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sexta-feira, 6 de julho de 2012

Graça, oração e progresso na vida espiritual

Sem a graça não se persevera na virtude
Este erro funestíssimo provém, em parte, da ignorância que se nota sobre o papel da graça na vida espiritual.
É ensinamento católico, do qual não podemos dissentir, que, sem o auxílio da graça, o homem não pode perseverar por muito tempo no cumprimento integral dos Mandamentos, e que, sem ele, é-lhe impossível pronunciar sequer, devotamente, o Santíssimo Nome de Jesus.
O homem toma todas as suas deliberações e forma todos os seus propósitos, servindo-se exclusivamente de suas faculdades intelectuais e volitivas. Assim, por exemplo, fazer uma viagem, resolver um negócio, comprar um livro, etc., são atos que dependem somente da vontade e da inteligência do homem. A esta regra, porém, não obedece a vida espiritual, em que intervém um novo fator, que é a graça.
A graça sobrenatural é um auxílio que Deus dá gratuitamente à alma, para a sua salvação. A graça pode ser, pois, uma luz especial concedida por Deus à inteligência, que lhe faculta a penetração clara das verdades necessárias para a salvação, ou um auxílio dado à vontade, para que vença os obstáculos que a distanciam do bem percebido pela inteligência.
Sem esta iluminação, pois, ou este auxílio, é impossível a prática completa e prolongada da virtude.
Absoluta necessidade da oração
Este auxílio, Deus no-lo dá de forma tal que possamos aceitá-lo ou rejeitá-lo livremente. A graça não destrói, portanto, o livre arbítrio. Mas ela constitui um dom absolutamente gratuito de Deus, que a alma recebe sem que nada tenha feito para o merecer. Daí decorre a necessidade absoluta da prece humilde e confiante, em que o homem pede as graças necessárias para seu aperfeiçoamento espiritual.
A oração nos aparece, pois, ao cabo destas considerações, como elemento indispensável para o aperfeiçoamento moral do indivíduo.
A graça não tem, no entanto, como único veículo a oração particular. A Igreja também canaliza para seus filhos as graças sobrenaturais de que necessitam, através dos seus Sacramentos e do valiosíssimo recurso de sua oração oficial e do Santo Sacrifício da Missa (...)
Não há piedade autêntica sem o desejo de progresso espiritual
Temos, pois, demonstrado que o progresso espiritual exige a oração. Por sua vez, demonstraremos agora que [a oração] constitui uma aberração ...., quando desacompanhada do desejo .... de aperfeiçoamento espiritual.
Os favores se medem pelos benefícios que nos trazem. Os dons de Deus, que nos auxiliam a conquistar uma felicidade precária neste mundo são, pois, imensamente menores do que os que Ele nos dá para conquistarmos a felicidade eterna. A desproporção entre os dons perecíveis e os imperecíveis é a que existe entre as almas, criadas para a eternidade, e os objetos materiais que o tempo destruirá. Nestas condições, o católico é devedor de graças inapreciáveis, cuja rejeição constitui a alma ré de um delito que a torna abominável aos olhos da Justiça Divina.
A alma pecadora, que rejeita a graça, não está, pois, em estado de apresentar ao Criador atos de adoração, reparação, ação de graças ou louvor que lhe sejam agradáveis. Enquanto do altar em que se queimava o sacrifício de Abel subia um fumo que se elevava ao Trono de Deus, o fumo do sacrifício de Caim não se elevava no ar. A única oração feita pelo pecador, e que seja realmente agradável aos olhos de Deus, é o pedido sincero de que lhe dê forças para empreender seriamente a reforma de sua vida.
Um dilema, portanto, se nos impõe: ou a alma se serve da piedade como meio de aperfeiçoamento espiritual, e nesse caso o progresso espiritual deverá ser tão real quanto for intensa e séria a piedade, ou esta será apenas uma pieguice sentimental, detestável aos olhos de Deus e dos homens, ridícula aos olhos destes e quase sacrílega aos olhos d’Aquele. Outro dilema também se impõe: ou a alma pede as graças necessárias para seu aperfeiçoamento espiritual, ou ela se verá reduzida às suas próprias forças, e portanto derrotada pela primeira tentação que a assaltar.
Sem progresso espiritual, não há verdadeira piedade. Sem piedade, não há verdadeiro progresso espiritual. *
* Plinio Correa de Oliveira. In Legionário”, nº 123, 2/7/33

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Que valor tem a vida de piedade?

Que valor tem a vida de piedade?
A primeira dificuldade que se opõe à formação de uma vida intensamente piedosa é o mau exemplo dado por alguns católicos que, assíduos na prática da oração e dos Sacramentos, levam uma vida particular escandalosa, em absoluta contradição com os princípios religiosos que professam.
Confesso ter sido esta uma das observações que mais desfavoravelmente atuaram em minha vida espiritual.
Entendia eu que, uma vez que havia pessoas piedosas que levavam uma vida irregular, a piedade era inútil para o aperfeiçoamento do indivíduo, e tinha por única função o dar expansão a arroubos de temperamentos sentimentais.
E, infelizmente, não me faltaram os maus exemplos. Quando menino, grande parte dos mais piedosos entre meus colegas era de um respeito humano e de uma inconveniência de linguagem pasmosa. Mais tarde, conheci um rapaz que se destacava na Faculdade de Direito pela imoralidade das conversações que mantinha. Com grande pasmo meu verifiquei, posteriormente, que se tratava de uma pessoa extraordinariamente assídua na freqüência de igrejas. E, conversando certa vez comigo (a quem ele conhecia como católico praticante), abordou o tema dos escrúpulos, exibindo — aquela consciência empedernida no pecado —, notável conhecimento do assunto, discorrendo com facilidade sobre trabalhos de santos e de recentes autores europeus a esse respeito!
Ignorância do papel da graça
Outro grande obstáculo é a ignorância completa em que se vive, do valor e do papel da graça no progresso de uma alma na sua vida espiritual.
Acrescente-se a isto o completo desconhecimento do valor e da necessidade da adoração, da reparação, do louvor e da ação de graças tributadas pela criatura ao seu eterno Criador, e temos a vida piedosa reduzida a uma série de atos frios, mera cortesia externa para com um Criador distante e exigente que, com um olhar impassível e talvez distraído, assiste às genuflexões corporais e espirituais de suas criaturas.
Quadro pintado com cores negras, certamente. Consulte-se, porém, a grande maioria dos que pretendem ser católicos, e freqüentemente encontraremos uma situação espiritual ainda mais triste.
É necessário que esta situação deixe de existir. E, para isto, é indispensável que se vençam preconceitos e se destruam erros. *
 Continua no próximo post

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Evangelho 14º Domingo Tempo Comum - ano B

Interior Sinagoga de Nazaré
A visita a Nazaré
Poder-se-ia afirmar, em termos coloquiais, que a pregação de Jesus em Nazaré redundou num verdadeiro fracasso: ali Ele provavelmente não conseguiu converter ninguém e quase não fez milagres.
São Marcos reproduz os comentários feitos pelos conhecidos “do carpinteiro”, nos quais transparece o deplorável vício da inveja, decorrente da comparação das próprias qualidades, sobrevalorizadas por uma análise complacente, com os talentos dos outros. E, neste caso, a comparação era com o próprio Jesus: “Não é ele o carpinteiro, o filho de Maria, irmão de Tiago, José, Judas e Simão? E suas irmãs não estão aqui conosco?” (Mc 6, 3). Em outras palavras, “não é este aquele homem que eu conheço há muito tempo, que vale tanto como eu, e agora se apresenta como profeta, fazendo milagres? Como tem ele esses dons, e eu, não?”.
Com frequência, o convívio muito próximo e assíduo provoca um curioso fenômeno de cegueira espiritual em relação às qualidades e virtudes do próximo. Os habitantes de Nazaré não conseguiam ver em Jesus nada mais além do que o “carpinteiro”, “irmão de Tiago”. Ficaram incapazes de ver nEle o Filho de Deus. E, no entanto, Ele era o Messias prometido!
É de se notar que, antes de ir para Nazaré, Jesus tinha operado um milagre que deixara assombrados todos os circunstantes: ressuscitara a filha de Jairo, recém-falecida: “Saindo dali, Jesus foi para a sua própria terra” (Mc 6, 1). Fazer um morto retornar à vida, somente Deus tem poder para tal. Era natural que uma notícia desse porte corresse à frente do Divino Mestre. Assim, ao chegar Ele a Nazaré, tão extraordinário fato era já do conhecimento geral.
Seria, portanto, de esperar que Seus compatrícios — sobretudo os parentes mais próximos — se alegrassem com tal acontecimento, pois Deus escolhera um do meio deles, para tão alta missão. Não! Pelo contrário, fecharam o coração, rejeitaram Jesus, tentaram até matá-Lo, conforme narra São Lucas (cf. 4, 29). Mistério da iniquidade...
O Mestre forma o espírito dos Apóstolos
Nasce então a pergunta: por que razão Cristo, que tudo conhecia, quis visitar Nazaré, junto com os Apóstolos?
Ele já sabia que Sua pregação seria em vão... Além disso, ali vivera desde seu regresso do Egito, e conhecia a fundo a dureza de coração de seus conterrâneos. Sem dúvida, ao longo desse período, deve ter-Se empenhado em abrir-lhes a alma para a grandeza dos dias que eles viveriam, quando Ele Se manifestasse como o Messias. E sabia o quanto eles estavam longe dessas perspectivas grandiosas.
O que O levou então a Nazaré? Uma das razões, certamente, era a de preparar os Apóstolos para a missão de anunciar o Evangelho.
Tinha Ele percorrido a Galileia fazendo todo tipo de milagres, mas, pelo modo como o Evangelista Marcos relata a passagem por Nazaré, o acontecido nessa cidade não marcou menos o coração dos Seus discípulos, os quais não deixaram de ressaltar aquele aparente fracasso: “E não conseguiu fazer ali milagre algum” (Mc 6, 5).
Para formar o espírito dos Apóstolos, o próprio Jesus não deixou de manifestar-lhes o quanto a incredulidade daquela gente era inusitada: “Ele Se admirava da incredulidade deles” (Mc 6, 6). Dessa maneira, pelo choque gerado por atitude tão surpreendente dos nazarenos — a rejeição da graça e dos benefícios que lhes eram oferecidos —, procurava certamente Jesus ensinar, de modo divino, como todo aquele que se dedica ao apostolado não pode deixar-se levar por ilusões. Pois a tendência normal do apóstolo é difundir o bem, sobretudo entre os mais próximos. E, por vezes, é entre estes que encontra maior rejeição.
Atitude do apóstolo perante a rejeição
O que, então, precisa ser feito? A verdade não deve ser imposta, mas oferecida com despretensão. Se os ouvintes não a quiserem aceitar, o apóstolo, em vez de insistir, procure anunciá-la a quem tiver boas disposições. Por isso, Jesus não fez milagres em Nazaré: se procurasse impor a verdade por meio de sinais extraordinários, aumentaria a culpa daqueles que a rejeitavam. E, nisso, ainda havia um ato de misericórdia em relação a quem fechava a alma para o Bem.
O que deve fazer o apóstolo quando é rejeitado em algum lugar? O exemplo dado pelo Mestre é inequívoco: “Percorria os povoados da região, ensinando” (Mc 6, 6).
É admirável o modo como Ele preparava os Apóstolos para a missão que logo em seguida haveria de lhes dar. Seu divino método pedagógico estava baseado no Seu sublime exemplo. Primeiro, fez com que O acompanhassem na pregação, vissem os milagres operados, participassem até de uma investida fracassada, em Nazaré, onde tudo parecia concorrer para que a pregação obtivesse bom êxito. Só depois os envia em missão a pregar a Boa Nova, quando seu espírito já estava mais preparado pela experiência e fora já um tanto abalada a ilusão de que à frente deles se abria uma larga e cômoda avenida de sucessos.
O que o apóstolo deve esperar encontrar pelo caminho não são sucessos, mas o mais das vezes, incompreensões, obstáculos e sofrimento. A Cruz será a companheira inseparável do verdadeiro apóstolo, mesmo que lhe seja concedido o dom de fazer milagres e dominar os espíritos impuros.