Tríduo Pascal

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Domingo da Santíssima Trindade

Um dos maiores mistérios da nossa Fé
Conta uma piedosa tradição que, estando o grande Santo Agostinho muito empenhado em procurar compreender a Santíssima Trindade, certo dia sonhou que presenciava na praia um menino esvaziando baldes e baldes de água do mar em uma cavidade na areia. Intrigado, aproximou-se dele e indagou:
— Que fazes aqui, meu jovenzinho?
— Tento colocar toda a água do mar neste buraco na areia.
— Mas, não vês que isso é impossível? — perguntou-lhe o santo.
— Pois sabei, Agostinho, que mais fácil é transferir para aqui toda a água do mar do que vós compreenderdes o mistério da Santíssima Trindade.
A sábia resposta fez o Doutor da Graça dar-se conta da insuficiência da inteligência humana, ainda que tão brilhante como a dele, perante um dos mistérios centrais da nossa Fé.
Inatingível pela mera razão natural
Nas aulas de Catecismo, aprendemos uma fórmula extraordinariamente simples e breve:
“Um só Deus em três pessoas”. Ela nos é muito familiar e podemos decorá-la com facilidade, mas jamais conseguiremos penetrar no seu significado sem a ajuda da Fé. Por isso, Santo Agostinho nos aconselha: “Se almejamos compreender tanto quanto nos é possível a eternidade, a igualdade e unidade de um Deus trino, precisamos crer antes de entender”.1
Desde toda a eternidade, conhecendo-Se a Si mesmo no espelho puríssimo de Sua essência, o Pai gera o Filho — o Verbo, a Palavra viva e substancial —, que é a Segunda Pessoa. Vendo a essência divina do Seu Verbo, o Pai O ama sem limites. E o Verbo, afirma o padre Royo Marín, “retribui a Seu Pai um amor semelhante, igualmente eterno e infinito. E ao encontrar-se a corrente impetuosa de amor que brota do Pai com a que brota do Filho, salta, por assim dizer, uma torrente de chamas, que é o Espírito Santo”.2
Esse insondável mistério da vida ad intra de Deus, baseada no amor, tornou-se cognoscível apenas pela Revelação. Para a inteligência humana resulta impossível entendê-lo, pois nada há na ordem da criação que possa dar ideia explícita dele. “É impossível chegar ao conhecimento da Trindade das Pessoas divinas pela razão natural”, afirma São Tomás.3 Logo a seguir, esclarece ser-nos possível conhecer de Deus, por mero raciocínio, “o que pertence à unidade da essência, não à distinção das Pessoas”.4
Tão inefável é o mistério da Santíssima Trindade que Santo Antônio Maria Claret, após procurar descrevê-lo, afirma: “Incompreensível vos parecerá isto, sem dúvida. E se pudéssemos compreendê-lo com perfeição, ou seríamos esse Deus, ou Aquele cuja natureza declarássemos como é em si, não o seria. O que teria de precioso a Divindade incompreensível — pergunta Eusébio Emiseno — se a sabedoria humana pudesse compreender Aquele Senhor que habita nas alturas, ao qual as nuvens servem de abajur e que é infinitamente superior a toda a ciência dos homens?”.5
O Espírito sonda tudo
A incapacidade de nosso intelecto para desvendar os mistérios da Fé não deve nos causar estranheza quando, mesmo no plano material, continuamos desconhecendo a explicação de muitos fenômenos naturais que nossos sentidos captam e cujas causas poderíamos deduzir pela aplicação do nosso entendimento.
Alguns mistérios, como o da Encarnação, parecem estar mais ao nosso alcance, porque neles encontramos um Deus que Se fez Homem, tornando-Se perceptível a nossos sentidos. Mas, tanto o da Encarnação quanto o da Santíssima Trindade e os outros mistérios da nossa Fé foram escondidos dos sábios, e revelados aos pequeninos (cf. Mt 11, 25) pela ação do Espírito Santo, que “sonda tudo, mesmo as profundezas de Deus” (I Cor 2, 10). É pela fogosa pluma do Apóstolo que temos ciência de quanto “o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi dado” (Rm 5, 5).
A grande e virtuosa Santa Maria Madalena de Pazzi, disse em certa ocasião: “Vi um hóspede divino sentado sobre um trono”.6
O afamado padre Plus torna-nos ainda mais explícito quem é esse Divino Visitante: “Esse Hóspede, o mais nobre e digno de todos, é o Espírito Santo que, com a agilidade de Sua bondade e de Seu amor a nós, infunde-Se rapidamente em todas as almas dispostas a recebê-lo. Quem poderia enunciar os maravilhosos efeitos que Ele produz em qualquer lugar onde é recebido! Fala sem articular palavras, e todos ouvem Seu divino silêncio. Está sempre imóvel e sempre em movimento, e Sua imobilidade móvel comunica-se a todos. Permanece sempre em repouso e, não obstante, age sempre; e no Seu repouso realiza as mais dignas e admiráveis obras. Sempre em movimento, sem nunca mudar de lugar, confirma e ao mesmo tempo destrói tudo onde penetra. Sua imensa e penetrante ciência tudo conhece, tudo ouve e tudo descobre. Sem necessidade de estar atento, ouve a menor palavra dita no mais íntimo do coração”.7
Diz-nos, ademais, o padre Faber: “O Espírito Santo fala mais que Jesus [...], toma maior iniciativa; parece dizer mais, parece que a paixão de Seu interesse pelos pecadores, Ele a tem muito maior para o santo”.8
É o Espírito Quem nos faz compreender — muitas vezes às apalpadelas (cf. At 17, 27), como se andássemos às escuras — os ensinamentos revelados pela Palavra da verdade. É por um dom do Paráclito que aos poucos vamos conhecendo-os e constituindo uma noção cada vez menos imprecisa a respeito da Santíssima Trindade. Por isso, pedimos na Oração do Dia: “Ó Deus, nosso Pai, enviando ao mundo a Palavra da verdade e o Espírito Santificador, revelastes o vosso inefável mistério, fazei que, professando a verdadeira Fé, reconheçamos a glória da Trindade e adoremos a Unidade onipotente”.
Mistério com o qual convivemos cotidianamente
Já nos escritos apostólicos, encontramos formulações afirmando a crença na Trindade. Destaca-se, entre eles, o encerramento da Epístola aos Coríntios, que inspirou a saudação inicial da Santa Missa: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós” (II Cor 13, 13). E ao longo dos séculos foi a Igreja explicitando sua Fé trinitária e definindo verdades por obra dos Concílios, com a contribuição dos Padres da Igreja e do sensus fidei do povo cristão.
Hoje, podemos constatar a naturalidade com que, por maravilhosa ação da graça nas almas, convive o fiel cotidianamente com um dos principais mistérios de nossa Fé. Diversas vezes ao dia nos persignamos “em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo” e a maior parte das nossas orações termina glorificando a Santíssima Trindade. Em qualquer ato litúrgico ou piedoso Ela é reverenciada sem que, na maioria das ocasiões, os presentes se detenham para pensar sobre a grandeza desse mistério.
E a Liturgia desta Solenidade — cuja comemoração foi estendida por João XXII, em 1334, a toda a Igreja Latina — visa precisamente incrementar nossa devoção ao Deus uno e Trino, Trindade consubstancial e indivisível.
1 SANTO AGOSTINHO. De Trinitate, I,8, c.5: PL 42, 952- 953.
2 ROYO MARÍN, OP, Antonio. Teología de la Perfección Cristiana. 9.ed. Madrid: BAC, 2001, p.53.
3 SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. I, q.32, a.1, resp.
4 Idem, ibidem.
5 SANTO Antonio María CLARET. Colección de Pláticas Dominicales. Barcelona: Librería Religiosa, 1886, v.II, p.256.
6 SANTA MARIA MADALENA DE PAZZI apud PLUS, SJ, Raúl. Cristo en nosotros. Barcelona: Librería Religiosa, 1943, p.153.
7 PLUS, SJ, op. cit., ibidem.
8 FABER, Frederick William. OEuvres posthumes. P. Lethielleux, 1906, t.I, p.125; t.II, p.242.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Comentário 1 João 3, 8

Há uma expressão de São Tomás de Aquino encontrada sete vezes na Suma Teológica: Bonum ex integra causa, malum ex quocumque defecto; o bem procede de uma causa íntegra. O que é o mal? Qualquer defeito é o mal. Então, o bem sempre procede de uma causa íntegra. Quando há um pequeno defeito, uma pequena miséria, essa miséria e esse defeito participam do mal. Que mal? Demônio.
Aquele que comete o pecado é do diabo, porque o diabo é pecador desde o princípio.(1Jo 3,8)
Então, o pecado, em qualquer grau que seja — pode ser um mero defeito, uma pequena arranhura — já participa do mal.
Vamos supor que uma pessoa tenha nascido com a face perfeitamente bem calculada por Deus. Porém, quando era pequena, teve um desastre: a avó era cega e foi indicar onde é que estava uma coisa qualquer; ao fazer um movimento com a mão portando uma tesoura, cortou uma pontazinha do nariz da criança. A face era perfeita, mas essa ponta do nariz ficou cortada. E já ficou com a face defeituosa.
Nós vamos comprar uma caneta. Uma caneta muito bonita, etc., mas tem um arranhão. E dizemos para o homem da loja:
— Eu não quero essa caneta. Ela é bonita, mas eu quero uma que não tenha nenhum arranhão.
Ninguém quer um arranhão num objeto que vai comprar, porque o objeto tem que ser íntegro, tem que ser perfeito.
Imaginem que nós ganhamos um caderno novo para fazer as anotações durante o ano, para fazer estudos. Quando pegamos o caderno e o abrimos, vemos que todas as páginas estão limpas, em ordem; o dorso e a capa são dourados; tudo está novinho em folha. Vem até com plástico em cima para, tirado o plástico, ver-se que está tudo novinho. Ora, se, uma vez tirado o plástico, tiver um risco de alto a baixo, decepção. Ninguém quer esse caderno.
É assim: todo e qualquer defeito participa do defeito total. E o defeito total é aquela postura que tem Satanás: revolta e ódio contra Deus. Então, quem peca, é filho do demônio. Quem comete uma falta, na hora em que comete a falta, é filho do demônio.*


*Trecho adaptado sem conhecimento e/ou revisão do autor.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Filiação divina

Há milênios, a humanidade estava na pior situação possível por causa do pecado de Adão e Eva. Porque, no Paraíso Terrestre, gozavam de uma alegria extraordinária. Era a felicidade da imortalidade, da impassibilidade em relação às doenças, a felicidade de comandar todos os animais, de comandar a própria natureza; era a ciência infusa de Adão, que devia ser um homem cheio de conselhos, de observações e inteligência. Além disso, o dom de integridade, por onde o homem não tinha a menor convulsão interna: as inclinações, tendências, paixões não o levavam para este ou para aquele canto; era tudo inteiramente controlado pela razão e pela Fé. A inteligência entendia e os instintos todos se coordenavam em relação à razão, mas a inteligência também não desviava um só milímetro dos rumos e dos caminhos da Fé.

Pecam e estabelece-se uma desordem colossal na natureza humana. Não é só a morte que entra, mas é pior do que isso: é a morte da alma, o pecado. Começa dentro do homem um caos, porque as leis todas começam a brigar entre si e o homem vive num verdadeiro torvelinho de aflições e de solicitações para o mal. A partir deste momento, o homem torna-se incapaz, por sua natureza, de praticar estavelmente qualquer dos mandamentos.

Depois do pecado original, de si, o homem não tem forças para resistir às más inclinações que existem no âmago de sua alma

Portanto, o homem se torna um pecador. Porque, uma vez que ele não consegue manter-se na prática estável dos mandamentos, torna-se pecador. Ora, enquanto pecador — esta é a pior das desgraças — porque morrer é um mal físico, traz o tormento da separação da alma do corpo, mas não é o pior. Ter doenças também não é o pior; ter angústias, provações: isto não é nada. O pior é viver na escuridão, viver nas trevas do pecado, por onde o homem perde inteiramente o senso das coisas e a capacidade de julgar com segurança, com inerrância, as atitudes e tudo o que faz. A justiça humana fica inteiramente falha.

Isso não tinha solução. Solução de mandar um Anjo para segurar o homem e para o orientar? Mais… Ainda que o homem convivesse com um Anjo, ele, em determinado momento, por mais que o Anjo quisesse segurá-lo, ele cometeria a falta, porque a natureza dele não tem forças para resistir às inclinações que se estabeleceram no âmago da alma humana depois do pecado. E pode ser que ele pratique um ato de virtude, uma, duas, dez vezes, mas, em certo momento, com ou sem a presença do Anjo, ele ofenderia a Deus.

Para o arrependimento perfeito é preciso um auxílio especial de Deus

Tragédia, porque uma ofensa a Deus significa uma condenação eterna. Quem vai reparar esta falta cometida pelo homem? Então, a humanidade estava toda condenada ao Inferno. Porque, se não há um auxílio por onde o homem pratique estavelmente a virtude, ele, a não ser que tenha um arrependimento perfeito, vai para o Inferno. Ora, para o homem possuir o arrependimento perfeito, é preciso um auxílio especial de Deus, porque, de si, o homem não chega a esta perfeição.

Então, a situação da humanidade era a pior possível segundo a carta de São João:

Vede que grande presente de amor o Pai nos deu: de sermos chamados de filhos de Deus!

Nós passamos da pior situação possível para a melhor situação que possa haver. Porque os Anjos que caíram, estes eram filhos de Deus. Deixaram de ser filhos de Deus e foram parar no fundo do Inferno, sem possibilidade de nenhuma solução. O homem sai do Paraíso e recebe de presente, nada mais nada menos, o amor do Pai. Que amor? De sermos chamados filhos de Deus. Ser filho de Deus! E ele diz: “E realmente o somos!”

terça-feira, 29 de maio de 2012

A via eleita por Deus para a redenção

O orgulho de nossa natureza decaída leva o homem, não poucas vezes, a imaginar-se Deus ou a Ele procurar igualar-se.
Talvez por essa razão, mas, sobretudo, pelas limitações de nosso estado de contingência, se tivéssemos de imaginar um Salvador, este teria de ser glorioso, transcorrendo sua missão de vitória em vitória, e coroada por um esplendoroso triunfo final. Assim O conceberam os filhos de Zebedeu e sua mãe: “Ele disse-lhe: ‘Que queres?’ Ela respondeu: ‘Ordena que estes meus dois filhos se sentem no teu Reino, um à tua direita e outro à tua esquerda’” (Mt 20, 21). “Eles responderam: ‘Concede-nos que, na tua glória, um de nós se sente à tua direita e outro à tua esquerda’” (Mc 10, 36-37).
Essa mentalidade acompanhou o povo eleito, inclusive os Apóstolos, até a descida do Espírito Santo, conforme nos declara São Lucas nos Atos dos Apóstolos: “Então, os que se tinham congregado interrogavam-No: ‘Senhor, porventura, chegou o tempo em que vais restaurar o reino de Israel?’” (At 1, 6). Jesus já havia declarado que retornaria ao Pai, que seu Reino não era deste mundo, etc. Entretanto, nada disso bastara; os anseios de domínio não os abandonavam um só instante. Eram essas as idéias fixas que tornaram obscura a fé do povo eleito, dificultando-lhe aderir aos dogmas da Encarnação, Paixão e Morte do Cordeiro de Deus.
De fato, o grande mistério de um Homem-Deus padecente e moribundo, pregado numa cruz entre dois ladrões, abandonado por seu povo, desprezado por todos e, mais especialmente, pelas altas autoridades, só é admissível com uma vigorosa fé. Todavia, essa foi a via eleita por Deus para a Redenção.
A glória não esteve ausente na Paixão do Senhor. Muito pelo contrário, é impossível imaginá-la maior ou, até mesmo, acrescível de alguma fímbria, por minúscula que seja. Porém, ela não pode ser vista através de um prisma meramente temporal. Essa glória só é compreensível através dos mirantes da eternidade. Aliás, se bem que nasçamos nos calendários deste mundo, nosso destino post mortem não tem limites no tempo, e é em função dele que devemos pautar nossa existência.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Nova Pentecostes

Quanto se fala de paz, hoje em dia, e quanto se vive no extremo oposto dela! O interior dos corações se encontra penetrado de tédio, apreensão, medo, desânimo e frustração, quando não de orgulho, sensualidade e falta de pudor. A instituição da família vai se tornando uma peça de antiquário. A ânsia de obter, não importa por que meio, sem levar em conta o direito alheio, vai caracterizando todas as nações dos últimos tempos. Em síntese, não há paz individual, nem familiar, nem no interior das nações. Eis porque nossos olhos devem voltar-se à Rainha da Paz a fim de rogar sua poderosa intercessão para que seu Divino Filho nos envie uma nova Pentecostes e seja, assim, renovada a face da terra, como melhor solução para o grande caos contemporâneo.