Comentário ao
Evangelho – XVII Domingo do Tempo Comum – Ano A – Mt 13, 44-52
As parábolas sobre o Reino
Três parábolas sobre o Reino — a do tesouro escondido, a da pérola e a da rede —, preciosos ensinamentos para a nossa vida espiritual a fim de alcançarmos a eterna salvação. Quando os “pescadores” separarem os “peixes”, no fim do mundo, estaremos nós entre os bons, ou entre os maus?
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
Naquele tempo disse jesus a seus discípulos: 44“O Reino dos Céus é semelhante a um tesouro escondido num
campo que, quando um homem o acha, esconde-o e, cheio de alegria pelo achado,
vai e vende tudo o que tem e compra aquele campo.
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O Reino dos Céus é também semelhante a um negociante que busca pérolas
preciosas, e tendo encontrado uma de grande preço, vai, vende tudo o que tem e
a compra.
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“O Reino dos Céus é ainda semelhante a uma rede lançada ao mar, que apanha toda
a espécie de peixes. Quando está cheia, os pescadores tiram-na para fora e,
sentados na praia, escolhem os bons para cestos e deitam fora os maus. Será
assim no fim do mundo: Virão os Anjos e separarão os maus do meio dos justos, e
lançá-los-ão na fornalha de fogo. Ali haverá choro e ranger de dentes.
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Compreendestes tudo isto?”. Eles responderam: “Sim”. Ele disse-lhes: “Por isso
todo o escriba instruído nas coisas do Reino dos Céus é semelhante a um pai de
família que tira do seu tesouro coisas novas e velhas” (Mt 13, 44-52).
I – O Reino revelado pelo Divino Mestre
Tendo sido enviados
alguns soldados pelas autoridades religiosas do Templo para prender Jesus,
retornaram sem cumprir a missão, alegando ter sido impossível executá-la, pelo
simples fato de nunca ninguém ter falado como Ele. Transparece, nesse episódio,
o grande poder de expressão da verdade ensinada pela Verdade Encarnada. Ninguém
jamais chegou a ser Mestre, ou virá a sê-lo, em toda significação do termo,
como o foi Jesus Cristo. Quem, de fato, conseguirá ultrapassar em pedagogia o
Pregador Divino?
Consideremos também
quanto o homem é moralmente incapaz de conhecer por si só e plenamente as
verdades religiosas, necessitando para tal do concurso da Revelação. E também a
esse respeito devemos questionar: quem melhor do que o próprio Jesus para
oferecer essa Revelação? Ele trazia do alto uma rica variedade de temas para
nos instruir, entre os quais se encontrava o do Reino de Deus.
Objetivo dos ensinamentos de Jesus
Seu grande desejo era
nos fazer conhecer diretamente as maravilhas que o Pai tinha nos preparado,
pois não é fácil exprimi-las em linguagem humana, como o próprio São Paulo
diria: “Nem o olho viu, nem o ouvido ouviu, nem entrou no coração do homem, o
que Deus preparou para aqueles que O amam” (I Cor 2, 9). Mas se Ele nos
mostrasse o Reino dos Céus, ao invés de no-lo revelar, perderíamos os méritos.
Por isso, tornava-se indispensável servir-se de imagens aproximativas, muito
penetradas de lógica e verossimilhança, e facilmente acessíveis à nossa
inteligência. Os recursos de uma oratória empolada não eram necessários ao
Mestre, por ser Ele quem era e por comunicar uma doutrina eterna, grandiosa,
portanto, na sua própria substância.
Em face do
anteriormente dito, e analisando os fatos como se realizaram, torna-se claro
para um simples leitor dos Evangelhos o quanto Jesus não teve por objetivo, em
Sua vida pública, formar profissionais, artistas ou especialistas em ciência.
Ele Se empenhou em constituir as pedras vivas de Sua Igreja para encaminhá-las
ao Seu Reino eterno. Compreendemos também melhor algumas das razões que O
levaram a Se apresentar, em Sua missão, como perfeito e excelente modelo para
todos os que são chamados a ensinar. Pelo Seu modo de agir, advertia os erros,
enganos e desvios daqueles que visam fazer-se conhecidos através da docência,
ou daqueles que procuram se apropriar da verdade, quando na realidade é ela um
bem comum.
Depois de Jesus, os
Santos e os Doutores muito nos esclareceram sobre este ponto particular, como o
fez Santo Agostinho ao escrever: “Quem reivindica para si próprio aquilo que
Vós ofereceis para uso de todos, querendo como particular o que é de todos, é
reduzido do que é de todos para o que é seu, isto é, da verdade para a
mentira”.1 Sim, debaixo deste prisma, Jesus nos deu o mais alto exemplo de
despretensão, tal como nos diz São Paulo: “Sendo de condição divina, não
reivindicou o direito de ser igual a Deus, mas aniquilou-Se a Si mesmo, tomando
a forma de servo, tornando-Se semelhante aos homens” (Fl 2, 6-7). Por isso,
invariavelmente, nós O encontramos reportando-Se ao Pai.
Supremacia do Divino Magistério
Eis alguns elementos
que nos levam a melhor entender o porquê de Jesus Se fixar nos céus da História
como o Divino Mestre. Assim, afirma o Doutor Angélico: “Cristo é o principal
doutor da doutrina espiritual e da fé, conforme a Carta aos Hebreus: ‘Tendo
começado a ser anunciada pelo Senhor, foi depois confirmada entre nós pelos que
a ouviram, confirmando Deus o seu testemunho por meio de sinais, prodígios’,
etc. (Hb 2, 3-4)”.2
E, de fato, com toda
segurança pode-se falar numa excelência do Magistério de Cristo, pois “o poder
de Cristo ao ensinar se vê, seja pelos milagres com que confirmava a doutrina,
seja pela eficácia com que persuadia, seja pela autoridade com que falava, pois
o fazia como quem tinha domínio sobre a lei, afirmando: ‘Eu, porém, vos digo’
(Mt 5, 34), seja finalmente pela retidão de seu proceder, vivendo sem pecado”.3
Reforçando ainda mais
essa visualização sobre o Sagrado Magistério do Divino Mestre, São Tomás nos mostra
como a ciência sagrada supera todas as outras, seja quanto ao seu objeto, pois
se ocupa de temas elevados que são inacessíveis à pura razão humana, enquanto
as outras só abrangem o que se encontra em seus limites; seja quanto à certeza,
pois a ciência sagrada baseia-se na Luz divina que é infalível, e as outras na
luz da razão, que é passível de erro. Daí concluir: “Logo, é evidente que, sob
todos os aspectos, a ciência sagrada é mais nobre que as demais”.4
Diante dessa
supremacia do Divino Magistério de Jesus, reconsideremos por que razão
servia-se Ele de parábolas em Seu ensino.
Método que entrelaça simplicidade e eternidade
As parábolas eram
muito comuns no Antigo Testamento. Entre elas podemos mencionar a do canto da
vinha de Isaías (cf. 5, 1-7), ou a usada por Natã para invectivar Davi por seus
pecados (cf. II Sam 12, 1-4). Tudo leva a crer que, nos tempos da vida pública de
Nosso Senhor, elas haviam se tornado ainda mais utilizadas, sobretudo entre os
rabinos. Eram de tipo muito variado, incluindo uma comparação com o intuito de
tornar acessível um ensinamento árduo de ser entendido. Enquanto instrumento
pedagógico, apesar de sua simplicidade –– e talvez até por essa razão —,
acabavam por ser atraentes, pois, devido a certa nota de ambigüidade que sempre
as acompanhava, resultavam enigmáticas. Assim, ficavam curiosamente intrigados
aqueles que não alcançavam seu inteiro significado, e os que captavam seu
conteúdo gozavam de alguma alegria. Daí dirigir-se o Divino Mestre aos Seus
ouvintes nestes termos: “Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça” (Mc 4, 9).
Discutem entre si os
autores a esse propósito. Alguns, através de um prisma feito de justiça,
analisam as parábolas enquanto sendo um procedimento utilizado pelo Messias com
o objetivo de castigar os que se negavam a acreditar na Revelação, apesar de
Seus milagres. Entre eles sobressai Maldonado, bem como Knabenbauer e Fonk.
Outros, pelo contrário, a partir da misericórdia explicam que o suave véu das
parábolas visava estimular o interesse dos circunstantes, levandoos a fazer
perguntas, e por isso afirma São Jerônimo: “Mistura o claro com o obscuro para
que, por meio do compreensível, alcancem o que não entendem”.5
Também era
indispensável que Jesus formasse Seus discípulos passo a passo — e não de
maneira brusca — dentro dos novos horizontes. E sob este ponto de vista, o
método por Ele adotado não poderia ser melhor. De si, a parábola deveria ser
simples, desprovida de qualquer caráter rebuscado e, ao tratar de matéria
ligada à eternidade, tornava-se sempre atual. Simplicidade e eternidade eram
termos que se entrelaçavam no cerne da Revelação trazida por Jesus a respeito do
Reino.
Duas visões opostas do Reino
Os judeus tinham uma
concepção equivocada sobre este ponto em particular. Julgavam ser a vinda do
Messias uma oportunidade única para a realização do sonho nacionalista do povo
eleito: uma intervenção divina para instaurar uma era histórica na qual a supremacia
política, social e financeira sobre todos os povos seria atingida com glória e
triunfo.
Bem no sentido oposto
estava o conteúdo da Revelação sobre o verdadeiro Reino. Neste, tudo é
despretensão, lentidão e enfrentamento de obstáculos. Daí sua aproximação com
as figuras do grão de mostarda, do joio e do trigo, parábolas contrapostas aos
erros de visualização do povo judeu.
Jesus prega à multidão
Essa é a temática
tratada ao longo de todo o capítulo 13, de São Mateus. Neste, acompanhamos a
pregação de Jesus na Galiléia. Ao sair de casa, Jesus se senta à margem do mar
de Tiberíades. Envolve-O tal multidão que se vê Ele na contingência de subir a
uma das barcas, para dali falar a todos. Discorre novamente em parábolas: o
semeador, a cizânia, o grão de mostarda, o fermento. Depois disso, despede os
ouvintes e retorna para casa. Uma vez a sós com os discípulos, Lhe é feito o pedido
de explicações sobre a metáfora da cizânia. Se continuarmos a ouvi-Lo,
penetraremos no trecho do Evangelho da Liturgia de hoje.
Se bem que São Mateus
apresente esses ensinamentos como tendo sido proferidos em casa, somente aos discípulos,
e não à multidão, Maldonado opina em sentido contrário: “Eu creio ser mais
provável que os tenha dito a todos antes, junto com as outras parábolas”.6
Continua no próximo post