, ensinou-nos que ao homem é permitido desejar, adquirir e conservar riquezas, desde que não faça disto o objectivo supremo de sua vida. A preocupação financeira deve ser necessariamente colateral, sob pena de se agir como um verdadeiro demente, por inverter a ordem dos valores, amando mais o que devia amar menos, e amando menos o que devia amar com mais intensidade.
Loucura de fazer das delícias a principal finalidade da vida
As delícias terrenas. Nosso Senhor Jesus Cristo, caso desejasse, teria ordenado aos anjos reunir no presépio as melhores e as mais deliciosas sedas, os mais agradáveis perfumes, teria mandado os Anjos tocarem e cantarem músicas as mais deleitáveis, pois se o fizeram para os pastores, com quanto maior gáudio não o fariam para o Menino Jesus?!
O Divino Infante poderia ainda dispor de agasalhos super-eficazes, ser nutrido desde o começo com as melhores comidas. Numa palavra, poderia ter-se enchido de delícias logo no primeiro momento de sua vida terrena.
O que fez Ele? O contrário. Quis nascer deitado na palha, material cujo contato nenhum regalo dá ao corpo; quis estar numa manjedoura cujo odor não devia ser dos mais agradáveis; quis tiritar de frio, escolhendo para surgir no mundo à meia-noite de um mês de inverno. Como música, quis ter apenas o mugido dos animais. Em última análise, quis o oposto de uma situação de delícias. E quis assim mostrar aos homens o quanto é loucura fazer delas a principal finalidade da vida. A lição que Ele veio trazer é, pois, esta: desde que seja para o bem das almas, desde que seja para a glória de Deus, devemos desfazer-nos de todas as delícias, procurando apenas o bem da causa católica e a salvação de nossa alma, embora nos custe muito sacrifício e muita renúncia.
Insensatez de procurar as honras como meta da vida
No que diz respeito às honras, devemos entendê-las como sendo a aspiração do indivíduo de ver-se objeto de reverências por achar-se, a qualquer título, superior aos outros: mais inteligente ou mais jeitoso; mais engraçado ou mais diplomático; mais interessante ou mais simpático; mais qualquer coisa que tenha ou imagine ter, pela qual se julga no direito de uma atenção especial.
Ora, Nosso Senhor Jesus Cristo quis nascer despido de tudo aquilo que pode trazer vaidade. Não obstante fosse Ele um príncipe da Casa Real de David, apareceu para o mundo como filho de pais modestos, numa época em que a sua linhagem régia havia perdido seu poder político, seu prestígio social e seu dinheiro. Ele, portanto, não era absolutamente nada na ordem terrena das coisas.
Além disso, quis nascer como um pária, fora da cidade, porque nela ninguém deu acolhida a seus pais. Nasceu na gruta dos pastores, para provar aos homens como são loucos aqueles que fazem do aparecer uma ideia fixa, em vez de procurarem servir a Deus e à Igreja, a insensatez daqueles que procuram ser mais, ser mais, e que fazem desta vaidade a meta de sua vida.
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Se fizermos desses valores terrenos a finalidade de nossa existência, estaremos roubando aquilo que devemos unicamente a Deus. Cumpre, portanto, preocupar-nos antes de tudo com a dedicação inteira de nossas almas a Nosso Senhor, a Nossa Senhora e à Santa Igreja Católica.
Tenhamos, dia e noite, diante dos olhos esta lição do Natal, e procuremos eliminar de nossos corações, com a energia de quem arranca uma erva daninha, as falsas idéias mundanas que nos levam a adorar o dinheiro, os prazeres e as honras.