Tríduo Pascal

quarta-feira, 7 de março de 2012

Jesus e a samaritana


Era quase a hora sexta.

Ou seja, quase meio-dia.

7Veio uma mulher da Samaria tirar água. Jesus disse-lhe: “Dá-me de beber”.

Segundo Santo Agostinho, o fato de tratar-se de uma mulher simboliza de algum modo a fundação da Igreja. A samaritana seria a representação da instituição que nasceria do sagrado costado de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Quanto ao fato de não ser ela judia, o grande Doutor interpreta como sendo uma referência aos gentios dos quais nasceria a Igreja: “A Igreja havia de vir dos gentios, e a raça judaica havia de considerá-la estrangeira” (3). Ora, os samaritanos eram considerados estrangeiros até pelo próprio Jesus, conforme nos relata o Evangelho. Dos dez leprosos curados, um só retornou para agradecer: “Era um samaritano (...) Não se encontrou quem voltasse e desse glória a Deus, senão este estrangeiro?” (Lc 17, 16-18).

Enfim, tratava-se de uma mulher comum e simples diante do Criador. A samaritana jamais imaginaria quem era Aquele, e menos ainda o poder que estava nas suas mãos, de lhe oferecer a salvação eterna. Ele, por sua vez, transborda de desejo de tê-la consigo por toda a eternidade.

O Senhor lhe pede água. Será somente física sua sede? Trata-se do mesmo sitio (tenho sede) pronunciado por Ele no alto da Cruz; seu grande anseio é redimir o gênero humano e, neste caso concreto, quer salvar aquela alma.

Deitemos toda a nossa atenção nesse encontro extremamente exemplificativo da teologia sobre o chamado da graça. Tanto a atitude de Jesus quanto a dela são paradigmáticas. Quem toma a iniciativa é Ele, sem levar em conta qualquer oração, pedido, desejo ou mérito da samaritana. Como com todos os homens, Ele procede de maneira inteiramente gratuita. Ela, por sua vez, nada suspeita das generosas intenções de seu interlocutor; pelo contrário, pensa que Jesus, por ser judeu, repudia por completo os samaritanos.

Nosso Senhor costuma agir adaptando-se aos modos de ser de cada um. Para Natanael Ele dirá que o viu debaixo de uma figueira (Jo 1, 50), para André e João será uma proclamação sobre o Cordeiro de Deus (Jo 1, 29), para os Reis Magos era a estrela aparecida no Oriente (Mt 2, 2). Para esta mulher Ele pede água.

Quão misteriosa é a bondade de Deus!
  
8 Os seus discípulos tinham ido à cidade comprar mantimentos.

Jesus quis de fato estar a sós. Nada Lhe custaria conservar alguns apóstolos consigo, e lhe bastaria uma insinuação, indicando o desejo de que alguns O acompanhassem, para ser atendido com alegria.

9 Disse-Lhe então a mulher: “Como, sendo Tu judeu, me pedes de beber a mim, que sou samaritana?” Com efeito, os judeus não se dão com os samaritanos.

Pelas roupas, pelo porte e quiçá até mesmo pela pronúncia das palavras, a samaritana percebera tratar-se de um judeu. Ora, como acima dissemos, o povo eleito não tocava nem sequer na vasilha de um samaritano, a fim de evitar as impurezas. Daí a perplexidade manifestada por ela.

A correspondência a esse primeiro chamado de Nosso Senhor poderia condicionar a perseverança dela e até mesmo sua salvação, porém sua reação foi a de levantar obstáculo. Jesus, entretanto, não desistirá de chamá-la à conversão.

10 Jesus respondeu: “Se tu conhecesses o dom de Deus, e quem é que te diz: Dá-me de beber, certamente Lhe pedirias e Ele te daria uma água viva”.
    
Didática insuperável, perfeitíssima. É bem conhecida a curiosidade feminina e é desta que Jesus procura tirar partido. Com enorme afeto, Ele entretém e atrai a atenção da samaritana, pondo-a diante de algo mirabolante. Viva é a água que jorra da fonte. É sempre mais apreciada do que a retirada do poço. Jesus vai aos poucos se apresentando como um personagem incomum, com certas características misteriosas, possuidor de um dom de Deus.

Essa frase de Jesus, no modo condicional, já continha um começo de doutrinação e tornava impossível à samaritana deixar de se interessar mais a fundo pelo judeu sentado à beira do poço. São duas sedes de teor distinto que acometem o Divino Mestre. Jesus necessita da água comum e corrente, mas sua sede de converter aquela alma é incomparavelmente maior, e essa é a razão pela qual Ele procura despertar um interesse, todo feito de fé, no interior de sua interlocutora.




3)  3Op. cit. pág. 394.

Continua

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