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sábado, 2 de março de 2013

EVANGELHO DO 4º DOMINGO DA QUARESMA ANO C 2013 - Lc 15,1-3;11-32


CONTINUAÇÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO DO IV DOMINGO DA QUARESMA  ANO C  2013  - Lc 15,1-3;11-32

A PARÁBOLA DO FILHO PRÓDIGO

A pérola de todas as parábolas

De maneira singela, mas com beleza literária insuperável, a Parábola em questão nos coloca diante do entrechoque das várias justiças acima comentadas. Sua concisão e extraordinária riqueza de colorido, abordando matéria tão viva e retratando através de fluida analogia muitos atos de nossa existência, tornam facilmente perceptível o fundo da lição proferida pelo Divino Mestre. Vamos, porém, empenhar-nos em ressaltar aspectos pouco comentados da mesma: os extremos opostos dos dois juízos — o do pai e o do filho maior.

Temos diante dos olhos uma das mais eloquentes páginas do Evangelho, considerada como a pérola de todas as parábolas. Ela é, de si, um pequeno evangelho.

Sem dúvida alguma, o cerne da Parábola consiste em colocar ao alcance de qualquer inteligência, até das menos favorecidas, a pulcritude da bondade de Deus em perdoar ao pecador arrependido com exuberante e alegre solicitude. O pai, neste contexto, representa Deus.

Soberba dos fariseus

A narração evangélica se inicia com um juízo orgulhoso da parte dos fariseus e escribas, murmurando contra Nosso Senhor. Não lhes seria difícil reconhecer naquele Homem, todo feito caridade para com qualquer necessitado, a figura do verdadeiro Messias, ou, pelo menos, a de um grande profeta ansioso por tornar felizes os sofredores. Ora, por que criticá-Lo sem Lhe reconhecer uma só qualidade? É novamente a paixão satânica da soberba a entrar em cena. Por que Lhe atribuem o título de pecador, quando em realidade mais deveriam exaltar seu grande poder de curar, perdoar e converter? Essa é a malícia e o ódio, diluídos ou concentrados, que pervadem as relações humanas nas sociedades de todos os tempos, quando impera o orgulho.

Conforme o costume da época, Jesus lhes propõe três parábolas, a fim de esclarecer a razão de sua misericórdia para com os pecadores arrependidos. O enredo de cada uma é belo, lógico e convincente. Uma só delas seria suficiente para resolver qualquer dúvida ou desfazer a mais grave das suspeitas oriundas de coração bem-intencionado. A Liturgia de hoje não aborda a da ovelha desgarrada nem a da dracma perdida, mas a do filho pródigo.

Trata-se da história de um pai e dois filhos, um dos quais fará o papel de equilibrado, sensato, honesto e fiel, e o outro de apaixonado, dissoluto e esbanjador.

Sabedoria e afeto do pai

O pai é apresentado como possuidor de um coração sábio, afetuoso e até maternal, a ponto de não manifestar a menor estranheza com o pedido do filho, e, portanto, de não tentar dissuadir seu caçula de exigir a herança a que tinha direito.

Segundo a Lei mosaica, ao segundo filho cabia apenas uma terça parte dos bens. Impossível seria ao pai não perceber a falta de senso e de tato contida naquela demanda, que o levaria a perigosos riscos. Tratava-se do início de sua perdição. Se bem tudo fosse feito segundo o direito, o pai poderia usar de subterfúgios para negar-lhe a entrega de sua parte. Até mesmo medidas extremas teriam lugar, em última instância, caso o filho recalcitrasse em atender às imposições paternas (cf. Dt 21, 15-21).

Entretanto, por sua longa experiência da vida, o pai dava-se conta da inutilidade de toda e qualquer ação visando coarctar as paixões desenfreadas de um jovem inebriado pelas pseudo-delícias da realização de sonhos fruitivos. Exceção feita de uma intervenção de Deus, nada lhe cortaria os passos. É evidente, portanto, ter havido uma forte intenção pedagógica no fato de o pai ter concordado sem objeções com a divisão da herança. Era a intuição paterna de um futuro arrependimento e emenda eficaz.

Uma vez tendo sido solicitada por um, a divisão dos bens deveria ser realizada no seu todo. Quanto ao primogênito, como mais adiante narra Lucas, sua atitude não poderia ter sido melhor nessa circunstância. Ou seja, de nada tomou posse, deixando a globalidade de seus haveres com o pai.

Continua no próximo post.

sexta-feira, 1 de março de 2013

EVANGELHO DO 4º DOMINGO DA QUARESMA ANO C 2013 - Lc 15,1-3;11-32


COMENTÁRIO AO EVANGELHO DO IV DOMINGO DA QUARESMA  ANO C  2013  - Lc 15,1-3;11-32

O Filho Pródigo: Justiça e Misericórdia


Analisando os atos de Deus sob o mero prisma da humana justiça, difícil se torna compreendê-los. Na parábola da liturgia de hoje, enquanto o egoísmo se revolta, a justiça e a misericórdia se osculam num dos mais belos exemplos do Evangelho. Como melhor degustá-lo? Eis o objetivo deste artigo.

Naquele tempo, 1 aproximavam-se d’Ele os publicanos e os pecadores para O ouvir. 2 Os fariseus e os escribas murmuravam, dizendo: “Este recebe os pecadores e come com eles”. 3 Então propôs-lhes esta parábola: 11“Um homem tinha dois filhos. 12 O mais novo disse ao Pai: Pai, dá-me a parte dos bens que me cabe. O pai repartiu entre eles os bens. 13 Passados poucos dias, juntando tudo o que era seu, o filho mais novo partiu para uma terra distante e lá dissipou os seus bens vivendo dissolutamente. 14 Depois de ter consumido tudo, houve naquele país uma grande fome, e ele começou a passar necessidades. 15 Foi pôr-se ao serviço de um habitante daquela terra, que o mandou para os seus campos guardar porcos. 16 “Desejava encher o seu ventre das alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava. 17 Tendo entrado em si, disse: Quantos diaristas há em casa de meu pai que têm pão em abundância e eu aqui morro de fome! 18 Levantar-me-ei, irei ter com meu pai e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o Céu e contra ti, 19 já não sou digno de ser chamado teu filho, trata-me como a um dos teus diaristas. 20 “Levantou-se e foi ter com o pai. Quando ele estava ainda longe, o pai viu-o, ficou movido de compaixão e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço e cobriu-o de beijos. 21 O filho disse-lhe: Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho. 22 Porém, o pai disse aos servos: Trazei depressa o vestido mais precioso, vesti-o, metei-lhe um anel no dedo e as sandálias nos pés. 23 Trazei também um vitelo gordo e matai-o. Comamos e façamos festa, 24 porque este meu filho estava morto e reviveu; tinha se perdido e foi encontrado. E começaram a festa 25 “Ora, o filho mais velho estava no campo. Quando voltou, ao aproximar-se de casa, ouviu a música e os coros. 26 Chamou um dos servos, e perguntou-lhe que era aquilo. 27 Este disse-lhe: Teu irmão voltou e teu pai mandou matar o vitelo gordo, porque o recuperou com saúde. 28 Ele indignou-se, e não queria entrar. Mas o pai, saindo, começou a pedir-lhe. 29 Ele, porém, respondeu ao pai: Há tantos anos que te sirvo, nunca transgredi nenhuma ordem tua e nunca me deste um cabrito para eu me banquetear com os meus amigos, 30 mas logo que veio esse teu filho, que devorou os seus bens com meretrizes, mandaste-lhe matar o vitelo gordo. 31 Seu pai disse-lhe: Filho, tu estás sempre comigo e tudo o que é meu é teu. 32 Era, porém, justo que houvesse banquete e festa, porque este teu irmão estava morto e ressuscitou, tinha-se perdido e foi encontrado.” (Lc 15,1-3;11-32)

A JUSTIÇA DOS HOMENS E A DE DEUS

Dois juízos humanos: o da equidade e o das paixões

A justiça humana atingiu um ápice no sistema elaborado pelos romanos. A tal ponto que, ainda hoje, a legislação de grande parte das nações toma como base as normas de uma quase matemática exatidão daqueles tempos, cuja síntese se encontra no famoso princípio: suum cuique tribuere, ou seja, “dar a cada um aquilo que é seu”. Este é o juízo do homem reto, ou o praticado nos tribunais, visando restabelecer a verdadeira ordem.

Há outro juízo nada justo, nem sereno, cuja sentença sempre aparece influenciada por uma das três paixões tristes: a ira, a soberba ou a inveja. É o tantas vezes empregado no mundo e com o qual convivemos em nosso dia-a-dia. Em quantas ocasiões não presenciamos infundadas manifestações de cólera contra inocentes ou faltosos arrependidos, nas quais a aspereza implacável deixa transparecer a peçonha do egoísmo que as move? É o relacionamento entre seres que deveriam se estimar e apoiar-se, mas que, pelo contrário, na medida em que se afastam de Deus, de mais violência se utilizam para saciar o seu amor próprio.

Além das explosões da ira, causa-nos espanto o império da inveja, encontrado por todos os cantos. Poucos são os homens totalmente livres desse mal, que por toda eternidade amarga e atormenta os anjos decaídos.

Entretanto, o pior de todos os juízos é aquele nascido da soberba. O homem orgulhoso tem sempre uma sentença depreciativa em relação aos semelhantes. E, como se fosse o Criador, põe-se a julgar de tudo e de todos, não respeitando sequer o próprio Deus.

Benevolência e misericórdia de Deus

Felizmente, o Criador não julga segundo as leis humanas, e muito menos conforme as normas nascidas desses três vícios, mas sim com base na misericórdia. Foi para nos proporcionar melhor compreensão do quanto Ele assim procede conosco, que Deus criou os instintos paterno e materno.

Os pais consideram com amor as faltas dos filhos. Às vezes chegam a exceder-se em benevolência, devido aos desequilíbrios do pecado original, mas, em geral, emitem um juízo verdadeiro.

Esse é também o procedimento da Igreja. Procura ela salvar a justiça, mas esforça-se por atenuar ao máximo a pena merecida pelo pecador ou criminoso. Em face desse trato feito de santidade, o infrator mais facilmente reconhece seu próprio erro e considera quase irrelevante a pena a ser cumprida. Ademais, manifesta afetuosa gratidão.

Na própria leitura de hoje, vem à luz esse misericordioso agir de Jesus e de sua Igreja para conosco: “Tudo isso vem de Deus, que nos reconciliou consigo por Cristo e nos deu a nós o ministério da reconciliação, porque era Deus que reconciliava consigo o mundo em Cristo, não lhe imputando os seus pecados e encarregando-nos da palavra de reconciliação” (2Cor 5, 18-19).

A justiça misericordiosa de Deus chegou a extremos inimagináveis, conforme ainda nos ensina São Paulo na liturgia de hoje: “Aquele que não tinha conhecido o pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nos tornássemos, n’Ele, justiça de Deus” (idem, 21).

Eis aí a contradição entre as várias justiças, triunfando entre elas a divina.

Continua no próximo post.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Evangelho 3º Domingo da Quaresma Lc 13, 1-9 Ano C - 2013


Continuação dos comentários ao Evangelho 3º Domingo da Quaresma Lc 13, 1-9  Ano C -  2013

Simbolismo da figura do vinhateiro

Muitos são os simbolismos atribuídos pelos comentaristas à figura do vinhateiro.

Afirma Teófilo: “Deus Pai é o dono da vinha; o vinhateiro é Jesus Cristo, o qual não permite cortar a figueira estéril, como se dissesse ao Pai: ‘Mesmo não tendo dado frutos de penitência pela Lei e pelos Profetas, Eu os regarei com meus tormentos e minha doutrina, e talvez produzam frutos de obediência’”.19

O Cardeal Gomá o identifica com o nosso Anjo da Guarda, ou com as pessoas suscitadas por Deus para nos dirigir, ou até mesmo com cada um de nós, porque “cada qual cuida de sua vinha”.20

E São Gregório Magno se pergunta: “O que significa o vinhateiro, senão a ordem dos prelados? Pois estes, estando à frente da Igreja, estão certamente cuidando da vinha do Senhor”. E atribui, logo a seguir, um inesperado simbolismo ao trabalho do vinhateiro: “O que significa cavar ao redor da figueira senão increpar as almas infrutíferas? Com efeito, toda escavação se faz embaixo e é certo que a increpação, ao ser feita, humilha a alma; portanto, quando increpamos a alguém seu pecado, agimos como quem, por exigências do cultivo, cava em volta da árvore estéril”.

“Então tu a cortarás!”

A passagem do Evangelho termina abruptamente com palavras de terrível ameaça: “Então tu a cortarás!”.

Não faltavam no Antigo Testamento exemplos de severos castigos para dar crédito a essa advertência: no tempo de Noé, a terra foi submersa pelas águas do dilúvio (cf. Gn 7, 17-24); Sodoma e Gomorra foram destruídas pelo fogo (cf. Gn 19, 24-25); as tropas do faraó pereceram, afogadas no Mar Vermelho (cf. Ex 14, 27- 28). Deus é a Paciência, em substância, mas também é a Sabedoria e a Justiça, e sabe como e quando intervir.
E no Novo Testamento, veremos Jesus retomar a figura desta parábola quando, indo de Betânia a Jerusalém, três dias antes de Sua morte, teve fome e dirigiu-Se a uma figueira localizada à beira do caminho. Não achando nela senão folhas, disse-lhe: “Nunca mais produzas fruto algum!”. E, no mesmo instante, a figueira secou, deixando estupefatos os discípulos (cf. Mt 21, 17-20). Conforme especifica São Marcos, ela secou “até a raiz” (Mc 11, 20).

Bem pode essa árvore estéril representar a história de quem vai abusando da paciência do Criador, até o momento, desconhecido pelos homens, em que sua medida estará completa...

O que Deus espera de nós

Deus usa de longanimidade para conosco, conforme as palavras de São Pedro: “O Senhor pacientemente vos aguarda, não querendo que ninguém pereça senão que todos se arrependam” (II Pd 3, 9). Dá Ele tempo de sobra para a terra ser adubada e regada, ou seja, para as pessoas se converterem.

Contudo, os terríveis efeitos da Justiça divina convidam-nos a examinar a fundo nossa consciência, para saber se estamos cumprindo nossos deveres de cristão, assumidos no Batismo. O convite à conversão apresentado por esta passagem significa caminhar para a perfeição, excluindo qualquer apego ao pecado, pois o bem só poderá nascer de uma causa íntegra.22

Estejamos, pois, conscientes da necessidade de uma contínua e autêntica conversão, uma vez que a busca de Deus exige do homem todo o empenho de sua inteligência e a retidão de sua vontade para corresponder à graça, sem a qual nada podemos fazer.

E se, por infelicidade, tivermos incorrido em muitas faltas, não nos esqueçamos de que Nossa Senhora e o nosso Anjo da Guarda estão sempre rogando por nós, para Deus nos conceder mais uma oportunidade. O mesmo fazem os bem-aventurados, conforme afirma Santo Agostinho ao comentar essa parábola: “Todos os santos são como vinhateiros que intercedem pelos pecadores perante o Senhor”.23

Esta Liturgia — que nos adverte com tanta seriedade, mas também nos incentiva a ter uma inabalável confiança na misericórdia divina — é própria a nos conduzir, como dissemos, a um apurado exame de consciência. Aproveitemos, então, o dia de hoje para pedir a graça de romper inteiramente com o mal. Aquilo que Jesus esperava e até reclamava de Seu povo, tal qual transparece no Evangelho de hoje, é exatamente o que Ele quer de cada um de nós. Ou seja, uma grande virtude de penitência e espírito de compunção, necessários a todos os que não viveram uma perfeita inocência.

Essa dor dos próprios pecados, quando redunda numa contrição perfeita, produz belos e abundantes frutos, como a plena remissão de nossas culpas e das próprias penas temporais, e também um considerável aumento da graça santificante que faz a alma avançar rapidamente pelas sendas da santificação. Além de grande paz interior, essa contrição manterá a alma em estado de humildade, purificando-a e auxiliando-a a mortificar seus desordenados instintos. Aí está um ótimo meio para adquirir forças contra as tentações e garantir a perseverança na fidelidade aos Mandamentos.

Será que não nos move o exemplo tão clamoroso da rejeição daquele povo ao prazo que lhe dá o Salvador para seu arrependimento e conversão? Reagiremos nós da mesma forma ou imploraremos, por meio de Maria, esse verdadeiro dom de Deus, que é a contrição perfeita?

Eis o que a respeito da pecaminosa rejeição do povo eleito comenta Didon: “O fruto que Deus esperava e reclamava da Sua nação escolhida era a penitência e a fé; a penitência que chora as infidelidades e as faltas, a fé que aceita a palavra de vida e dá acesso ao Reino messiânico”.

“Desde a primeira hora da Sua vida pública, Jesus não cessou de lembrar estes grandes deveres. Mas, afora alguns eleitos, nenhum responde; em lugar de bater no peito, os chefes religiosos não falam senão da sua justiça; em lugar de crer no Enviado, combatem-no, perseguem-no, difamam-no, ameaçam-no e anatematizam-no. A vingança de Deus aproxima-se, pronta a rebentar, se o Enviado desconhecido não suspende a sua explosão; esta raça cega mal o imagina, embala-se em ilusões fatais que a palavra de Jesus não consegue dissipar, adormece nas promessas de Deus, sem pensar que o seu endurecimento torna estéreis essas promessas e provoca a cólera celeste. Os milagres não podem mais sobre ela do que a palavra. Arrancam à multidão alguns gritos de admiração, mas escandalizam a classe dirigente que não cessa de opor ao Profeta as vãs observâncias do seu culto”.24

Mais uma vez, podemos nos perguntar: e nós, reagiremos da mesma forma? Ou tiraremos todo o proveito, não só desta Liturgia, mas de toda a Quaresma?

19 TEOFILO, apud SANTO TOMÁS DE AQUINO, Catena áurea. IV. San Lucas. Buenos Aires: Cursos de Cultura Católica, s/d, p.334-335.
20 GOMÁ Y TOMÁS, op. cit., p.245.
21 SAN GREGORIO MAGNO. Obras completas. Madrid: BAC, 1958, p.694.
22 Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, I-II, q.18, a.4, ad.3.
23 SAN AGUSTÍN, apud MALDONADO, SJ, op. cit., p.619.
24 DIDON, op. cit., p.321-322.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Evangelho 3º Domingo da Quaresma Lc 13, 1-9 Ano C - 2013

Continuação dos comentários ao Evangelho 3º Domingo da Quaresma Lc 13, 1-9  Ano C -  2013


A parábola da figueira

Visando melhor vincar nas almas dos seus ouvintes a necessidade de uma pronta penitência, Jesus continua Seus ensinamentos recorrendo a uma parábola de fácil compreensão, por ser a figueira muito comum na Palestina daquela época. Costumava-se plantá-la pelo meio das vinhas, e tanto as uvas quanto os figos secos constituíam parte importante da alimentação dos povos que lá habitavam.

Imagem dos que não procuram fazer boas obras

6“E contou-lhes também esta parábola: ‘Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha. Foi até ela procurar figos e não encontrou’. Então disse ao vinhateiro: Já faz três anos que venho procurando figos nesta figueira e nada encontro. Corta-a! Por que está ela inutilizando a terra?’”.

A figueira costuma dar frutos logo no primeiro ano ou, no mais tardar, no segundo. Ora, aquela estava há três anos sem nada produzir. Não havia, portanto, necessidade de esperar mais tempo para cortá-la, porque uma planta estéril, além de ocupar espaço no pomar, desgasta inutilmente o solo.

De fato, a árvore da parábola simboliza as pessoas que não se esforçam em fazer boas obras, mas pretendem viver apenas se beneficiando das graças de Deus, sem procurar fazer frutificar esses dons. Afirma São Gregório Magno: “Quem não apresenta frutos de boas obras, segundo seu cargo e condição, ocupa debalde o terreno, como árvore estéril, pois impede outros de fazerem o bem no mesmo lugar por ele ocupado. [...] Com efeito, ocupa debalde o terreno quem põe obstáculos às almas alheias; ocupa debalde o terreno quem não se empenha em agir segundo o cargo que ocupa”.13

Encontramos aqui mais uma aplicação para nossa vida espiritual: por vezes, sinais evidentes nos mostram que Deus nos quer em determinada atividade apostólica, para ampliação do Reino d’Ele. Apesar disso, nada fazemos. Incorremos, assim, numa falta por omissão. Com frequência, esse tipo de faltas passa despercebido em nosso exame de consciência, pois, por estarmos demasiadamente voltados para nossos próprios interesses, nem nos damos conta de que pecamos quando não produzimos os frutos que o Dono da Vinha espera.

Ora, nesta passagem há para nós uma advertência: o dono da vinha mandou cortar a figueira estéril. Não poderá acontecer algo semelhante com qualquer um de nós?

Analogia com o Povo Eleito

8“’Mas o vinhateiro respondeu: Senhor, deixa a figueira ainda este ano. Vou cavar em volta dela e vou colocar adubo. 9Pode ser que venha a dar fruto. Se não der fruto, então tu a cortarás!’’’.

A situação descrita nestes versículos é aplicada pelos comentaristas ao Povo Eleito. Neste sentido, afirma o padre Tuya: “assim foi tratado Israel, cultivando-o repetidamente com avisos e profetas; em seguida o Batista e, por fim, Cristo com suas doutrinas e milagres. Mas os dirigentes de Israel não O reconheceram como o Messias”.14

Com efeito, no Antigo Testamento várias vezes Deus exortou, sem sucesso, essa “figueira” a dar frutos. Já bem próximo do momento da colheita, mandou o Precursor, como arauto da justiça divina, alertando: “Fazei pois, dignos frutos de penitência. [...] Já o machado está posto na raiz da árvore. Toda árvore que não dá frutos será cortada e lançada no fogo” (Lc 3, 8-9). Mais tarde Ele próprio quis fertilizá-la com seu preciosíssimo Sangue divino, que regou toda a Terra.

Mas a “figueira” permaneceu estéril. “O Senhor procurou nela frutos de fé, mas ela nada tinha para dar”, sentenciou Santo Efrém de Nísibe.15 Por isso, afirma São Cirilo de Alexandria: “Após a crucifixão do Salvador, os israelitas foram condenados a cair nas misérias que mereceram. Jerusalém seria capturada e seus habitantes mortos pela espada inimiga; suas casas seriam queimadas e até o Templo de Deus seria destruído”.16

Não esqueçamos, entretanto, aquilo que com propriedade fazem notar os mesmos professores da Companhia de Jesus: “A aplicação é extensiva ao homem em geral, pois a história judaica sintetiza a História da humanidade”.17

Saibamos, então, encontrar as devidas analogias desta parábola para a nossa vida espiritual. Pois, como sublinha um piedoso autor: “Nós somos essa figueira, enxertados em Jesus Cristo pelo Batismo, plantados em sua Igreja pela fé, [...] cuidadosamente cultivados [...]. Procuramos corresponder a tudo isso, produzindo os frutos que Ele tem direito a esperar de nós?”.18

Continua no próximo post.

13 SAN GREGORIO MAGNO. Obras completas. Madrid: BAC, 1958, p.693-694.
14 TUYA, OP, op. cit., p.857.
15 SAN EFRÉN DE NISIBE, Comentario al Diatessaron,
14, 26-27. Apud: ODEN, Thomas C.; JUST, Arthur A. La biblia comentada por los Padres de la Iglesia. Madrid: Ciudad Nueva, 2000, p.309.
16 Comentario al Evangelio de Lucas, 92, 12. Apud: Idem, p.310.
17 LEAL, SJ; PÁRAMO, SJ; ALONSO, SJ, op. cit., p.697.
18 L’Évangile médité. II. Paris- Lyon: Perisse, 1843, p.552.


domingo, 24 de fevereiro de 2013

Evangelho 3º Domingo da Quaresma Lc 13, 1-9 Ano C - 2013


Continuação dos comentários ao Evangelho 3º Domingo da Quaresma Lc 13, 1-9  Ano C -  2013

Um segundo caso trazido à tona por Nosso Senhor

4“'E aqueles dezoito que morreram, quando a torre de Siloé caiu sobre eles? Pensais que eram mais culpados do que todos os outros moradores de Jerusalém? Eu vos digo que não. Mas, se não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo’”.

Logo a seguir, Cristo faz referência a outra tragédia recente: o desabamento da torre de Siloé, matando dezoito pessoas que se encontravam em seu interior. Desta vez a desgraça não decorrera de um acontecimento político, mas sim de um episódio fortuito.

Também sobre este caso pairava a suspeita de ter sido um desastre ocorrido para castigo das vítimas, pois, segundo julgavam os judeus daquele tempo, a morte acidental só advinha a quem houvesse ofendido gravemente a Deus. “Uma tal desgraça parecia mostrar a mão da Providência Divina como querendo castigar seus pecados”, comenta Maldonado.

Entretanto, aqui mais uma vez o Divino Mestre os corrige: aqueles dezoito não eram mais pecadores do que os outros judeus. E novamente adverte-os sobre a necessidade de se converterem.

Cumprimento das profecias de Jesus

“No plano de Deus há horas determinadas para a efetivação de castigos ou desgraças coletivas”, precisa o padre Tuya.9 Algumas décadas depois do episódio narrado neste Evangelho, foi Jerusalém sitiada pelas tropas de Tito, e sucumbiram os habitantes da cidade exatamente como esses galileus no Templo, pelas mãos de romanos.

Sublinha, a este propósito, o Cardeal Gomá: “O próprio recinto do Templo, como narra Flávio Josefo, encheu-se de cadáveres durante o cerco de Jerusalém, ‘do mesmo modo’, oferecendo sacrifícios”.

E escreve Didon: “É provável que os sábios de então, os saduceus, cortesãos do poder estrangeiro; os fariseus, que acreditavam no triunfo de Israel, no orgulho cego de sua piedade sem virtude, sorrissem das ameaças do Profeta; o próprio povo sempre mais comovido com o presente do que com o futuro afastado, não parece ter-se impressionado com elas.

“A profecia todavia não tardou em verificar-se: quarenta anos mais tarde, os soldados de Tito degolavam no Templo os últimos partidários exasperados da independência nacional; e as casas de Jerusalém, incendiadas, desabavam, como a torre de Siloé, sobre os habitantes da cidade impenitente.

“Este futuro terrível para o qual a nação se precipita, não deixa mais o pensamento do Profeta; comove-O e entristece-O mais do que a sua própria morte; quereria preveni-lo, abalando as consciências e abrindo-as à voz de Deus. Se compreendessem o dever do momento, renunciariam aos sonhos terrestres que as enganam, acolheriam a Boa-Nova do Reino, de Israel transformado, deixando os romanos prosseguir na sua obra, tornar-se-ia o verdadeiro povo espiritual de Deus. Nunca destino mais sublime foi oferecido a uma nação; nunca se deu exemplo de mais incurável cegueira. Jesus em vão procurava desenganá-la”.

Assim, no ano 70, segundo muitos comentaristas, se cumpriram ambas as profecias incluídas no Evangelho de hoje. O historiador judeu Flávio Josefo, testemunha ocular daqueles acontecimentos, relata cenas dramáticas, como a de uma mãe que, movida pela fome e pelo desespero, assou ao forno o próprio filho, para comê-lo.

Continua no próximo post