A segunda vinda de Jesus
“Quando o Filho do Homem voltar na sua glória e todos os anjos com ele, sentar-se-á no seu trono glorioso. Todas as nações se reunirão diante d’Ele...”.
Assim Nosso Senhor inicia a descrição dos instantes finais dos homens nesta terra. Meditemos sobre isso, seguindo o categórico conselho do Eclesiástico: “Em todas as tuas obras, medita nos teus novíssimos e não pecarás eternamente” (7,40). “Novíssimo” é um termo vindo do latim novus, e quer dizer também “último”. É com esse significado que a Escritura o utiliza, para indicar os últimos acontecimentos de nossa vida: morte, juízo, Céu ou Inferno. De início, reparemos na linguagem empregada agora pelo Divino Mestre. Não se exprime mais por comparação nem metáfora (“O reino dos céus é semelhante..”), mas fala diretamente: “Quando o Filho do Homem voltar na sua glória...”. Não nos deixa dúvida quanto à realização do Juízo Universal, verdade, aliás, anunciada outras vezes por Ele mesmo: “Ai de ti, Corozaim! Ai de ti, Betsaida! (...) No dia do juízo, haverá menos rigor para Tiro e para Sidônia que para vós!” (Mt 11,21-22). “No dia do juízo, os ninivitas se levantarão contra esta raça e a condenarão, porque fizeram penitência à voz de Jonas. Ora, aqui está quem é mais do que Jonas” (Mt 12,41).
O tribunal
“Todas as nações se reunirão diante dele”, diz o Senhor. Quer dizer, nenhum homem, por mais poderoso que tiver sido, poderá subtrair-se a essa convocação. Não haverá espaço para exceções, tergiversações, adiamentos. A ordem é peremptória. Também os anjos deverão comparecer, afirma Jesus: “...e todos os anjos com ele”. Ora, se os homens é que serão julgados, qual a razão dessa presença angélica? Segundo explica a Suma Teológica, o Juízo Final “relaciona-se de algum modo com os anjos, na medida em que eles interferiram nos atos dos homens”. Assim, o principal papel das criaturas angélicas será o de servir de testemunhas. Mas, de alguma maneira, os anjos serão também julgados: “Não sabeis que julgaremos os anjos?”, pergunta São Paulo (1 Cor 6,3). E São Pedro afirma o mesmo a respeito dos demônios: “Pois se Deus não poupou os anjos que pecaram, mas os precipitou nos abismos tenebrosos do inferno onde os reserva para o julgamento” (2 Pe 2,4). Os anjos de Deus terão um prêmio, que será a grande alegria em vista da salvação de seus protegidos, enquanto os demônios terão um acréscimo de tormento, ao “multiplicar-se a ruína dos maus que por eles foram induzidos ao pecado” (Suma, Suplem. 89,8). Ainda no concernente à constituição do tribunal, certos homens terão um papel importante: serão co-juízes com Nosso Senhor. Isto é afirmado, entre outros, por São Paulo: “Não sabeis que os santos julgarão o mundo?” (1 Cor. 6,2). Segundo a Suma, esses co-juízes, “varões perfeitos”, julgarão por comparação com si mesmos, porque “trazem gravados em si os decretos da justiça divina” (Suplem. 89,1).
Separação dos julgados: o fim dos relativismos
Voltemos às palavras do Senhor no Evangelho: “... e ele separará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. Colocará as ovelhas à sua direita e os cabritos à sua esquerda”. Na vida nesta terra, a alma humana, por uma espécie de instinto espiritual, procura incessantemente a verdade, o bem e o belo. Mesmo quando comete pecado, esses instintos espirituais continuam a atuar. Além disso, todo homem tem como que estampados na alma os Dez Mandamentos. Por tudo isso, ninguém consegue praticar o mal pelo mal, professar o erro pelo erro, admirar o horrendo pelo horrendo. Assim, se os pensamentos, desejos e atos de um indivíduo começam a fugir habitualmente das leis de Deus, sente ele a necessidade imperiosa de os justificar, racionalizando-os, isto é, buscando para eles explicações racionais, por mais absurdas que estas sejam. E a saída consiste geralmente em procurar uma conciliação entre a verdade e o erro, o bem e o mal, o belo e o horrendo. Tudo aquilo que antes era para ele de uma luminosidade cristalina, torna-se de uma indefinição nebulosa e pardacenta. E ele afunda no relativismo, funesto defeito moral, tão comum ao longo da história, causa de tantos erros doutrinários que afastaram da Igreja Católica e do caminho da virtude milhões e milhões de almas. No Evangelho aqui comentado desaparece todo capricho e devaneio a respeito da conciliação entre esses valores irreconciliáveis. “Non datur tertius” — não há uma terceira solução possível no dia do Juízo. Nosso destino será o Céu ou o Inferno. Será a mais fulgurante e universal manifestação do Absoluto na ordem da criação.
O julgamento
Uma interrogação que pode ter passado pelo espírito de vários leitores: a maior parte dos homens já terá sido julgada logo após sua morte (excetuam-se aqueles que estiverem vivos, quando chegar a hora do fim do mundo), por que, então, passar de novo por um juízo? A Suma Teológica (Suppl 88, I ad 1), bem como o Catecismo Romano, fazem compreender melhor a razão desses dois tribunais. De fato, no Juízo particular, cada homem é julgado privadamente por Deus, permanecendo o seu foro íntimo, bem como todas as conseqüências de seus peca dos, ocultos aos outros homens. Para a plena glorificação da justiça divina é indispensável que haja um outro juízo, público e universal, no qual fiquem patentes aos olhos de todos a inocência dos bons e a torpeza dos maus. Nenhum ato de virtude e nenhuma falta, por menores que sejam, serão omitidos. Assegura São Paulo que em Deus “vivemos, e nos movemos, e existimos” (At 17, 28), portanto nada pode escapar a seu divino conhecimento e a seu absoluto julgamento. Assim, no dia do Juízo “Deus fará prestar contas de tudo o que está oculto, todo ato, seja ele bom ou mau” (Ecl 12,14). A este propósito assevera São Paulo: “Porque teremos de comparecer diante do tribunal de Cristo. Ali cada um receberá o que mereceu, conforme o bem ou o mal que tiver feito enquanto estava no corpo” (2 Cor 5,10). “Por isso” — diz ainda São Paulo — “não julgueis antes do tempo; esperai que venha o Senhor. Ele porá às claras o que se acha escondido nas trevas. Ele manifestará as intenções dos corações. Então cada um receberá de Deus o louvor que merece” (1 Cor 4,5). Dessa forma, todos os nossos pensamentos virão à tona. Igualmente não estarão isentas de prêmio ou castigo nossas palavras: “Eu vos digo: no dia do juízo os homens prestarão contas de toda palavra vã que tiverem proferido” (Mt 12,36). O Redentor nos atribuirá méritos ou penas por nossas obras: “Retribuirá a cada um segundo as suas obras” (Rm 2,6). Também pedirá contas por nossas omissões: “Aquele que souber fazer o bem, e não o faz, peca” (Tg 4,17). Nossa consciência, portanto, por um auxílio divino poderoso, far-nos-á relembrar com claríssima memória todas as nossas ações, boas e más, e até as que deviam ter sido praticadas e não o foram por nossa culpa. Da mesma forma, nos recordará nossos pensamentos e desejos. Não somente, pois, os pecados graves, mas também os leves e até as imperfeições. Essa tão exata e minuciosa recordação já de si constituirá uma sentença inapelável. Nesta terra, quando queremos permanecer no mau caminho, abafamos nossa consciência. Porém, no dia do Juízo, ela se imporá às nossas veleidades.
Leia no próximo post
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