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sexta-feira, 28 de junho de 2013

Evangelho Solenidade de São Pedro e São Paulo Mt 16, 13-19 Ano C 2013

Comentário ao Evangelho – Solenidade de São Pedro e São Paulo Mt 16, 13-19
 Ao chegar à região de Cesaréia de Filipe, Jesus fez a seguinte pergunta aos seus discípulos: “Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?” Eles responderam: “Uns dizem que é João Batista; outros, que é Elias; e outros, que é Jeremias ou algum dos profetas”. Perguntoulhes de novo: “E vós, quem dizeis que Eu sou?”. Tomando a palavra, Simão Pedro respondeu: “Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo”. Jesus disse-lhe em resposta: “És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no Céu. Também Eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno nada poderão contra ela. Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu; tudo o que ligares na Terra ficará ligado no Céu e tudo o que desligares na Terra será desligado no Céu” (Mt 16, 13-19).
A Pedra Inabalável
Um simples pescador da Betsaida proclama que o filho de um carpinteiro é realmente o Filho de Deus, por natureza. Ali é plantado o grão de mostarda, do qual nasceria a Santa Igreja Católica Apostólica e Romana.
Considerações iniciais
Difícil é encontrar alguém que nunca tenha comprovado a consonância da sonoridade obtida através de cristais harmônicos. Basta um simples golpe, em um só deles, para os outros ressoarem em concomitância. É, até, uma prova para se conhecer a autenticidade destas ou daquelas taças.
Assim, também, no campo das almas. Discernimos a que é entranhadamente católica e com facilidade a diferenciamos da tíbia, atéia ou herética, quando fazemos “soar” uma simples nota: o amor ao Papado, seja quem for o Papa. Tornam-se encandescidas as almas fervorosas, indiferentes as tíbias, indispostas algumas, etc.
Pois esta é a matéria do Evangelho de hoje. A fim de nos prepararmos para contemplar as perspectivas que ele nos manifesta, ocorreu-nos reproduzir as considerações transcritas a seguir. Poderemos, assim, ter uma noção da qualidade do “cristal” de nossa alma:
“Tudo quanto na Igreja há de santidade, de autoridade, de virtude sobrenatural, tudo isto, mas absolutamente tudo sem exceção, nem condição, nem restrição, está subordinado, condicionado, dependente da união à Cátedra de São Pedro. As instituições mais sagradas, as obras mais veneráveis, as tradições mais santas, as pessoas mais conspícuas, tudo enfim que mais genuína e altamente possa exprimir o Catolicismo e ornar a Igreja de Deus, tudo isto se torna nulo, maldito, estéril, digno do fogo eterno e da ira de Deus, se separado do Romano Pontífice. Conhecemos a parábola da videira e dos sarmentos. Nessa parábola, a videira é Nosso Senhor, os sarmentos são os fiéis. Mas como Nosso Senhor Se ligou de modo indissolúvel à Cátedra Romana, pode-se dizer com toda segurança que a parábola seria verdadeira entendendo-se a videira como a Santa Sé, e os sarmentos como as várias Dioceses, Paróquias, Ordens Religiosas, instituições particulares, famílias, povos e pessoas que constituem a Igreja e a Cristandade. Isto tudo só será verdadeiramente fecundo na medida em que estiver em íntima, calorosa, incondicional união com a Cátedra de São Pedro.
“‘Incondicional’, dissemos, e com razão. Em moral, não há condicionalismos legítimos. Tudo está subordinado à grande e essencial condição de servir a Deus. Mas, uma vez que o Santo Padre é infalível, a união a seu infalível magistério [só] pode ser incondicional.
“Por isto, é sinal de condição de vigor espiritual, uma extrema susceptibilidade, uma vibratilidade delicadíssima e vivaz dos fiéis por tudo quanto diga respeito à segurança, glória e tranqüilidade do Romano Pontífice. Depois do amor a Deus, é este o mais alto dos amores que a Religião nos ensina. Um e outro amor se confundem até. Quando Santa Joana d’Arc foi interrogada por seus perseguidores que a queriam matar, e que para isto procuravam fazê-la cair em algum erro teológico por meio de perguntas capciosas, ela respondeu: ‘Quanto a Cristo e à Igreja, para mim são uma só coisa’. E nós podemos dizer: ‘Para nós, entre o Papa e Jesus Cristo não há diferença’. Tudo o que diga respeito ao Papa diz respeito direta, íntima, indissoluvelmente, a Jesus Cristo”1.
O Evangelho: “Tu es Petrus”
Pergunta de Jesus e circunstância em que foi feita
Ao chegar à região de Cesaréia de Filipe, Jesus fez a seguinte pergunta aos seus discípulos: “Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?”.
A cidade na qual se desenvolve o Evangelho de hoje havia sido construída pelo tetrarca Filipe que, para angariar a simpatia do imperador César Augusto, deu-lhe o nome de Cesaréia. Desconhece a História o exato percurso empreendido pelo Senhor e pelos Apóstolos àquela altura dos acontecimentos; a hipótese mais provável é a de que tenham atravessado a via de Damasco a Jerusalém, perto da ponte das Filhas de Jacó. O território onde nasce o rio Jordão, compreendido entre Julias e Cesaréia, é rochoso, solitário e acidentado. Foi nessa localidade montanhosa e pétrea que Herodes, o Grande, erigiu um vistoso templo de mármore branco em homenagem ao imperador César Augusto. Calcando as pedras da região, e talvez à vista do tal templo sobre o alto das rochas, foi que se estabeleceu o diálogo durante o qual se tornaram explícitas para os Apóstolos a natureza divina de Jesus e a edificação da Santa Igreja.
Convém não esquecermos o quanto a divina pedagogia de Jesus escolhia os acidentes da natureza sensível para efeito didático, e assim poderem seus ouvintes ter melhor compreensão das realidades invisíveis do universo da Fé. A esse respeito, seriam inúmeros os casos a serem citados, mas basta-nos lembrar o modo pelo qual Ele convocou os dois irmãos pescadores, Pedro e André: “Segui-me e Eu farei de vós pescadores de homens” (Mt 4, 19). Não se trata, portanto, de nos basearmos em razões meramente poéticas para supor que o desenrolar dessa conversa verificou-se sobre as pedras; há por detrás, um elevado teor simbólico. Ali estavam rochas que deviam perpetuar-se, e a contemplação dessas criaturas minerais, fruto de sua onipotência, tornava mais bela a solene profecia da edificação de sua indestrutível Igreja.
Alguns autores ressaltam outro importante aspecto: o fato de Jesus ter escolhido uma região pertencente à gentilidade para manifestar-Se como Filho de Deus e fundar o primado de sua Igreja. Eles interpretam como sendo um prenúncio da rejeição do reino messiânico, pelos judeus, e sua definitiva transferência para os gentios.
“Aconteceu que estando a orar, em particular...” (Lc 9, 18). Conforme nos relata São Lucas, toda a conversa narrada no Evangelho de hoje realizou-se depois de Jesus ter-Se recolhido e deixado “perder-Se”, com suas faculdades humanas, nas infinitudes de seu Pai eterno. Utilizou-Se desse meio infalível de ação, a prece, para conferir raízes e seiva imortais à obra que lançaria.
Segundo a Glosa, “querendo confirmar seus discípulos na Fé, o Salvador começa por afastar de seus espíritos as opiniões e os erros que outros poderiam ter infundido neles” 2; ou seja, convidando-os a terem clara consciência dos equívocos da opinião pública a respeito da identidade dEle, fortificava-lhes as convicções. É curioso o comentário de São João Crisóstomo sobre o caráter “sumamente malicioso” 3 do juízo emitido pelos escribas e fariseus a respeito do Divino Mestre, muito diferente daquele da opinião pública que, apesar de errôneo, não era movido por nenhuma malícia.
Jesus não pergunta o que pensam os outros a respeito dEle, mas sim do Filho do Homem, “a fim de sondar a Fé dos Apóstolos e dar-lhes ocasião de dizer livremente o que sentiam, embora Ele não ultrapassasse os limites daquilo que poderia lhes sugerir sua santa Humanidade” 4. Por todos os conhecimentos que Lhe eram próprios, do divino ao experimental, Jesus sabia quais eram as opiniões que circulavam com relação à Sua figura, não necessitava, portanto, informar-Se; desejava, isto sim, levá-los a proclamar a verdade em contestação aos equívocos da opinião pública.
O povo não considerava Jesus como o Messias
Eles responderam: “Uns dizem que é João Batista; outros, que é Elias; e outros, que é Jeremias ou algum dos profetas”.
Os Apóstolos tinham exata noção do juízo que os “homens” de então faziam a propósito do Divino Mestre. Apesar de todas as evidências, dos milagres, da doutrina nova dotada de potência, etc., o povo não O considerava como o Messias tão esperado. Jesus surgia aos olhos de todos como a ressurreição ou o reaparecimento de anteriores profetas. Não encontravam nEle a eficaz magnificência do poder político, tão essencial para a realização do mirabolante sonho messiânico que os inebriava. Daí imaginarem-No o Batista ressurrecto, ou Elias, enquanto mais especificamente um precursor, ou até mesmo um Jeremias, lídimo defensor da nação teocrática (cf. 2 Mac 2, 1-12). Vê-se claramente neste versículo como o espírito humano é inclinado ao erro e como facilmente se distancia dos verdadeiros prismas da salvação. Mas, pelo menos, aqueles seus contemporâneos ainda discerniam algo de grandioso em Jesus. Seria interessante nos perguntarmos como Ele é visto pela humanidade globalizada, cientificista e relativista de nossos dias.
Pedro O reconhece como Filho de Deus
Perguntou-lhes de novo: “E vós, quem dizeis que Eu sou?”
Bem sublinha São João Crisóstomo a essência desta segunda pergunta 5. Sem refutar os erros de apreciação dos outros, Jesus quer ouvir dos próprios lábios de seus mais íntimos o juízo que dEle fazem. Para lhes tornar fácil a proclamação de Sua divindade, não usa aqui o título humilde de Filho do Homem.
Tomando a palavra, Simão Pedro respondeu: “Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo”.
Pedro falava como intérprete da opinião de todos, por ser o mais fervoroso e o principal 6, embora não fosse a primeira vez que Jesus era reconhecido como Filho de Deus. Já Natanael (cf. Jo 1, 49), os Apóstolos após a tempestade no mar de Tiberíades (cf. Mt 14, 33) e o próprio Pedro (cf. Jo 6, 69) haviam externado essa convicção.
Sola fides! Aqui não há elemento algum emocional ou sensível, como em circunstâncias anteriores. Em meio às rochas frias de um ambiente ecológico, longe de acontecimentos arrebatadores e da agitação das turbas ou das ondas, só a voz da Fé se faz ouvir.
“Certíssimo argumento é que Pedro chamou a Cristo de Filho de Deus por natureza, quando O contrapôs a João, a Elias, a Jeremias e aos profetas, os quais foram — claro está — filhos de Deus por adoção” 7. Ademais, como comenta o mesmo Maldonado, Pedro dá a Deus o título de “vivo” para distingui-Lo dos deuses pagãos que são substâncias mortas. E, por fim, o artigo — como sói acontecer na língua grega — antecedendo o substantivo “filho”, designa “filho único” segundo a natureza, e não um entre vários.
A ciência humana não tem força para atingir a união hipostática
Jesus disse-lhe em resposta: “És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no Céu”.
Ao felicitar seu Apóstolo, Jesus avalia a afirmação de Pedro a respeito de sua filiação e, portanto, de sua natureza divina e consubstancialidade com o Pai. Sobre este particular são unânimes os comentaristas. Era um costume judaico indicar a filiação da pessoa para ressaltar sua importância; neste caso concreto havia a intenção de manifestar o quanto “Cristo é tão naturalmente o Filho de Deus como Pedro é filho de Jonas, quer dizer, da mesma substância daquele que o engendrou”8.
As palavras de Pedro não são fruto de um raciocínio com base num simples conhecimento experimental. Não haviam sido poucas as curas logo após as quais os beneficiados conferiam com exclamações ao Salvador o título de “Filho de Davi” (cf. Mt 15, 22; Mc 10, 47, etc.), conhecido como um dos indicativos do Messias. Os próprios demônios, ao se encontrarem com Ele, proclamavam-No “o Santo de Deus” (Lc 4, 34), “o Filho de Deus” (Lc 4, 41), “Filho do Altíssimo” (Lc 8, 28; Mc 5, 7). Ele mesmo declarara ser “dono do sábado” (Mt 12, 8), e após a multiplicação dos pães a multidão queria aclamá-Lo “Rei” (Jo 6, 15). Assim como estas, muitas outras passagens poderiam facilmente nos indicar as profundas impressões produzidas por Jesus sobre seus discípulos 9. Porém, em nenhuma ocasião anterior Pedro recebeu tal elogio saído dos lábios do Salvador. Nesta passagem, ele “é feliz porque teve o mérito de elevar seu olhar além do que é humano e, sem deter-se no que provinha da carne e do sangue, contemplou o Filho de Deus por um efeito da revelação divina e foi julgado digno de ser o primeiro a reconhecer a Divindade de Cristo”10.
Portanto, a afirmação de Pedro se realizou com base num discernimento penetrante, luzidio e abarcativo da natureza divina do Filho de Deus. A ciência, a genialidade ou qualquer outro dom humano não têm força suficiente para atingir os páramos da união hipostática realizada no Verbo Encarnado. É indispensável ser revelada pelo próprio Deus e aceita pelo homem. Mas o homem sem Fé aferra-se às suas próprias idéias, tradições e estudos, rejeitando, às vezes, as provas mais evidentes, como o são os milagres. Para este, Jesus não passa — e quando muito — de um sábio ou de um profeta. Haverá também aqueles que não O verão senão como “o filho do carpinteiro” (Mt 13, 55).
Essa é a nossa Fé ensinada pela Igreja, revelada pelo próprio Deus, anunciada pelo Filho, o enviado do Pai, e confirmada pelo Espírito Santo, enviado pelo Pai e pelo Filho. As verdades da Fé não são fruto de sistemas filosóficos, nem da elaboração de grandes sábios.
Jesus edifica Sua Igreja sobre Pedro
Também Eu te digo: “Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno nada poderão contra ela”.
Foi indispensável e excelente ter afirmado Orígenes inspiradamente: “Nosso Senhor não precisa se é contra a pedra sobre a qual Cristo construiu sua Igreja ou se é contra a própria Igreja, construída sobre a pedra, que as portas do inferno não prevalecerão. Mas é evidente que elas não prevalecerão nem contra a pedra nem contra Igreja”11. Sim, porque para destruir essa pedra, ou seja, o Vigário de Jesus Cristo na Terra, muitos esforços e diligências de um considerável número de hereges têm sido empregados, na tentativa de abalar o sagrado edifício da Igreja a partir de seu fundamento, o qual é a alegria, consolo e triunfo dos verdadeiros católicos. Nesse “edificarei” se encontra o real anúncio do Reino de Jesus. O grande e divino desígnio começa a se delinear nesse nome, até então nunca usado: “minha Igreja”.
O plano de Jesus é proclamado sobre as rochas de Cesaréia, pelo próprio Filho de Deus, que Se apresenta como um divino arquiteto a erigir esse edifício indestrutível, grandioso e santíssimo, a sociedade espiritual, constituída por homens: militante na Terra, padecente no Purgatório, triunfante no Céu. O conjunto de todos aqueles que se unem debaixo da mesma Fé, nesta Terra, chama-se Igreja. Desta, o fundamento é Pedro e todos os seus sucessores, os romanos pontífices, pois, caso contrário, não perduraria a existência do edifício. Eis um ponto vital de nossa Fé: “o fato da Igreja estar edificada sobre o próprio Pedro” que aliás — “é admitido por todos os autores antigos, excepto os hereges”12.
Um só corpo e um só espírito em torno do Sucessor de Pedro
“Há na Igreja muitas pessoas constituídas em autoridade, às quais devemos estar unidos pela obediência. No entanto, toda essa variedade precisa reduzir-se a um prelado primeiro e supremo, em quem principalmente se concentre o principado universal sobre todos. Deve reduzir-se não só a Deus e a Cristo, mas também a Seu vigário; e isto não por estatuto humano, mas por estatuto divino, mediante o qual Cristo constituiu São Pedro príncipe dos Apóstolos, estabelecidos estes, por sua vez, como príncipes na Terra. E Cristo fez isso convenientissimamente, por assim o exigirem a ordem da justiça universal, a unidade da Igreja e a estabilidade, tanto dessa ordem, quanto dessa unidade” 13.
O “Tu es Petrus ...” será aplicado a todos os escolhidos em conclave para se sentarem na Cátedra da Infalibilidade. Assim, morreu Pedro, mas não o Papa; e é em torno dele que a Igreja mantém a sua unidade.
“Fácil é a prova que confirma a Fé e compendia a verdade. O Senhor fala a São Pedro e lhe diz: ‘Eu te digo que tu és Pedro’ (Mt 16, 18). E noutro lugar, depois de Sua ressurreição: ‘Apascenta minhas ovelhas’ (Jo 21, 17). Somente sobre ele edifica Sua Igreja, e o encarrega de apascentar seu rebanho. E embora confira igual poder a todos os Apóstolos e lhes diga: ‘Como meu Pai Me enviou, assim Eu vos envio’ (Jo 20, 21), sem embargo, para manifestar a unidade, estabeleceu uma Cátedra, e com sua autoridade dispôs que a origem dessa unidade se fundamentasse em um. Por certo, todos os Apóstolos eram o mesmo que Pedro, adornados com a mesma participação de honra e poder; mas o princípio dimana da autoridade, e a Pedro foi dado o Primado para demonstrar que uma é a Igreja de Cristo e uma a Cátedra. Todos são pastores, mas há um só rebanho apascentado por todos os Apóstolos de comum acordo [...].
“Pode ter Fé quem não crê nessa unidade da Igreja? Pode pensar que se encontra dentro da Igreja quem se opõe e resiste à Igreja, quem abandona a Cátedra de Pedro, sobre a qual ela está fundada? São Paulo também ensina o mesmo, e manifesta o mistério da unidade, ao dizer: ‘Há um só corpo e um só espírito, como também só uma esperança, a de vossa vocação. Só um Senhor, uma Fé, um batismo, um Deus’ (Ef 4, 4-6)” 14.
Jurisdição plena, suprema e universal
Se lermos os Atos dos Apóstolos, encontraremos Pedro exercendo esse supremo poder, ao falar em primeiro lugar nas reuniões dos Apóstolos, ao propor o que se deve fazer, inaugurando a missão apostólica, encerrando discussões com sua palavra, etc. E assim se têm perpetuado, ao longo de dois milênios, a jurisdição e o magistério dos Papas.
Todo sucessor de Pedro possui verdadeira jurisdição, pois tem o poder de promulgar leis, julgar e impor penas, de forma direta, em matéria espiritual, e indireta, no campo temporal, sempre que se apresente como necessária para obter bens espirituais. Essa jurisdição é plena: não há poder na Igreja que não resida no Papa. É universal, ou seja, todos os membros da Igreja (fiéis, sacerdotes e bispos) a ele estão submetidos. É, ademais, suprema: o Papa acima de todos, e ninguém acima dele. Até mesmo os Concílios Ecumênicos não podem se realizar sem ser por ele convocados e presididos. Os próprios estatutos conciliares não o obrigam, tendo ele o poder de mudá-los ou de derrogá-los.
Magistério infalível
Outro tanto se pode afirmar sobre uma análoga e grande função de Pedro e de seus sucessores: o supremo Magistério que, como coluna que sustenta a Igreja, não pode equivocar-se. O Papa é infalível ao falar ex cathedra, ou seja, enquanto doutor de todos os cristãos, ao definir com autoridade apostólica doutrinas sobre Fé e moral, que devem ser admitidas por toda a Igreja universal.
Aí está o motivo pelo qual “as portas do inferno” não poderão se sobrepor a um edifício construído sobre a pedra que é Pedro.
“Doce Cristo na Terra”
“Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu; tudo o que ligares na Terra ficará ligado no Céu e tudo o que desligares na Terra será desligado no Céu”.
Cristo retornaria ao Pai, deixando nas mãos de Pedro as chaves de Sua Igreja. “Quem tem o uso legítimo e exclusivo das chaves de uma casa ou de uma cidade, este é o administrador, o intendente supremo que recebeu os poderes de seu senhor. A Igreja é o reino dos Céus neste mundo; a Igreja Triunfante será o reino definitivo e eterno dos Céus, prolongamento desta mesma Igreja da Terra, já purificada de toda impureza. Pedro terá poder de abrir e fechar a entrada nesta Igreja temporal e, conseqüentemente, na eterna” 15.
A cabeça desse corpo místico sempre será Cristo Jesus. Durante a História da humanidade, Ele será o chefe invisível, mas deixa entre nós um Pedro acessível, o “doce Cristo na Terra” — segundo expressão usada por Santa Catarina de Sena —, a quem todos devemos amar como bom pai, obedecer até às suas mais leves insinuações e conselhos, honrar como a um supremo monarca, rei de reis.
Nasce uma obra indestrutível
É de pasmar o desenrolar desse acontecimento histórico ocorrido na “região de Cesaréia de Filipe”. Um simples pescador da Betsaida proclama que o filho de um carpinteiro é realmente Filho de Deus, por natureza. Este, em seguida, anuncia que edificará uma obra indestrutível e deixará em mãos de seu administrador, com plenos poderes de jurisdição e magistério, “as chaves do Reino do Céu”. O ambiente que os cerca é pobre, árido mas com certa grandeza. Ali é plantado “o grão de mostarda”, do qual nasceriam as igrejas, as catedrais, as cerimônias, os vitrais, as universidades, os hospitais, os mártires, os confessores, as virgens, os doutores, os santos, enfim, a Santa Igreja Católica Apostólica e Romana.
Passaram-se dois milênios e, depois de tantas e catastróficas procelas, inabalável continua essa “nau de Pedro”, tendo Cristo, com poder absoluto, em seu centro. Nenhuma outra instituição resistiu à corrupção produzida pelos desvios morais ou pela perversão da razão e do egoísmo humano. Só a Igreja soube enfrentar as teorias caóticas, opondo-lhes a verdade eterna; arrefecer o egoísmo, a violência e a volúpia, utilizando as armas da caridade, justiça e santidade; pervadir e reformar os poderes despóticos e materialistas deste mundo, com a solene e desarmada influência de uma sábia, serena e maternal autoridade. Não podiam mãos meramente humanas erigir tão portentosa obra, só mesmo a virtude do próprio Deus seria capaz de conferir santidade e elevar à glória eterna homens concebidos no pecado.
CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. A Guerra e o Corpo Místico, em “O Legionário”, de 16/4/1944. 2AQUINO, São Tomás de. Catena Aurea.3CRISÓSTOMO, São João. Homilia 54 sobre o Evangelho de São Mateos, § 1.4 MALDONADO, SJ, P. Juan de. Comentario a los cuatro Evangelios. Madri: BAC, 1950, v. I, p. 579. 5Cf. CRISÓSTOMO. Op. cit. § 1.6Cf. CRISÓSTOMO. Idem ibidem. MALDONADO, Op. cit. p. 580.7CRISÓSTOMO. Op. Cit. § 3. Ver seu poder de perdoar os pecados, em Mt 9, 6; sua superioridade sobre o Templo, em Mt 12, 6; a suspeita sobre sua messianidade, em Mt 12, 23; etc.8HILÁRIO DE POITIERS, Santo, in Evangelium Matthaei Commentarius, c. XVI. Apud AQUINO. Catena Aurea. MALDONADO. Op. cit. p. 584.9BUENAVENTURA, San. La perfección evangélica, c. 4 a. 3 concl. in Obras de San Buenaventura. Madri: BAC, 1949, t. 6, p. 309.10CIPRIANO, San. De unitate ecclessia, § 4.11GOMÁ Y TOMÁS, Dr. D. Isidro. El Evangelio Explicado. Barcelona: Ediciones Acervo, 1967, v. II, p. 38.12Mt 16, 13-19

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Evangelho XIII Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 - Lc 9, 51-62

Continuação dos Comentários ao Evangelho - XIII domingo do Tempo Comum - Ano C -2013  Lc 9, 51-62

Reação dos “filhos do trovão”
54“Vendo isso, os discípulos Tiago e João disseram: ‘Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu para destruí-los?’”.
A pergunta de Tiago e João revela, na acertada expressão de um autor francês, “um intemperante zelo”, mas comprova o quanto eles tinham fé na onipotência de Jesus.
Certamente estavam bem presentes na memória dos dois irmãos os episódios dos capitães de Acab sendo devorados pelo fogo do céu por ordem do Profeta Elias, cada qual junto com seus cinquenta soldados (cf. II Rs 1, 9-12); e o dos duzentos e cinquenta príncipes da assembleia, membros do conselho e homens notáveis, sob o comando de Coré, Datã e Abiron, recebendo igual castigo por terem se amotinado contra Moisés (cf. Nm 16, 2.35).
Estando cientes do poder recebido de Nosso Senhor, não surpreende o fato de os filhos de Zebedeu desejarem imitar a atitude do Legislador e do Profeta, os quais eles tinham visto, semanas antes, aparecer junto ao Mestre no Monte Tabor. Com efeito, o “que há de estranho no fato de os ‘filhos do trovão’ quererem lançar raios?”, pergunta-se Santo Ambrósio.6
Arrebatados por uma espécie de “fervor de noviços”, consideravam um dever de justiça fazer cair fogo sobre aquela cidade rebelde. Apontam nesse sentido os comentários de São Jerônimo, São Beda e Tito Bostrense, sintetizados por Maldonado: se os “filhos do trovão” desejaram se vingar, “não foi por sua honra, mas pela do próprio Cristo; e nisso certamente não houve culpa, mas apenas ignorância do espírito cristão e evangélico”.7
A repulsa e a ingratidão fazem parte da vida do missionário
55 “Jesus, porém, voltou-Se e repreendeu-os”.
Tendo sido formados segundo os costumes da Antiga Aliança, estavam os irmãos habituados à pena de talião e julgavam que todo ato de rejeição ao bem devia ser castigado sem demora. Ora, as perspectivas de Nosso Senhor eram outras: “Amai os vossos inimigos... Orai pelos que vos injuriam... Sede misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso” (Lc 6, 27-28.36), ensinara-lhes recentemente. Por isso os repreendeu.
A proposta de Tiago e João mostra quão longe estavam ainda os discípulos desse novo Mandamento. Faltava-lhes conhecer e assumir uma das mais dolorosas provações do missionário: a ingratidão, a repulsa e até a perseguição por parte daqueles a quem se quis fazer o bem.
Como observa o Crisóstomo, os Apóstolos “seriam os doutores do mundo e percorreriam as cidades e aldeias pregando a doutrina evangélica, e haveria de lhes ocorrer que alguns não recebessem a sagrada pregação, como se não permitissem que Jesus permanecesse com eles. Ensinou-lhes, pois, que quando anunciassem a celestial doutrina, deveriam estar cheios de paciência e mansidão, sem se mostrar hostis nem irascíveis, nem vingativos contra seus perseguidores”.8
Bem assinala, por sua vez, São Beda: “O Senhor repreendeu neles não o exemplo de um Profeta santo, mas a ignorância de querer vingar-se que havia neles, homens ainda rudes, fazendo-os ver que não desejavam a emenda por amor, mas a vingança por ódio”.9
Não devemos permanecer onde nosso apostolado não é bem aceito
56“E partiram para outro povoado”.
Estas poucas palavras do Evangelista contêm um importante ensinamento. Durante a viagem, como vimos, estava Jesus formando os Seus discípulos nas lides do apostolado, e quis mostrar-lhes com o episódio anteriormente narrado que o missionário não deve perturbar-se, e menos ainda mostrar-se irritado, quando sua ação evangelizadora é recusada. Isso seria sintoma de amor-próprio, ou de apego às próprias atividades.
Pelo contrário, se acharmos em nosso caminho “aldeias de Samaria”, não queiramos castigá-la com “fogo do Céu” como o fizeram Tiago e João, mas também não percamos tempo onde nossa atividade apostólica é infrutífera.
Um pequeno tratado da vocação
Na segunda parte do Evangelho de hoje, as Sagradas Escrituras nos apresentam os casos de três homens desejosos de seguir Nosso Senhor Jesus Cristo, mas sem terem noção da integridade de entrega a ser feita. Esses três episódios podem ter ocorrido em lugares e ocasiões diferentes, como bem observa o padre Truyols, mas quiçá foram reunidos pelo Evangelista devido à sua semelhança. Com efeito, acrescenta esse exegeta, constituem eles, no seu conjunto, um pequeno tratado da vocação divina, isto é, “das condições requeridas para seguir a Cristo”.10
Um oferecimento com segundas intenções
57“Enquanto estavam caminhando, alguém na estrada disse a Jesus: ‘Eu Te seguirei para onde quer que fores’”.
No primeiro caso, alguém manifesta a Nosso Senhor a disposição de segui-Lo a qualquer lugar e a todo custo. São Mateus aduz um detalhe omitido por São Lucas: era um escriba (Mt 8, 19). À primeira vista, parece tratar-se de uma alma generosa, desejosa de sempre estar com Jesus.
Fillion descreve esse personagem como sendo “entusiasmado, embora superficial e muito confiado em si mesmo”.11 Observa tratar-se de um homem que “fala a linguagem da emoção passageira e irrefletida, que despreza os obstáculos enquanto estão longe e, sem ter sido chamado, se oferece para enfrentá-los”.12
Penetrando mais a fundo a psicologia deste escriba, São Cirilo mostra não estar ele movido pelo desejo de ser discípulo, mas sim pela soberba: “Havia uma grande ignorância nessa pessoa que se aproximou, e ela era excessivamente presunçosa. Certamente não desejava ser de fato um seguidor de Cristo, como muitos outros judeus, mas queria, isto sim, ostentar as dignidades apostólicas”.13
Teofilato, por sua vez, chama a atenção para o seu espírito ganancioso: “Como via que o Senhor levava atrás de si muita afluência, esperava lucrar algo com isso e reunir algum dinheiro, se O seguisse”.14
Desapego e simplicidade no seguimento de Jesus
58a “Jesus lhe respondeu: ‘As raposas têm suas tocas e os pássaros têm ninhos’...”.
O Divino Mestre não se pronuncia sobre a proposta do escriba, nem o admite em Sua companhia. Abstraindo do caso concreto, responde com uma metáfora que deixa sentenciada para todo o sempre a radicalidade com a qual devem se entregar as almas chamadas às atividades missionárias.
As raposas preparam tocas, e os pássaros, ninhos, porque faz parte do instinto dos animais procurar um lugar onde se abrigar. Mas um verdadeiro apóstolo precisa estar totalmente devotado à missão de converter as almas, sem cuidar de suas próprias conveniências. Ocupar-se-ão outros de preparar-lhe o “ninho”, ou a “toca”. A entrega de quem deseja seguir a Cristo deve ser total, dando-se por inteiro, sem nada reservar para si.
Mas, qual a razão de Jesus escolher esses animais, e não outros, para ilustrar sua pregação?
Santo Ambrósio analisa os instintos da raposa, ser astuto e enganoso, e mostra como ela gosta de se ocultar em sua toca para poder surpreender as presas. É bem a imagem do herege, pois este procura encobrir seus erros sob as aparências de boa doutrina, a fim de desviar da verdade aqueles que a procuram.15
Quanto às aves, comenta São Cirilo de Alexandria: “Ele não falou de pássaros físicos e visíveis, mas de espíritos imundos e iníquos que com frequência caem sobre os corações dos homens, arrebatam a semente celeste e a levam longe, a fim de que não produzam fruto algum”.16
Nem nessas tocas, nem nesses ninhos pode o Filho do homem fazer sua morada, pois Ele é a Verdade e o Bem. Jesus jamais agirá como a raposa nem como as aves da metáfora. Pelo contrário, Ele convida com clareza ao Reino dos Céus e expõe com integridade sua doutrina, ainda que a radicalidade do seu chamado contunda quem não tem verdadeira vocação.
Analisada nessa perspectiva, a metáfora elaborada por Nosso Senhor adquire os traços de uma clara rejeição ao pretensioso pedido do escriba, ao qual Ele parece dizer: “As raposas têm esconderijos em seu coração: és um falaz. As aves do céu têm ninhos em seu coração: és um soberbo. Sendo mentiroso e soberbo, não podes seguir-Me. Como pode a falsidade seguir a Simplicidade?”.17
Pensamentos elevados à Jerusalém Celeste
58b “...‘mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça’”.
A expressão “repousar a cabeça” pode ser interpretada aqui como uma alusão ao instinto de sociabilidade, pois o homem descansa ao encontrar alguém com quem possa se abrir e compartilhar suas preocupações e receios. Assim, nesta passagem o Divino Mestre estaria alertando a quem assume as vias do apostolado — ou começa a praticar com integridade as exigências da Fé — para os riscos de, em determinado momento, se sentir só, sem ter quem o auxilie e console. Até mesmo a esse gênero de entrega deve estar disposto todo aquele que almeja ser verdadeiro missionário, a exemplo de Jesus.
Mas essas palavras do Messias também podem ser explicadas no sentido de estarem seus pensamentos nesta terra continuamente elevados para a Jerusalém Celeste. Ensina-nos, assim, que o coração do missionário tem de estar posto por inteiro no plano sobrenatural, evitando “apoiar a cabeça” no simbólico “travesseiro” dos assuntos terrenos.
Uma obrigação moral exigida pela Lei
59 “Jesus disse a outro: ‘Segue-Me’. Este respondeu: ‘Deixa-me primeiro ir enterrar meu pai’”.
Neste segundo episódio, é Jesus quem toma a iniciativa. Ao pousar o olhar sobre um dos que O acompanham, discerne nele o sinal da vocação lhe diz com suavidade toda divina: “Segue-Me”. Isto é, “abandona tudo, deixa para trás o que tens e vem após Mim”.
Vê-se, pelo desenrolar da narração, que as palavras de Jesus penetraram a fundo no espírito daquele homem. Ora, seu pai havia falecido — ou, segundo alguns comentaristas, estava para morrer — e, antes de começar sua vida de missionário, queria ele resolver todos os problemas de família, a fim de poder mais livremente seguir Nosso Senhor.
O pedido não podia ser mais legítimo e razoável. Acaso não manda o Decálogo honrar pai e mãe? Além disto, o sepultamento do progenitor falecido era uma obrigação imposta pela Lei judaica.
Acima do amor ao pai, deve estar o amor a Deus
60“Jesus respondeu: ‘Deixa que os mortos enterrem os seus mortos; mas tu, vai anunciar o Reino de Deus’”.
Jesus, entretanto, rejeita o pedido de seu discípulo, utilizando para isto uma expressão enigmática que não pode ser entendida em sentido literal. Com efeito, pergunta-se Santo Ambrósio: “Como podem, porém, os mortos enterrar os mortos se não se entender aqui duas mortes: uma da natureza e outra do pecado?”.18
Das palavras do Divino Mestre, Crisóstomo deduz que o pai havia falecido na infidelidade, isto é fora do amor a Deus e da prática da Lei. Ademais, certamente “havia outros que podiam cumprir essa obrigação, o pai não ficaria por isso sem sepultura”.19
Contudo, a resposta do Divino Mestre àquele discípulo ultrapassa de longe a situação concreta e permanece como uma valiosa lição para todos quantos foram, são e serão chamados a segui-Lo ao longo da História. “Quando Nosso Senhor Jesus Cristo destina os homens à pregação do Evangelho, não quer que se interponha desculpa alguma de piedade carnal ou temporal”, afirma Santo Agostinho.20
Lembremo-nos, nesse sentido, do ensinamento de Santo Ambrósio: “A piedade para com Deus deve estar acima do amor aos pais, aos quais reverenciamos porque nos geraram. Mas Deus nos deu o ser quando ainda não existíamos, enquanto nossos pais foram apenas os Seus instrumentos para nossa entrada na vida”.21 Quando alguém ouve a voz de Jesus: “Vem e segue-Me”, deve considerar como “mundo dos mortos” tudo quanto ficou para trás e não mais se interessar pelos assuntos que antes lhe preocupavam. E isto de uma forma radical, pois “quem deseja fazer-se discípulo do Senhor deve recusar as obrigações humanas, inclusive quando pareçam razoáveis, se por causa delas se protela, mesmo em ponto mínimo, a obediência devida a Deus”.22
Além do desapego total dos bens temporais e de um coração elevado à Jerusalém Celeste, Jesus exige do apóstolo a ruptura completa de todos os laços que o vinculavam ao mundo.
Não voltar o olhar para o que abandonamos
61“Um outro ainda Lhe disse: ‘Eu Te seguirei, Senhor, mas deixa-me primeiro despedir-me dos meus familiares’. 62 Jesus, porém, respondeu-lhe: ‘Quem põe a mão no arado e olha para trás, não está apto para o Reino de Deus’”.

Nosso Senhor serve-Se, neste terceiro episódio, de uma imagem extraordinariamente significativa naquela época. Um sulco sinuoso na terra dificulta tanto a semeadura quanto a colheita. Era preciso, portanto, aplicar muita atenção para traçar uma linha reta com o arado. Por isso, o agricultor não podia ficar olhando para trás. Da mesma maneira deve proceder quem lavra e semeia nesta terra pretendendo colher frutos na eternidade: tem de estar com os olhos sempre postos no seu fim sobrenatural, sem desviá-los por nenhum motivo. O missionário precisa renunciar completamente aos laços que antes o prendiam ao pecado ou à tibieza e jamais olhar para trás, a fim de que, segundo adverte São Cipriano de Cartago “não nos aconteça de voltarmos ao demônio e ao mundo, aos quais renunciamos e dos quais nos libertamos”.23 Pois, na expressão de São Nilo, “os repetidos olhares para aquilo que deixamos nos fazem voltar ao costume abandonado”.24
Continua no próximo post.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Evangelho XIII Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 - Lc 9, 51-62

Comentário ao Evangelho - XIII domingo do Tempo Comum - Ano C -2013  Lc 9, 51-62


51 “Estava chegando o tempo de Jesus ser levado para o Céu. Então Ele tomou a firme decisão de partir para Jerusalém 52 e enviou mensageiros à Sua frente. Estes puseram-se a caminho e entraram num povoado de samaritanos, para preparar hospedagem para Jesus. 53 Mas os samaritanos não O receberam, pois Jesus dava a impressão de que ia a Jerusalém. 54 Vendo isso, os discípulos Tiago e João disseram: ‘Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu para destruí-los?’.
55 Jesus, porém, voltou-Se e repreendeu-os.
56 E partiram para outro povoado.
57 Enquanto estavam caminhando, alguém na estrada disse a Jesus: ‘Eu Te seguirei para onde quer que fores’. 58 Jesus lhe respondeu: ‘As raposas têm suas tocas e os pássaros têm ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça’. 59 Jesus disse a outro: ‘Segue-Me’. Este respondeu: ‘Deixa-me primeiro ir enterrar meu pai’. 60 Jesus respondeu: ‘Deixa que os mortos enterrem os seus mortos; mas tu, vai anunciar o Reino de Deus’. 61 Um outro ainda lhe disse: ‘Eu Te seguirei, Senhor, mas deixa-me primeiro despedir-me dos meus familiares’. 62 Jesus, porém, respondeu-lhe: ‘Quem põe a mão no arado e olha para trás, não está apto para o Reino de Deus’” (Lc 9, 51-62).
Jesus parte para Jerusalém
A passagem do Evangelho que a Igreja nos apresenta neste domingo assinala um importante marco na vida de Nosso Senhor.
Até esse momento, encontrava-Se Jesus percorrendo a Galileia, “fazendo o bem” (At 10, 38) em todos os lugares por onde Se deslocava. Duas vezes multiplicou os pães e realizou incontáveis outros milagres. Não deixou um só pedido sem ser atendido, uma alma arrependida sem ser perdoada. Tudo isso acarretou-Lhe uma fama extraordinária, da qual poderia tirar grande proveito.
Entretanto, assinala o padre Truyols, “a partir da segunda multiplicação e, até certo ponto, a partir do sermão do Pão da vida na sinagoga de Cafarnaum, levava uma vida mais retirada, ocupado particularmente em instruir Seus Apóstolos”.1 Foi nesse contexto que se deram os dois primeiros anúncios da Paixão e a Transfiguração no Monte Tabor (cf. Lc 9, 22-45).
Nos versículos hoje selecionados, Nosso Senhor enceta um longo percurso rumo à Judeia, que marcará o início do Seu retorno ao Pai. Desse momento em diante, todos os acontecimentos da vida do Divino Mestre transcorrem em outra clave.
Firmeza no cumprimento da vontade do Pai
51 “Estava chegando o tempo de Jesus ser levado para o Céu. Então Ele tomou a firme decisão de partir para Jerusalém”...
Jesus deixa a Galileia sabendo que essa seria Sua última viagem a Jerusalém, e caminha resoluto em direção à morte, conforme indicam as palavras deste versículo: “Tomou a firme decisão de partir”.2
Desde o primeiro instante de Sua existência terrena, Ele tinha bem presente que Sua missão culminaria na Cruz. Do alto dela, Cristo iria conquistar a vida eterna para nós, criaturas que Ele ama a ponto de querer tornar-nos Seus irmãos; e a Igreja, que já começara a fundar ao escolher os Doze Apóstolos e pregar o Reino dos Céus, será consolidada como centro da História, por todos os séculos.
Perante a perspectiva dos mais terríveis sofrimentos, Jesus não deixa transparecer, em circunstância alguma, a menor lamentação. Em Sua conduta, nada indica arrepio, repulsa ou inconformidade à vista do que está por suceder. Pelo contrário, como bem sublinha o Cardeal Gomá, “sabe Jesus que em Jerusalém O aguardam os tormentos e a morte; apesar disso, sobe para a festa com liberdade absoluta, com vontade decidida e impertérrita, pois sabe ser essa a vontade do Pai”.3
Visando dar-nos a propósito desta passagem uma bela lição moral, o mesmo comentarista acrescenta: “Esta deve ser a nossa disposição de espírito, tão logo se manifeste a vontade de Deus. A convicção da inteligência e a firme resolução da vontade são as forças propulsoras das grandes ações, e a explicação das vidas fecundas”.4
Jesus é a Ordem em substância
52 …e enviou mensageiros à Sua frente. Estes puseram-se a caminho e entraram num povoado de samaritanos, para preparar hospedagem para Jesus.  
Nosso Senhor é a Ordem em substância. Sem nunca Se deixar tomar pelos aspectos fragmentários ou inferiores dos problemas, tudo Ele organizava de forma perfeita nesta Terra, mas ao mesmo tempo fazia-o muito organicamente, respeitando os costumes do tempo e do local.
Numa época em que não existiam os eficientes meios de comunicação de hoje, era preciso mandar mensageiros a fim de providenciarem hospedagem para a grande comitiva que O acompanhava, composta pelos Apóstolos, discípulos, Santas Mulheres e talvez até alguns curiosos.
Das três principais vias que conduziam da Galileia a Jerusalém, Jesus havia optado pela mais curta, que atravessava o Vale de Jizreel e depois a Samaria. Foi num povoado desta região, provavelmente a atual Jenin, que os enviados entraram com o intuito de preparar a chegada do Divino Mestre.
Os samaritanos negam-Lhe acolhida
“Mas os samaritanos não O receberam, pois Jesus dava a impressão de que ia a Jerusalém”.
Os habitantes da Samaria adotavam uma atitude de hostilidade face aos judeus, porque havia entre uns e outros grandes divergências a respeito da Lei e dos costumes mosaicos. Um samaritano jamais iria oferecer sacrifícios em Jerusalém; fá-lo-ia sempre no templo erigido no Monte Gerizim, junto à atual Nablus.

Ao saberem que Jesus e Seus discípulos se dirigiam a Jerusalém, deduziram os habitantes daquela aldeia tratar-se de judeus que rumavam ao verdadeiro Templo para adorar a Deus, e resolveram não recebê-los. Fillion, citando Flávio Josefo, afirma que os samaritanos “experimentavam um prazer maligno em maltratar os peregrinos e em retardar e até mesmo impedir sua marcha, o quanto lhes fosse possível”.5 Naquela época, as convicções religiosas eram profundas e levavam com frequência a implacáveis ódios recíprocos.