“Aquele que te criou sem o teu concurso não te salvará sem tua cooperação”, dizia Santo Agostinho, dirigindo-se aos fiéis.
Realmente, se é verdade fundamental da doutrina católica a incapacidade total do homem sem a graça, não é menos verdade por isto, que a doutrina católica afirma a necessidade da cooperação humana com a graça, para que seja efetiva a santificação. E quem negasse a necessidade de tal cooperação incidiria irremediavelmente em heresia.
A vida espiritual não pode, pois, limitar-se à recepção dos Sacramentos e à pratica da oração. Por meio dos Sacramentos e da oração, o homem adquire as luzes e as energias necessárias para a prática do bem e o combate às suas más inclinações. Munido destes recursos, é preciso que o homem deles se utilize efetivamente, por um trabalho muitas vezes lento e penoso, em que sua inteligência e sua vontade devem cooperar arduamente para aumentar o amor à virtude, aperfeiçoar-se na sua prática, e vencer as más inclinações e as tentações a que todos estamos sujeitos.
Uma alma que sinta em si a fraqueza resultante do pecado original, e a ação muitas vezes impetuosa das tentações, não se pode dispensar deste trabalho penoso. Seria inútil para ela cifrar-se à recepção dos Sacramentos, se sua vontade não travasse contra as más inclinações um combate cerrado e intransigente.
Exemplifiquemos, para maior clareza.
Em um século cujo ambiente intelectual está infestado por doutrinas as mais heréticas, que muitas vezes se apresentam sob forma subtil e inocente, o católico deve desenvolver um trabalho interior intensíssimo, no sentido de conservar virginalmente incorrupta de qualquer erro sua inteligência, .... de toda e qualquer doutrina oposta à da Igreja ou simplesmente a ela suspeita.
Em segundo lugar, deve o católico fazer toda uma educação de seus sentimentos, seus costumes, e suas inclinações. Quem tem um pouco de prática de vida espiritual sabe o que isto significa de esforços e até de violências sobre si mesmo. É necessária uma vigilância indefectível e atentíssima .... a fuga intransigente das ocasiões de pecado, para combater o mal. E, além disto, há o trabalho positivo de aumentar o amor do bem pela leitura, pela observação atenta a todos os exemplos edificantes, por toda uma serie de esforços enfim, que tendem a levar a vontade a se conformar em tudo com a santíssima vontade de Deus, e, portanto, com os Mandamentos d’Ele e da Igreja.
Claro está — volto a insistir neste particular — que é temeridade estulta e ridícula pretender alguém realizar este trabalho dissociando-o da vida da graça, haurida na oração e nos Sacramentos. Pelo contrário, quanto mais íntima e intensa for a vida da graça, quanto mais assídua e perfeita a recepção dos Sacramentos, tanto mais perfeito será este trabalho que, sem o auxilio da graça, será de todo em todo impossível.
No entanto, cumpre não esquecer que há aí uma parte da cooperação da vontade, e que, sempre que esta cooperação for omitida na formação espiritual, há os maiores desastres a recear.
Plinio Correa de Oliveira. Excertos de artigo do “Legionário”, nº 312.
Plinio Correa de Oliveira. Excertos de artigo do “Legionário”, nº 312.