Tríduo Pascal

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A confissão de Pedro I

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A via eleita por Deus para a Redenção
O orgulho de nossa natureza decaída leva o homem, não poucas vezes, a imaginar-se Deus ou a Ele procurar igualar-se.
Talvez por essa razão, mas, sobretudo, pelas limitações de nosso estado de contingência, se tivéssemos de imaginar um Salvador, este teria de ser glorioso, transcorrendo sua missão de vitória em vitória, e coroada por um esplendoroso triunfo final. Assim O conceberam os filhos de Zebedeu e sua mãe: “Ele disse-lhe: ‘Que queres?’ Ela respondeu: ‘Ordena que estes meus dois filhos se sentem no teu Reino, um à tua direita e outro à tua esquerda’” (Mt 20, 21). “Eles responderam: ‘Concede-nos que, na tua glória, um de nós se sente à tua direita e outro à tua esquerda’” (Mc 10, 36-37).
Essa mentalidade acompanhou o povo eleito, inclusive os Apóstolos, até a descida do Espírito Santo, conforme nos declara São Lucas nos Atos dos Apóstolos: “Então, os que se tinham congregado interrogavam-No: ‘Senhor, porventura, chegou o tempo em que vais restaurar o reino de Israel?’” (At 1, 6). Jesus já havia declarado que retornaria ao Pai, que seu Reino não era deste mundo, etc. Entretanto, nada disso bastara; os anseios de domínio não os abandonavam um só instante. Eram essas as idéias fixas que tornaram obscura a fé do povo eleito, dificultando-lhe aderir aos dogmas da Encarnação, Paixão e Morte do Cordeiro de Deus.
De fato, o grande mistério de um Homem-Deus padecente e moribundo, pregado numa cruz entre dois ladrões, abandonado por seu povo, desprezado por todos e, mais especialmente, pelas altas autoridades, só é admissível com uma vigorosa fé. Todavia, essa foi a via eleita por Deus para a Redenção.
A glória não esteve ausente na Paixão do Senhor. Muito pelo contrário, é impossível imaginá-la maior ou, até mesmo, acrescível de alguma fímbria, por minúscula que seja. Porém, ela não pode ser vista através de um prisma meramente temporal. Essa glória só é compreensível através dos mirantes da eternidade. Aliás, se bem que nasçamos nos calendários deste mundo, nosso destino post mortem não tem limites no tempo, e é em função dele que devemos pautar nossa existência.
A síntese do presente Evangelho se concentra em dois extremos harmônicos. De um lado, recebem os Apóstolos a revelação da divindade de Jesus e, de outro, da Paixão do Senhor. Como anexos a esse quadro de enorme paradoxo, há a reação de Pedro e, por fim, a declaração de Jesus sobre a condição para segui-Lo: “Tome a sua cruz”.
 “Tu és o Cristo”
Os fatos se passam a caminho de Cesaréia de Filipe. Essa cidade outrora se chamara Paneion, pois, durante longo período, seus habitantes prestaram culto ao deus Pan, numa gruta natural ali existente.
Filipe, filho de Herodes o Grande, empregou todos os seus esforços para reconstruí-la, ampliando-a e embelezando-a, e, para cair nas boas graças do Imperador Tibério César, mudou-lhe o nome para Cesaréia de Filipe.
Conforme opina Santo Agostinho, fazendo uma aproximação entre esta narração de Marcos e a de Lucas (9,18), Jesus, depois de rezar, recolhido à parte, começou a interrogar os Apóstolos. Transparece neste episódio o empenho do Divino Mestre em preparar os fundamentos de sua Igreja. Já desenvolvera amplamente sua ação junto ao público, tornava-se necessário, àquela altura, deixar fixados os elementos para dar continuidade à sua obra salvadora.
Para o mundo, Jesus era um grande herói
27 Saiu Jesus com os seus discípulos pelas aldeias de Cesaréia de Filipe. Pelo caminho, interrogou os discípulos: “Quem dizem os homens que Eu sou?” 28 Eles responderam-Lhe: “Uns dizem que João Batista, outros que Elias, e outros que algum dos profetas”.
Neste diálogo constataremos, uma vez mais, a grande incoerência do espírito humano. Com toda a facilidade, naquela quadra histórica, chegavam os homens a cultuar como deus o imperador romano. Assim, nessa mesma cidade que havia sido dada de presente ao pai de Filipe, Herodes o Grande, foi imediatamente construído, ao lado do “santuário” dedicado ao deus Pan, um faustoso templo de mármore para se prestar culto ao imperador. Alguém poderia objetar que não nascera esse plano — e menos ainda sua realização — do seio do judaísmo; mas quantos foram os deuses criados pelo povo eleito, em seu passado? O próprio efod produzido e utilizado por Gedeão (cf. Jz 8, 24-27) passou a ser objeto de culto de latria e, por isso mesmo, causa de castigos. Ou seja, com a maior facilidade, os judeus caíam no mimetismo idolátrico com os povos pagãos. Em contrapartida, quando se tratou do Deus verdadeiro feito Homem, praticando uma fileira de incontáveis milagres comprobatórios de sua onipotência, não se levantou uma opinião unânime de que aparecera o Messias esperado dos Patriarcas e Profetas, e previsto nas Escrituras. Alguns poucos, de fato, reconheceram-No, mas a maioria preferia admitir toda espécie de quimeras e exageros, a aderir a um Messias cuja imagem não conferia com os ditames equivocados e caprichosos de cada um.
A pergunta de Jesus lhes é dirigida no último ano de sua vida pública. A demonstração, pelos fatos concretos, de Quem era Ele, já se tornara suficientemente conclusiva. Os próprios demônios O haviam proclamado o “Santo de Deus” (Mc 1, 24), o “Filho de Deus” (Mc 3, 11), o “Filho do Deus Altíssimo” (Lc 8, 28).
O Batista havia declarado não ser digno de lhe desatar a correia das sandálias, devido à sua inferioridade (cf. Mc 1, 7). Mas os lábios do povo não pronunciaram o título de Messias. Esse é o resultado da triste inclinação do espírito humano para o erro, quando perde a inocência. Facilmente segue o caminho oposto ao das verdades próprias à salvação. Não é fácil à opinião pública reconhecer como autênticos e dignos de crédito os valores reais, sobretudo quando estes contradizem tendências racionalizadas opostas à moral.
Apesar disso, nota-se, pelas suposições enunciadas pelos Apóstolos, que se atribuía a Jesus a categoria dos grandes heróis da história judaica, chegando-se a considerá-Lo um precursor do Messias.
A resposta de Pedro
29 Então perguntou-lhes: “E vós quem dizeis que Eu sou?” Pedro respondeu: “Tu és o Cristo”.
E por que Jesus lhes faz essa pergunta?
Jamais por mera curiosidade, pois, enquanto Verbo Eterno, Ele tudo sabia ab initio. Tornar explícito, aos olhos dos Apóstolos, o ridículo dos conceitos gerais a seu respeito, trazia uma enorme vantagem, como sublinha São João Crisóstomo (1), pois os obrigava a se destacarem do mundo e alçarem voo às mais elevadas camadas do pensamento: à visão sobrenatural. Tanto mais que poucos meses restavam a Jesus para formá-los, antes de subir ao Pai, e era de fundamental importância tornar-lhes explícita a exata noção de quem era Aquele que os havia transformado em pescadores de homens. Por isso, pergunta aos Apóstolos: “E vós, quem dizeis que Eu sou?”
Pedro responderá em nome próprio, e não de todos, como afirmam certos autores. Esse detalhe se tornará patente através dos outros Evangelhos. Marcos omite alguns detalhes importantes, como o elogio feito por Jesus à declaração de Pedro, antes de constituí-lo como pedra fundamental de sua Igreja (cf. Mt 16, 17-19).
Quem comenta com precisão esta passagem é o Cardeal Goma: “Pedro se adianta à resposta dos outros, talvez por tê-los notado vacilantes na opinião a respeito de Jesus. A graça de Deus ilumina seu entendimento, e seu modo de ser impetuoso, ajudado por essa mesma graça, o faz ser o primeiro a proclamar a fé. Noutra ocasião, também tinha sido ele o único a elevar sua voz para falar de Jesus: ‘Respondeu Simão Pedro, e disse...’ (cf. Jo 6, 67-69).
A definição que Pedro dá de Jesus é plena, precisa, enérgica: Tu és o Cristo, o Messias em pessoa, prometido aos judeus e ardentemente esperado por eles. Mais: Tu és o Filho de Deus! Não, como eram designados os santos, no sentido de uma relação moral de santidade ou por uma filiação adotiva, mas sim o Filho único de Deus, pela natureza divina, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Se o Apóstolo não tivesse entendido assim, não teria necessitado uma especial revelação de Deus. O que com imprecisão tinham insinuado os Apóstolos em outras ocasiões (cf. Mt 14, 33; Jo 1, 49) é afirmado por Pedro de forma clara e categórica. O Pai de Jesus é Deus vivo: vivo porque é vida essencial que essencialmente gera desde toda a eternidade um Filho vivo. Vivo por oposição às divindades mortas do paganismo.”
Jesus proíbe divulgar que Ele era o Messias
30 Então Jesus ordenou-lhes severamente que não dissessem isto d’Ele a ninguém.
Em seguida a essa belíssima proclamação de fé realizada por Pedro, os três primeiros Evangelhos registram uma formal e categórica proibição de Jesus aos Apóstolos, de nada contarem a ninguém. Essa ordem de guardar silêncio não havia sido a primeira. Com certa freqüência, era imposta também a certos doentes ou possessos por Ele curados.
De um lado, até então não havia chegado o momento de divulgar revelações que o público ainda não estava suficientemente preparado para compreender. Os erros a propósito da figura do Messias eram substanciais e por demais naturalistas. Por muito menos, o povo já quisera proclamá-Lo Rei (cf. Jo 6,15), com todas as graves e inconvenientes consequências políticas que daí decorreriam. Quiçá, neste caso, não seria Ele preso e morto pelos próprios romanos? Ademais, bem poderia acontecer que os fariseus e o sinédrio se aproveitassem dessa circunstância para antecipar a execução de seu plano deicida.
Os próprios Apóstolos só estiveram preparados para pregar com toda eficácia sobre o Cristo, Deus e Homem verdadeiro, depois da descida do Espírito Santo sobre eles. Antes disso, os mesmos equívocos sobre a messianidade assumidos por todo o povo eleito eram compartilhados por eles e, por isso mesmo, muito provavelmente, em seu apostolado apresentariam de maneira defectiva a figura de Jesus. Assim, dado ser o mistério da Encarnação, por sua própria substância, tão insuperavelmente elevado, só mesmo o próprio Verbo de Deus poderia pregá-lo com a devida dignidade. Segundo decretos eternos, a divindade de Jesus devia estar selada pelo Preciosíssimo Sangue do Filho de Deus.
De outro lado, se essa revelação tivesse sido pública, a fé do povo, provavelmente débil, não resistiria à fortíssima prova da Paixão, tal qual se deu com os Apóstolos. Pregar sobre a divindade de um Homem que em breve seria crucificado entre dois ladrões não parecia ser fácil tarefa.
continua no próximo post

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