Continuação do post anterior
Para respondê-lo, evoco uma bela passagem da vida de Santa Gertrudes. Conta-se que, certo dia, quando ela e suas religiosas cantavam a “Ave-Maria” durante o ofício de Matinas, a Santa foi arrebatada em êxtase.
Viu então jorrarem do seio da Santíssima Trindade três fachos de luz — simbolizando o poder do Pai, a sabedoria do Filho e a ternura misericordiosa do Espírito Santo — que penetravam no coração de Nossa Senhora, para deste retornar à fonte, isto é, à Trindade Beatíssima.
Essa visão tornava patente como a Mãe de Deus se regozija em seu coração, e como neste há novas expansões da Santíssima Trindade, cada vez que uma alma na Terra recita devotamente a Ave-Maria.
Ora, a fortiori, quando um bem-aventurado no Céu elogia Nossa Senhora, há um aumento de comunicação d’Ela com a Santíssima Trindade e vice-versa. Assim como há um acréscimo acidental de gáudio no Paraíso, por onde, na medida em que os Santos se amam, conversam, convivem, intensifica-se o relacionamento de todos com Deus.
Existe, portanto, uma espécie de interação recíproca à qual Deus se associa. É a movimentação do Céu, à maneira de uma imensa, santíssima e inocentíssima política, em que todos se empenham, sem cansaço, para aumentar o próprio gáudio e o dos outros, nadando, por assim dizer, nas gentilezas e na felicidade mútuas.
Sob esse ponto de vista, o Céu poderia ser comparado a uma corte esplêndida, perfeita, onde os cortesãos, quando se encontram, inclinam-se profundamente uns diante dos outros, com imenso amor; cumprimentam-se diante do Rei que, ao perceber esse afeto, alegra-se e concede um galardão a cada um. Eles agradecem a munificência do Monarca, o qual lhes oferece mais prêmios. E assim se caminha sempre, de galardão em galardão, enriquecidos com algo de novo.
Essa vida e essa movimentação no Céu se verifica, sobretudo, no progresso que fazem os eleitos no conhecimento de Deus, infinitamente interessante. Sendo Ele a meiguice, a afabilidade, revela-nos em sua essência todas as coisas, com uma expressão de charme, com encanto, com aquilo que se poderia chamar de verve divina, como não podemos imaginar...
De maneira que, ao longo de todas as suas infinitudes, veremos a Deus sempre diferente e nunca acabaremos de conhecê-Lo. Ele será para nós uma novidade contínua, cujos variados aspectos os Anjos e os Santos comentarão entre si, pois cada um deles contempla e adora a Deus por diversos ângulos. Essa conversação a respeito das excelências divinas será cantada, e esse cântico eterno do Céu induzirá os justos a um progresso constante, sem fadiga, porque é movimento e repouso ao mesmo tempo.
Como imaginaria o meu Céu
Por fim, como imagino o Céu para mim, se até lá me conduzir a misericórdia de Deus? Compreendendo que, a rogos de Maria, Nosso Senhor pode me destinar coisa muito diferente da concebida por minha imaginação. O que direi é apenas um esboço feito do “lado de cá”, implorando a Nossa Senhora que me alcance algo ainda melhor.
Mas, tendo em consideração o feitio de minha alma, imagino que eu veria a Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo e, logo abaixo, Nossa Senhora. Contemplá-los-ia numa altura prodigiosa, infinitamente superiores a mim, de tal maneira que me sentisse um grão de poeira em comparação com Eles. Mas, encantado de ser um grão de poeira e por Eles serem o que são.
Ao mesmo tempo, por um paradoxo, tão perto d’Eles que Os visse e me considerasse em condições de amar tudo exatamente como Eles amam. Entre Deus, Nossa Senhora e eu, gostaria de contemplar uma hierarquia esplendorosa e harmônica de pessoas, sucessivamente superiores, com perfeições e ordenações que vão aumentando, através das quais me fosse dado conhecer melhor a Deus.
E eu me imagino encantado nessa hierarquia, pequeno dentro dela, mas enlevadíssimo, tendo a impressão de que todas essas excelências me inundariam e se refletiriam em mim como algo de gravíssimo, seríssimo, majestosíssimo, de um lado; de outro, afabilíssimo, cheio de sorriso e de condescendência para comigo, de modo que eu exclamasse: “Cheguei afinal à pátria de minha alma!”
Essa concepção do Céu não estaria completa sem a ideia de uma relação particular com Nossa Senhora. Um relacionamento que, se não fosse audácia, eu ambicionaria muito especial, como o de um grão de poeira junto ao trono da Rainha Celeste, bem perto d’Ela, e — por que não ousar imaginá-lo? — até mesmo no próprio coração da Santíssima Virgem.
Esse é o meu desejo. Assim seria o Céu que concebo para mim.
Plinio Correa de Oliveira Extraído de conferência
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