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terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O Evangelho do Reino de Deus Mt 4,12-23

final

Não tinha chegado a hora de Se manifestar como Filho de Deus

Jesus percorria toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas e pregando o Evangelho do Reino de Deus, e curando todas as enfermidades entre o povo.

Depois de longas décadas no silêncio oculto de Nazaré, vemos agora o Salvador no pleno exercício de Sua missão pública, pregando sobre o Reino de Deus, curando os enfermos e expulsando os demônios. Não sabemos dizer quanto durou essa zelosa
atividade apostólica, mas não seria exagerado supor ter ela se prolongado por vários meses.

É rica em conteúdo a apreciação feita pelos Professores da Companhia de Jesus, a propósito desse versículo 23:

“O evangelista resume nestes poucos versículos a missão de Cristo na Galiléia. Nos capítulos seguintes (5-7) ele nos vai apresentá-Lo primeiro como o grande doutor anunciado pelos profetas e, depois (8-9), como taumaturgo que opera toda classe de milagres para confirmar a verdade de Sua doutrina. Aqui, em geral, nos diz que Jesus percorria os povoados da Galiléia, sem dúvida acompanhado dos discípulos que acabava de escolher, ensinando a Boa Nova — é este o significado da palavra Evangelho —, a qual era a próxima vinda do Reino dos Céus (v. 17). Pregava, como anota o evangelista, nas sinagogas. [...] Pregava também, como insinua o evangelista e veremos mais adiante, nos campos e nas praças. Confirmava a verdade de Sua doutrina com milagres que eram ao mesmo tempo obras de caridade, curando toda espécie de enfermidades. Essas curas milagrosas eram uma das características do Messias anunciada pelos profetas, especialmente por Isaías (35, 5-6)” 10.

A convicção de Jesus quanto ao Seu papel de Messias jamais poderá ser posta em dúvida. Sua simples genealogia seria suficiente para demonstrar isso; nem se fale, então, sobre as revelações feitas por São Gabriel, tanto à Virgem Mãe quanto a Zacarias, a presença dos pastores no Presépio, a visita dos Reis Magos e a própria resposta dada a Maria ao reencontrá-Lo no Templo: “Não sabíeis que é preciso eu cuidar dos interesses de meu Pai?” (Lc 2, 49). Esses fatos evidenciam quão grande e exata era a compenetração que Ele possuía em relação à Sua missão.

Porém, se de um lado a consciência a respeito dos fins — imediato e último — era claríssima ab initio e nunca cresceu nem, menos ainda, diminuiu, Sua manifestação aos outros foi progressiva. Aqui na Galiléia encontramos o Divino Mestre numa fase inicial.

Era não só prematuro, mas até imprudente, revelar em todo ou em parte Sua divindade. Só muito mais tarde — por volta de dois anos após o Batismo no Jordão — Pedro proclamará sua filiação divina, por pura revelação do Pai, e, em seguida, os apóstolos receberão a ordem de manterem o assunto em sigilo.

A mesma norma de conduta será imposta aos demônios dos possessos (cf. Lc 4, 33-41, etc.) e aos próprios enfermos miraculados (cf. Mt 12, 16, etc.). E se assim não fosse, o resultado seria incontrolável, devido à forte impressionabilidade das multidões a propósito de um Messias político. Haja vista a reação do povo após a multiplicação dos pães (cf. Jo 6, 14-15).

No último ano de Sua vida pública, a manifestação será revestida de um esplendor exuberante. Mas, neste período da Galiléia, “o Evangelho do Reino de Deus” é pregado pelo Filho do homem a uma opinião pública com insuficiente fé para reconhecer a infinita grandeza do Filho de Deus.


1) Cf. AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica III, q. 38, a.1, ad 2.
2) Cf. TERTULLIANO, Quinti Septimii Florentis. Adversius Marcionem, l. IV, c. 33: PL 2, 471.
3) La Sagrada Escritura — Texto y comentario por Professores de la Compañía de Jesús. Madrid: BAC, 1961, pp. 49-50.
4) MALDONADO, P. Juan de, S.J. Comentarios a los cuatro Evangelios. Madrid: BAC, 1950, v. I, p. 223.
5) GOMÁ Y TOMÁS, Dr. D. Isidro. El Evangelio explicado. Barcelona: Rafael Casulleras, 1930, v. II, p. 72.
6) Idem, ibidem.
7) FILLION, L CL. Vie de N.-S. Jésus- Christ. Paris VI: Librairie Letouzey et Ané, 1922, t. II, p. 127.
8) GOMÁ Y TOMÁS, Dr. D. Isidro. Ibidem.
9) In de MALDONADO, P. Juan, S.J. Ibidem.
10) La Sagrada Escritura — Texto y comentario por Professores de la Compañía de Jesús. Madrid: BAC, 1961, p. 54.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Vocação dos primeiros discípulos Mt 4, 12-23

Caminhando ao longo do mar da Galileia, viu dois irmãos, Simão, chamado Pedro, e André, seu irmão, que lançavam a rede ao mar, pois eram pescadores. “Segui-Me, disse-lhes, e Eu vos farei pescadores de homens.” E eles, imediatamente, deixando as redes, O seguiram. Passando adiante, viu outros dois irmãos, Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, que estavam numa barca, juntamente com seu pai Zebedeu, consertando as suas redes. E chamou-os. Eles, deixando imediatamente a barca e o pai, seguiram-no.

Pela narração de São João, tudo leva a crer que esses quatro apóstolos já conheciam Jesus. Os outros três evangelistas não fazem menção a esse prévio relacionamento.

O precursor apontara a André e João a figura do Messias e, por isso, ambos O seguiram e, logo após, aproximaram Pedro e Tiago. Um dia depois, fora chamado pelo próprio
Jesus o apóstolo Filipe, o qual, por sua vez, atraiu Bartolomeu (cf. Jo 1,35-51). Portanto, de certo modo, eles já eram discípulos do Salvador quando se desenrolam os fatos descritos nos versículos acima.

Pedro e André lavavam as redes provavelmente depois de uma pesca infrutífera, caso Lucas se refira à mesma cena (cf. Lc 5, 1-11). A eles dirige o Mestre o convite em tom quase imperativo, o que faz prever conversas anteriores preparatórias a esse momento no qual se concretizava uma antiga promessa de fazê-los pescadores de homens.

A mesma determinação será usada com os outros dois irmãos, filhos de Zebedeu, pelo Divino Mestre.

A prontidão com a qual a dupla de irmãos abandona tudo, os dois últimos até ao próprio pai, indica bem o grau de intimidade existente entre eles e o Mestre, e o teor
das conversas havidas até então. Jesus trabalhava com divina sabedoria e zeloso cuidado, cada um para o exercício dessa robusta fé e arrojada decisão.

Alheias a essa tomada de atitude não deviam estar as orações silenciosas de Maria Santíssima. Ausente também não estava o esforço e o fogo de alma do Batista. Ele foi quem os congregara e os entregara ao Messias. Esses fatores todos conjugados levaram os quatro primeiros discípulos a, com espírito inflamado, dar as costas a este mundo e lançar, não mais as redes, mas a si próprios, não nas águas, e sim no Reino dos Céus.

O Reverendíssimo Pe. Luís María Jiménez Font, S. J. faz um excelente comentário sobre essa passagem: “Parece que a vocação dos apóstolos se passou da seguinte maneira: Cristo recebeu espontaneamente os que a Ele se juntaram, procedentes do discipulado do Batista — André e Pedro, João e Tiago —, e no primeiro retorno à Galileia, Filipe e Natanael, aos quais permitiu Jesus retomar suas actividades depois da cura do filho do régulo, acabada a primeira pregação na Judeia, pois o primeiro ministério do Senhor na Galileia, parece que Ele o fez completamente só. Quando já era conhecido na região, decidiu formalizar o ponto da colaboração alheia, e chamou novamente aqueles que no início O tinham acompanhado por devoção, para que O seguissem de modo definitivo e profissional, no dia da pesca milagrosa” 9.

domingo, 22 de janeiro de 2012

A pregação do Reino dos Céus - Mt 4, 12-23

Desde então, começou Jesus a pregar: “Fazei penitência porque está próximo o Reino dos Céus”.

São Marcos também nos deixou o mesmo relato nestes termos: “Completou-se o tempo, e aproxima-se o Reino de Deus; fazei penitência, e crede no Evangelho” (Mc 1, 15). Enquanto um evangelista costuma falar em “Reino dos Céus”, o outro se refere ao “Reino de Deus”. Discutem os autores sobre este particular, mas para nossos objetivos não nos convém discorrer sobre ele e, por isso, tomemos as duas expressões como sinônimas.

Já na famosa conversa noturna com Nicodemos, Jesus fizera menção ao Reino de Deus (cf. Jo 3, 3-5). Agora começa propriamente Sua pregação pública sobre o tema.

É sabido o quanto os judeus esperavam por um reino político-social todo feito de glória para o povo eleito. Essa seria, para eles, a realização do Reino de Deus sobre a Terra. É em Cafarnaum que Jesus começa a retificar esse equívoco nacionalista, o que Ele fará progressivamente por meio de pregações, parábolas e polêmicas, com uma insuperável força didática e de lógica.

Natureza espiritual e caráter universal do Reino

O método processivo para o estabelecimento do Reino anunciado pelo Divino Mestre se chocava com a concepção judaica de uma intervenção intempestiva do Todo-Poderoso, alçando aos píncaros a nação eleita. Figuras como as da semente, do grão de mostarda e do fermento (cf. Mt 13, 24-33) demonstravam o lento passo a passo da evolução do Reino anunciado e trazido por Ele.

Ademais, o verdadeiro Reino é, sobretudo, religioso, sem possuir um fim político segundo o acentuado anseio da opinião pública daqueles tempos. Esse Reino se estabelece em oposição ao de Satanás. “Se Eu, porém, lanço fora os demônios pela virtude do Espírito de Deus, é chegado a vós o Reino de Deus” (Mt 12, 28). Não fará, portanto, uma oposição a César (cf. Mt 22, 21) e, por outro lado, não será nacional, mas universal: “Digo-vos, porém, que virão muitos do Oriente e do Ocidente e se sentarão com Abraão, Isaac e Jacó no Reino dos Céus ...” (Mt 8, 11).
Sobre o versículo em questão, assim se exprime o grande exegeta Fillion:

Podia-se, pois, compreender o Salvador quando Ele fez ecoar através da Galileia o ‘Evangelho do Reino’, já que esta boa nova fora anunciada há muito tempo, e que, recentemente, o Precursor a tinha proclamado com ardente zelo. Mas era preciso corrigir o que havia tomado uma má direção no espírito do povo, aperfeiçoar o que era bom, erguer às esferas superiores o que ainda não fora revelado em toda a sua extensão e, assim, retornar ao magnífico ideal dos profetas e até ultrapassá-lo. É por isso que — rejeitando com vigor as concepções mesquinhas e vulgares da maior parte dos seus compatriotas, desvinculando a noção de Reino de Deus das quimeras da escatologia judaica, protestando especialmente contra a pretensão dos fariseus e dos escribas de dar às esperanças messiânicas um aspecto puramente exterior e político, de maneira a fazer disso o monopólio de sua nação — Jesus insistiu incansavelmente na natureza espiritual e no caráter universal desse Reino” 7.

A penitência abre as portas do Reino dos Céus

O Reino está próximo e, para nele penetrar, é preciso fazer penitência, humilhar-se, purificar-se. É a via segura para se obter a paz com Deus e consigo mesmo. Essa foi a condição colocada por Jesus, e por isso, “não começou — diz o mesmo Crisóstomo — pregando as altas coisas da justiça da nova lei, mas as coisas íntimas da retificação da vontade pela penitência. Por aí se entra no Reino dos Céus: abandonando os maus hábitos, retificando intenções e inclinações erradas, concebendo desejos de viver bem e tendo pesar de haver feito o mal. É então que se pode já vislumbrar o gozo do cumprimento da perfeita justiça: ‘Fazei penitência…’ ‘Aproximou-se o Reino dos Céus…’”