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sexta-feira, 15 de abril de 2011

Aos que amam!

I — PREPARANDO A PARTIDA DESTE MUNDO

“Partir c’est toujours mourir un peu!” Partir é sempre morrer um pouco, dizem os franceses. Assim — apesar de vivermos na era do avanço total das comunicações, na qual as distâncias quase já não existem — a despedida de um ente querido sempre dói no coração. Muito mais ainda naqueles tempos do Império Romano, nos quais as viagens eram demoradas, não havia telégrafo, telefone nem internet. Acrescente-se a esses dados o fato de o destino para o qual ia o Divino Mestre não ser outra cidade ou país, mas sim a eternidade.
Por isso mesmo, Jesus se esmera em preparar de maneira exímia seus seguidores para as conseqüências resultantes de sua ida definitiva para o Pai.
“Não se perturbe o vosso coração ...”, era o empenho zeloso e cheio de benquerença da parte de Jesus por seus discípulos. E ... “nem se assuste”.Ele é carinhoso em extremo e quer consolá-los o quanto pode, fazendo-os compreender, “antes que aconteça”, as enormes vantagens oriundas de sua partida deste mundo.
Necessidade do afastamento de Jesus
Com efeito, os discípulos, após longo tempo de íntimo e diário convívio com Jesus, guardavam uma figura ainda muito humana do Redentor. E por isso tornava-se necessária sua Ascensão ao Céu, entre outras razões, para o Espírito Santo infundir-lhes a verdadeira imagem a respeito do Filho de Deus.
A esse propósito nos diz Santo Agostinho: “Se Ele não se afastasse corporalmente, veríamos sempre seu corpo através de olhos carnais e não chegaríamos a crer espiritualmente; e esta fé é necessária para que, justificados e beatificados por ela e tendo o coração limpo, merecêssemos contemplar esse mesmo Verbo de Deus em Deus” (1).
E em outra obra, ainda dirá o mesmo Bispo de Hipona: “Bem conhecia Ele o que lhes era conveniente, porque era muito melhor a visão interior com que lhes havia de consolar o Espírito Santo, não estando em corpo visível aos olhos humanos, senão infundindo-se Ele mesmo no peito dos crentes” (2).
É diante da perspectiva de Jesus deixar os seus discípulos que a Liturgia de hoje aborda as mais belas promessas por Ele feitas.
II — O PRÊMIO DO AMOR: “E FAREMOS NELE A NOSSA MORADA”
 “Se alguém Me ama...”
O amor ocupa um lugar proeminente em nossas relações com Deus. O próprio Jesus no-lo diz: “Amai ao Senhor vosso Deus com todo vosso coração, com toda vossa alma e com todo vosso espírito. Este é o maior e o primeiro dos mandamentos” (Mt 22, 37-38).
Em várias outras passagens, as Escrituras Sagradas insistem sobre essa lei do amor a Deus: “Amai com todas as vossas forças Àquele que vos criou” (Ecli 7, 32). “Amai ao vosso Deus toda vossa vida e invocai-O para que vos salve” (Ecli 13, 18). “O amor é o pleno cumprimento da Lei” (Rm 13, 10).
Podemos amar a Deus de uma forma imperfeita, procurando agradar-Lhe com o objetivo de recebermos o prêmio da glória eterna. Mas este amor é incompleto e fruto mais especificamente da virtude da esperança, do que da caridade.
Para receber as dádivas prometidas por Jesus no Evangelho de hoje, é preciso amar a Deus em razão de ser Ele quem é, e não apenas com vistas a obter a recompensa reservada aos bons.
“... guardará a minha palavra ...”

Com divina capacidade de síntese, deduz o Salvador, logo a seguir, uma primeira conseqüência desse amor: a submissão à voz de Deus.
Afirma Santa Teresinha: “Para o amor, nada é impossível”. O fogo da caridade nos habilita, com efeito, para toda e qualquer ação, tornando fácil a virtude da obediência, praticada pelo próprio Jesus de forma tão exemplar.
Ele, durante os primeiros trinta anos de sua existência, foi modelarmente submisso a Maria e José (cfr. Lc 2, 51). E é comovedor acompanhar passo a passo as relações entre o Filho e o Pai, ao longo da vida pública de Jesus. Não há uma só referência da parte d’Este na qual não transpareça sua absoluta submissão: “O meu alimento é fazer a vontade d’Aquele que Me enviou e realizar sua obra”(Jo 4, 34). “Desci do Céu não para fazer a minha vontade, mas sim a d’Aquele que me enviou” (Jo 6, 38). O Verbo se fez carne, entre outras razões, para nos ensinar o valor incomensurável da obediência.
Do Gênesis ao Apocalipse, reluzem os exemplos da prática dessa virtude. Ora um Samuel admoesta ao rei Saul: “Acaso o Senhor se compraz tanto nos holocaustos e sacrifícios como na obediência à sua voz? A obediência é melhor que o sacrifício, e a submissão vale mais que a gordura dos carneiros” (I Sam 15, 22). Ora aconselhará São Paulo aos Hebreus: “Obedecei aos vossos pastores e sede-lhes sujeitos”(13, 17). Ou lembrará em sua Epístola a Tito que “sejam sujeitos aos magistrados e às autoridades; que lhes obedeçam, que estejam prontos para fazer o bem” (3, 1). Ou mesmo um Abraão inteiramente disposto a imolar seu único filho Isaac, a fim de cumprir um mandato divino (cfr. Gen 22, 1-12). E o que dizer de um Jó, de um Tobias ou da própria mãe dos Macabeus? E de Maria Santíssima em seu “fiat”?
A obediência é, portanto, uma das virtudes mais agradáveis a Deus, e em conseqüência, uma das mais necessárias. São Bernardo e Santo Agostinho dizem ser ela indispensável até para a prática da castidade, pois quem não se submete às ordens e desejos do superior, não conseguirá reprimir a concupiscência da carne. Para sermos fiéis aos Mandamentos da Lei de Deus, necessário é termos flexibilidade de espírito em relação à vontade de nossos superiores.
“... e meu Pai o amará ...”
Entretanto, esse amor a Jesus não confere a quem o possui somente a fidelidade aos divinos ensinamentos. Dele se origina um fruto muito mais precioso: “e meu Pai o amará”.
Se o amor a Deus nos traz tão grande benefício, que se poderá dizer do fato de ser alguém objeto de seu amor?
São Tomás explica-nos, como sempre com magistral lucidez, quão grande é a capacidade de difusão do bem, por sua própria natureza. Quanto maior é a perfeição, mais tende ela a comunicar-se plenamente. Desde os seres mais simples, como os minerais, até o sobrenatural, há uma verdadeira sinfonia do dar-se em toda a ordem da criação.
Correm caudalosos os rios em busca dos oceanos, fertilizando a terra por onde passam. E tanto as águas doces dos lagos e rios, quanto as salgadas do mar, fornecem ao homem alimento em profusão. O sol não cessa de fazer incidir seus calorosos e essenciais raios sobre todo o orbe, dando brilho e vitalidade a tudo quanto diante dele se apresenta. Os vegetais com suas substâncias, folhas, flores e frutos, embelezam os panoramas, perfumam os bosques e jardins, oferecem-nos seu oxigênio e nos agradam com seus sabores. As laboriosas abelhas produzem seu mel para alimento e alegria dos homens. Os animais se multiplicam e tornam aprazíveis nossas refeições e nossos entretenimentos. E a nota predominante dessa grande sinfonia é sempre a superabundância.
No plano da humanidade, o grau de comunicatividade do bem é ainda maior. Os pensadores, ou os artistas, desejam invariavelmente dar amplo conhecimento de tudo que surge de suas mentes ou de suas mãos. Uma alma, quanto mais se eleva nas vias da virtude, mais cresce no empenho em fazer bem aos outros.
Ora, Deus é o Bem por excelência, o Bem substancial, e por isso convém a Ele o comunicar-Se às criaturas em grau também excelente e pleno. Eis o mais elevado aspecto do mistério da Encarnação, ou seja, em Jesus, sua privilegiada e santíssima alma e seu sagrado corpo constituem uma só Pessoa com o Verbo Eterno. N’Ele estão as propriedades humanas e toda a essência divina. N’Ele, o amor do Pai chegou aos limites infinitos. E, através da fé, colocou ao alcance dos homens a plenitude do Bem, que é o próprio Deus, conforme os ensinamentos de Jesus a Nicodemos: “De fato, Aquele a Quem Deus enviou fala palavras de Deus, porque Deus lhe dá o espírito sem medida. O pai ama o Filho e pôs todas as coisas em sua mão. Quem acredita no Filho tem a vida eterna” (Jo 3, 34-36). Mais tarde Jesus acrescentará: “A vontade de meu Pai que me enviou é que todo o que vê o Filho e crê n’Ele, tenha a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6, 40).
E logo após Jesus, na ordem do ser, e juntamente com Ele no plano divino e eterno da criação, encontra-se no mais alto grau de santidade, enquanto objeto desse amor eficaz de Deus, a Virgem Maria. Ela foi eleita para ser a Mãe do Verbo Encarnado, por estar penetrada do mais excelente amor a Deus na ordem das puras criaturas e por ser a mais amada pela Trindade Divina.
“... e Nós viremos a ele, e faremos nele a nossa morada.”
No Antigo Testamento não se havia chegado a uma clara noção da existência e da atuação das três Pessoas Divinas. De forma transparente e sem margem de dúvidas, esse mistério nos é revelado por Nosso Senhor Jesus Cristo e reafirmado em formulações distintas pelos Apóstolos.
 O Redentor faz menção mais uma vez a este admirável mistério ao utilizar a palavra “Nós”. E promete, ao mesmo tempo, estar presente na alma daquele que O ama e cumpre seus preceitos. Assim, dirá São João em sua primeira Epístola: “Deus é caridade, e o que vive na caridade permanece em Deus, e Deus nele” (1Jo 4, 16); e São Paulo aos Coríntios: “Vós sois o templo de Deus vivo” (2Cor 6, 16). Como pôde Jesus prometer essa vinda sobre aqueles que O amam e guardam a sua palavra, quando na realidade Deus já se encontra presente em todas as suas criaturas?
O Criador, explica-nos São Tomás, “está presente em todas as coisas e no mais íntimo delas (et intime)” (6). Ou mais especificamente: “Deus está presente em todas as coisas por potência, porque tudo está submetido ao seu poder. Está por presença, porque tudo está patente e descoberto a seus olhos. E está por essência, porque atua em todos como causa de seu ser” (7). Em face disso, como entender essa promessa de Jesus?
Nada difícil!
A dependência de todos os seres criados em relação a Deus é absoluta, pois, além de receberem d’Ele a existência, nela são constantemente sustentados em sua natureza. Deus cria e conserva tudo quanto existe, inclusive o demônio, assim como o próprio inferno. Ora, onde age um puro espírito, ali está ele presente. Portanto, Deus está presente em toda parte.
 Não é, porém, a essa presença que Jesus faz referência neste versículo, mas sim a uma outra muito superior, exclusiva aos filhos de Deus, e que supõe sempre a graça santificante (estado de graça).
Note-se bem tratar-se aqui de uma presença permanente, pois Jesus fala em estabelecer a morada da Santíssima Trindade na alma que O ama e guarda sua palavra. É uma vinda do Pai e do Filho — e, inseparáveis que são do Espírito Santo, também d’Este — espiritual e íntima, como nos ensina Santo Agostinho: “Vem com seu auxílio, nós com a obediência; vem iluminando-nos, nós contemplando-O; vem enchendo-nos de graças, nós recebendo-as, para que sua visão não seja para nós algo exterior, mas interno, e o tempo de sua morada em nós não seja transitório, mas eterno”.
Presença íntima de Deus, como Pai e como Amigo
Com muita clareza e precisão teológica, o grande teólogo Pe. Antonio Royo Marin, OP, resume a essência dessa inabitação da Santíssima Trindade na alma do justo, afirmada por Jesus neste versículo: “Presença íntima de Deus, uno e trino, como Pai e como Amigo. Este é o fato colossal que constitui a própria essência da inabitação da Santíssima Trindade na alma justificada pela graça santificante e pela caridade sobrenatural.
“No cristão, a inabitação equivale à união hipostática na pessoa de Cristo, se bem que não seja ela, mas sim a graça santificante, a que nos constitui formalmente filhos adotivos de Deus. A graça santificante penetra e embebe formalmente nossa alma, divinizando-a. Mas a divina inabitação é como a encarnação em nossas almas do absolutamente divino: do próprio ser de Deus tal como é em si mesmo, uno em essência e trino em pessoas”.
Estas são as maravilhas do universo sobrenatural que nos fazem, através das virtudes teologais, acompanhar frutuosamente as revelações trazidas à terra pelo Verbo Encarnado: “para que todos sejam um, como Tu, Pai, estás em Mim e Eu em Ti, para que também eles, sejam um em Nós (...) Eu neles e Tu em mim, para que a sua unidade seja perfeita “ (Jo 17, 21 e 23).
Depois de haver ensinado a grande importância do amor a Deus, ou seja, da perfeita caridade, nos versículos posteriores, Jesus estimula os discípulos à prática das duas outras virtudes teologais: a da Fé e a da Esperança.
III — CONCLUSÃO
A essa impostação de espírito nos convida o Evangelho de hoje. Jesus não está visível entre nós, pois, há dois milênios, subiu ao Céu. Entretanto, pelo sacramento do Batismo e pela ação do Espírito Santo, sua figura se encontra delineada em nossas almas, convidando-nos a amá-Lo com exclusividade. As graças nos amparam nesse caminho. Toda a nossa existência gira em torno de dois únicos amores, pois não há um terceiro: o amor a Deus levado até o esquecimento de si mesmo, ou o amor a si próprio levado ao esquecimento de Deus. Qual desses amores é praticado por nossa era histórica, e quais as conseqüências correspondentes? Eis uma boa questão para se considerar com toda seriedade por ocasião da Ascensão do Senhor ao Céu, de onde virá julgar os vivos e os mortos, ou seja, os que amaram e os que se recusaram a amar.

terça-feira, 12 de abril de 2011

A ressurreição de Lázaro

O grande amor de Jesus àquela família de Betânia tornava incompreensível sua aparente indiferença perante a enfermidade de Lázaro. Mas quando Deus tarda em intervir é por razões mais altas e porque certamente nos dará com superabundância.
O retorno de Jesus a Betânia (vv. 1-16)

Para tornar bem claro quem era o enfermo em questão, São João o apresenta como sendo o irmão de Marta e Maria. Ressalta a figura desta última por se tratar de uma pessoa muito conhecida e comentada em toda Israel, devido à sua impressionante conversão e seu belíssimo ato de arrependimento em casa de Simão, o fariseu (3). É interessante notar o acerto do nome “Lázaro” que significa: “ajudado”, ou, “Deus socorreu”.
Fazia muito que Jesus pregava na região da Peréia, à distância de uma jornada de Betânia. Com enorme solicitude e carinho por Lázaro, tal qual costumam ser as irmãs quando de boa índole, Marta e Maria enviam um mensageiro para avisá-lo do estado de saúde do irmão.
Transparece na atitude de ambas um profundo espírito de fé na onipotência do Salvador e, ao mesmo tempo, uma nobre e fraternal dedicação. Tanto mais que a mensagem não era só informativa mas, com enorme polidez, ela continha uma súplica. A fórmula empregada nada tem a ver com a lógica argumentação do centurião romano para obter a cura de seu servo; mais se aproxima ela, em sua essência, da atitude da Virgem Maria nas Bodas de Caná: “Senhor, aquele que amas está doente” (v. 3). Segundo Santo Agostinho, esta simples frase contém uma profunda verdade de fé: Deus jamais abandona aquele a quem ama. Elas não imploram nem pedem explicitamente a cura, quer pudesse ser ela operada de perto, ou de longe; era-Lhe suficiente conhecer o estado de seu amado para, por um simples desejo seu, tornar efetivo o milagre.
E realmente assim teria sido se Jesus não tivesse querido se aproveitar do pretexto da morte de seu amigo “para a glória de Deus, a fim de que o Filho do Homem seja glorificado” (v. 4), conforme Ele próprio o afirma.
Grande perplexidade devem ter tido ambas, ao receberem a resposta do Senhor, dois dias depois do falecimento de Lázaro: “Esta doença não é de morte...” (v. 4). Maior aflição ainda deveu-se ao fato de Jesus não se ter movido para se encontrar com o amigo nem com suas irmãs.
Essa é bem a provação pela qual passam as almas aflitas que imploram a intervenção de Deus e julgam não serem atendidas, devido à demora ou a uma aparente inércia da parte do Céu. Quão benfazeja é esta passagem para nos convencer a jamais descrermos da onipotência da oração perfeita! Quando Deus tarda em intervir é por razões mais altas e porque certamente nos dará com superabundância. E aí está o procedimento de Jesus para com aqueles aos quais ama: “Jesus amava Marta, sua irmã Maria e Lázaro” (v. 5). O grande amor de Jesus àquela família tornava ainda mais incompreensível sua como que indiferença, pois, “tendo ouvido que Lázaro estava doente, ficou ainda dois dias no lugar onde se encontrava” (v. 6).
Que grande vôo de espírito era necessário para seguir o Divino Mestre diante da incompreensibilidade de suas atitudes! Nenhum dos dois lados chegava a atinar com o alcance da meta política do Salvador. As irmãs deviam estar desmontadas em suas esperanças, acompanhando do lado de fora do sepulcro a lenta mas progressiva decomposição do corpo de seu irmão. Os Apóstolos, por sua vez, não podiam entender o porquê da ida de Nosso Senhor à Judéia. Já havia curado tantos necessitados à distância, qual a razão de penetrar numa terra onde era perseguido de morte? E só por causa de um enfermo? “Mestre, ainda há pouco os judeus Te quiseram apedrejar, e Tu vais novamente para lá?” (v. 8), diziam eles. Não seria melhor operar o milagre à distância?
Ora, os princípios pelos quais Deus se move sempre são infinitamente superiores aos atinentes às meras criaturas, por isso nada melhor do que nos abandonarmos aos desígnios e ao beneplácito de sua vontade, nunc et semper.
Vê-se pela narração o quanto os próprios Apóstolos estavam sendo formados na fé, passo a passo, através dos milagres, conforme Ele mesmo afirma: “para que acrediteis” (v. 15). Jesus iria selar o término de sua vida pública — os últimos momentos das doze horas do dia — com o mais portentoso milagre. Ele a iniciara com a transformação da água no melhor dos vinhos, em Caná, e agora, antes do anoitecer, traria à vida um morto já em franca decomposição.
Encontro com Marta e Maria (vv. 17-37)
Maria permaneceu em silêncio, como era costume na época, por não ter idéia da chegada de Jesus à aldeia, enquanto Marta foi ao seu encontro (v. 20) a fim de Lhe noticiar todo o ocorrido. Uma vez mais os fatos nos revelam as características próprias a cada uma das duas irmãs. Marta é mais dada à administração, às relações sociais, etc., e Maria mais ao fervor amoroso. Por isso Marta não avisa sua irmã, pois seria impossível retê-la junto às visitas enquanto se desenrolasse seu diálogo com o Mestre. Aliás, esse diálogo não poderia ter transcorrido com maior ternura e delicadeza. Não há a menor sombra de queixa da parte de Marta ao afirmar: “Senhor, se estivesses cá, meu irmão não teria morrido” (v. 21), pelo contrário, trata-se da manifestação de um pesaroso sentimento feito de confiança no poder de Jesus.
Entretanto, a fé de uma e outra ainda não havia atingido sua plenitude, pois não podiam imaginar o grande milagre que iria ser operado por Jesus. Marta não tem noção do poder absoluto de Jesus, e daí o condicionar as ações do Divino Mestre aos pedidos que Ele faça a Deus (v. 22): “Tudo o que pedires a Deus, Deus to concederá”.
Marta externa sua firme crença na ressurreição final e nessa ocasião espera rever seu irmão em corpo e alma (v. 24), sem jamais imaginar a possibilidade de reencontrá-lo naquele mesmo dia. Jesus, o Divino Didata, vê chegado o momento de proferir uma das mais belas afirmações do Evangelho. Em outros trechos Ele terá revelado: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14, 6); “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8, 12); “Eu sou o pão da vida” (Jo 6, 35), mas nenhuma atinge a altura teológica desta, em questão: “Eu sou a Ressurreição e a Vida; aquele que crê em Mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive e crê em Mim, não morrerá eternamente” (vv. 25-26). E com uma paternalidade comovedora pergunta a Marta: “Crês nisto?”, para movê-la a um ato explícito de fé e fazê-la crescer em méritos.
O diálogo dera seus melhores frutos, era necessário consolar a outra irmã. Marta a avisa “em segredo” (v. 28) que o Mestre chegara. Conforme seu temperamento arrojado, saiu a toda pressa para encontrá-Lo. Seu gesto levou todos os visitantes a imitá-la; imaginando que ela iria chorar junto ao túmulo, seguiram-na (vv. 29-31).
Especialmente digna de nota é a cena de seu encontro com Jesus. Marta era mais controlada em suas emoções, determinada em seus objetivos e, portanto, capaz de expor em palavras todos os seus sentimentos. Maria, bem diferente de sua irmã, tem arroubos de fervor sensível pelo Mestre, seu amor não conhece fronteiras e nem permite ser freado em suas manifestações, sua alma realmente seráfica a leva a lançar-se aos pés de Jesus, e o máximo que consegue exprimir é sua dor, em breves termos. De resto era chorar, soluçar, e com tal substância que todos se viram tocados por sua reação, acompanhando-a no pranto (vv. 32-33).
Maria era tão carismática em sua fé, no ardor de seus desejos e na comunicação de sua benquerença por Jesus, que Ele próprio “comoveu-Se profundamente e perturbou-Se” (v. 33). Bem dizia Lacordaire: “L´intelligence ne fait que parler; c´est l´amour qui chante!” Nossas palavras podem convencer, mas nosso amor poderá até mesmo tocar o Sagrado Coração de Jesus. Quão humano, sem deixar de ser divino, Ele se mostra nessa ocasião, sobretudo ao derramar, também Ele, suas preciosíssimas lágrimas, santificando, assim, as lágrimas roladas de todos os corações sofredores por amor a Deus, ou arrependidos de suas faltas.
Era essa a maior prova de amor externada pelo Salvador, até aquele instante, em relação ao seu amigo Lázaro.
Ressurreição de Lázaro (vv. 38-45)
Diferentemente de outros túmulos, este de Lázaro era escavado em rocha não no sentido horizontal, mas sim, no chão e verticalmente. Para se chegar ao local onde haviam depositado o corpo de Lázaro, precisava-se descer um bom número de degraus. Ao redor do sepulcro, estavam todos em forte expectativa, pois os antecedentes prognosticavam um portentoso acontecimento.
Com magna autoridade, Jesus ordena, para espanto dos circunstantes: “Tirai a pedra” . Marta, sempre criteriosa, não resiste em ponderar que o cadáver já estaria em decomposição depois de quatro dias. “Senhor, ele já cheira mal...” (v. 39). Magistral a resposta de Jesus: “Não te disse que, se creres, verás a glória de Deus?” (v. 40).
Belíssima oração de Nosso Senhor, com o túmulo já aberto, o mau odor ferindo as narinas dos presentes, a atenção não poderia ser mais intensa. Ele reza não por necessidade, “mas falei assim por causa do povo que está em volta de Mim, para que acreditem que Tu me enviaste” (vv. 41-42).
Por um simples desejo seu, a lápide teria voltado ao nada e Lázaro surgiria à porta do sepulcro, rejuvenescido, limpíssimo e perfumado. Era, porém, conveniente constar aos olhos de todos a potência de suas ordens: “bradou em voz forte: “Lázaro, sai para fora!”
Dois portentosos milagres se operam, não só o da pura ressurreição. Lázaro estava atado da cabeça aos pés, impedido de caminhar; entretanto, subiu pela escada que dava acesso à entrada do túmulo, estando até mesmo com um sudário ao rosto. Imaginemos a impressionante cena de um defunto subindo degrau por degrau, sem liberdade de movimentos e sem enxergar, mas já respirando com visíveis sinais de vida.
“Desligai-o e deixai-o ir” (v. 44) é a última voz de comando do Divino Taumaturgo.
Nada mais relata o Evangelista; nenhuma palavra a respeito de Lázaro ou das manifestações de alegria de suas irmãs; somente a conversão de “muitos dos judeus que tinham ido visitar Maria e Marta” (v. 45).
UM CONVITE À CONFIANÇA
Aí está o poder de Cristo manifestado em pleno esplendor para alimentar-nos em nossa fé. Esta Liturgia nos convida a uma confiança maior que a do centurião romano; ou seja, é preciso crer em Jesus com um ardor Marial. Se a Santíssima Virgem estivesse ao lado das irmãs, certamente — além de lhes aconselhar a aguardarem com paz de alma a chegada de seu Divino Filho — recomendaria a ambas que procurassem fazer “tudo o que Ele vos disser” (Jo 2, 5). Por maior que sejam os dramas ou aflições em nossa existência, sigamos o exemplo e a orientação de Maria, crendo na onipotência de Jesus, compenetrados das palavras de São Paulo: “Todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que, segundo o seu desígnio, foram chamados” (Rm 8, 28).