Tríduo Pascal

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O fariseu e a pecadora


O juízo preconceituoso do fariseu
continuação do post anterior
Uma mulher, que era pecadora na cidade, quando soube que Ele estava à mesa em casa do fariseu, levou um frasco de alabastro cheio de perfume. 38 Colocando-se a seus pés, por detrás d’Ele, começou a banhar-Lhe os pés com as lágrimas, e enxugava-os com os cabelos da sua cabeça, beijava-os, e ungia-os com o perfume.
A segurança parecia retornar ao coração de Simão, o fariseu, ao assistir a tão escandalosa cena: “Se este fosse profeta, com certeza saberia de que espécie é a mulher que O toca: uma pecadora” . Seu juízo é apressado e infundado. Assim como não teve fé e amor para enlevar-se com o Mestre, faltou-lhe também o discernimento para, na ex-pecadora, ver e interpretar os sinais de um arrependimento perfeito, pois são notórios os efeitos do vício ou da virtude estampados na face (Eclo 13, 31). O orgulho de ser um rigoroso e sábio legista levou-o a uma conclusão aparentemente lógica, mas em realidade temerária, contra o Médico e contra a enferma. Além do mais, manifestou sua falsidade, pois, se concebeu no seu interior a convicção de estar diante de um homem comum e aguardou sua saída para provavelmente comentar com satisfação o aparente horror daquele escândalo, por que chamá-Lo de Mestre? A esse respeito, comenta com muita propriedade São Gregório Magno: “O Médico se encontrava entre dois enfermos; um tinha a febre dos sentidos, e o outro havia perdido o sentido da razão: aquela mulher chorava o que havia feito, mas o fariseu, orgulhoso pela sua falsa justiça, exagerava a força de sua saúde”.
Além não ter tido tino ou virtude para perceber na pecadora a enorme graça de que havia sido objeto, faltava ao fariseu humildade fé e amor para ver em Jesus o Filho de Deus. Entretanto, a prova de quanto Jesus é profeta foi dada a Simão logo a seguir, no estilo tão apreciado naqueles tempos, através da parábola dos dois devedores. É notório o caráter universal das palavras do Salvador contidas nesse trecho, mas não podemos negligenciar a realidade concreta a desdobrar-se diante de seus olhos de Juiz Supremo.
Ali estavam dois réus. Ambos haviam ofendido a Deus em graus diferentes e necessitavam, portanto, do perdão. A pecadora estava tomada por um arrependimento perfeito e foram-lhe “perdoados os seus muitos pecados, porque muito amou”. Quanto ao fariseu, o Senhor lhe externa sua disposição em perdoá-lo, mas seria necessário, da parte dele, fé e maior amor (vv. 47 e 50). Indispensável era ao fariseu reconhecer seu débito para com Deus e pedir-Lhe perdão, mas ele assim não procedeu, por ser orgulhoso.
É fácil compreender a sentença final do Divino Juiz: a pecadora é oficial e publicamente perdoada; quanto ao fariseu, na melhor das hipóteses — se chegasse a arrepender-se e vencer seu orgulho — caberia, talvez, o decreto de Nosso Senhor: “os publicanos e as meretrizes vos precedem no Reino de Deus” (Mt 21, 31).

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quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Por que Simão convidou Jesus?

O orgulho, causa de todos os pecados, não abandona o homem senão meia hora após a morte. Subtil e interior, sendo embora um lobo feroz de ambição, ele se esconde sob pele de ovelha. Por este motivo, o orgulhoso não é facilmente fustigado pela reprovação da sociedade, como acontece no caso dos demais vícios. Quão comum é encontrarmos a soberba falando abertamente de suas próprias qualidades e virtudes — reais ou imaginárias — ou ostentando suas riquezas!
Esse é o grande mal dos que se julgam doutos e sábios. Terrível é a vaidade feminina quando desenfreada, mas ela parece nada, em comparação com o orgulho descontrolado de um homem que procura passar por inteligente e culto. A este se poderia aplicar o dito de Plínio: “Pasma ver aonde pode chegar a arrogância do coração humano estimulada pelo menor êxito” (1).
Nesse quadro se encaixam os escribas e fariseus.
A origem histórica dos fariseus remonta à restauração de Israel após o cativeiro da Babilônia. Entretanto, suas características descritas nos Evangelhos se evidenciaram depois da revolta e vitória dos Macabeus (2), pois, opondo-se à forte influência helenista que se exercia acima de tudo sobre as camadas mais altas da sociedade, separaram-se por fidelidade às antigas tradições puras de Israel. Daí surgiu o nome de “fariseu”, que quer dizer “separado”. Entretanto, não constituíam eles então uma seita, partido político ou organização.
Como sói acontecer a todos aqueles que não restituem a Deus os dotes d’Ele recebidos, não tardou muito em julgarem-se os fariseus os únicos donos da verdade, erigindo-se em lei e modelo face aos demais. Além disso, eram eles, em sua quase totalidade, os doutores da lei, também chamados escribas. Gozavam, pois, de notoriedade, prestígio e influência. Essa situação de superioridade, se não for equilibrada pela virtude da despretensão e pelo verdadeiro amor a Deus, facilmente conduz à hipocrisia da qual os acusara repetidamente o Divino Salvador.
Ora, ademais, “o orgulho é suspicaz; converte em calúnia, com a interpretação mais injusta, o que foi dito ou executado com a maior simplicidade”. Esse é o caso do fariseu Simão, do Evangelho de hoje.
Por que Simão convidou Jesus?
Era uma honra insigne, e uma imensa graça, receber em sua casa um grande profeta, mais ainda tratando-se de um taumaturgo que até já havia operado uma ressurreição, a da filha de Jairo. Simão convida Jesus de Nazaré e o recebe em meio a outros tantos fariseus. Qual seu objetivo?
Enganar-se-ia redondamente quem julgasse estar na raiz dos anseios de Simão alguma causa piedosa ou a admiração. O jantar constituiria uma excelente ocasião para ele e os demais fariseus observarem bem de perto esse personagem, já então muito comentado e discutido nas rodas da elevada esfera religiosa. Seriam verdadeiras as notícias espalhadas pelo povo a seu respeito? Era essa a preocupação de todos.
Tanto faltaram a Simão motivos de fervor e devoção para pedir ao Mestre “que fosse comer com ele” (v. 36), que dispensou-Lhe o tratamento comum e corrente empregado para receber qualquer pessoa sem projecção nem importância. Conhecemos, pela História, os costumes da época. Os homens, em geral, deslocavam-se a pé, por ruas e estradas empoeiradas. Em consequência, o bom acolhimento a um hóspede — sobretudo de certa categoria — consistia em mandar um servo lavar-lhe os pés logo após ter ingressado na casa, a fortiori se ele fosse participar de uma refeição. Ademais, era de bom tom cumprimentar o convidado com um ósculo, à chegada. E por fim, um dos melhores sinais de benquerença e deferência estava em ungir a cabeça do visitante com óleo perfumado.
Pode-se discutir a elegância ou o bom gosto desse cerimonial, não, porém, pôr em dúvida o quanto Simão tratou a Jesus como um qualquer, negando-lhe as praxes próprias à recepção de um personagem distinto. Além do mais, não podemos nos esquecer dos delírios existentes entre os fariseus de serem meticulosos na observância dessas pequenas normas sociais ou religiosas, tal qual nos relata um historiador: “Quero agora mencionar alguns fatos curiosos a propósito dos rabis. Ninguém podia sair à noite a sós, nem usar sandálias remendadas... Nenhum homem podia falar com mulheres em lugar público, e uns e outros deviam recusar toda intimidade com gente inferior. Tampouco deviam caminhar reto, pois isso denotaria orgulho. Entre as fantásticas subtilezas que os rabis ensinavam em suas escolas, havia 248 preceitos positivos na lei — número, segundo afirmam, correspondente aos membros e órgãos do corpo humano — e 365 preceitos negativos (o número de nossas artérias e veias), num total de 613, a quantidade das letras que compõem o decálogo de Moisés”.
Simão não admira seu convidado, muito pelo contrário, tem-Lhe antipatia. Seu juízo a respeito d’Ele já é categórico em seu subconsciente, e está ansioso por encontrar fatos que dêem solidez à sentença pronta a ser formulada. Ele já conhece Jesus, mas sem em nada fazer uso da virtude da fé para analisá-Lo e sem a menor estima por Ele, desde a primeira notícia que lhe chegou a respeito do Mestre. Nos alvores do relacionamento entre ambos, despontou na alma de Simão um sentimento de insegurança, comparação e inveja.
É levando em consideração sua psicologia moral deformada pelas mazelas de uma existência talvez sectária e orgulhosa, que se compreenderá melhor a reacção de Simão face ao imprevisto ocorrido a certa altura da ceia.
continua no próximo post

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Parábola dos operários contratados para a vinha

Nosso Senhor diz que o primeiro no Reino dos Céus será o que se fizer como um menino, indicando a necessidade de os homens se assemelharem às crianças para entrar no Reino dos Céus.
Segue-se o episódio do moço rico. Por ele, torna-se patente para toda a História um dos maiores obstáculos para a adesão plena e total a Igreja: o apego aos bens deste mundo (Mt 19, 16-26). Foi o ensinamento de Jesus, decorrente da recusa do jovem em atender ao chamado do Mestre, que provocou uma intervenção de Pedro. Por seu caráter em extremo comunicativo, não resistiu ele em perguntar: “Eis que abandonamos tudo e Te seguimos; qual será a nossa recompensa?” (Mt 19, 27). Pela resposta a essa interrogação, vemos como estava Jesus preparando a opinião pública para receber seu chamado. E Ele responde com divina clareza: “Todo aquele que deixar a casa, ou os irmãos, ou as irmãs, ou o pai, ou a mãe, ou a mulher, ou os filhos, ou as terras, por causa do Meu nome, receberá o cêntuplo e possuirá a vida eterna” (Mt 19, 29). Como o “cêntuplo” se refere à vida presente, a frase de Nosso Senhor nos conduz à fácil conclusão de ser-nos prometidos dois prémios diferentes: um na terra, outro na eternidade. Trata-se de um grande encorajamento a todos os seguidores de Cristo, ajudando-os a permanecerem inabaláveis no caminho a ser trilhado.
Precisamente neste ponto do Evangelho se inicia a parábola dos operários da vinha, com a qual Jesus faz uma espécie de remate de mais uma fase de instrução para seus seguidores, incluindo os do futuro.
A figura da vinha
Ao contrário do que geralmente se supõe, a região na qual hoje se incluem a Palestina e Israel era, no tempo de Nosso Senhor, extremamente fértil. O panorama muitas vezes árido e desolador de nossos dias é resultante de dois mil anos de lutas e arrasamentos. Mas ali de fato era um país onde, além de “correr o leite e o mel” e produzir ótimo azeite, cultivavam-se excelentes vinhas, conforme no-lo atestam as Sagradas Escrituras (Nm 13, 24), certamente sinal de bênção de Deus.
No trabalho da vinha, utilizavam-se dois períodos do ano: o começo da primavera e o outono. O primeiro para deixá-la pronta para o florescimento e o outro para a colheita. Para ambas as ocasiões se necessitava um bom número de trabalhadores extras, pois poucos eram permanentes. Por isso vemos, na parábola em questão, o pai de família ir a procura dos operários, contratando uns por necessidade e outros pelo puro desejo de lhes oferecer um meio de ganhar algo.
As horas de trabalho eram divididas em quatro partes de sol a sol, ou seja, de três em três horas, das seis da manhã às seis da tarde. Entretanto, na parábola dos vinhateiros, os últimos trabalharam tão-só das 17 as 18h, constituindo um quinto grupo. O salário, como é óbvio, era o contratado.
A explicação
Uma boa explanação sobre essa parábola, dada com a clareza, concisão e objetividade próprias ao estilo francês, é de autoria do conhecido exegeta L. Cl. Fillion, na Vie de N. S. Jésus-Christ. Segundo ele, de modo geral os comentaristas dos Evangelhos são concordes em que, nas parábolas, há circunstâncias cuja função é apenas de ornamento. No presente caso, muitos comentadores tropeçam na análise, ao forçar uma interpretação de cada detalhe.
Tendo isto em vista, Fillion procura apontar a ideia dominante na parábola: “Parece ser que Deus, figurado no proprietário rico, cumpre fielmente suas promessas para os que O servem, e que a todos dá, sem exceção, em qualquer ponto da vida em que tenham começado seu trabalho, uma justa recompensa de todas as suas fadigas”.
Contudo, esse homem reparte seus dons na proporção que lhe apraz. Para vários exegetas, aqui reside a principal dificuldade da parábola: a primeira vista, pareceria uma injustiça o senhor da vinha pagar o mesmo salário tanto para os que trabalharam mais, como para os que menos o fizeram.
Fillion ressalta que, na narrativa, ninguém foi esquecido na hora da distribuição, de modo que não há motivo para queixas. São Tomás é do mesmo parecer: “Naquilo que é dado gratuitamente, uma pessoa pode dar mais ou menos, conforme lhe agradar (desde que não prive ninguém do que lhe é devido), sem de modo algum infringir a justiça’ (Summa, 1 q. 23 a. 5). Voltando a Fillion, completa ele seu raciocínio com uma sentença da maior importância, sobre a qual voltaremos adiante: ‘cada um deve se satisfazer com o recebido e demonstrar reconhecimento, sem olhar com vista invejosa os que ganharam mais”.
O chamado de Deus
Ao terminar o comentário, o autor francês aponta outra relevante lição da parábola: “Não são todos que começam a trabalhar em sua salvação e santificação na mesma época de sua vida. Alguns o fazem na primeira hora, a infância; outros, na juventude; outros ainda, na idade madura; e alguns iniciam quando já se manifestam os sinais precursores da morte. Felizes os operários da primeira hora, que só tenham vivido para Deus! Felizes também aqueles que, tendo ouvido em qualquer época da vida o chamado da graça, correspondem a ele e acorrem para junto de seu Salvador, a fim de trabalhar com Ele e para Ele!
Jesus preparava com suas pregações, nesta fase, o chamado a seus seguidores futuros. Deus, tal como consta nesta parábola, chama todos à perfeição, apesar de o fazer em horas e circunstâncias diversas da vida. Ninguém deve desanimar, se tiver deixado para muito tarde o preocupar-se com sua salvação, pois para todos a misericórdia de Deus reserva um prêmio. Mas também é necessário atender logo à convocação de Jesus, de modo decidido. Nenhum dos chamados ao trabalho, nesta parábola, chegou a propor um horário mais tardio, mas imediatamente se pôs a trabalhar. Nenhum também recusou. Assim devemos proceder nós: não devemos retardar o nosso “sim” ao chamado do Mestre.
Na parábola em questão, a inveja é o motivo da murmuração dos operários da primeira hora contra o dono da vinha. Este mesmo afirmará: “Ou me olhas com inveja por eu ser bom?” Pecado de consequências funestas, tornou amargurados muitos anjos, logo no primeiro dia da criação, que por essa razão foram precipitados do alto dos céus ao mais profundo dos infernos. Não suportaram a infinita superioridade de Deus e, quiçá, a divindade de Jesus e a predestinação de sua Mãe à maternidade divina.