Tríduo Pascal

sábado, 11 de janeiro de 2014

EVANGELHO II DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO A - 2014

COMENTÁRIO AO EVANGELHO 2º DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO A - 2014
Mons. João Scognamiglio Clá Dias
EVANGELHO -  Jo 1, 29-34
29No dia seguinte João viu Jesus, que vinha ter com ele, e disse: “Eis o Cordeiro de Deus, eis O que tira o pecado do mundo. 30 Este é Aquele de quem eu disse: Depois de mim vem um Homem que é superior a mim, porque era antes de mim, 31 e eu não O conhecia, mas vim batizar em água, para Ele ser reconhecido em Israel”. 32 João deu este testemunho: “Vi o Espírito descer do Céu em forma de pomba e repousou sobre Ele. 33 Eu não O conhecia, mas O que me mandou batizar em água, disse-me: Aquele sobre quem vires descer e repousar o Espírito, esse é O que batiza no Espírito Santo. 34 Eu O vi, e dei testemunho de que Ele é o Filho de Deus” (Jo 1, 29-34).
O PRECURSOR E A RESTITUIÇÃO
Ao ver Jesus vir a ele no Jordão, João era já pregador de grande prestígio, profeta como nunca houvera em Israel. Entretanto, longe de sentir inveja, o Batista reagiu com heróica humildade e ilimitada servidão, testemunhando ser aquele homem o Filho de Deus.
UM DOS MAIS BELOS ENCONTROS DA HISTÓRIA
“O semelhante se alegra com seu semelhante”, diz um antigo provérbio latino, e de fato é esse um princípio intrínseco a todos os seres com vida, na medida em que sejam passíveis de felicidade. Deus assim nos criou e fez uns dependerem dos outros, aperfeiçoando-nos com o mais entranhado dos instintos, o de sociabilidade. Se para um pássaro constitui motivo de gáudio o encontrar-se com outro da mesma espécie, para nós, esse fenômeno é mais intenso. Ora, se grande é o júbilo de duas crianças afins ao se encontrarem pela primeira vez no colégio, qual não terá sido a reação dos dois maiores homens de todos os tempos, ao se contemplarem face a face?
Assim se realizou um dos mais belos encontros da História, João Batista diante de Jesus; para melhor compreendê-lo, analisemos as analogias entre um e outro.
Traços de semelhança entre Jesus e João
Apesar de serem duas pessoas infinitamente distantes entre si pela natureza — João é mero homem, Jesus é a Segunda Pessoa da Trindade Santíssima — numerosos traços de semelhança os unem. Jesus é o alfa e o ômega da História. João é o começo do Evangelho e o fim da antiga Lei (1). Assim o afirma o próprio Nosso Senhor: “Com efeito, todos os profetas e a Lei profetizaram até João” (Mt 11, 13-14).
Segundo Tertuliano, João Batista é uma “figura única na História, adornada em vida de um prestígio sobre-humano, que se levanta misteriosa e solene nos confins de ambos os Testamentos” (2). Dele afirma Jesus: “Na verdade vos digo que entre os nascidos de mulher, não veio ao mundo outro maior que João Batista” (Mt 11, 11).
Além do mais, a concepção de ambos, de Jesus e de João, é precedida pelo anúncio do mesmo embaixador São Gabriel Arcanjo (Lc 1, 11-19 e 2634). As mensagens não diferem muito, em seus termos, uma da outra. Os nomes de Jesus e de João foram designados por Deus (Lc 1,13 e 31).
No próprio ato de anunciar o nascimento, o Mensageiro celeste profetiza também o futuro tanto do Precursor (Lc 1,13-17) quanto do Messias (Lc 1,31-33).
O perfil do Precursor
Sobre Jesus, se fôssemos analisar as grandezas de suas qualidades e de suas obras, “nem todo o mundo poderia conter os livros que seria preciso escrever” (Jo 21, 25).
No Batista, tudo é sui generis, a começar pela profecia de sua vinda, proferida por Isaías e Malaquias: “Uma voz exclama: Abri no deserto um caminho para o Senhor, traçai na estepe uma pista para nosso Deus” (Is 40, 3); “Vou mandar meu mensageiro para preparar o meu caminho” (Mal 3, 1).
Mais impressionante ainda é a sua santificação no seio materno operada pela Santíssima Virgem: “Porque, logo que a voz de tua saudação chegou aos meus ouvidos, o menino saltou de alegria no meu ventre” (Lc 1, 44).
A grandeza de sua missão é profetizada pelo próprio pai: “E tu, menino, serás chamado o profeta do Altíssimo, porque irás à frente do Senhor, a preparar os seus caminhos; para dar ao seu povo o conhecimento da salvação” (Lc 1, 76-77).
A rudeza da forma de vida escolhida pelo Batista lhe confere uma aura de austeridade ímpar: “Ora o menino crescia e se fortificava no espírito. E habitou nos desertos até o dia da sua manifestação a Israel” (Lc 1, 80). “Andava João vestido de pêlo de camelo, (...) e alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre” (Mc 1, 6).
Ao iniciar suas pregações, foi acolhido pela opinião pública da época com enorme prestígio, pois, já ao seu nascimento, “o temor se apoderou de todos os seus vizinhos, e divulgaramse todas essas maravilhas por todas as montanhas da Judéia. Todos os que as ouviram as ponderavam no seu coração dizendo: ‘Que virá a ser este menino?’ Porque a mão do Senhor estava com ele” (Lc 1, 65-66). Logo de início, João atraiu multidões: “E iam ter com ele toda a região da Judéia e todos os habitantes de Jerusalém” (Mc 1, 5), “porque todos tinham a João como verdadeiro profeta” (Mc 11, 32).
Os soldados, os publicanos e as multidões lhe perguntavam “Mestre, que devemos fazer?” (Lc 3, 10-14). O próprio Herodes, querendo matá-lo “teve medo do povo, porque este o considerava como um profeta” (Mt 14, 5). Essa grande fama se estendeu até após sua morte: “porque todos tinham João como um profeta” (Mt 21, 26).
As repercussões sobre sua figura, palavras e obras ecoaram entre os vales e os montes da Terra Prometida, a ponto de o povo chegar a pensar “que talvez João fosse o Cristo” (Lc 3, 15).
Pois bem, fixemos em nossa lembrança essa gloriosa projeção alcançada em vida por São João Batista e abramos um parênteses para considerar a principal de suas virtudes: a da restituição, a qual consiste essencialmente em atribuir a Deus os dons d’Ele recebidos.
INVEJA E AMBIÇÃO, VÍCIOS UNIVERSAIS
A ambição é uma paixão tão universal quanto o é a vida humana. Quase se poderia dizer que ela se instala na alma antes mesmo do uso da razão, sendo facilmente discernível no modo de a criança agarrar seu brinquedo ou na ânsia de ser protegida. Ao tomar consciência de si e das coisas, os impulsos primeiros de seu ser convidá-la-ão a chamar a atenção sobre sua pessoa e, se ela cede, ter-se-á iniciado o processo da ambição. O desejo de ser conhecida e estimada é a primeira paixão que macula a inocência batismal. Quantos de nós não nos lançamos nos abismos da ambição, da inveja e da cobiça já nos primeiros anos de nossa infância? Essas provavelmente foram as raízes dos ressentimentos que tenhamos tido a propósito da glória dos outros. Sim, pelo fato de desejarmos a estima de todos, por nos crermos no direito à glória e ao louvor dos nossos circunstantes, constitui para nós uma ofensa o sucesso dos outros. Por isso São Tomás define a inveja como sendo “a tristeza do bem alheio enquanto se considera como mal próprio, porque diminui a própria glória ou excelência” (3).
Há paixões que se mantêm letárgicas até a adolescência, assim não o é a inveja; ela se manifesta já na infância e acompanha o homem até a hora de sua morte. Não será difícil aos pais observar os sinais desse vício, em seus pequenos. Irmãos ou irmãs, entre si, não poucas vezes terão problemas por se imaginarem eclipsados pelas qualidades ou privilégios de seus mais próximos. Quantas vezes não acontece de ser necessário separar-se irmãos, ou irmãs, na tentativa de corrigir essas rivalidades que podem chegar a extremos inimagináveis, tal qual se deu entre os primeiros filhos de Eva, Caim e Abel?
A ambição e a inveja são mais universais do que parece à primeira vista; poucos se vêem livres de suas garras. Elas se levantam e tomam corpo em relação aos que nos são mais próximos, como afirma São Tomás: “A inveja é do bem alheio enquanto diminui o nosso. Portanto, somente se suscita a respeito daqueles que se quer igualar ou superar. Isto não sucede em pessoas que diferem muito de nós em tempo, espaço e lugar, senão nas que nos estão próximas” (4).
Assim, ao sábio será mais difícil invejar o general, e vice-versa, ou, uma médica a uma costureira; mas dentro da mesma profissão, quanto mais relacionadas forem as pessoas entre si, mais intensa se manifestará essa paixão.
Em conseqüência, poder-se-ia dizer que jamais se excitaria esse mau pendor nas almas dos contemporâneos de Jesus face a suas qualidades, pois a diferença entre Ele e qualquer pessoa deste mundo é simplesmente infinita. De fato, esse seria o normal relacionamento dos outros com o Redentor, se seu nascimento e vida fossem refulgentes de poder e de glória. Mas Ele veio ao mundo numa gruta em Belém, foi envolto em panos e depositado na manjedoura sobre sobre palha, viveu em Nazaré exercendo a profissão de carpinteiro para auxiliar seu pai. Assim, só mesmo um forte olhar de fé poderia discernir nesse Menino uma Pessoa de Deus. E essas aparências contrárias à sua divindade chegaram a ser tão extremas que Jesus conferiu o título de bem-aventurado a quem não se envergonhasse de seguilO (Mt 11, 6). Se Ele tivesse manifestado todo o fulgor da infinita distância existente entre a natureza divina de sua Pessoa e a nossa humana, não haveria quase mérito na restituição dos bens que d’Ele recebemos.

É justamente em função das primeiras palavras pronunciadas por Maria em seu cântico de ação de graças, ouvidas com alegria por João Batista no seio materno, que toma brilho a mais alta virtude do Precursor: “A minha alma glorifica o Senhor; e o meu espírito exulta de alegria em Deus meu Salvador porque olhou para a humildade de sua serva” (Lc 1, 46-48). Essa foi a formação recebida pelo menino-profeta ao longo dos meses durante os quais Maria viveu em casa de Isabel: humildade e servidão. Como teria sido de um valor inestimável se os pontífices e fariseus do Sinédrio houvessem sido educados na mesma escola de João! Certamente não se teriam reunido depois da ressurreição de Lázaro, para decretar a morte de Jesus (Jo 11, 47-53).
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sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

EVANGELHO FESTA DO BATISMO DO SENHOR - ANO A - 2014

Conclusão dos comentários ao Evangelho Batismo do Senhor Mt 3, 13-17 - Ano A - 2014
SOMOS VERDADEIROS FILHOS DE DEUS
Toda a pregação de Nosso Senhor Jesus Cristo e da Igreja tem como núcleo o convite para sermos filhos de Deus pelo Batismo. Este é um dos maiores milagres que é possível fazer. Se alguém transformasse um pedregulho em colibri, faria um milagre muito menor do que o operado no Batismo. Entre a pedra e o colibri há certa proporção, pois ambos pertencem à natureza material. Mas, tornar uma criatura humana partícipe da natureza divina é um salto infinito, que Nosso Senhor nos concede com o Batismo.
Filhos, realmente filhos?
Poder-se-ia objetar que Filho, de fato, é só Jesus Cristo, o Unigênito de Deus, e que nós somos apenas filhos por adoção, filiação cujo alcance não passaria de uma mera formalidade jurídica, um título honorífico desprovido de valor intrínseco. Não obstante, a Escritura afirma com clareza que essa filiação adotiva é muito mais substanciosa do que a adoção concebida em termos humanos.
Um dos maiores empenhos de Nosso Senhor durante sua permanência entre os homens foi o de vincar em nosso interior a convicção de que somos autênticos filhos de Deus. Por isso, ao encontrar-se com Jesus, Nicodemos ouve de seus divinos lábios: “Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer de novo não poderá ver o Reino de Deus” (Jo 3, 3). Nascer de novo significa ter Deus como Pai, verdadeiramente... E um outro nascimento! Quando nos ensina a oração perfeita, diz o Mestre: “Pai Nosso” (Mt 6, 9); e, depois da Ressurreição, prepara seus discípulos para a Ascensão, anunciando: “Subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus” (Jo 20, 17). Demonstra com estas palavras que somos irmãos d’Ele, filhos do mesmo Pai. Esta fundamental doutrina é ainda frisada por São João, no prólogo de seu Evangelho: “a todos aqueles que O receberam, aos que creem no seu nome, deu-lhes o poder de se tomarem fiihos de Deus” (Jo 1, 12); e na sua Primeira Epístola: “Considerai com que amor nos amou o Pai, para que sejamos chamados filhos de Deus. E nós o somos de fato” (I Jo 3, 1). 0 Apóstolo não é menos incisivo ao insistir com os gálatas: “já não és escravo, mas filho. E se és filho, então também herdeiro por Deus” (Gal 4, 7); ou, com os romanos: “somos filhos de Deus. E, se filhos, também herdeiros, herdeiros de Deus, co-herdeiros de Cristo” (Rm 8, 16-17).
Refutando os erros de certos teólogos heterodoxos que defendiam ser o Batismo apenas uma capa, uma cobertura posta por cima da nossa corrupção, o Concílio de Trento definiu que os batizados “se tornaram inocentes, imaculados, puros, sem mancha, filhos diletos de Deus”;11 e explica que, pela justificação, o pecador passa “do estado no qual o homem nasce filho do primeiro Adão, ao estado de graça e ‘de adoção dos filhos de Deus’ (Rm 8, 15)”.12
A alma é divinizada
Sim, filiação real, porque por meio deste Sacramento Deus enxerta em nós sua própria vida. Não, portanto, à maneira de um reboco extrínseco a uma parede e que de si não a modifica interiormente, mas como se alguém, por milagre, injetasse ouro nessa mesma parede, a ponto de quase não mais se ver areia ou reboco, mas tão só o precioso metal. Esta figura é ainda inadequada e pobre para exprimir o que se opera na alma quando lhe é infundida uma qualidade sobrenatural que a torna deiforme, ou seja, semelhante a Deus em sua própria divindade. E com a graça santificante a alma recebe, por ação divina, as virtudes — fé, esperança, caridade, prudência, justiça, fortaleza, temperança — e os dons do Espírito Santo — sabedoria, entendimento, ciência, conselho, piedade, fortaleza, temor —, pelos quais passa a agir como Deus.
Neste mundo, quantas vezes as pessoas anseiam por conseguir uma vaga num colégio, num emprego, num clube, ou em outros lugares que as possam prestigiar. Ora, no Céu temos reservada uma vaga eterna, um trono extraordinário, uma coroa de glória, a partir do momento em que as águas batismais nos caem sobre a cabeça, constituindo-nos herdeiros de Deus e garantindo-nos o convívio com Ele na felicidade sem fim.

E o grande problema de nossos dias é ter sido esquecida esta verdade. Vivemos numa civilização — se assim a podemos chamar — feita de pecado, especialmente a impureza, a revolta contra Deus e o igualitarismo. Nela, a humanidade ignora o que há de principal na existência: o chamado para essa filiação divina. Quanto precisaríamos crescer na devoção ao nosso Batismo pessoal, ao Batismo dos outros com quem nos relacionamos! Que veneração deveríamos conservar pela pia batismal onde fomos batizados! Como teríamos de celebrar com fervor o dia do nosso Batismo, considerando-o muito mais importante do que o próprio dia do nascimento, porque nele nascemos para a vida sobrenatural, nascemos para o Céu! Eis a maravilha que nos lembra a festa do Batismo de Nosso Senhor Jesus Cristo.

1) Sobre o tema ver também: CLA DIAS, EP, João Scognamiglio. O Batismo do Senhor. In: Arautos do Evangelho. São Paulo. N.13 (Jan., 2003); p.6-11; No Batismo, Ele lavou nossas misérias. In: Arautos do Evangelho. São Paulo. N.133 (Jan., 2013);p.10-17;
2) Cf. SÃO BERNARDO. Sermones de Tiempo. En la Vigilia de Navidad. Sermón I, n.4. In: Obras Completas. Madrid: BAC, 1953, v.1, p.231.
3) SAO JOAO DE AVILA. Sermones de Tiempo, 5. Epifanía, I. In: Obras Completas. Madrid: BAC, 1953, v.11, p.125.
4) Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.39, a.4.
5) SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Homilía XII, nl. In: Obras. Homilías sobre el Evangelio de San Mateo (1-45). 2.ed. Madrid: BAC, 2007, v.1, p.222.
6) SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., a.5.
7) Cf. Idem, a.8.
8) Cf. Idem, a.6, ad 2-3.
9) Cf. Idem, I-II, q.112, a.1.
10) SÃO TOMÁS DE AQUINO. Super Epistolam Sancti Pauli Apostou ad Ephesios lectura. C.I, lect.1.
11) Dz 1515.
12) Dz 1524.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

EVANGELHO FESTA DO BATISMO DO SENHOR - ANO A - 2014

Continuação dos comentários ao Evangelho Batismo do Senhor Mt 3, 13-17 - Ano A - 2014
A submissão completa do Precursor
15b E João concordou.
Expressa a suprema vontade do Divino Mestre, João concorda e, fiel à ordem recebida, obedece, ignorando todas as aparências. Não se preocupa com a desproporção entre a estreiteza e simplicidade do rio Jordão e a grandeza de Nosso Senhor Jesus Cristo, que mereceria ser acolhido com mais dignidade, transportado quiçá numa sede gestatória. Ele só considera o que a fé lhe mostra: que ali está o Messias prometido, o Salvador de Israel, o Redentor do gênero humano, que ali está o Filho de Deus feito Homem (cf. Jo 1, 34).
As portas do Céu foram abertas
6 Depois de ser batizado, Jesus saiu logo da égua. Então o Céu se abriu e Jesus viu o Espírito de Deus, descendo como pomba e vindo pousar sobre Ele.
Ao mesmo tempo que a vida de Nosso Senhor transcorre no apagamento, há situações de marcante esplendor, formando um belíssimo contraste. Porque se, de um lado, Ele nasce numa pobre Gruta, por outro, do Oriente vêm os Reis Magos para visitá-Lo, trazendo ricos presentes. Algo parecido ocorre no episódio contemplado hoje. Jesus, após um curto diálogo com o Precursor, entra no Jordão, é batizado como os outros e sai das águas. E então que se dá um acontecimento grandioso: o Céu se abriu, significando que o acesso à bem-aventurança, antes fechado à humanidade decaída em virtude do pecado de Adão, fora aberto pelo poder e pela Redenção de Cristo. Ademais, era apropriado, como afirma São Tomás, que o Céu se tivesse aberto quando o Filho de Deus recebeu o Batismo, para indicar “que o caminho do Céu está aberto para os batizados”.6
Também era conveniente que se visse o Espírito Santo, porque sendo a Redenção obra da Santíssima Trindade, devia tornar-se patente, em certo momento, que as três Pessoas Divinas estavam unidas para conceder o perdão dos pecados e franquear o Céu aos homens.7 E apareceu sob a forma de pomba porque era preciso um elemento concreto que exprimisse inequivocamente a descida do Espírito Santo sobre Nosso Senhor e sobre todos os batizados.8 Estava o Filho, manifestou-Se o Espírito Santo e se ouviu a voz do Pai.
O primeiro entre muitos filhos
17E do Céu veio uma voz que dizia: “Este é o meu Filho amado, no qual Eu pus o meu agrado”.
A conclusão da cena nos abre os olhos para um dos ensinamentos mais importantes desta Liturgia. Ao constituir o universo, Deus teve como modelo Nosso Senhor Jesus Cristo, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade Encamada, em quem está representado, numa síntese perfeitíssima, o conjunto das criaturas. Ele é, no dizer de São Paulo, “o primogênito de toda a criação. N’Ele foram criadas todas as coisas nos Céus e na Terra, as criaturas visíveis e as invisíveis. Tronos, Dominações, Principados, Potestades: tudo foi criado por Ele e para Ele” (Col, 15-16). Ele é, pois, a causa efetiva e exemplar de tudo quanto foi feito.
Desde toda a eternidade, Deus concebeu a criação — os minerais, os astros, a vegetação, os animais, segundo as suas espécies, os homens, na sua variedade de inteligência e temperamento, os Anjos, na sua incalculável diversidade — com o projeto, por assim dizer, de engendrar filhos para Si. No entanto, que meio encontrou Ele para fazer com que simples criaturas contingentes transpusessem o abismo que separa a natureza divina das demais naturezas, o infinito do finito, e participassem de sua natureza, adquirindo a filiação divina? Isso se fez possível com a maravilha sobrenatural da graça — sexto plano da criação —, pela qual as criaturas racionais participam da própria vida de Deus e se tornam seus filhos. Uma só “gota” de graça vale mais do que todo o universo, já que — explica São Tomás9 — pertence ela à ordem divina, infinitamente superior a qualquer natureza criada. Ora, o supremo arquétipo desta filiação divina autêntica é Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho por excelência, inimaginável, insuperável, conforme o Pai revela na teofania posterior ao Batismo: “Este é o meu Filho amado, no qual Eu pus o meu agrado”.
Tanto amou Deus esta filiação realizada por Jesus com a maior perfeição, que colocou bem junto a Ele sua Mãe Virginal, com quem o Espírito Santo gera sobrenaturalmente uma multidão inumerável de filhos, que Deus “predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que este seja o primogênito entre uma multidão de irmãos” (Rm 8, 29). São as águas do Batismo que nos elevam da condição de simples criatura, amaldiçoada pelo pecado, para fazer parte da família divina.

O Batismo de Jesus, que a Igreja comemora neste dia, abre as portas para a instituição do Batismo sacramental, pelo qual se reproduzem os filhos adotivos de Deus através do Filho Unigênito “muito amado”, conforme comenta São Tomás: “Para que algo seja aquecido, deve sê-lo pelo fogo, pois só se obtém a participação em algo através daquilo que tem a mesma natureza; assim também a adoção filial deve ser feita por meio do Filho, que o é por natureza”.10
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quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

FESTA DO BATISMO DO SENHOR - ANO A - 2014

COMENTÁRIOS AO EVANGELHO FESTA DO BATISMO DO SENHOR - ANO A - 2014 - Mt 3, 13-17
Naquele tempo, 13 Jesus veio da Galileia para o rio Jordão, a fim de Se encontrar com João e ser batizado por ele. 14 Mas João protestou, dizendo: “Eu preciso ser batizado por Ti, e Tu vens a mim?”
Jesus, porém, respondeu-lhe: “Por enquanto deixa como está, porque nós devemos cumprir toda a justiça!” E João concordou. 6 Depois de ser batizado, Jesus saiu logo da água. Então o Céu se abriu e Jesus viu o Espírito de Deus, descendo como pomba e vindo pousar sobre Ele.
17 E do Céu veio uma voz que dizia: “Este é o meu Filho amado, no qual Eu pus o meu agrado” (Mt 3, 13-17).
O Batismo que conquistou nosso Batismo
Um milagre invisível ocorre em cada celebração batismal: em suas águas é submerso um ser humano e delas emerge um filho de Deus.
ESTÍMULO À PRÁTICA DA VIRTUDE DA FÉ
A comemoração do Batismo de Nosso Senhor Jesus Cristo encerra com chave de ouro o Tempo do Natal. Grande festa para os católicos, porque é neste Batismo, como veremos, que está incluído o nosso e, portanto, o início da participação de cada um na vida sobrenatural, na vida de Deus. Adão fechou a seus descendentes as portas do Paraíso Celeste, mas Nosso Senhor Jesus Cristo, com a Encarnação, abriu-as outra vez, tornando possível aos homens, graças a seu divino auxílio e proteção, gozar do convívio com Ele, com o Pai e o Espírito Santo, com os Anjos e os Bem-aventurados por toda a eternidade. Tendo comentado em outras ocasiões1 os aspectos teológicos do Batismo do Senhor, analisemos agora este admirável mistério por uma perspectiva diversa, útil para nosso progresso espiritual.
Um ponto de interrogacão
Terminado o Tempo do Natal, pode ser que fique um ponto de interrogação no espírito de muitos. Consideramos a 25 de dezembro o nascimento de Jesus Menino, uma frágil criança que é Deus, numa Gruta, ao lado de um boi e de um burro, numa cidadezinha minúscula chamada Belém. Ele, para nascer, escolheu a cidade mais insignificante, como observa São Bernardo,2 enquanto para morrer preferiu a mais importante, Jerusalém. Nasce na obscuridade, pouco depois é obrigado a fugir para o Egito, regressa e passa trinta anos como auxiliar de seu pai, um artesão, a ponto de mais tarde dizerem: “Não é este o filho do carpinteiro?” (Mt 13, 55). Sem estudos, não se conhecem fatos brilhantes de sua juventude. Começa a vida pública e não habita em nenhum palácio; desloca-Se continuamente, de tal modo que afirma: “As raposas têm covas e as aves do céu, ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” (Lc 9, 58).
Ora, se Lhe cabia uma missão tão importante quanto a de operar a Redenção para reparar o pecado cometido pelo homem e de convidar a humanidade para uma união extraordinária com Deus, não podia vir com mais pompa e majestade? Não podia rodear-Se de príncipes e reis, viver em luxuosos palácios e cercado de glória? Por que tanta humilhação? A esse propósito, São João de Avila se pergunta: “Se é rei, onde estão os palácios reais? Onde estão os cavaleiros? Onde está a seda e os tecidos de brocado? Que rei é visto em estalagens e estábulos, rodeado de animais? [...] Como anda perdido quem procura Cristo sem a estrela da fé!”.3
Explica-nos a doutrina católica que se Ele viesse ao mundo revestido de esplendor e de glória, já ao nascer ficaria patente sua divindade e, dessa forma, nossa fé perderia o mérito, porque não se trataria de crer, mas sim de constatar uma realidade perante a imposição de fatos impossíveis de objetar. A adesão a Jesus Cristo não proviria da fé, mas da mera inteligência. Que mérito há, por exemplo, em acreditar na existência do Sol se o vemos todos os dias e experimentamos fisicamente seus efeitos?
Este princípio aplica-se também ao Batismo de Jesus. Por que não se realizou de maneira mais solene e não foi anunciado a todo Israel? Pelo contrário, passou quase despercebido, e na História só os evangelistas o registram. Nosso pendor, contudo, seria o de querer uma cerimônia magnífica para o Batismo, um nascimento glorioso, uma vida se desenvolvendo, espetacular e brilhante. Analisemos o relato de São Mateus para melhor compreendermos a razão do modo de proceder divino.
O Jordão: rio altamente simbólico
Naquele tempo, 13 Jesus veio da Galileia para o rio Jordão, a fim de Se encontrar com João e ser batizado por ele.
Qual teria sido a intenção de Nosso Senhor Jesus Cristo ao escolher o rio Jordão para seu Batismo? Não haveria outro melhor do que este? O Jordão, que se nos afigura como um rio mítico, é na verdade pequeno em comparação com os caudalosos cursos fluviais da América. Entretanto, mais uma vez, apesar da aparência de normalidade, algo de grandioso acontece no plano da fé. Tratava-se de um rio emblemático na história de Israel, revestido de um enorme simbolismo teológico e criado por Deus com vistas ao Batismo de Nosso Senhor. Quando os judeus saíram da escravidão do Egito e entraram na Terra Prometida, onde viveriam em liberdade, Josué abriu as águas do Jordão para que o povo eleito o atravessasse (cf. Jo 3, 15-17).  O Jordão representava a linha divisória entre a terra do tormento, da penitência, da dor, e a terra onde corria leite e mel. Assim, o Batismo de Nosso Senhor abre ao povo eleito do Novo Testamento, os chamados a pertencer à Igreja, a possibilidade de deixarem para trás a escravidão do pecado e de serem introduzidos no Reino de Deus,4 onde corre o leite e o mel das consolações, das alegrias espirituais.
Um choque vocacional
14Mas João protestou, dizendo: “Eu preciso ser batizado por Ti, e Tu vens a mim?”
São João preparava os caminhos do Senhor na mais completa submissão a Ele. Certamente tinha o discernimento dos espíritos e estava tomado pelo Espírito Santo, que lhe revelara quem era Jesus (cf. Jo 1, 33). Por isso, quando ele O vê aproximar-Se a fim de receber o batismo de penitência de suas mãos, em seguida reconhece n’Ele o Messias. Era para sua chegada que o  Precursor preparava as pessoas com o batismo, pelo que, sem hesitação alguma, O aponta aos outros: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1, 29). Aquele era o Redentor, Aquele era Deus, pois existia antes dele (cf. Jo 1, 15), embora fosse seis meses mais velho.
Nessas circunstâncias, criava-se nele um choque psicológico, psicoteológico e, inclusive, vocacional: como haveria ele de batizar quem não precisava de Batismo? Perfeita atitude daquele que possuía uma fé em grau heroico, conforme o testemunho de sua ímpar santidade dado por Nosso Senhor: “entre os nascidos de mulher não há maior que João” (Lc 7,28). Ele foi o maior homem que a História conhecera até aquele momento, excluído, é claro, o próprio Jesus Cristo, o Homem-Deus. Por este motivo, manifesta sua fé declarando ser ele quem devia ser batizado pelo Messias, e se sente constrangido diante da possibilidade de batizá-Lo.
São os paradoxos com que se depara, não raras vezes, quem é chamado a uma grande missão e se sente inferior a ela. São João preferia não batizar seu Deus, nessa hora, e ser batizado por Ele. Não podia compreender um ato de subordinação d’Aquele cujos caminhos vinha aplainando, mas Jesus o tranquiliza.
Ele veio cumprir a justiça
15ª Jesus porém, respondeu-lhe: ‘Por enquanto deixa como está, porque nós devemos cumprir toda a justiça!”

Se bem que Nosso Senhor não negasse que São João deveria ser batizado por Ele, ainda que não houvesse pecado, deu a razão suprema pela qual desejou o Batismo. A justiça a que Ele se referia na resposta ao Precursor consistia no seguinte: era preciso cumprir a Lei e as profecias. A divina Justiça exigia uma reparação por nossos pecados. Por isso, tendo Se encarnado, quis Ele, a Inocência, como primogênito do gênero humano, assumir sobre Si os crimes e misérias de toda a humanidade e entrar no Jordão a fim de submergi-los nas águas. Assim, tirava esse pesado fardo de nossas costas e destruía a “maldição que se fundava na transgressão da Lei”.5
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