-->

sábado, 26 de outubro de 2013

Evangelho XXXI Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 - Lc 19, 1-10

Continuação dos comentários ao Evangelho 31º Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 - Lc 19, 1-10
A admiração leva a vencer o respeito humano
3b “...mas não conseguia porque era muito baixo. 4 Então, ele correu à frente e subiu numa figueira para ver Jesus, que devia passar por ali”.
O Mestre entrara em Jericó seguido de uma multidão alvoroçada pelo estupendo milagre da cura do cego que pedia esmolas à beira do caminho (cf. Lc 17, 36).6 Segundo o padre Duquesne, as ruas por onde Jesus haveria de passar mal podiam conter a aglomeração daqueles que aguardavam sua passagem.7 Debalde procurava Zaqueu uma brecha naquela turba para satisfazer seu anseio de ver o Senhor.
Não é frequente os Evangelistas descreverem características físicas de alguém. Assim, por exemplo, não sabemos ao certo a altura de Pedro nem se João usava barba. Sem embargo, São Lucas — que inclui em seu relato observações feitas sob um prisma médico — nos informa ser esse publicano “muito baixo”, dado fundamental para bem compreendermos o que acontecerá logo a seguir.
Os pequenos de estatura são, não raras vezes, muito ágeis e espertos. Além disso, Zaqueu, a julgar pela narração do Evangelho, parece ser ainda relativamente jovem. À procura de um posto de observação favorável, corre à frente e sobe numa figueira, indicando com essa atitude que seu grande empenho em ver Jesus não resultava de mera curiosidade.
Zaqueu não era um homem tosco. Tinha numerosos empregados a seu serviço e estava acostumado a fazer cálculos. Uma pessoa de sua projeção social precisava de um motivo muito forte para trepar numa árvore “como um camponês qualquer”, observa acertadamente Willam.8 E, mais ainda, para se expor à vista de um público cuja hostilidade lhe era manifesta.
O Evangelho não entra no detalhe de quanto tempo permaneceu ele à espera em cima da figueira. Pode-se, contudo, conjecturar que foi considerável, pois Nosso Senhor caminhava lentamente, cercado pela multidão, detendo-Se por vezes para atender um doente, dar um conselho, responder a alguma pergunta. 
Nesse período, a atitude de Zaqueu foi uma verdadeira demonstração de pertinácia, confiança e combate ao respeito humano. Com efeito, quantos desaforos e chacotas não teve de suportar do alto da árvore o chefe dos publicanos! E se o fez foi porque, conforme comenta o padre Duquesne, “no fundo de seu coração, alguma esperança sustentava sua coragem, sem ele ter uma ideia clara a esse respeito. Indubitavelmente, desejava ser notado pelo Salvador, e queria que Ele conhecesse todas as disposições de sua alma”.9
A avidez do lucro e o apego ao dinheiro costumam diminuir e embotar a capacidade de admiração nas pessoas. Ora, ao que parece, Zaqueu não se deixara dominar completamente pela ambição, pois, apesar de ser cobrador de impostos e muito rico, dará provas de possuir um notável desprendimento e espírito admirativo. Essa ousada atitude de subir na figueira, ele a tomou, sem dúvida, movido por uma graça de enlevo por Nosso Senhor.
Uma interessante interpretação sobre o aspecto simbólico do gesto de Zaqueu, nos é dada pelo padre Maldonado ao comentar que “a turba deste mundo nos impede de reconhecer o Senhor; precisamos deixá-la e calcá-la aos pés, para nos elevarmos a uma virtude superior e ver do alto a Cristo”.10
O episódio apresenta ainda outro belo significado, uma lição para todos: quando nos sentirmos pequenos, devemos procurar Jesus, sobretudo no Santíssimo Sacramento, exposto no ostensório. Esse desejo de estar com Ele bastará para movê-Lo a apiedar-Se de nós e dar-nos aquilo de que nossas almas mais necessitam.
Continua no próximo post.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Evangelho XXXI Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 - Lc 19, 1-10

Comentários ao Evangelho 31º Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 - Lc 19, 1-10
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
Evangelho Lc 19, 1-10
Naquele tempo, 1 Jesus tinha entrado em Jericó e estava atravessando a cidade. 2 Havia ali um homem chamado Zaqueu, que era chefe dos cobradores de impostos e muito rico. 3 Zaqueu procurava ver quem era Jesus, mas não conseguia porque era muito baixo. 4 Então, ele correu à frente e subiu numa figueira para ver Jesus, que devia passar por ali. 5 Quando Jesus chegou ao lugar, olhou para cima e disse: ‘Zaqueu, desce depressa! Hoje Eu devo ficar na tua casa’. 6 Ele desceu depressa, e recebeu Jesus com alegria. 7 Ao ver isso, todos começaram a murmurar, dizendo: ‘Ele foi hospedar-Se na casa de um pecador!’. 8 Zaqueu ficou de pé, e disse ao Senhor: ‘Senhor, eu dou a metade dos meus bens aos pobres e, se defraudei alguém, vou devolver quatro vezes mais’. 9 Jesus lhe disse: ‘Hoje a salvação entrou nesta casa, porque também este homem é um filho de Abraão. 10 Com efeito, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido’” (Lc 19, 1-10).
O homem tem necessidade de admirar
O final do século XIX acompanhou assombrado o ingente esforço de uma menina norte-americana que marcaria a História. Acometida de grave doença aos 18 meses de idade, Helen Adams Keller (1880-1968) perdeu completamente a visão e a audição. Ficou, assim, reduzida a um triste isolamento, sem possibilidade de conhecer o exterior, a não ser pelo tato, olfato e paladar.
Essa trágica e silenciosa noite de sua mente poderia ter se perpetuado por toda a vida, se não fosse o providencial encontro com uma genial educadora, Anne Mansfield Sullivan, que conseguiu ensinar-lhe a linguagem das mãos, o alfabeto braile e, por fim, a falar fluentemente.
Depois de indizíveis dificuldades, Helen chegou a dominar o francês e o alemão, com boa pronúncia. Cursou faculdade, percorreu o mundo dando palestras e escreveu livros. Anos a fio, ela desenvolveu um quase inacreditável labor, impelida pela ânsia de se relacionar com os outros, movimento natural de todo ser humano, dotado de instinto de sociabilidade.
Ora, assim como pelo heliotropismo as plantas crescem à procura da luz, também as almas necessitam abrir-se à contemplação das criaturas para, a partir delas, subir até o Criador.
Não foi diferente com Helen Keller, a qual crivava a sua mestra com perguntas como estas: O que faz o sol ser quente? Onde estava eu antes de vir para minha mãe? Os passarinhos e os pintos saem do ovo: de onde vem o ovo? Quem fez Deus? Onde está Deus? A senhora já viu Deus?1
Estas são questões que revelam como a alma aspira inelutavelmente chegar à Causa Primeira de tudo, a partir das causas segundas. Pois há em nós uma inata tendência para Deus — que, por analogia, poderíamos chamar de teotropismo — a qual nos leva a fazer correlações, transcendendo da escala natural à sobrenatural. Nesse sentido, ensina São Tomás: “permanece no homem, ao conhecer o efeito, o desejo de saber que este efeito tem uma causa e de saber o que é a causa. Esse desejo é de admiração e causa a inquirição”.2
Ora, como tudo quanto há no universo espelha em alguma medida o Criador, o movimento ordenado da alma é deixar-se atrair pelos reflexos de verdade, beleza e bem, presentes nas criaturas.
Assim, todos devemos procurar tornar nossa alma muito propensa à admiração, de forma a, deparando-nos com algo que é elevado, santo, nobre ou simplesmente reto, nos encantarmos e remontarmos à Causa suprema. E, com toda a evidência, essa admiração cabe, sobretudo, em relação ao Homem-Deus, à sua Mãe Santíssima e à Santa Igreja.
Um publicano chamado Zaqueu
Naquele tempo,1 Jesus tinha entrado em Jericó e estava atravessando a cidade”.
Nosso Senhor Se dirige a Jerusalém para sofrer a Paixão. Ainda pouco antes de chegar a Jericó, o tinha anunciado aos seus discípulos pela terceira vez, mas eles “nada compreenderam de tudo isso: o sentido da palavra lhes ficava encoberto e eles não entendiam o que lhes era dito” (Lc 18, 34).
Pelo contrário, os seguidores de Jesus, entre eles os próprios Apóstolos, julgavam estar Ele a caminho da Cidade Santa para fazer um grande milagre, pelo qual Israel seria libertado do jugo romano.
É nesse clima de expectativa e otimismo que o Divino Mestre vai ser recebido em Jericó.
Ódio dos judeus pelos publicanos
2“Havia ali um homem chamado Zaqueu, que era chefe dos cobradores de impostos e muito rico”.
Inteligentes, sagazes e dotados de forte senso organizativo, os romanos instituíram como cobradores de impostos, em Israel, funcionários judeus. Por conhecerem melhor seus conterrâneos, estavam estes em condições de garantir maior receita para os cofres de César, apesar de um quase inevitável desvio de recursos, pois quem se prestava a exercer essa função, naquelas circunstâncias, não costumava primar pela retidão de alma.
Naturalmente, os judeus que aceitavam tal encargo eram considerados traidores e “cofautores da dominação romana”,3 sendo odiados por toda a sociedade hebraica. O próprio nome da função — publicano — despertava repulsa.
Ora, precisamente o chefe dos cobradores de impostos da região, Zaqueu, homem muito rico, será o protagonista desta cena evangélica. Comandar o grêmio mais detestado pelos seus patrícios equivalia a ser considerado ladrão entre os ladrões, ou seja, líder daqueles que faziam fortuna à custa da exploração do povo. Podemos, portanto, bem conjecturar o quanto era ele objeto de desprezo.
Semente de salvação
3a“Zaqueu procurava ver quem era Jesus, ...”
Não obstante, aquele publicano vai mostrar nesta passagem do Evangelho um fundo de alma muito bom.
Movido certamente pela graça, manifestava-se desejoso de ver o Divino Mestre e até, se possível, Lhe dirigir a palavra. Sentia, sem dúvida, a consciência pesada, mas ao mesmo tempo desabrochava em seu interior uma crescente admiração por Jesus. Como bem aponta São Cirilo, “germinava nele uma semente de salvação”.4
Donde vinha a um homem dessa profissão um tão vivo desejo?”, pergunta-se o padre Duquesne. “Ah! Seu coração devia estar agitado por numerosos movimentos os quais, sem dúvida, ele mesmo não conseguia distinguir bem. Esse desejo, que procedia do alto, não era sem um princípio de fé, e não podia deixar de ser acompanhado de estima, de respeito e de amor ao Salvador”.5
Continua no próximo post

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Evangelho XXX Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013

Conclusão dos comentários ao Evangelho 30º Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013




Inútil oração do fariseu
11 O fariseu, de pé, orava no seu interior desta forma: “Graças Te dou, ó Deus porque não sou como os outros homens, ladrões, injustos, adúlteros; nem como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de tudo o que possuo.”
Será difícil crer não ter sido real essa oração. Em sua divindade, quantas vezes não recebeu Jesus, das criaturas humanas, pensamentos semelhantes ou até mais orgulhosos do que esse? Pode-se falar em oração? Não! Trata-se de um profundo ato de orgulho, de um auto-elogio, e de um insolente desprezo pelos demais homens.
Graças Te dou...” Nada melhor do que dar graças a Deus. É piedoso e meritório, mas essa impostação de espírito deve proceder da consideração de nosso nada, de um vigoroso sentimento de nossas fraquezas e misérias, como também da adoração a Deus por Sua infinita misericórdia, não só suspendendo os castigos que nos seriam devidos, mas muito pelo contrário, cumulandonos de dons e graças.
Não é, porém, essa a ação de graças do fariseu; ele se exalta a si próprio e insulta todos os outros. “Procura o que é que ele pede a Deus em suas palavras, e não descobrirás. Subiu ao Templo para orar e não quis rogar a Deus, mas sim louvar-se a si mesmo. Triste coisa é louvar-se em vez de rogar a Deus; além disso, acrescenta o menosprezo àquele que orava” 10. “Com isso, abriu pelo orgulho a cidade do seu coração aos inimigos que a sitiavam, a qual ele inutilmente fechara pela oração e pelo jejum: são inúteis todas as fortificações quando nelas há uma brecha por onde pode entrar o inimigo” 11.
A oração humilde salvou o publicano pecador
13 O publicano, porém, conservando-se à distância, não ousava nem sequer levantar os olhos ao céu, mas batia no peito dizendo: “Meu Deus, tende piedade de mim, pecador.”
Atitude, espírito e palavras completamente diferentes das assumidas e formuladas pelo fariseu. No publicano, tudo é humildade, contrição e pedido de clemência. Usando de um costume que já não se vê mais nas Igrejas, batia no peito sem respeito humano. Contrariamente às “modas piedosas” de hoje, nada de leviandade de espírito, de dissipação ou de perpétua agitação; falava a Deus. Bem diferente de outros que na atualidade, entram nas Igrejas sem ter feito uma oração sequer. Muitos exemplos nos dá o publicano, inclusive no que tange à substância de seu pedido: “Meu Deus, tende piedade de mim que sou pecador”.
Sentença proferida por Jesus
14 Digo-vos que este voltou justificado para sua casa e o outro não; porque quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado.
Na hora de entrar no Templo, os dois personagens, embora pertencendo a categorias religiosas e sociais diferentes, eram, no fundo, muito semelhantes. Na hora de sair, são radicalmente diferentes. Um estava ‘justificado’, ou seja, era justo, perdoado, estava em paz com Deus, tinha sido renovado. O outro permaneceu como era no início; mais ainda, talvez tenha piorado sua posição perante Deus. Um obteve a salvação, o outro não” 12.
Fixemos bem nossa atenção: trata-se aqui de uma sentença proferida pelo infalível e soberano Juiz, o próprio Filho de Deus, não poucas vezes diferente da dos homens. Se, sem as luzes da graça fôssemos chamados a escolher um dos apóstolos para se tornar o primeiro dos Pontífices da Santa Igreja, não seria exagerado imaginar que a uns julgaríamos pretensiosos, a outros, pouco ativos, ao próprio Pedro, exagerado e imprudente. Quiçá, antes de se tornar traidor, não teríamos escolhido a Judas pela sua grande discrição, segurança e habilidade em finanças, tanto mais que ele chegou a criticar Madalena pelo desperdício de dinheiro em perfumes para o Mestre, quando havia, então, muitos pobres e necessitados. Por aí nos damos conta do que seria da própria Igreja se não fosse o Espírito Santo a dirigi-la; e do que será de nós se não nos submetermos às Suas inspirações.
A humildade levou ao céu um ladrão
A liturgia de hoje bem pode nos ser útil para um proveitoso exame de consciência: até onde somos humildes como o publicano? Ou haverá em nossas almas, alguma fímbria do espírito farisaico? Qualquer que seja o resultado desse exame, lembremo-nos de que: “A humildade levou ao Céu um ladrão, antes dos Apóstolos. Ora, se unida aos crimes ela é capaz de tanto, qual não seria seu poder se estivesse unida à justiça? E se a soberba é capaz de quebrar a justiça, o que não conseguirá caso se aliae ao pecado?” 13.
1) AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica II-II q. 161 a. 1 ad 3. 2 ) Idem, ibidem, a. 2 c. 3 ) Cf. Suca, fol. 452 4 ) Cf. Las Moradas, Morada sexta, c. 10, § 6-7. 5 ) Ibidem. 6 ) AQUINO, São Tomás de. Ibidem, a. 3 ad 1. 7 ) Idem, ibidem, a. 6 ad 1. 8 ) AGOSTINHO, Santo. Serm. 115, 2. 9 ) Idem.De peccatorum meritis et remissione, liv. II, 8. 10 ) Idem. Serm. 115, 2. 11 ) GREGÓRIO, São apud São Tomás de Aquino. Catena Aúrea. 12 ) CANTALAMESSA, Pe. Raniero. Echad las Redes — Reflexiones sobre los Evangelios — Ciclo C, EDICEP C.B., Valência, 2003, p. 333. 13) A LÁPIDE, Cornélio. In Luc. In: The great commentary of Cornelius a Lapide. S. Luke´s Gospel. 3.ed. London: John Hodges, 1903, p.447.