Tríduo Pascal

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Por que Simão convidou Jesus?

O orgulho, causa de todos os pecados, não abandona o homem senão meia hora após a morte. Subtil e interior, sendo embora um lobo feroz de ambição, ele se esconde sob pele de ovelha. Por este motivo, o orgulhoso não é facilmente fustigado pela reprovação da sociedade, como acontece no caso dos demais vícios. Quão comum é encontrarmos a soberba falando abertamente de suas próprias qualidades e virtudes — reais ou imaginárias — ou ostentando suas riquezas!
Esse é o grande mal dos que se julgam doutos e sábios. Terrível é a vaidade feminina quando desenfreada, mas ela parece nada, em comparação com o orgulho descontrolado de um homem que procura passar por inteligente e culto. A este se poderia aplicar o dito de Plínio: “Pasma ver aonde pode chegar a arrogância do coração humano estimulada pelo menor êxito” (1).
Nesse quadro se encaixam os escribas e fariseus.
A origem histórica dos fariseus remonta à restauração de Israel após o cativeiro da Babilônia. Entretanto, suas características descritas nos Evangelhos se evidenciaram depois da revolta e vitória dos Macabeus (2), pois, opondo-se à forte influência helenista que se exercia acima de tudo sobre as camadas mais altas da sociedade, separaram-se por fidelidade às antigas tradições puras de Israel. Daí surgiu o nome de “fariseu”, que quer dizer “separado”. Entretanto, não constituíam eles então uma seita, partido político ou organização.
Como sói acontecer a todos aqueles que não restituem a Deus os dotes d’Ele recebidos, não tardou muito em julgarem-se os fariseus os únicos donos da verdade, erigindo-se em lei e modelo face aos demais. Além disso, eram eles, em sua quase totalidade, os doutores da lei, também chamados escribas. Gozavam, pois, de notoriedade, prestígio e influência. Essa situação de superioridade, se não for equilibrada pela virtude da despretensão e pelo verdadeiro amor a Deus, facilmente conduz à hipocrisia da qual os acusara repetidamente o Divino Salvador.
Ora, ademais, “o orgulho é suspicaz; converte em calúnia, com a interpretação mais injusta, o que foi dito ou executado com a maior simplicidade”. Esse é o caso do fariseu Simão, do Evangelho de hoje.
Por que Simão convidou Jesus?
Era uma honra insigne, e uma imensa graça, receber em sua casa um grande profeta, mais ainda tratando-se de um taumaturgo que até já havia operado uma ressurreição, a da filha de Jairo. Simão convida Jesus de Nazaré e o recebe em meio a outros tantos fariseus. Qual seu objetivo?
Enganar-se-ia redondamente quem julgasse estar na raiz dos anseios de Simão alguma causa piedosa ou a admiração. O jantar constituiria uma excelente ocasião para ele e os demais fariseus observarem bem de perto esse personagem, já então muito comentado e discutido nas rodas da elevada esfera religiosa. Seriam verdadeiras as notícias espalhadas pelo povo a seu respeito? Era essa a preocupação de todos.
Tanto faltaram a Simão motivos de fervor e devoção para pedir ao Mestre “que fosse comer com ele” (v. 36), que dispensou-Lhe o tratamento comum e corrente empregado para receber qualquer pessoa sem projecção nem importância. Conhecemos, pela História, os costumes da época. Os homens, em geral, deslocavam-se a pé, por ruas e estradas empoeiradas. Em consequência, o bom acolhimento a um hóspede — sobretudo de certa categoria — consistia em mandar um servo lavar-lhe os pés logo após ter ingressado na casa, a fortiori se ele fosse participar de uma refeição. Ademais, era de bom tom cumprimentar o convidado com um ósculo, à chegada. E por fim, um dos melhores sinais de benquerença e deferência estava em ungir a cabeça do visitante com óleo perfumado.
Pode-se discutir a elegância ou o bom gosto desse cerimonial, não, porém, pôr em dúvida o quanto Simão tratou a Jesus como um qualquer, negando-lhe as praxes próprias à recepção de um personagem distinto. Além do mais, não podemos nos esquecer dos delírios existentes entre os fariseus de serem meticulosos na observância dessas pequenas normas sociais ou religiosas, tal qual nos relata um historiador: “Quero agora mencionar alguns fatos curiosos a propósito dos rabis. Ninguém podia sair à noite a sós, nem usar sandálias remendadas... Nenhum homem podia falar com mulheres em lugar público, e uns e outros deviam recusar toda intimidade com gente inferior. Tampouco deviam caminhar reto, pois isso denotaria orgulho. Entre as fantásticas subtilezas que os rabis ensinavam em suas escolas, havia 248 preceitos positivos na lei — número, segundo afirmam, correspondente aos membros e órgãos do corpo humano — e 365 preceitos negativos (o número de nossas artérias e veias), num total de 613, a quantidade das letras que compõem o decálogo de Moisés”.
Simão não admira seu convidado, muito pelo contrário, tem-Lhe antipatia. Seu juízo a respeito d’Ele já é categórico em seu subconsciente, e está ansioso por encontrar fatos que dêem solidez à sentença pronta a ser formulada. Ele já conhece Jesus, mas sem em nada fazer uso da virtude da fé para analisá-Lo e sem a menor estima por Ele, desde a primeira notícia que lhe chegou a respeito do Mestre. Nos alvores do relacionamento entre ambos, despontou na alma de Simão um sentimento de insegurança, comparação e inveja.
É levando em consideração sua psicologia moral deformada pelas mazelas de uma existência talvez sectária e orgulhosa, que se compreenderá melhor a reacção de Simão face ao imprevisto ocorrido a certa altura da ceia.
continua no próximo post

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