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sábado, 21 de dezembro de 2013

Evangelho Missa de Natal - Ano A - 2013 - Lc 2, 1-14

Comentários ao Evangelho da Missa da Noite do Natal do Senhor - 2013 - Ano A
Mons João Clá Dias
Aconteceu que, naqueles dias, César Augusto publicou um decreto, ordenando o recenseamento de toda a terra. Este primeiro recenseamento foi feito quando Quirino era governador da Síria. Todos iam registrar-se cada um na sua cidade natal. Por ser da família e descendência de Davi, José subiu da cidade de Nazaré, na Galiléia, até a cidade de Davi, chamada Belém, na Judéia, para registrar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida. Enquanto estavam em Belém, completaram-se os dias para o parto e Maria deu à luz o seu filho primogênito. Ela o enfaixou e o colocou na manjedoura, pois não havia lugar para eles na hospedaria.
Naquela região havia pastores que passavam a noite nos campos, tomando conta do seu rebanho. Um anjo do Senhor apareceu aos pastores, a glória do Senhor os envolveu em luz e eles ficaram com muito medo. O anjo, porém, disse aos pastores: Não tenhais medo! Eu vos anuncio uma grande alegria, que o será para todo o povo: Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós um Salvador, que é o Cristo Senhor. Isto vos servirá de sinal: Encontrareis um recém-nascido envolvido em faixas e deitado numa manjedoura. E, de repente, juntou-se ao anjo uma multidão da corte celeste. Cantavam louvores a Deus, dizendo: Glória a Deus no mais alto dos céus, e paz na terra aos homens por ele amados.
O Evangelho do nascimento do Menino Jesus
Ao nos aproximarmos do Presépio, meditemos sobre aqueles acontecimentos que marcaram para sempre a História e que uma palavra hebraica sintetiza com justeza: Emanuel. Quer dizer “Deus conosco”, o próprio Senhor de todas as coisas assumiu a natureza humana e veio para estar no meio de nós.
A linguagem da Escritura
1Aconteceu que naqueles dias, César Augusto publicou um decreto, ordenando o recenseamento de toda a terra.
São Lucas, ao introduzir o tema, não se exprime com exageros didáticos, mas sim, com encantadora singeleza. Encontramos esta mesma simplicidade ao longo de toda a Sagrada Escritura. Não se trata apenas de um princípio de sabedoria, mas de arte literária: ao se descrever algo substancialmente grandioso, torna-se desnecessário utilizar uma linguagem enfática. A ênfase é indispensável quando queremos chamar a atenção para algo que, de si, não tem ou parece não ter importância.
O que São Lucas descreverá é o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, fato insuperável na História. Deus se fez Homem! O que mais dizer?
A vida orgânica de antigamente
Como o mundo era orgânico! O homem ainda não conhecia a agitação de hoje. Nada de comunicações instantâneas. Nada de viagens em velocidade ultrassônica. Não! Se a vida, sob muitos ângulos, era difícil, de outro lado, quanta serenidade!
Quanto tempo livre para se estar numa conversa distendida com os amigos, para conviver longamente com a familia, para refletir, para rezar! Tudo era feito com calma e serenidade.
Naqueles dias, os romanos já haviam conquistado tantas terras que costumavam chamar o Mediterrâneo de Mare Nostrum. Devido a essa rápida expansão, tornava-se urgente saber qual o número real da população do império.
Para o recenseamento, diz o Evangelho que “todos iam registrar-se cada um na sua cidade natal”. Quer dizer, iam aonde se encontravam as próprias raízes, mantinham vínculos com suas origens, que não raro atravessavam os séculos, e lhes marcavam a existência.
Espírito de respeito às regras
4Por ser da familia e descendência de Davi, José subiu da cidade de Nazaré, na Gallleia, até a cidade de Davi, chamada Belém, na Judeia, para registrar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida.
Sendo de estirpe real, José deveria apresentar-se com sua esposa na cidade de seus ancestrais. Era necessário caminhar uns 150 km, distância que separava Nazaré de Belém por aquelas estradas.
Não haviam ainda os romanos posto em prática toda a sua capacidade organizadora no tocante à rede de comunicação de seu império. É verdade que já estavam construindo, na região de Roma, ótimas estradas, levantavam pontes e viadutos sólidos, mas os caminhos da Palestina não haviam sido endireitados, e pavimentados até então.
Eram vias ricas de aspectos pitorescos, mas quão tortuosas, esburacadas e arriscadas! Foi por este cenário agreste que se aventuraram José e Maria durante alguns dias. Felizmente, por estarem num período de recenseamento, por todo o percurso encontravam uma multidão de pessoas, diminuindo de certo modo os perigos. Apesar disso não deixava de ser um deslocamento penoso.
Não consta que José e Maria hajam se queixado de algo. Submeteram-se com docilidade às determinações, por serem fiéis ao princípio da autoridade, criado por Deus e posto em prática na legislação. Não se tratava de uma ordem criminosa nem injusta, logo, devia ser obedecida.
O encontro mais sublime da história
6 Enquanto estavam em Belém, completaram-se os dias para o parto, 7a e Maria deu à luz o seu Filho primogênito. Ela O enfaixou e O colocou na manjedoura...
Este belo trecho deixa transparecer a profissão do Evangelista. Com efeito, ele era médico. Sabia que uma mãe, ao dar à luz, não tem forças para preocupar-se diretamente com o recém-nascido, e que o normal é deixá-lo aos cuidados de outras pessoas. São Lucas, portanto, ao afirmar ter sido Nossa Senhora quem tratou o menino — “0 enfaixou e O colocou na manjedoura” — deseja ressaltar que o parto foi indolor, não trazendo consigo os estigmas do pecado original. Esta ideia é sublinhada também pelo fato de Maria não ter se preocupado em banhar seu Filho. Nasceu Ele com tanta luz, que a Mãe O enfaixou imediatamente.
Podemos imaginar a cena: a Santíssima Virgem, que vê pela primeira vez Deus Menino, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, mas Carne da carne e Sangue do sangue d’Ela! Em atitude de adoração a Ele — é a única Mãe que pode adorar seu Filho — enfaixa-O, porque os ossos d’Ele são tenros, as cartilagens ainda são delicadas, e é necessário protegê-Lo. Enquanto é enfaixado, o Menino olha para Ela, sorri, encanta-Se com essa criatura virginal que Ele mesmo planejara desde toda a eternidade. Foi este o encontro mais sublime, elevado e pleno de unção que ocorreu em toda a História da humanidade: o do Menino Deus com sua Mãe; o da Mãe com seu Filho Divino.
Sob o signo da castidade
7b …pois no havia lugar para eles na hospedaria.
Por que São Lucas utiliza estes termos: “para eles”? Ele poderia ter escrito: “Não havia lugar para mais ninguém”. Por que não o fez?
Naquela época não existiam hotéis como hoje. Muitas hospedarias nem sequer possuíam quartos, o teto era às vezes de palha ou mesmo constituído por um simples caramanchão. Os animais — cavalos, burros, camelos, etc. — eram deixados pelos viajantes num pátio defronte às portas da hospedaria. E não se pense em conveniências de higiene comuns em nossos dias. Naquele mundo se misturavam povos que estavam saindo da barbárie com outros mais primitivos. Mais de um milênio haveria de passar para que tal situação sofresse uma mudança profunda e duradoura.
O convívio humano numa hospedaria tornava-se, por esse motivo, um tanto prosaico. E o ambiente era em geral de festa: cantava-se à noite, confraternizava-se, até que o cansaço obrigasse os viajantes a se deitarem. Mas era um dormir meio coletivo. Situação que não convinha para José e Maria, que haviam sido chamados à prática do sumo do pudor, da castidade, da virgindade. Por isso, “não havia lugar para eles”.
Desse modo, já no nascimento do Menino Jesus depara-mo-nos com uma riqueza de significados a propósito da virgindade e da castidade que são realçados pelas circunstâncias. Sem lugar na hospedaria, o Santo Casal escolhe uma Gruta, e é ali que nasce Deus Encarnado. Ele prefere uma estrebaria a um local onde o pudor não é praticado de modo excelente. Sua Mãe, Virgem Imaculada, seu pai adotivo, virgem também. Castidade e pudor, eis o signo sob o qual Ele nasce.
Desapego aos bens deste mundo
A 9 km da Gruta ficava o palácio de Herodes: inundado de fausto, de riquezas, de opulência, de luxo, de segurança. Mas o Rei dos reis preferiu nascer na Gruta. Por quê? Para nos dar outra lição: seja na pobreza, seja na riqueza, não nos esquecermos de que o importante é voltarmos os olhos para Deus.
Mas algumas pessoas estavam bem mais próximas do Presépio que Herodes...
8 Naquela região, havia pastores que passavam a noite nos campos, tomando conta do seu rebanho.
Eram homens pobres e muito simples de trato, e detestados pelos fariseus por não seguirem os costumes por eles indicados. Jesus teve preferência por eles. Contudo, não julguemos que esta predileção vinha sobretudo de sua situação econômica. Antes deles, já os Reis Magos haviam começado sua viagem do Oriente, trazendo presentes. Por sonhos, ou revelações quiçá, também tiveram notícia de que um Salvador nasceria e, atravessando extensas regiões e expondo-se a grandes riscos, acorreram em busca d’Ele.
Chamando uns e outros, Deus quis mostrar que veio para os pobres e para os ricos, e que o importante é não nos apegarmos aos bens materiais, mas, como diz o Papa João Paulo II, aspirarmos à “bem-aventurança dos pobres, dos ‘pobres em espírito’, como esclarece São Mateus (Mt 5, 3), ou seja, dos humildes”.1
Desde que tenhamos humildade, que só se obtém com profundo amor a Deus, estaremos preparados para encontrar o Menino Jesus recém-nascido.
9Um Anjo do Senhor apareceu aos pastores, a glória do Senhor os envolveu em luz, e eles ficaram com muito medo.
Havia entre os judeus a crença de que se alguém visse um Anjo morreria em seguida. Temeram, portanto, não só pela majestade daquele ser celestial, mas também pelo presságio que sua aparição poderia representar.
10b “Eu vos anuncio uma grande alegria, que o será para todo o povo”.
É possível que a voz do Anjo não fosse suficiente para tranquilizar os pastores. Certamente receberem uma graça que os sustentou e que os fez sentir o que ouviam. E sentiram que haveria alegria para eles também.
11 “Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós um Salvador, que é o Cristo Senhor. 12 Isto vos servirá de sinal: Encontrareis um recém-nascido envolvido em faixas e deitado numa manjedoura”.
13 E, de repente, juntou-se ao Anjo uma multidão da coorte celeste. Cantavam louvores a Deus, dizendo: ‘ “Glória a Deus no mais alto dos Céus, e paz na Terra aos homens por Ele amados”.
Percebe-se que os pastores foram crescendo na compreensão da grandeza do ocorrido, e que a visão das miríades de Anjos cantando e louvando a Deus foi para eles um espetáculo prefigurativo da visão beatífica. Com o coração transbordante de graça — talvez tenham sido santificados naquele momento — puseram-se logo de pé, apressando-se em visitar o Menino Jesus.
Evangelho segundo Maria
Ao terminar esta parte do Evangelho, São Lucas escreve: “Maria conservava todas estas palavras, meditando-as no seu coração” (2, 19).

É bem possível que tenha sido Nossa Senhora quem narrou esses fatos aos Apóstolos, pedindo que seu nome não fosse mencionado. Tal é a sua humildade! Mas São Lucas, escrevendo deste modo, está indicando ter sido Ela a fonte do relato, razão pela qual bem poderíamos anunciar a narração do nascimento de Jesus com estas palavras: “Proclamação do Evangelho segundo Maria!”.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Missa da vigília Natal do Senhor - Ano A - 2013

Comentários ao Evangelho da Missa da vigília do Natal do Senhor
Mons João Clá Dias
Evangelho Mt 1, 1-15
Livro da origem de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão, 2Abraão gerou lsaac; Isaac gerou Jacó; Jacó gerou Judá e seus irmãos.  Judá gerou Farés e Zara, cuja mãe era Tamar. Farés gerou Esrom; Esrom gerou Aram; 4Aram gerou Aminadab; Aminadab gerou Naasson; Naasson gerou Salmon;  Salmon gerou Booz, cuja mãe era Raab. Booz gerou Jobed, cuja mãe era Rute. Jobed gerou Jessé. 6 Jessé gerou o rei Davi.
Davi gerou Salomão, daquela que tinha sido mulher de Urias.  Salomão gerou Roboão; Roboão gerou Abias; Abias gerou Asa; 8Asa gerou Josafá; Josafá gerou Jorão. Jorão gerou Ozias; 9Ozias gerou Jotão; Jotão gerou Acaz; Acaz gerou Ezequias; 10Ezequias gerou Manassés; Manassés gerou Amon; Amon gerou Josias. 11Josias gerou Jeconias e seus irmãos, no tempo do exílio na Babilônia.
12 Depois do exílio na Babilônia, Jeconias gerou Salatiel; Salatiel gerou Zorobabel; 13Zorobabel gerou Abiud; Abiud gerou Eliaquim; Eliaquim gerou Azor; 14Azor gerou Sadoc; Sadoc gerou Aquim; Aquim gerou Eliud; 15 Eliud gerou Eleazar; Eleazar gerou Matã; Matã gerou Jacó. 16 Jacó gerou José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus chamado o Cristo. 17Assim, as gerações desde Abraão até Davi são quatorze; de Davi até o exílio na Babilônia, quatorze; e do exílio na Babilônia até Cristo, quatorze.
18 A origem de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua Mãe, estava prometida em casamento a José, e, antes de viverem juntos, Ela ficou grávida pela ação do Espírito Santo.
19 José, seu marido, era justo e, não querendo denunciá-I.a, resolveu abandonar Maria,em segredo. 20 Enquanto José pensava nisso, eis que o Anjo do Senhor apareceu-lhe, em sonho, e lhe disse: “José, Filho de Davi, não tenhas medo de receber Maria como tua esposa, porque Ela concebeu pela ação do Espírito Santo. 21 Ela dará à luz um Filho e tu lhe darás o nome de Jesus, pois Ele vai salvar o seu povo dos seus pecados”.
22 Tudo isso aconteceu para se cumprir o que o Senhor havia dito pelo profeta: 23 “Eis que uma Virgem conceberá e dará à luz um Filho. Ele será chamado pelo nome de Emanuel, que significa: Deus está conosco”. 24 Quando acordou, José fez conforme o Anjo do Senhor havia mandado: e aceitou sua esposa. 25 E sem ter relações com Ela, Maria deu à luz um Filho. E José deu ao Menino o nome de Jesus (Mt I, I -25).
  A PREPARAÇÃO IMEDIATA PARA O NASCIMENTO DE DEUS
Depois do período das quatro semanas do Advento, a Missa da véspera do Natal do Senhor propicia que, na perspectiva da comemoração da chegada do Menino Jesus à meia-noite, as graças já comecem a se fazer sentir, enchendo de alegria os nossos corações. Estas graças, distribuídas no mundo inteiro em torno do altar, quando Ele vem até nós todos os dias na Eucaristia, tornam-se mais intensas nesta grande Solenidade na qual celebramos, litúrgica e misticamente, o Verbo que se fez carne entre nós, jubiloso acontecimento que nos é anunciado pelo cântico dos Anjos.
Devemos, portanto, arder do desejo de que o Divino Infante venha não apenas ao Presépio da Gruta de Belém, mas ao nosso interior para aí estabelecer sua morada, e que Ele também possa nascer, o quanto antes e de maneira eficaz, no fundo da alma de cada um dos habitantes da Terra, realizando o que Ele próprio nos ensinou a pedir na oração perfeita, repetida pela Igreja ao longo de dois mil anos: “venha a nós o vosso Reino; seja feita a vossa vontade, assim na Terra como no Céu” (Mt 6, 10).
UM DEUS DE ASCENDÊNCIA HUMANA
Qual o momento histórico escolhido por Deus para Se encarnar?
Segundo São Tomás de Aquino,1 não convinha que o Salvador viesse logo depois da queda de Adão e Eva no Paraíso. Uma vez que a raiz do pecado foi a soberba, era mister que o homem, humilhado diante do espetáculo de sua miséria, reconhecesse a necessidade de um libertador, porque se recebesse de imediato o remédio teria desprezado o Criador, ignorando sua enfermidade. Acrescenta ainda o Doutor Angélico2 que também não seria adequado adiar a Encarnação até o fim do mundo, para não desaparecer totalmente da face da Terra o conhecimento e a reverência devida a Deus, bem como a honestidade dos costumes.
A plenitude dos tempos
Concluímos então que, como “Deus tudo definiu segundo sua sabedoria”,3 Cristo nasceu na “plenitude dos tempos” (Gal 4, 4), no auge da História, na época reservada para Ele por ser a mais oportuna e a mais necessitada. E, pois, em função d’Ele, e não apenas observando um critério cronológico, què se dividem as eras e tudo se organiza e se ajusta. Dado que o agir da Providência sobre o mundo se cifra em governar tendo em vista sua própria glória e a salvação dos homens, o papel de Nosso Senhor, enquanto Salvador, O põe mais ainda no centro dos acontecimentos.
Esta missão de Jesus, exercida numa determinada quadra histórica, é posta em especial destaque pela primeira parte do Evangelho — irrelevante na aparência — que a Santa Igreja propõe à nossa consideração nesta Vigília. Tendo já explicado em detalhe os versículos 18-25 desta passagem no artigo precedente a este,4 limitar-nos-emos a comentar os versículos 1-17.
Deus e Homem numa só Pessoa
1a Livro da origem de Jesus Cristo...
Um dos principais mistérios da nossa Fé é a união da natureza divina com a humana na Pessoa única do Verbo. Jesus é verdadeiramente Homem, com inteligência, vontade e sensibilidade, além de ter assumido um corpo padecente; e é plenamente Deus, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Em virtude da união hipostática, foi comunicada à humanidade de Cristo, tanto à Alma quanto ao Corpo, a santidade menada, substancial e infinita do Filho de Deus, como ensina o Apóstolo: “Nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Col 2, 9). Por essa graça de união, seu Corpo é adorável, e até mesmo os ossos, os cabelos ou as unhas d’Ele, tudo é divino!
Ora, parece desnecessário expor toda a ancestralidade de Nosso Senhor Jesus Cristo desde Abraão, enumerada com cuidado exímio pelo Evangelista, se já sabemos quem Ele é. Para que considerar a natureza humana do Messias, uma vez que o princípio ativo de sua concepção no seio de Maria é o próprio Espírito Santo5 e que, portanto, sua geração é obra divina? Porque incluir esta relação dos antepassados de Jesus, semelhante a um registro de tabelião? Tudo na Sagrada Escritura tem sua razão de sabedoria e foi o Espírito Santo quem inspirou São Mateus a assim escrever, como também São Lucas, o qual, ao contrário do método usado pelo primeiro, parte de São José e remonta até Adão (cf. Lc 3, 23-38).
Quando a Igreja Católica começou a se expandir pela pregação dos Apóstolos, ao ensinar a doutrina era indispensável preparar muito bem os neófitos. Enquanto hoje as verdades da Religião nos são apresentadas com toda naturalidade, naquele tempo, defender certos conceitos parecia um absurdo. A alguns era fácil admitir que o Salvador fosse Homem; enquanto a outros, como os judeus convertidos, a fé os levava a receber prontamente o dogma da divindade de Nosso Senhor. O grande problema estava em aceitar que Ele fosse Homem e Deus ao mesmo tempo! E surgiam, nos primeiros séculos, questões profundas a esse respeito e objeções contra a Pessoa de Jesus que perturbavam aquela gente, a quem os Apóstolos tinham de instruir: “Será Homem?”; “Onde nasceu Ele?”; “De quem é Filho?”; “Como pode Deus ser Filho de uma mulher?”; “De onde Lhe advém tanta força?”.
A intenção de São Mateus foi, pois, mostrar, sublinhar e ressaltar a humanidade de Cristo, provando por essas quarenta e duas gerações que Ele é Homem, nascido de mulher. Homem com genealogia, Homem filho de Adão e de Eva, possuindo a natureza humana íntegra, concebido na carne, mas por mão de Deus, de modo completamente milagroso e inefável. Desta forma, Nossa Senhora, mera criatura, por ter dado seu consentimento e ter fornecido a matéria para a formação do Corpo de Jesus, é Mãe de Deus.
O simbolismo dos números
O número quarenta e dois é simbólico, pois, na verdade, estas gerações abrangem uma enorme faixa de tempo — em torno de uns 2130 anos, segundo Fillion6 — e devem ter sido muito mais. O Evangelista as divide em três conjuntos de quatorze: a partir de Abraão até Davi, de Davi até o exílio da Babilônia, e deste até o Messias. “Os judeus gostavam de dividir suas genealogias em grupos mais ou menos fictícios, conforme cifras místicas fixadas de antemão”.7 Neste caso, se explica a escolha de quatorze pelo fato de ser duas vezes sete, número tido na literatura judaica como o algarismo simbólico de multiplicidade, de universalidade e de perfeição. Assim, o número perfeito duplicado se repete três vezes, porque três é também um número de perfeição.8 A este respeito é interessante a aplicação de São Remígio: “Dividiu as gerações em séries de quatorze cada uma, porque o número dez significa o Decálogo, e o número quaternário os quatro livros do Evangelho, mostrando nisto a conformidade da Lei com o Evangelho, e repetiu três vezes o número quatorze para nos ensinar que a perfeição da Lei, da profecia e da graça consiste em crer na Trindade Santa”.9
Outra interpretação proposta pelos exegetas baseia-se no intuito que animava o primeiro Evangelista de provar a ascendência davídica de Jesus, pois, “o número quatorze tinha a vantagem de encerrar eminentemente o sete, número sagrado, e de representar o valor numérico do nome de Davi, verdadeira fonte desta genealogia” 10 Com efeito, “dado que as letras hebraicas têm, além do significado verbal, outro numérico, resulta que o nome das letras de Davi em algarismos é o seguinte: Davi = 4+6+4, cuja soma dá quatorze”.11
O depositário da promessa feita a Abraão
1b …filho de Davi, filho de Abraão. 2aAbraão gerou Isaac; Isaac gerou Jacó,..
Tendo Deus amaldiçoado a serpente logo após a queda de Adão e Eva, prometeu-lhes enviar um Salvador (cf. Gn 3, 15), sem ainda fazer uma aliança concreta com eles. Expulsos do Paraíso, durante sua longa existência nossos primeiros pais viram o drama se estabelecer na face da Terra, a partir do fratricídio perpetrado por Caim contra seu irmão Abel, bem como todas as desgraças que depois se abateram sobre a humanidade, decorrentes de um mal de que eles mesmos eram os culpados: o pecado!
Somente mais tarde firmará Deus uma aliança com Abraão, anunciando-lhe uma descendência mais numerosa que as estrelas do céu e as areias do mar (cf. Gn 15, 18; 22, 17). A primeira vista, pareceria tratar-se aqui de uma posteridade quanto ao sangue, mas, na realidade, ao fazer tal juramento, Deus prometia a Abraão sobretudo filhos na linha sobrenatural, pois de sua estirpe nasceria um Varão extraordinário, o Salvador esperado. Por isso, ao descrever a ascendência de Jesus, São Mateus começa, muito a propósito, no santo patriarca e conclui dizendo:
16Jacó gerou José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que é chamado o Cristo.
Cristo era justamente o Desejado, vindo para redimir. Excogitar um Deus que se faz Homem supera de tal modo qualquer inteligência — até angélica — que se não fosse a revelação feita pelo próprio Nosso Senhor, nem sequer entraria na especulação dos judeus. Todavia, este insólito acontecimento veio a suceder.
Quatro mulheres estrangeiras
2b…Jacó gerou Judá e seus irmãos. 3a Judá gerou Farés e Zara, cuja mae era Tamar.[…] 5ª Salmon gerou Booz, cuja mãe era Raab. Booz gerou lobed, cuja mãe era Rute. […]6b Davi gerou Salomão, daquela que tinha sido mulher de Urias.
Em contraposição à destacada referência a Abraão, patriarca do povo eleito, chama a atenção o fato de São Mateus inserir quatro mulheres estrangeiras dentro dessas quarenta e duas gerações: Tamar, que provavelmente era cananeia; Raab, também cananeia; Rute, a moabita; e Betsabeia, mulher do hitita Urias, a qual tudo indica que fosse da mesma origem do marido. Conforme a opinião do padre Manuel de Tuya,12 o intuito do Evangelista era sugerir, de maneira indireta, o caráter universal da Encarnação e da Redenção, e de toda a obra messiânica, não circunscrita aos judeus, mas que abarcava as nações pagãs.
Uma genealogia de pecadores
Torna-se praticamente impossível comentar no reduzido espaço de um artigo a genealogia completa. Escolhamos, portanto, um aspecto para maior proveito de nossa vida espiritual. Dentro desta sequência surpreende um ponto, que vai contra um perfeccionismo mal entendido. Segundo este, a linha gem de Nosso Senhor deveria ser a mais elevada e mais excelente em matéria de virtude. Porém, ao analisar alguns nomes à luz da História Sagrada, o número e a gravidade dos seus pecados nos arrepiam.
Um patriarca dominado pela inveja
2b …Jacó gerou Judá e seus irmãos. 3a Judá gerou Farés e Zara, cuja mãe era Tamar.
Judá, um dos doze filhos do patriarca Jacó, deu origem à principal tribo do povo hebreu e é um dos mais ilustres ancestrais de Jesus. Ora, foi por inveja de seu jovem irmão José que ele cometeu um grande crime. Urdiu com todos os outros irmãos a trama para fazer desaparecer o inocente José. Judá apenas defendeu a vida do menino, mas não sua liberdade; pelo contrário, teve inclusive a ideia de vendê-lo como escravo a mercadores ismaelitas (cf. Gn 37, 26-27).
Também, é conhecido o desagradável episódio ocorrido entre ele e sua nora Tamar, a qual, por meios fraudulentos, lhe deu dois filhos, Farés e Zara (cf. Gn 38, 13-30), nomeados igualmente no Evangelho de hoje.
Uma mulher de maus costumes
5a Salmon gerou Booz, cuja mãe era Raab.
O mesmo observamos no caso de Salmon, príncipe dos judeus, casado com a cananeia Raab, mulher de péssimos costumes dos tempos de Josué (cf. Js 2, 1-21). Para tomar posse da Terra Prometida era imprescindível aos israelitas a conquista da cidade de Jericó, considerada inexpugnável. De fato, eles não podiam negligenciar esta fortaleza e seguir adiante, porque seriam atacados pela retaguarda. Josué, então, mandou dois espiões para examinar as possibilidades de dominar a cidade. Estes foram protegidos e bem informados por essa mulher, que habitava numa casa sobre as muralhas, com a condição de ser salva junto com toda sua família quando os judeus assaltassem Jericó.
Tendo chegado à residência de Raab emissários do rei de Jericó à procura dos exploradores que lá se hospedavam, ela os escondeu em meio às palhas de linho que tinha no terraço e os fez descer pela janela, servindo-se de uma corda. Por esta razão, quando o Senhor entregou Jericó nas mãos de Josué, a mulher e seus parentes foram poupados da morte e ela passou a morar no seio de Israel (cf. J5 6, 25). “Justificada pelas obras” (Tg 2, 25), Raab, embora estrangeira, abraçou a verdadeira Religião e desposou Salmon, de quem nasceu Booz, bisavô do rei Davi.
Dois pecados terríveis reunidos num rei santo
6b Davi gerou Salomão, daquela que tinha sido mulher de Urias.
A Sagrada Escritura ressalta que o rei Davi gerou Salomão, daquela que foi mulher de Urias: Betsabeia. Urias era um famoso general dos exércitos de Davi. Enquanto ele se achava em campanha, o rei, que ficara em Jerusalém, cometeu adultério com Betsabeia, a qual concebeu um filho. Tendo chamado o militar à Cidade Santa, para que sua presença justificasse os fatos, e não sendo bem sucedido em seu intento, o rei enviou, então, uma carta ao comando militar, ordenando que pusessem Urias no lugar mais arriscado do combate, a fim de que fosse ferido e viesse a morrer. Executada sua determinação, Urias tombou heroicamente na batalha, como era de se prever, e Davi, avisado do ocorrido, acolheu Betsabeia como esposa. O profeta Natã repreendeu o soberano, anunciando-lhe que o menino nascido daquele pecado morreria, e foi o que sucedeu. Contudo, Davi teve com ela um segundo filho, ao qual chamou Salomão (cf. TI Sm 11—12, 1-24). É verdade que este não foi o fruto do crime, mas Deus poderia evitar que um antepassado de Jesus fosse filho de Betsabeia, reservando tal honra a outra mulher. Não! Ele permitiu essa infidelidade de um rei santo e quis que o Messias proviesse da descendência dela.
Uma sequência de reis prevaricadores
7a Salomão gerou Roboão; […] 9b Jotão gerou Acaz; Acaz gerou Ezequias; 10a Ezequias gerou Manassés; Manassés gerou Amon.,,
O rei Salomão, galardoado por Deus com o dom da sabedoria, decaiu a ponto de se relacionar com numerosas mulheres pagãs, até acabar, em certo momento, ele mesmo entregue à idolatria (cf. I Re 11, 4-10). Uma de suas esposas, Naama, de origem amonita (cf. I Re 14, 21), deu-lhe Roboão por filho, o qual herdou o reino.
Este jovem monarca “abandonou a Lei do Senhor” (II Cr 12, 1), e durante seu reinado o povo de Judá edificou “para si lugares altos, estelas e ídolos Asserás sobre todas as colinas e debaixo de tudo que fosse árvore verde” (I Re 14, 23), para lhes oferecer culto. Igual procedimento seguiram a maior parte dos reis de Judá que lhe sucederam.
Acaz, por exemplo, chegou a fazer passar seu filho pelo fogo numa cerimônia em honra a Moloc, “segundo o abominável costume dos povos que o Senhor tinha expulsado diante dos filhos de Israel” (II Re 16, 3). Também ousou confiscar os bens e objetos sagrados do Templo para dá-los de presente ao rei da Assíria e substituiu o altar de bronze por outro, mandado construir conforme o modelo do altar de Damasco.
Manassés, neto de Acaz, foi ainda pior que todos os seus antecessores, pois, além de adorar as divindades dos pagãos e decair em horrorosos pecados de impureza e de magia, “derramou também tanto sangue inocente, que inundou Jerusalém de uma extremidade a outra” (II Re 21, 16).
Amon, seu filho, seguiu as pegadas do pai, prostrando-se diante dos falsos deuses (cf. II Re 21, 21) e mantendo, inclusive, pessoas de má vida dentro do próprio Templo de Jerusalém, as quais não apenas exerciam execráveis funções, mas teciam vestes para o ídolo Asserá (cf. II Re 23, 7).
A lista de pecados cometidos por estes reis infiéis poderia ser muito alongada. Não obstante, parecem suficientes os fatos acima descritos para compreendermos a “qualidade” de alguns dos ancestrais de Nosso Senhor Jesus Cristo, que São Mateus não julgou dever deixar de lado na genealogia, e, por inspiração do Espírito Santo, mencionou explicitamente.
FEZ-SE HOMEM PARA NOS DIVINIZAR
Ao constatar todas essas abominações ficamos impressionados e logo nos perguntamos qual a razão de Deus as haver tolerado. Por que teria o Salvador consentido e querido que na sua linhagem constasse gente de vida dissoluta? Ele conhecia esses horrores desde toda a eternidade e podia eliminá-los num instante.
Ele veio reparar e salvar
No entanto, não os eliminou e permitiu sua realização para tornar mais clara a ação da Providência: Jesus, nascendo de uma Virgem concebida sem pecado original, sob os cuidados de São José, varão santíssimo, veio reparar as iniquidades de Adão e Eva, de todos os seus antepassados e da humanidade inteira. Ele veio, sobretudo, para salvar os pecadores e, admitindo-os na sua ancestralidade, quis dar a entender o quanto Deus não aceita só os inocentes, como também os que incorrem em faltas.
“Ele veio à Terra” — diz São João Crisóstomo — “não para fugir de nossas ignominias, senão para tomá-las sobre Si. [...]Não só é justo que nos maravilhemos de que Ele assumisse a carne e Se fizesse Homem, mas de que Se dignasse ter tais parentes, sem em nada envergonhar-Se de nossas misérias. Desde o berço, pois, proclamou que não Se envergonha de nada do que é nosso”.13
Assim, Ele põe um ponto final nesse encadeamento de misérias com uma glória extraordinária, porque se os homens fossem perfeitos não se justificaria a Redenção, conforme canta a Igreja na Liturgia da Páscoa: “Ó pecado de Adão indispensável, pois o Cristo o dissolve em seu amor; ó culpa tão feliz que há merecido a graça de um tão grande Redentor!”.14
Para ser perdoado, é mister reconhecer as próprias miserias
Entre esses pecadores está Davi, que por meio de um sublime arrependimento mereceu passar para a História como o penitente.
Portanto, da nossa parte o que é preciso? Humildade, reconhecimento dos próprios defeitos, pedido de perdão e penitência. Devemos confiar na bondade infinita e no desejo de perdoar de Nosso Senhor, pois nisso Ele Se alegra. Nunca desesperemos caso o pecado venha a tisnar nossa vida, porque, ainda que tenhamos errado, se soubermos implorar misericórdia e reparar a ofensa, daí sairão maravilhas, tal como da ascendência de Jesus nasceu Deus! Se formos inteiramente inocentes, estejamos certos de que esta inocência provém da graça; se cairmos em alguma falta, lembremo-nos de que Nossa Senhora pode nos purificar, cobrindo-nos com seu manto e tornando-nos capazes de obras grandiosas.
Quantos Padres e Doutores 15 comentam o mistério de Deus Se ter feito Homem a fim de nos fazer deuses! Com efeito, é o que se dá no instante em que as águas do Batismo são derramadas sobre nossa cabeça: a natureza divina é infundida em nós.
Nosso coração, gruta inóspita na qual Deus quer nascer
O Natal do Menino Jesus, máximo acontecimento em toda a História da criação, vem penetrado pelo pensamento da misericórdia, da bondade e do perdão concedido a quem pede. A Missa da Vigília, que dá início à Solenidade, traz este ponto à nossa lembrança, apresentando-nos uma genealogia na qual encontramos a marca do insuperável amor de Deus para com a humanidade. Por isso permaneçamos na expectativa de sua chegada que se verificará nesta noite santa. Ele nascerá liturgicamente, mas descerá também ao coração de cada um de nós. Entretanto, nós não podemos dizer-Lhe: “Vinde agora, Senhor, nascer dentro do palácio de meu coração!...”. Antes, para que Ele possa vir com todo esplendor, é preciso que nossa alma se reconheça como é: uma gruta fria, inóspita, oferecendo-Lhe apenas uma pobre manjedoura cheia de palha, símbolo de nossa miséria e de nossas deficiências, escolhidas por Ele para ser recebido e que tanto deseja transformar!

1) Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.1, a.5.
2) Cf. Idem, a.6.
3) Idem, a.5.
4) Cf. CLA DIAS, EP, João Scognamiglio. Dois silêncios que mudaram a História. In: Arautos do Evangelho. São Paulo. N.108 (Dez., 2010); p.10-17; Comentário ao Evangelho do IV Domingo do Advento — Ano A, neste mesmo volume.
5) Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., q.32, a.2; a.3, ad 1.
6)Cf. FILLION, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Infancia y Bautismo. Madrid: Rialp, 2000, v.1, p.172.
7) Idem, p.173.
8) Cf. TUYA, OF, Manuel de. Biblia Comentada. Evangelios. Madrid: BAC, 1964, v.V, p.418; 878; SCHUSTER, Ignacio; HOLZAMMER, Juan B. Historia Bíblica. Antiguo Testamento. Barcelona: Litúrgica Española, 1934, tI, p.88-89; 586-587, nota 7; TUYA, OP, Manuel de; SALGUERO, OP, José. Introducción a Ia Biblia. Madrid: BAC, 1967, v.11, p.37-38.
9) SÃO REMÍGIO, apud SÃO TOMÁS DE AQUINO. Catena Aurea. In Matthæum, cI, v.17.
10) LE CAMUS, Emile. La vita di N S. Gesù Cristo. 3.ed. Brescia: Vescovile Queriniana, 1908, v.1, p.130.
11) TUYA; SALGUERO, op. cit., p.38. No alfabeto hebraico antigo não havia registro de vogais, além de receber cada letra um valor numérico. E sendo o nome David — nr — escrito em hebraico com as letras dalet (7) e waw (i), respectivamente com o valor de 4 e 6, somavam o simbólico resultado de 14.
12) Cf. TUYA, op. cit., p.24.
13) SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Homilía III, n.2. In: Obras. Homilías sobre el Evangelio de San Mateo (1-45). 2.ed. Madrid: BAC, 2007, vI, p.42.
14) VIGÍLIA PASCAL. Proclamação da Páscoa. In: MISSAL ROMANO. Trad. Portuguesa da 2a. edição típica para o Brasil realizada e publicada pela CNBB com acréscimos aprovados pela Sé Apostólica. 9.ed. São Paulo: Paulus, 2004, p.275.

15) Cf. SANTO AGOSTINHO. Sermo CXCII. In Natali Domini, IX, c.1, nl; SAO LEAO MAGNO. Sermo XXVI. In Nativitate Domini, VI, c.2; SANTO IRINEU DE LYON. Contra hæreses. L.III, c.19, n.1; SANTO ATANASIO DE ALEXANDRIA. Oratio De Incamatione Verbi, 54; SAO CIPRIANO DE CARTAGO. Quod idola dii non Sint, 11; SANTO HILARIO DE POITIERS. De Trinitate. L.IX, n.3; SAO GREGORIO NAZIANZENO. Oratio XL. In Sanctum Baptisma, n.45; SAOCIRILO DE ALEXANDRIA. Thesaurus de Sancta et consubstantiali Trinitate. Assertio XXIV; SAO TOMAS DE AQUINO. Officium Co1poris Christi “Sacerdos’ Vesp. I, lect.1.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Evangelho IV Domingo do Advento – Ano A – 2013 – Mt 1, 18-24

Conclusão dos comentários ao Evangelho – 4º Domingo do Advento  - Ano A  – 2013 – Mt 1, 18-24
Mons João Clá Dias
Elevado ao plano da união hipostática
Ao selecionar este Evangelho para o último domingo antes da Natividade do Senhor, a Igreja nos convida a considerar duas criaturas puramente humanas — Maria e José — à luz da Encarnação do Verbo, elevando assim as nossas cogitações até o sétimo e mais alto plano da ordem da Criação, acima dos minerais, vegetais, animais, homens, anjos, e até da própria graça. Desse elevadíssimo plano hipostático, só Jesus Cristo, Homem-Deus, participa em estado absoluto.
Também Nossa Senhora, a seu modo, participa dessa ordem hipostática, por ter cooperado de forma moral e livre para a Encarnação, com seu fiat, bem como por ter contribuído fisicamente para a formação do Corpo de Cristo. “Por essa colaboração, Maria consegue tocar com sua própria operação a Deus”, afirma o dominicano frei Bonifácio Llamera.8
Ora — segundo o padre Bover e vários outros autores — o próprio São José foi unido a esse mistério extraordinário, embora “não fisicamente, como a Virgem Mãe de Deus, mas moral e juridicamente”.9 Pois, segundo afirma o mencionado padre Llamera, além de intervir na constituição da ordem hipostática pelo seu consentimento livre e voluntário, ele coopera de forma direta e imediata na conservação dessa mesma ordem.10
A análoga conclusão chega, sob um prisma diverso, o padre Garrigou-Lagrange, o qual afirma que a missão de São José vai além da ordem da natureza, e não somente humana, mas também angélica. Para melhor frisar seu pensamento, o teólogo dominicano levanta uma pergunta a respeito dessa missão: “Será ela somente da ordem da graça, como a de São João Batista, o qual prepara as vias da Salvação; como a missão universal dos Apóstolos na Igreja para a santificação das almas; ou a missão particular dos fundadores de ordens?”. E apresenta esta resposta: “Observando de perto a questão, vê-se que a missão de São José ultrapassa até a ordem da graça, e confina com a ordem hipostática constituída pelo próprio mistério da Encarnação”.11
“Deus pediu à Virgem — comenta o padre Llamera — seu consentimento para a Encarnação. Ela o concedeu livremente, e neste ato voluntário se radica sua maior glória e mérito”.12 Mas também ao santo Patriarca foi solicitada sua anuência ao virginal matrimônio com Maria, condição para a Redenção; outrossim, pediu-lhe a Providência uma heroica aceitação, sem entender, do mistério da Encarnação: mais acreditou ele na inocência de Maria do que na evidência da gravidez, constatada pelos seus olhos. Sem dúvida, foi esse “fiat!” de São José um dos maiores atos de virtude jamais praticados na Terra.
Abre-se assim ante nossos olhos, às portas do Natal, um vastíssimo panorama em relação aos tesouros de graça depositados na alma do esposo virginal de Maria e pai adotivo de Jesus. Segundo piedosa afirmação, “sabemos que algumas almas, por predileção divina, como as de Jeremias e do Batista, foram santificadas antes de verem a luz do dia. Ora, o que diríamos de José? (...) [Ele] supera todos os outros santos em dignidade e santidade; somos, pois, livres para conjecturar que, embora não esteja consignado na Escritura, ele deve ter sido santificado antes de seu nascimento e mais cedo que qualquer um dos demais, pois todos os Santos Doutores concordam ao dizer que não houve nenhuma graça concedida a qualquer santo, exceto Maria, que não tenha sido concedida a José. (...) A grande finalidade que Deus tinha em vista ao criar São José, era associá-lo ao mistério da Encarnação (...). Ora, para corresponder a tão elevada vocação, a qual, depois da Virgem Mãe, foi superior a todas as outras, quer dos anjos ou dos santos, José deveria necessariamente ter sido santificado em eminentíssimo grau, para ser digno de assumir sua posição na sublime ordem da União Hipostática, na qual Jesus teve o primeiro lugar e Maria o segundo”.13
Enfim, não desvendará ainda a Teologia insuspeitadas maravilhas na pessoa de São José, o castíssimo chefe da Sagrada Família e Patriarca da Santa Igreja Católica, Apostólica e Romana?
1 LLAMERA, OP, Bonifacio. Teologia de San José. Madrid: BAC, 1953, p.39.
2 “Não se pense que somente quando os anjos viram a Maria no Céu e sentada no trono da glória, A saudaram como Rainha. Não. Desde o primeiro instante de sua vida já Lhe tributaram os devidos obséquios, pelo fato mesmo de que, desde então, transportados em êxtase de admiração, suspiravam por esta Mulher singularíssima, que embora vinda de um deserto, se apresentava cheia de graça e de grandeza. Por conseguinte, perguntando-se uns aos outros, e pedindo-se mutuamente a explicação deste grande acontecimento, deste fato único nos anais dos fatos mais extraordinários e solenes, desta indizível maravilha, exclamavam: ‘Quem é esta que sobe do deserto, inebriada de delícias?’ (Ct 8, 5)” (BULDÚ, Ramon [Dir.] Tesoro de oratoria sagrada. 2.ed. Barcelona: Pons, 1883, v.IV, p.326-328.)
3 JOURDAIN, Zèphyr-Clément. Somme des grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Walzer, 1900, t.II, p.321.
4 SAN JUAN CRISÓSTOMO. Hom I in Mat., apud SUÁREZ, SJ, Francisco. Misterios de la Vida de Cristo. Madrid: BAC, 1948, v.V, p.254.
5 Cf. TUYA, OP, Manuel de. Bíblia Comentada – Evangelios. Madri: BAC, 1964, v.V, p.27-28.
6 JOURDAIN, op. cit., p.323
7 FILLION, Louis-Claude. La Sainte Bible commentée. Paris: Letouzey et Ané, 1912, t.VII, p.25.
8 LLAMERA, op. cit., p.120.
9 BOVER. De cultu S. Joseph amplificando, p.32. Barcelona: 1928, apud Llamera, op. cit., p.132.
10 Cf. LLAMERA, op. cit., p.137-138.
11 GARRIGOU-LAGRANGE, Réginald. La Mère du Sauveur et notre vie intérieure, p.III, c.VII.
12 LLAMERA, op. cit., p.120.

13 THOMPSON, Edward Healy. The Life and Glories of Saint Joseph. London: Burns & Oates, 1888, p.41.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Evangelho IV Domingo do Advento – Ano A – 2013 – Mt 1, 18-24

Continuação dos comentários ao Evangelho – 4º Domingo do Advento  - Ano A  – 2013 – Mt 1, 18-24
21a “Ela dará à luz um filho, e tu lhe darás o nome de Jesus,...”.
Logo depois de revelar-lhe a miraculosa maternidade de Maria, o anjo dirige-se a São José como verdadeiro chefe da família, a quem compete dar o nome à criança. Trata-se do reconhecimento de sua participação no magno acontecimento da Encarnação: apesar de não haver contribuído em nada fisicamente para aquela concepção, e embora sendo inferior a Jesus e Maria no plano sobrenatural, é-lhe reconhecido o direito, como esposo, sobre o fruto das entranhas de sua mulher.
Cumpre-se a profecia de Isaías
21b “... pois Ele vai salvar o seu povo dos seus pecados”.
As primeiras palavras do anjo haviam salientado o acerto da atitude heroicamente virtuosa de São José quando, considerando estar diante de uma manifestação sobrenatural cujo significado ele não alcançava, decidiu guardar silêncio e confiar na Providência Divina.
Mas, aqui, a realidade surge mais grandiosa do que ele poderia ter imaginado. O Menino “vai salvar o seu povo dos seus pecados”, disse-lhe o anjo. Ora, isto só é possível a Alguém divino. Deixa assim patente o mensageiro celeste que o filho por nascer de Maria era não só Filho do Altíssimo, mas também Deus Ele próprio.
Com base simplesmente nas profecias do Antigo Testamento, ninguém poderia afirmar que o Messias, o Justo, seria o próprio Criador! Pois a Encarnação do Verbo, a Redenção e a participação do homem na natureza divina, pela graça, são verdades inacessíveis à mente humana pelo mero concurso da razão.
Ademais, ao dizer “vai salvar o povo dos seus pecados”, aponta bem o anjo a diferença entre a missão sobrenatural do Messias e a ilusão mundana, nutrida pelos fariseus, de uma libertação do jugo dos romanos e de uma supremacia temporal do Povo Eleito. “O meu Reino não é deste mundo”, dirá mais tarde Nosso Senhor (Jo 18, 36).
22 “Tudo isso aconteceu para se cumprir o que o Senhor havia dito pelo profeta: 23 ‘Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho. Ele será chamado pelo nome de Emanuel, o que significa: Deus está conosco’”.

As palavras do anjo a São José haviam confirmado de modo irretorquível estar se cumprindo naquele momento a profecia feita por Isaías ao rei Acaz, a qual se encontra na Primeira Leitura da liturgia deste domingo: “Eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho...” (Is 7, 14). O que fora incompreensível para Acaz por causa da sua dureza de coração, o Esposo de Maria compreendeu inteiramente graças à sua robusta e humilde fé.
A obediência exímia de São José
24 “Quando acordou, José fez conforme o anjo do Senhor havia mandado e aceitou sua esposa”.
Bem podemos imaginar que, vencida a provação, ao acordar de manhã foi São José logo adorar a Jesus Cristo no seu primeiro e mais santo Sacrário: Maria Santíssima. Deus tinha Se encarnado e ali estava, sob sua guarda! Ele já não mais poderia olhar para Nossa Senhora sem adorar o Deus-Menino entronizado naquele incomparável Tabernáculo.
É de supor-se que, sem dizer palavra alguma, ele tenha se ajoelhado diante de Nossa Senhora. Ela teria discernido, por esse ato de seu esposo, que Deus lhe comunicara a grande nova, e deve ter dado graças ao Senhor.
Sem dúvida São José, depois de atravessar, com admirável paz de alma, uma terrível e lancinante provação, teve esse momento gloriosíssimo da adoração ao Menino Jesus vivendo em Maria.
Continua...

domingo, 15 de dezembro de 2013

Evangelho IV Domingo do Advento – Ano A – 2013 – Mt 1, 18-24

Continuação dos comentários ao Evangelho – 4º Domingo do Advento  - Ano A  – 2013 – Mt 1, 18-24
José decide abandoná-La em segredo
19a “... e, não querendo denunciá-La, resolveu abandonar Maria em segredo”.
Segundo a lei mosaica, estando Maria para dar à luz sem a menor participação dele, devia José adotar uma das quatro atitudes seguintes: a primeira era denunciar a Esposa a um tribunal, pedindo anulação dos esponsais; a segunda, levá-La para sua casa, como se fosse o pai do nascituro; a terceira, repudiá-La publicamente, embora escusando-A e sem pedir castigo; e a quarta, emitir libelo de repúdio em privado, diante de duas testemunhas e sem alegar os motivos.5 Ora, qualquer dessas hipóteses era impensável para São José, pois em todas ficaria lesada a honra de Nossa Senhora.
Havia, entretanto, uma quinta saída: fugir, abandonando a esposa grávida, subtraindo-se assim às obrigações impostas pela Lei. Deste modo, assumiria sobre si a infâmia de ter abandonado sem motivo a esposa inocente e o futuro filho, ficando ele mal perante a sociedade. Foi esta a sua escolha.
Ademais, como bem aponta uma importante corrente de comentaristas, diante de mistérios sobrenaturais de tal maneira impenetráveis, São José sentia-se cada vez menos merecedor do sublime convívio com Maria Santíssima e o Filho que d’Ela iria nascer. Assim entende, por exemplo, o padre Jourdain: “José quis afastar-se de Maria por julgar-se indigno de viver na companhia de uma virgem tão santa”.6
Silêncio motivado pela humildade
Bem se compreende que José tenha resolvido abandonar Maria “em segredo”, a fim de pô-La a salvo de qualquer suspeita. Mas, por que ocultar-Lhe essa decisão? Somente um extremo de delicadeza, próprio das almas mais alcandoradas, pode nos explicar esse silêncio: receava colocar sua Esposa na contingência de expor-lhe aquele mistério que ele, por humildade, julgava não ser digno de conhecer.
Na viagem de volta da casa de Santa Isabel, possivelmente, meditava São José sobre tudo isso em seu coração, e ao chegar a Nazaré foi dormir, na paz, com a disposição de no dia seguinte partir às ocultas. Nossa Senhora, por sua vez, tendo ciência infusa, discernia o que se passava na alma do esposo, e rezava. Que admirável equilíbrio de alma o do santo Patriarca, capaz de, nessas circunstâncias, conciliar o sono! Quão extraordinária virtude a desse incomparável varão, cuja alma a Providência acrisolava com o sofrimento, a fim de melhor prepará-lo para o seu papel de pai jurídico de Jesus e guardião da Sagrada Família!
O anjo do Senhor resolve o impasse
O episódio da provação de São José é dos mais pungentes e grandiosos já havidos, em matéria de confiança. Nele, esta virtude é eximiamente praticada tanto por Nossa Senhora em relação a Deus e a seu esposo, como por este em relação a Deus e a Ela.
Ambos souberam manter um silêncio humilde e confiante. Vejamos como resolveu a Providência o impasse criado por esses dois silêncios que se entrecruzaram...
20a “Enquanto José pensava nisso, eis que o anjo do Senhor apareceu-lhe, em sonho, e lhe disse: ‘José, filho de Davi ...’”.
Frisando ser José, como Maria, filho de Davi, o anjo evoca a promessa divina de que Cristo nasceria dessa linhagem, ou seja, da mais nobre estirpe do Povo Eleito. Afirmação esta que Fillion leva mais longe ainda, ao escrever: “José era então o principal herdeiro de Davi”.7
Aparece aqui um importante elemento para bem avaliarmos o papel de São José na Sagrada Família e na própria ordem da Encarnação. Assim como Deus escolheu desde toda a eternidade a Mãe da qual nasceria Jesus, algo semelhante fez com aquele que seria o pai nutrício do Verbo Encarnado, dotando-o dos mais altos atributos, inclusive do ponto de vista natural.
O anjo dissipa a provação de São José
20a “... não tenhas medo de receber Maria como tua esposa, porque Ela concebeu pela ação do Espírito Santo”.

Para dissipar a provação de José a respeito de sua insuficiência no campo sobrenatural em relação à santidade de Maria, o anjo o convida a não ter medo de recebê-La como esposa. Ao anunciar-lhe que Maria concebera pelo Espírito Santo, mostrava-lhe também não estar Ela — como, aliás, nenhuma criatura humana — à altura desse sublime Mistério. Portanto, o Paráclito que A escolheu haveria de dar-Lhe as graças para o cumprimento de sua incomparável missão. E o mesmo se passaria com ele, José.
Continua...