Comentário ao Evangelho – 26º Domingo do Tempo Comum – Ano A – Mt 21, 28-32
“Mas que vos parece? Um homem tinha dois filhos.
Aproximando-se do primeiro, disse-lhe: Filho, vai trabalhar hoje na minha
vinha. 29 Ele respondeu: Não quero — mas, depois, arrependeu-se e foi. 30
Dirigindo-se em seguida ao outro, falou-lhe do mesmo modo. E ele respondeu: Eu
vou, senhor — mas não foi. 31 Qual dos dois fez a vontade do pai?” Eles
responderam: “O primeiro”. Disse-lhes Jesus: “Na verdade vos digo que os
publicanos e as meretrizes vos precederão no Reino de Deus. 32 Porque veio a
vós João pelo caminho da justiça, e não crestes nele; e os publicanos e as
meretrizes creram nele. E vós, vendo isto, nem assim fizestes penitência
depois, crendo nele” (Mt 21, 28-32).
Os dois filhos da Parábola, e os dois outros
Atuando
de forma muito pior que a dos dois filhos da parábola, os sacerdotes e os
anciãos do povo não só se negaram a trabalhar na vinha do Senhor, como de fato,
não o fizeram. Esta seria a atitude de um terceiro filho, extremo do mau
comportamento em relação ao Pai! Mas há também um quarto filho: aquele que ouve
com entusiasmo o convite do Pai e entrega sua vida por Ele!
I – Introdução: inocência e inerrância
Como aparece bela a
vida reta, em todos os seus estágios, quando se é capaz de analisá-la com olhos
límpidos, desinteressados e inocentes! Na ancianidade, ela se apresenta
penetrada de fragilidade, mas robusta e enriquecida de experiência. Forte,
decidida e ousada é ela na juventude, ao passo que, ao ingressar pelas portas
da maturidade, vai florescendo em reflexão, explicitações e prudência. Porém,
nada atrai tanto a atenção de nosso olhar, nesse curso da existência humana,
quanto o desenvolvimento dos instintos primordiais numa criança, desde seus
primeiros vagidos até chegar à idade da razão. Percebe-se como a alma infantil,
ao efetuar pouco a pouco os atos da inteligência ou da vontade, vai-se tornando
possuidora de um substancioso tesouro de experiências com base nos primeiros
princípios inatos.
A alma humana está à procura da verdade
Encanta-nos ver a
certeza com a qual os animais — e até os próprios insetos — buscam os alimentos
que lhes convêm. Não é difícil discernir a mão de Deus por trás dessas
atividades, mesmo sabendo que Ele, evidentemente, não as está orquestrando de
forma direta a todo momento. Deus cria os seres viventes com instintos próprios
de acordo com as necessidades e conveniências de cada um. Também o homem, ser
racional, nasce com estímulos iniciais e espontâneos que vão lhe dar segurança
na procura dos objetivos para os quais foi destinado. A esse propósito,
explica-nos o Tomismo, com sua invariável clareza, que a alma, ao ser criada e
infundida no momento da concepção, já está enriquecida pelo senso do ser.
Aproximemo-nos do
berço de uma criança e lhe apresentemos algumas belas bolas de diferentes
cores. Suas reações demonstrarão a maravilha desses instintos humanos, agindo
muito antes do uso da razão. Ela escolherá uma bola da coloração que mais lhe
agrada; depois de certo tempo passará a brincar com uma outra, e assim
sucessivamente. Trata-se da busca instintiva do bem, do belo e do verdadeiro
que acabará por levar à eleição de uma das bolas como a principal dentro
daquele conjunto. Esses são reflexos que antecedem a constituição da capacidade
de julgar de forma claramente racional, conforme princípios bem estabelecidos.
O pecado faz perder a capacidade de bem julgar
Excelente nessa
matéria é a afirmação de um grande teólogo do século passado, Frei Santiago
Ramírez OP, segundo o qual a alma humana é essencialmente aristocrática, pois
sempre está à busca do melhor.
Se os homens têm
esses instintos, como explicar a existência do erro, da maldade e da feiúra?
Talvez em um futuro artigo se possa desenvolver mais a fundo essa tão essencial
questão. Por hoje basta dizer que a inerrância desses instintos só se mantém
pela conservação da inocência, ou seja, é o pecado a causa da perda da
capacidade de bem julgar. É o próprio São Tomás de Aquino quem nos ensina ser o
senso da verdade, do belo e da bondade um instinto aristocrático, porque só os
inocentes o possuem de modo tão robusto. Ora — conclui o Doutor Angélico —
poucos são os inocentes no mundo, portanto poucos são os que gozam dele de modo
integral.
É em torno dessa
maravilhosa problemática que gira o presente Evangelho.
II - Acirramento dos Sinedritas contra Jesus
Uma civilização atraída por enigmas e parábolas
Para melhor
entendermos a Liturgia, devemos remontar aos hábitos do tempo do Divino Mestre.
Encontraremos uma civilização mais campesina, pastoril e orgânica do que a
nossa, sem os progressos da tecnologia atual. Ademais, a prática da reflexão
não fora substituída pela máquina. Naquele tempo sem rádio, TV, telefone,
computador e outros aparelhos do gênero, uma das mais fortes atrações do
relacionamento humano era a conversa, e nesta o uso de enigmas e parábolas. Era
corrente então valer-se de axiomas éticos para a resolução dessas ou daquelas
questões concretas da vida de todos os dias. Lançar mão de metáforas para fins
didáticos não era, portanto, uma inovação implantada pelo Messias. Ele não fez
senão servir-se dos costumes vigentes.
As Sagradas
Escrituras estão embebidas de casos nos quais as disputas se realizavam tomando
como base enigmas (1). Assim se aprimorava a inteligência, como também o senso
moral, racional e estético.
Inveja e arrogância dos sinedritas
A parábola dos dois
filhos, que surge de dentro de um quadro de acirramento contra Jesus, deu-se
logo após o Domingo de Ramos. Na lembrança dos escribas, anciãos do povo,
príncipes dos sacerdotes e outros, estava toda a fama angariada pelo Divino
Mestre ao longo de sua vida pública, incluindo o recentíssimo episódio da entrada
triunfal em Jerusalém. Quando viram “Jesus Cristo entrar no Templo com grande
pompa, agitaram-se por inveja; e assim, não podendo sofrer em seu coração o
ardor da inveja que os acossava, levantaram a voz” (2) e com grande arrogância
resolveram interromper a pregação, perguntando-Lhe: “Com que autoridade fazes
estas coisas? E quem Te deu tal direito?” (Mt 21, 23).
A seguir se
estabelece um diálogo entre Jesus e as autoridades religiosas. Recordá-lo nos
será útil para penetrarmos a fundo em todo o significado da parábola da qual
nos ocupamos aqui.
À procura de uma ocasião para desacreditá-Lo
Como comenta Frei
Manuel de Tuya OP (3), grande exegeta de Salamanca, os sinedritas agiam com má
intenção, uma vez que secretamente já haviam condenado Jesus à morte. Apenas
andavam à procura de uma ocasião oportuna para executar essa sentença. Queriam
comprometê-Lo e desacreditá-Lo ante o público, o que facilitaria seu intento.
Era idéia aceita no ambiente rabínico que seria preciso pedir sinais ao
Messias, a fim de que este fosse reconhecido como tal. Era verdade que ninguém
podia ensinar no Templo sem antes haver recebido a imposição de mãos de outro
rabino. Entretanto, ao indagarem a Jesus sobre quem Lhe havia dado autoridade
para pregar, a intenção deles era pedir satisfação também pelos eventos do
Domingo de Ramos, pelas aclamações messiânicas com as quais fora recebido no
próprio Templo e até pelos milagres realizados ali. A pergunta era, portanto,
sobre seus poderes messiânicos.
Continua no próximo post