Este erro funestíssimo provém, em parte, da ignorância que se nota sobre o papel da graça na vida espiritual.
É ensinamento católico, do qual não podemos dissentir, que, sem o auxílio da graça, o homem não pode perseverar por muito tempo no cumprimento integral dos Mandamentos, e que, sem ele, é-lhe impossível pronunciar sequer, devotamente, o Santíssimo Nome de Jesus.
O homem toma todas as suas deliberações e forma todos os seus propósitos, servindo-se exclusivamente de suas faculdades intelectuais e volitivas. Assim, por exemplo, fazer uma viagem, resolver um negócio, comprar um livro, etc., são atos que dependem somente da vontade e da inteligência do homem. A esta regra, porém, não obedece a vida espiritual, em que intervém um novo fator, que é a graça.
A graça sobrenatural é um auxílio que Deus dá gratuitamente à alma, para a sua salvação. A graça pode ser, pois, uma luz especial concedida por Deus à inteligência, que lhe faculta a penetração clara das verdades necessárias para a salvação, ou um auxílio dado à vontade, para que vença os obstáculos que a distanciam do bem percebido pela inteligência.
Sem esta iluminação, pois, ou este auxílio, é impossível a prática completa e prolongada da virtude.
Absoluta necessidade da oração
Este auxílio, Deus no-lo dá de forma tal que possamos aceitá-lo ou rejeitá-lo livremente. A graça não destrói, portanto, o livre arbítrio. Mas ela constitui um dom absolutamente gratuito de Deus, que a alma recebe sem que nada tenha feito para o merecer. Daí decorre a necessidade absoluta da prece humilde e confiante, em que o homem pede as graças necessárias para seu aperfeiçoamento espiritual.
A oração nos aparece, pois, ao cabo destas considerações, como elemento indispensável para o aperfeiçoamento moral do indivíduo.
A graça não tem, no entanto, como único veículo a oração particular. A Igreja também canaliza para seus filhos as graças sobrenaturais de que necessitam, através dos seus Sacramentos e do valiosíssimo recurso de sua oração oficial e do Santo Sacrifício da Missa (...)
Não há piedade autêntica sem o desejo de progresso espiritual
Temos, pois, demonstrado que o progresso espiritual exige a oração. Por sua vez, demonstraremos agora que [a oração] constitui uma aberração ...., quando desacompanhada do desejo .... de aperfeiçoamento espiritual.
Os favores se medem pelos benefícios que nos trazem. Os dons de Deus, que nos auxiliam a conquistar uma felicidade precária neste mundo são, pois, imensamente menores do que os que Ele nos dá para conquistarmos a felicidade eterna. A desproporção entre os dons perecíveis e os imperecíveis é a que existe entre as almas, criadas para a eternidade, e os objetos materiais que o tempo destruirá. Nestas condições, o católico é devedor de graças inapreciáveis, cuja rejeição constitui a alma ré de um delito que a torna abominável aos olhos da Justiça Divina.
A alma pecadora, que rejeita a graça, não está, pois, em estado de apresentar ao Criador atos de adoração, reparação, ação de graças ou louvor que lhe sejam agradáveis. Enquanto do altar em que se queimava o sacrifício de Abel subia um fumo que se elevava ao Trono de Deus, o fumo do sacrifício de Caim não se elevava no ar. A única oração feita pelo pecador, e que seja realmente agradável aos olhos de Deus, é o pedido sincero de que lhe dê forças para empreender seriamente a reforma de sua vida.
Um dilema, portanto, se nos impõe: ou a alma se serve da piedade como meio de aperfeiçoamento espiritual, e nesse caso o progresso espiritual deverá ser tão real quanto for intensa e séria a piedade, ou esta será apenas uma pieguice sentimental, detestável aos olhos de Deus e dos homens, ridícula aos olhos destes e quase sacrílega aos olhos d’Aquele. Outro dilema também se impõe: ou a alma pede as graças necessárias para seu aperfeiçoamento espiritual, ou ela se verá reduzida às suas próprias forças, e portanto derrotada pela primeira tentação que a assaltar.
Sem progresso espiritual, não há verdadeira piedade. Sem piedade, não há verdadeiro progresso espiritual. *
* Plinio Correa de Oliveira. In Legionário”, nº 123, 2/7/33