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sábado, 2 de maio de 2015

Evangelho V Domingo da Páscoa – Ano B – Jo 15, 1-8

Comentários ao Evangelho 5º Domingo da Páscoa – Ano B –  Jo 15, 1-8
Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que não der fruto em Mim, Ele o cortará; 2 e todo o que der fruto, podá-loá, para que dê mais fruto. 3 Vós já estais limpos em virtude da palavra que vos anunciei. 4 Permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós. Como o ramo não pode por si mesmo dar fruto se não permanecer na videira, assim também vós, se não permanecerdes em Mim. 5 Eu sou a videira, vós os ramos. Aquele que permanece em Mim e Eu nele, esse dá muito fruto, porque sem Mim nada podeis fazer. 6 Se alguém não permanecer em Mim, será lançado fora como o ramo, e secará; depois recolhê-lo-ão, lançá-lo-ão no fogo e arderá. 7 Se permanecerdes em Mim, e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis tudo o que quiserdes e ser-vos-á concedido. 8 Nisto é glorificado meu Pai: em que vós deis muito fruto e sejais meus discípulos (Jo 15, 1-8).
Deus quis se fazer íntimo de nós
Moisés se maravilhou com a sarça que ardia sem se consumir. Aquelas chamas de incomum beleza, mantidas pela ação de um anjo, atraíram-no. Movido por uma forte e sobrenatural curiosidade, ele aproximou-se “para contemplar esse extraordinário espetáculo” e qual não foi sua surpresa ao ouvir de dentro das labaredas a voz de Deus, a adverti-lo de que tirasse suas sandálias por encontrar-se numa “terra santa”.
Ali recebeu a elevada missão de libertar do cativeiro o povo eleito e de conduzi-lo à Terra Prometida. Porém, naqueles alvores de seu profetismo, surgiu uma perplexidade: como apresentar aos outros o Senhor? Dúvida inteiramente compreensível, pois o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó era distante, invisível e de difícil acesso. Mas, a resposta foi extremamente sintética: “Iah Weh”, ou seja: “Eu sou” (1).
Aquele era o mesmo Deus que passeara todas as tardes com Adão no Paraíso (2) e que, após o pecado original, fez-Se menos presente entre os homens. A partir daí, quase sempre suas manifestações se deram através da grandeza dos castigos (dilúvio, confusão das línguas, etc.), que incutiam um profundo respeito, temor e admiração no povo. Embora a travessia do Mar Vermelho, o maná e outras ocorrências miraculosas durante o Êxodo lhes dessem um conhecimento experimental da existência de um Ser Supremo que os protegia nos caminhos da vida, a própria entrega das Tábuas da Lei no Sinai tornou-se um símbolo do relacionamento d’Ele com o homem, baseado numa severa justiça. Aquele Ser absoluto se apresentava ao povo eleito como um Legislador intransigente, invisível e intocável.
Esse modo de agir divino passou por uma transformação inimaginável nestes mais de dois mil anos de Novo Testamento, desde que o “Verbo Se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14). Aquele mesmo Deus que fez tremer o Sinai e deu grandes poderes ao braço de Sansão e à voz de Elias, pôde ser adorado enquanto bebê na manjedoura, em Belém, e esteve nos braços de Maria, José, Simeão e dos Reis Magos.
Doze anos mais tarde, ainda menino, discutiu com os doutores no Templo, e durante sua juventude, auxiliou seu pai nos trabalhos de carpintaria. E, ao iniciar sua missão pública, fez-Se presente a umas bodas em Caná, realizando ali seu primeiro milagre.
Em Jesus, Deus quis Se fazer íntimo de nós. Ele continuou sendo o mesmo “Iah Weh”, mas atribuindo-Se títulos diferentes: “Eu sou o Bom Pastor” (Jo 10, 11), “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” ( Jo 14, 6), “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8, 12), “Eu sou a porta das ovelhas” (Jo 10, 7), “Eu sou o pão vivo que desceu do céu” (Jo 6, 51). Fazendo menção a essas criaturas todas — inclusive comparando-se à galinha com seus pintainhos, ao chorar sobre Jerusalém —, Ele mostra bem qual seu incomensurável desejo (desejo eterno) de nos fazer participar de sua vida.
É nesse contexto que se insere o Evangelho do 5º domingo de Páscoa (ano B). “Eu sou a videira verdadeira, e  meu Pai é o agricultor”.
Nossa permanência em Jesus
Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor
Comenta o Cardeal Isidro Gomá y Tomás: “A belíssima alegoria da vinha mística, assim como a do Bom Pastor, foi-nos conservada apenas por São João. Pode ter servido de sugestão ao Senhor a lembrança do vinho da ceia, do qual disse que não mais beberia. Ou então simplesmente a inventou, por ser ela extremamente apta para exprimir o pensamento, ou melhor, a teoria da união espiritual com Ele”. 3

Para Israel, a parreira de uva era uma realidade comum e corrente a ponto de, sob o reinado de Salomão, assim se referir a Escritura à paz por ele conquistada com todos os povos vizinhos: “Judá e Israel, desde Dã até Bersabéia, viviam sem temor algum, cada qual debaixo de sua vinha e de sua figueira” (1 Rs 4, 25).
A verdadeira videira
E qual o significado do vocábulo “verdadeira”, empregado pelo Mestre neste versículo? Antes já dissera: “Eu sou o pão vivo que desceu do céu” (Jo 6, 51), e João afirmara ser Ele “a luz verdadeira”. Como explicar o uso desses adjetivos?
Em face de heresias de outrora, alguns Padres da Igreja procuravam esclarecer este particular pelos efeitos produzidos pela “videira”, pela “luz” ou pelo “pão” verdadeiros, pois alimentam a fé dos que deles se servem, enquanto os seres materiais correspondentes só servem para a sustentação ou desenvolvimento físico. Nós, porém, somos levados a achar que Deus, na sua infinita e eterna sabedoria, criou esses seres todos (luz, pão, vinha, pastor, caminho, etc.) primordialmente para melhor Se fazer entender pelo homem. Nesse sentido, não contêm eles a verdade inteira, mas apenas a simbolizam. A arquetipia desses seres se encontra no próprio Jesus.
E por que Jesus, nessa ocasião, passa a falar em videira e agricultor? Ouçamos novamente o Cardeal Gomá: “Jesus disse a seus discípulos que vai separar-Se deles, mas essa separação será apenas segundo o corpo. Espiritualmente, deverão permanecer intimamente unidos a Ele para viver a vida divina; morrerão se d’Ele se separarem. Propõe essa doutrina envolta na alegoria da videira. ‘Eu sou a videira verdadeira’, a videira ideal e perfeitíssima, na qual, melhor que nas videiras do campo, verificam-se as condições próprias dessa planta. O cultivador dessa vide espiritual e incorruptível é o Pai: ‘E meu Pai é o agricultor’. Jesus não seria nossa videira se não fosse homem; mas não nos daria a vida de Deus se não fosse Deus. Logo, Jesus é o Messias, Filho de Deus”. 4
“Meu Pai é o agricultor”
Todo ramo que não der fruto em Mim, Ele o cortará; 2 e todo o que der fruto, podá-lo-á, para que dê mais fruto.
Jesus afirmou que o Pai é o agricultor e, em consequência, é Ele quem assume a tarefa da poda, da limpeza, dos cuidados. Como já dissemos anteriormente, Deus criou a videira, entre outras razões, para servir de exemplo a esses procedimentos próprios ao Pai, assim como para melhor compreendermos o relacionamento que existe entre os batizados e Cristo. A videira, entre os vegetais, é o mais adequado para se entender a necessidade do corte, ou a da poda. São Paulo é bem explícito em sua apreciação sobre o Agricultor: “De modo que não é nada, nem aquele que planta, nem aquele que rega, mas Deus, que dá o crescimento. Uma mesma coisa é o que planta e o que rega; cada um receberá sua recompensa segundo seu trabalho. Efetivamente, somos cooperadores de Deus; vós sois cultura de Deus, sois edifício de Deus” (1 Cor 3, 7-9).
Esses ensinamentos de Jesus nos mostram o quanto é pleno de vitalidade seu Corpo Místico. Os “ramos” improdutivos, o Pai os arranca; e os que prometem frutos futuros, Ele os desponta e os acondiciona para mais excelentemente se beneficiarem da seiva.
Não seria diminuto o elenco dos “ramos” infrutíferos, pois muitos sãos os vícios, más inclinações e pecados que bloqueiam o fluxo normal da “seiva” da graça. Em síntese, todos eles têm sua origem no egoísmo humano. O estar voltado sobre si mesmo, submerso em suas próprias conveniências, traz como consequência inevitável um corte com as graças de Deus, pois estas nos são dadas com vistas à caminhada rumo ao Reino. Por outro lado, como afirma São João Crisóstomo, ninguém pode ser verdadeiro cristão sem as boas obras. Ora, o egoísmo não as produz jamais.
Quanto à “poda” dos ramos frutuosos, além das tentações e provações permitidas por Deus, há dons, consolações e estímulos sobrenaturais, ações divinas que visam multiplicar a fertilidade deles. Por este dito de Jesus, vê-se quanto as tentações são úteis para conferir mais virtude e mérito aos bons “ramos”.
Em resumo: “O que se quer dizer aqui é que Cristo, Deus-Homem, influi diretamente, pela graça, nos sarmentos. O Pai, de outro lado, é quem tem o governo e a providência exterior da vinha”. 5
Os Apóstolos foram purificados pela palavra
3 Vós já estais limpos em virtude da palavra que vos anunciei.
Santo Agostinho, com suas características inconfundíveis de fé e senso teológico, comenta este versículo chamando a atenção para a eficácia da palavra. No próprio Sacramento do Batismo, o puro emprego da água, se bem que pudesse ser útil para lavar o corpo, nunca purificaria a alma. A eficácia do Sacramento exige também o uso da palavra com a intenção de operar essa purificação. É por ela que a água, ao escorrer pela cabeça do batizando, purifica a alma.
Vários Padres da Igreja são da opinião de que Jesus, nesta passagem, teria feito uma alusão indireta à apostasia de Judas, o qual se encontrava ausente a fim de perpetrar sua traição. Antes desse episódio, Jesus respondera a Pedro logo no início do Lava-pés: “Aquele que tomou banho não tem necessidade de se lavar, pois todo ele está limpo. Vós estais limpos, mas não todos” (Jo 13, 10-11). Ele bem sabia que Judas ia entregá-Lo, por isso disse: “Estais limpos, mas não todos”.
Observam outros ainda que, neste versículo, Jesus declara ter feito a tarefa de “agricultor”, ao purificar os Apóstolos com a palavra, apesar de pouco antes ter-Se autodenominado “videira verdadeira”.
Condição para permanecer em Cristo
4 Permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós. Como o ramo não pode por si mesmo dar fruto  se não permanecer na videira, assim também vós, se não permanecerdes em Mim.
Uma vez que se esteja limpo, é preciso perseverar nesse estado. Para tal, é indispensável cumprir os Mandamentos, pois “nem todo o que Me diz: Senhor, Senhor, entrará no Reino dos Céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos Céus” (Mt 7, 21).
Frei Manuel de Tuya OP diz a respeito deste versículo algo digno de nota: “O verbo que emprega — permanecer — é um termo técnico próprio de João. Ele o usa 40 vezes em seu Evangelho e 23 em sua primeira Epístola. E aqui, com esse verbo, formula a íntima, permanente e vital união dos fiéis com Cristo”.
Com sua habitual clareza, Maldonado explica que essa permanência nossa em Jesus é como se Ele dissesse:
“‘Se quiserdes dar frutos e evitar que o Pai os arranque, permanecei em Mim. De minha parte, já fiz o que devia — comenta Teofilato —, ao limpar-vos com minha doutrina; agora fazei o que deveis. Permanecei, perseverai nessa limpeza que Eu vos obtive. Isso é, permanecei em Mim’. Leôncio e Cirilo observam: ‘Manda-lhes permanecer n’Ele, não só pela fé, mas principalmente pela caridade, dado que pela fé são muitos os que permanecem n’Ele sem, contudo, dar fruto algum’. Cristo referia-se àquela permanência em Si mesmo que produz frutos, o que é impossível sem a caridade. Às vezes vemos na videira muitos sarmentos secos, mortos, infrutíferos, porque não participam da seiva da raiz. Esses são os que aderem a Cristo só pela fé. São sarmentos, permanecem na videira, mas estão mortos e secos, porque não sorvem o líquido da graça de Cristo, da qual não se pode participar sem a caridade, que é vida da alma”. 7
A permanência de Deus em nós
Nossa vida em Cristo é um tema muito comentado e conhecido, porém, fala-se menos da permanência d’Ele em nós. Ora, esta é uma realidade sobrenatural de fundamental importância e sobre ela devemos nos deter para bem compreendê-la.
Antes da presente passagem do Evangelho, que a Liturgia recolheu para este domingo, encontramos esta afirmação de Jesus: “Se alguém Me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos a ele e nele faremos nossa morada” (Jo 14, 23). Portanto, não se trata da permanência da Segunda Pessoa somente, mas também da Primeira, ou seja, do Pai. E São Paulo dirá mais tarde: “Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?” (1 Cor 3, 16). Trata-se, pois, da inabitação da Santíssima Trindade, ou, por outra, Deus habita na alma em estado de graça.
Deixemos de lado as considerações sobre o modo pelo qual se realiza esse habitar de Deus em nós, por ser um assunto que tem sido muito debatido pelos especialistas ao longo dos séculos, multiplicando-se as opiniões sem resolver de maneira satisfatória esse grande mistério. Para nossa formação espiritual, mais importa o fato desse habitar de Deus em nós, e, felizmente, nessa temática há inteira unanimidade entre os teólogos.
Deus está presente em todas as criaturas
Comecemos por focalizar a presença divina em Jesus. A presença de Deus n’Ele não se dá como num templo. Devido à união hipostática, Ele não tem personalidade humana, mas só divina. Esta é a mais alta presença possível de Deus em uma criatura.
A segunda presença mais importante é a Eucarística. De modo direto e imediato, esta diz respeito unicamente ao Corpo de Cristo, mas de maneira indireta se relaciona com as três inseparáveis Pessoas da Trindade Santa, pelo fato de ter o Verbo uma intrínseca união pessoal com a humanidade santíssima de Cristo.
Se bem que não seja visto, Deus está presente em todas as criaturas, conforme explica São Tomás: “Deus está presente em todas as coisas e no mais íntimo delas”. 8 E mais adiante:
“Deus está presente em todas as coisas por potência, porque tudo está submetido ao seu poder. Está em tudo por presença, porque tudo está descoberto e à mostra de seus olhos. E está em tudo por essência, porque está presente em todas as coisas como causa do ser de todas elas”. 9
A permanência divina em nós, de que nos fala o Evangelho de hoje, é inferior às duas primeiras, mas especial em relação à última, embora a pressuponha.
Ele permanece em nós como Pai e como Amigo
A presença geral, denominada presença de imensidão, é comum a todo ser criado, quer se trate de uma gota de água, de um anjo ou de um réprobo caído no inferno. Sem ela, a criatura retornaria ao nada. Entretanto, no versículo em questão, Jesus nos fala de uma permanência toda ela peculiar. Como sabemos, a paternidade só se verifica quando o pai transmite sua natureza ao filho; assim, por mais que uma estátua possa se parecer com a figura do filho de seu escultor, um será filho enquanto a outra será mera imagem, sem natureza humana. Jesus é realmente Filho de Deus, porque possui a natureza divina em sua plenitude; e nós, os batizados, também o somos por uma adoção intrínseca através da graça santificante que nos dá uma misteriosa participação nessa divina natureza. A partir do Batismo, Deus — que já Se encontrava em nós por sermos criaturas, como acima vimos — passa a permanecer em nossa alma, como Pai e a tratá-la como autêntica filha sua. Essa permanência é exclusiva e própria dos filhos de Deus.
Conforme nos ensina São Tomás, a caridade estabelece uma profunda e mútua amizade entre Deus e os homens. Por isso, pela caridade sobrenatural infundida na alma juntamente com o cortejo de todas as outras virtudes e dons, Deus passa a permanecer nela com uma realidade diferente, não mais como puro Criador, mas também como Pai e, além disso, como Amigo. Por isso é que se atribui ao Espírito Santo de modo especial essa inabitação da Santíssima Trindade, por ser Ele o Amor incriado. 10
A permanência de Deus nos diviniza
Segundo os teólogos, essa permanência é o primeiro e o maior de todos os dons que possamos receber, pois nos dá a real e verdadeira posse de Deus. E assim como uma criança em gestação se alimenta permanentemente da vida da mãe, essa permanência de Deus na alma confere-lhe de forma ininterrupta a própria Vida divina. Aqui se entende melhor a frase de Nosso Senhor: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham abundantemente” (Jo 10, 10). É por isso que a Igreja denomina o Espírito Santo “o doce hóspede da alma” (dulcis hospes animae). Ele não entra em nossas almas para uma rápida visita, pelo contrário, nela permanece. Ele não só dilata nossas almas para as verdades da fé, como nos torna íntimos de seus mistérios, fazendo-nos conhecê-los de maneira repentina ou progressiva. Como consolador e médico, cura nossas enfermidades, robustece-nos em nossas debilidades, ensina-nos a rezar. 11 Conhece bem o caminho que devemos trilhar e com suas suaves — e tantas vezes, eficazes — moções, por ele nos conduz.
Essa maravilhosa permanência da Santíssima Trindade em nós proporciona a nossas almas a plena posse e o gozo fruitivo d’Ela, conforme nos ensina o próprio São Tomás: “Assim também se diz que possuímos somente aquilo de que podemos livremente usar e usufruir. Ora, só se pode fruir de uma Pessoa divina pela graça santificante. (...) O dom da graça santificante aperfeiçoa a criatura racional para que com liberdade não somente use o dom criado, mas ainda frua da própria Pessoa divina”. 12
Em síntese, essa permanência de Deus em nós, prometida por Jesus neste versículo, contanto que n’Ele permaneçamos, transforma-nos em Deus, guardadas as devidas proporções entre Criador e criatura. Essa realidade foi magnificamente expressa pelo Pe. Ramière:
“É verdade que no ferro abrasado está a semelhança do fogo, mas não tal que o mais hábil pintor possa reproduzi-la servindo-se das mais vivas cores; ela não pode resultar senão da presença e ação do fogo. A presença do fogo e a combustão do ferro são duas coisas distintas, pois esta é uma maneira de ser do ferro, e aquela uma relação dele com uma substância estranha. Mas as duas coisas, por mais diferentes que sejam, são inseparáveis uma da outra: o fogo não pode estar unido ao ferro sem abrasá-lo, e a combustão do ferro não pode resultar senão de sua união com o fogo.
“Assim, a alma justa possui em si mesma uma santidade distinta do Espírito Santo, mas ela é inseparável da presença do Espírito Santo nessa alma, e, portanto, é infinitamente superior à mais elevada santidade que pudesse ser alcançada por uma alma na qual não morasse o Espírito Santo. Esta última alma só poderia ser divinizada moralmente, pela semelhança de suas disposições com as de Deus. O cristão, pelo contrário, é divinizado fisicamente, e, em certo sentido, substancialmente, dado que, sem se converter em uma mesma substância e em uma mesma pessoa com Deus, possui em si a substância de Deus e recebe a comunicação de sua vida”. 13
Nossa absoluta dependência da graça
5 Eu sou a videira, vós os ramos. Aquele que permanece em Mim e Eu nele, esse dá muito fruto, porque sem Mim nada podeis fazer.
Este é um dos mais categóricos versículos sobre a nossa absoluta dependência da graça para operarmos qualquer ato sobrenaturalmente meritório. Já no II Concílio Milevitano (416) e no XVI Cartaginês (418) foi sublinhada essa afirmação de Jesus, fazendo-se notar que Ele não disse ser difícil fazer algo sem seu concurso, mas sim ser impossível: “Sem Mim, nada podeis fazer”.
6 Se alguém não permanecer em Mim, será lançado fora como o ramo, e secará; depois recolhê-lo-ão, lançá-lo-ão no fogo e arderá.
Santo Agostinho, de forma sintética, deita luz sobre este versículo:
“A lenha da videira é tanto mais desprezível se não permanecer na videira, quanto mais gloriosa se permanecer. Dela diz o Senhor, pelo Profeta Ezequiel, que, quando cortada, não serve para nenhum uso do agricultor, nem com ela se podem fabricar trabalhos de marcenaria (Ez 15, 5). Só lhe compete um destes dois destinos: a videira, ou o fogo. Se não estiver na videira, estará no fogo. Para que não esteja no fogo, deve, pois, conservar-se na videira”. 14
7 Se permanecerdes em Mim, e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis tudo o que quiserdes e ser-vos-á concedido.
Essa promessa de Jesus é comovedora, pois, como bem assevera o Cardeal Gomá, Deus, de certo modo, obedecerá aos pedidos que se Lhe façam, como fruto dessa permanência em Cristo. É necessário, porém, guardar suas palavras com amor e reflexão e colocá-las em prática, a exemplo de Maria, que “conservava todas estas coisas, meditando-as no seu coração” (Lc 2, 19).
Observadas as condições enunciadas neste versículo, a consequência será a de uma plena união com Cristo. Assim sendo, os pedidos serão infalivelmente formulados de acordo com os desejos d’Ele e, portanto, sempre atendidos.
O mais alto louvor que se possa dar a Deus
8 Nisto é glorificado meu Pai: em que vós deis muito fruto e sejais meus discípulos.
A verdade contida neste versículo leva-nos a concluir que o próprio Deus também lucra — ad extra, é claro — nessa permanência mútua. Ad intra, a glória de Deus é intrinsecamente absoluta, mas aqui está realizada a finalidade das criaturas inteligentes, anjos e homens, ou seja, tributar-Lhe a glória formal extrínseca. O mais alto louvor que se possa dar a Deus encontra-se nas boas obras. Ademais, ao serem conhecidas pelos outros, elas incitam à imitação. E essa glória consiste não só na multiplicidade dos bons frutos, mas também na nossa qualidade de discípulos de Cristo — como o foram os Apóstolos e muitos outros ao longo de dois milénios —, ou seja, em sermos verdadeiros arautos do Evangelho pela palavra e pelo exemplo.
1) Cf. Ex 3, 1-15.
2) Cf. Gn 3, 8.
3) El Evangelio Explicado, Acervo, 1967, v. II, p. 519.
4) Idem ibidem.
5) Pe. Manuel de Tuya OP, Biblia Comentada, BAC, Madrid, 1964, vol. II, p. 1.242.
6) Op. cit. p. 1.243.
7) P. Juan de Maldonado, SJ, Comentarios a los cuatro Evangelios, BAC, 1954, v. III, pp. 821-822.
8) Suma Teológica, I, q. 8, a. 1.
9) Idem, q. 8, a. 3.
10) Cf. Suma Teológica II-II, q 23, a. 1.
11) Cf. Rm 8, 26.
12) Suma Teológica I, q. 43, a. 3.
13) Enrique Ramière, SJ, El Corazón de Jesús y la divinización del cristiano, Bilbao, 1936, pp. 229-230.

14) Evangelho de São João comentado por Santo Agostinho, Coimbra, 1952, v. IV, p. 186.