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sábado, 11 de outubro de 2014

EVANGELHO DO XXIX DOMINGO DO TEMPO COMUM - ANO A - Mt 22, 15-21

COMENTÁRIO AO EVANGELHO DO 29º DOMINGO DO TEMPO COMUM - ANO A - Mt 22, 15-21
DAR A CÉSAR, OU DAR A DEUS?
O homem foi criado por Deus para viver em sociedade, sob duas autoridades: a temporal e a espiritual. Qual deve ser sua atitude ante uma e outra? Eis o tema do Evangelho do 29º domingo do tempo comum.
“Reuniram-se então os fariseus para deliberar entre si sobre a maneira de surpreender Jesus nas suas próprias palavras. Enviaram seus discípulos com os herodianos, que lhe disseram: Mestre, sabemos que és verdadeiro e ensinas o caminho de Deus em toda a verdade, sem te preocupares com ninguém, porque não olhas para a aparência dos homens. Dize-nos, pois, o que te parece: É permitido ou não pagar o imposto a César? Jesus, percebendo a sua malícia, respondeu: Por que me tentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda com que se paga o imposto! Apresentaram-lhe um denário. Perguntou Jesus: De quem é esta imagem e esta inscrição? De César, responderam-lhe. Disse-lhes então Jesus: Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mt 22, 15-21).
Não há situação estática na vida moral
Nossa vida moral se encontra sempre em movimento. Em outras palavras, na escala de valores entre o extremo do bem e o extremo do mal, ninguém fica parado num grau determinado. Todos estamos de algum modo caminhando, ainda que muito devagar e imperceptivelmente, em direção a um dos pólos, ou embaraçados num vaivém contínuo. Há, também, acelerações para uma direção ou outra, resultantes de um grande ato de virtude ou de um gravíssimo pecado. Nessa escala, portanto, o movimento é constante, como acentuam inúmeros teólogos.
Ora, diante do Filho do Homem, esse fenômeno passou-se de forma intensa no coração de todos os que tiveram a graça de O conhecer, e, mais ainda, de com Ele conviver. Maria Santíssima não fez senão ascender a cada instante na sua já tão alta união com Deus. Em contrapartida, os adversários de Jesus cresceram de modo contínuo no ódio a Ele.
Os fariseus chegaram a um grande grau de indignação ao ouvir dos lábios do Divino Mestre parábolas ao mesmo tempo severíssimas e de clara aplicação a eles, como a dos vinhateiros homicidas, e a da festa de núpcias, como conta o Evangelho:
“Ouvindo isto, os príncipes dos sacerdotes e os fariseus compreenderam que era deles que Jesus falava. E procuravam prendê-lo; mas temeram o povo, que o tinha por um profeta” (Mt 21, 45-46).
Foi essa a circunstância que os levou a se reunirem urgentemente em conselho. Esse mesmo episódio é mencionado em outros termos por São Marcos (Mc. 12, 12-13).
Tanto pela narração de um, quanto pela do outro evangelista, fica patente o dilema no qual se encontravam os fariseus. De um lado, desejavam prender Jesus para matá-Lo. De outro lado, era lhes impossível agir neste sentido, pois os milagres, as palavras e a própria figura do Divino Mestre arrebatavam o povo, que não O abandonava um instante sequer. Como realizar esse horroroso crime contra alguém constantemente rodeado de fiéis? Agarrá-Lo na calada da noite, de forma inesperada, seria o ideal, mas impossível também, uma vez que o Redentor jamais lhes dava a oportunidade de saber onde Ele estaria após o cair do sol.
Uma cilada para Nosso Senhor
Desse modo, não havia para eles outra alternativa senão armar uma cilada ao Divino Mestre, tentando desacreditá-Lo diante da opinião pública. Abandonado por seus seguidores, Ele se tornaria uma presa fácil. Melhor ainda se conseguissem arrancar d’Ele uma afirmação de rebeldia contra o poder romano...
Longe ia o tempo em que o povo judeu dependia da proteção dos romanos para fazer face aos adversários. Desaparecido o perigo, tornava-se difícil compreender as vantagens do pagamento de um tributo ao Imperador.
Precisamente naquela época acentuava-se entre os judeus o cansaço por se encontrarem, havia séculos, dependentes do poder estrangeiro, ao que se somava uma ânsia pela vinda de um Messias, considerado como o instaurador do poder israelita sobre todas as nações. As conversas e debates sobre tais questões, fortemente entrelaçadas com outras, de ordem moral, estavam na ordem do dia em todos os rincões de Israel.

Foi nesse contexto histórico que Jesus veio pregar a Boa Nova. Ora, uma palavra orientadora d’Ele, sobre matéria tão candente, seria ouvida com incontida avidez. Os fariseus quiseram se aproveitar desse clima emocional para armar uma astuta e maldosa cilada ao Senhor: reuniram-se, pois, “para deliberar entre si sobre a maneira de surpreender Jesus nas suas próprias palavras”.
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quinta-feira, 9 de outubro de 2014

COMENTÁRIO AO EVANGELHO DA FESTA DE NOSSA SENHORA APARECIDA

CONCLUSÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO Jo 2, 1-11 - BODAS DE CANÁ
Não buscar dinheiro ou beleza, ao casar-se
Ditoso o homem que tem uma virtuosa mulher, porque será dobrado o número de seus anos. (...) A mulher virtuosa é uma sorte excelente, é o prêmio dos que temem a Deus e será dada ao homem pelas suas boas obras” (Ecli 26, 1 e 3). Muitos conselhos poderíamos colher da Escritura e da espiritualidade da Igreja sobre as qualidades do matrimônio e sobre o quanto deve ele basear-se na virtude e na santidade, e não em motivos inferiores como a beleza física e o dinheiro. Fazer consistir nestes valores as razões essenciais de uma união indissolúvel, é sinal de completa insensatez, pois a beleza física se desfaz com o passar dos anos e a riqueza de um cônjuge pode trazer muita aflição de espírito. Adverte-nos ainda o Eclesiástico: “Não olhes para a formosura da mulher, e não cobices uma mulher pela sua formosura” (25, 28). “Todo o preço é nada em comparação com uma alma casta” (26, 20).
Por intercessão de Maria
E foi numa festa nupcial que, a pedido de sua Mãe, Jesus quis realizar seu primeiro milagre, para assim tornar patente aos olhos do mundo o quanto o matrimônio deve ser tomado como uma via de santificação.
Maria já se encontrava nas bodas quando chegaram Jesus e seus discípulos. Bem se pode imaginar a emoção da Santíssima Virgem ao conhecer os neo-seguidores de seu Filho. Certamente Ela os tratou, logo de início, com um carinho maternal todo feito de amor. Ali começou a se explicitar sua proteção especial por aqueles que resolvem entregar-se a Nosso Senhor Jesus Cristo. Não terá sido também em consideração aos Apóstolos — além de sua delicada atenção para com os nubentes — que Nossa Senhora pediu um milagre a Jesus?
IV — A MEDIAÇÃO EFICAZ E A ONIPOTÊNCIA SUPLICANTE DE MARIA
À margem do profundo respeito havido no diálogo entre Mãe e Filho, a narração de São João permite levantar uma conjectura. Não é impossível que, ao longo de 30 anos de vida doméstica pervadida de afeto e mútua compreensão, o Filho tenha revelado à Mãe os grandiosos mistérios da Eucaristia. E, neste caso, Maria poderia ter pensado que havia “chegado a hora” da instituição desse Santo Sacramento e se inflamado no desejo de novamente receber em seu interior — já não como gestante, mas em sua Primeira Comunhão — o seu Filho, sob as Espécies Eucarísticas.
Ao lado de incontáveis hipóteses plausíveis, uma é inteiramente certa: Jesus operou esse milagre, por intercessão de Maria, para inculcarnos a convicção de que, apesar de não haver chegado a hora, por uma palavra dos lábios da Mãe, Ele nos atenderá.
Eis que em Caná abriu-se uma nova era na espiritualidade do gênero humano, com a inauguração de um especial regime da graça.
Ademais, em Caná, Maria nos ensina algo muito importante. Numa análise superficial, parece inexplicável a atitude de Nossa Senhora, pois, apesar da negação de Jesus, Ela ordena aos criados fazerem tudo quanto Este lhes dissesse. Não havia Ele dito que não chegara ainda sua hora? Fica, portanto, em quem lê o Evangelho, a impressão de Maria não ter feito caso dessa resposta negativa.
Esclarecem-nos os teólogos ser esta atitude de Maria — à primeira vista um tanto obscura — uma excelente lição para nós.
Nem todas as determinações de Deus são absolutas. Há algumas que são condicionadas aos desejos e reações nossas. Ou seja, elas se cumprirão ou não, dependendo da manifestação de nossas disposições. Se Maria não tivesse recomendado aos serventes que agissem de acordo com as orientações de Jesus, os nubentes e seus convidados não teriam tomado o melhor dos vinhos da História, nem os Apóstolos assistido a tão grandioso milagre.
De onde se conclui ser importante rezarmos a Deus com fervor e constância, manifestando-Lhe nossas necessidades, pois é possível que Ele esteja à espera de nossa atitude para seguir uma ou outra via. Em Caná, aprendemos de Maria o quanto Deus quer a nossa colaboração em sua obra.

Devido a esse sublime papel de medianeira e de onipotência suplicante da Santíssima Virgem, que se inicia publicamente nas Bodas de Caná, talvez pudéssemos dividir a História da espiritualidade em duas grandes eras: antes de Maria e depois de Maria.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

COMENTÁRIO AO EVANGELHO DA FESTA DE NOSSA SENHORA APARECIDA

COMENTÁRIO AO EVANGELHO Jo 2, 1-11 - BODAS DE CANÁ
Antes e depois de Maria
Uma nova era na espiritualidade do gênero humano se inicia publicamente com o milagre das Bodas de Caná. Além de conferir ao casamento um altíssimo significado, Jesus inaugura a mais excelente via para se obter o perdão e a graça: confiar na mediação e na onipotência suplicante de Maria.
Três dias depois, celebravam-se bodas em Caná da Galiléia, e achava-se ali a mãe de Jesus. 2 Também foram convidados Jesus e os seus discípulos. 3 Como viesse a faltar vinho, a mãe de Jesus disse-lhe: Eles já não têm vinho. 4 Respondeu-lhe Jesus: Mulher, isso compete a nós? Minha hora ainda não chegou. 5 Disse, então, sua mãe aos serventes: Fazei o que ele vos disser. 6 Ora, achavam-se ali seis talhas de pedra para as purificações dos judeus, que continham cada qual duas ou três medidas. 7 Jesus ordena-lhes: Enchei as talhas de água. Eles encheram-nas até em cima. 8 Tirai agora, disse-lhes Jesus, e levai ao chefe dos serventes. E levaram. 9 Logo que o chefe dos serventes provou da água tornada vinho, não sabendo de onde era (se bem que o soubessem os serventes, pois tinham tirado a água), chamou o noivo 10 e disse-lhe: É costume servir primeiro o vinho bom e, depois, quando os convidados já estão quase embriagados, servir o menos bom. Mas tu guardaste o vinho melhor até agora. 11 Este foi o primeiro milagre de Jesus; realizou-o em Caná da Galiléia. Manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram nele (Jo 2, 1-11).
I — ANTECEDENTES
Riqueza teológica do Evangelho de São João
“Jesus fez ainda muitas outras coisas. Se fossem escritas uma por uma, penso que nem o mundo inteiro poderia conter os livros que se deveriam escrever” (Jo 21, 25).
Assim termina São João o 4º Evangelho, o de sua lavra. Quando o escreveu, por certo já conhecia — e de há muito — os três anteriores. Daí seu empenho em completá-los nos detalhes e aspectos mais necessários para os dias de sua divulgação. Na Ásia Menor, onde se espraiava a Igreja nascente, pululavam os erros de uma perigosa gnose ameaçadora da boa e sã doutrina deixada em herança por Jesus aos seus discípulos. Nessas circunstâncias, importava antes de tudo provar a divindade de Nosso Senhor, o Messias.
Que um homem possa ser inteligente tanto quanto um puro espírito, não é difícil excogitar. Mas admitir a união de duas naturezas — uma eterna e absoluta, outra criada e contingente — numa só Pessoa, e esta divina, seria totalmente inconcebível até pelos Anjos, em sua pura natureza, se não fosse o dom da Fé. Ora, foi bem esse o objetivo de São João em seu Evangelho, ou seja, expor os principais fatos e doutrinas de modo a servirem de base para a ação do Espírito Santo sobre as almas, ajudando-as a crerem em Jesus, Homem e Deus.
Na época, não havia computadores nem impressoras, os livros se reduziam aos rolos de pergaminho, a escrita era lenta e quase desenhada. Era, pois, indispensável a São João, em vez de fazer uma narração exaustiva, condensar em poucas palavras todo um universo de pensamento e considerações. Aqui está uma das razões pelas quais, na Escritura Sagrada, cada palavra é densa de significação.
Os cinco primeiros discípulos
Inicia ele seu Evangelho com uma das mais belas descrições doutrinárias, e ao mesmo tempo poética, sobre a geração eterna do Verbo e a união das duas naturezas (divina e humana) na Segunda Pessoa da Santíssima Trindade: “E o Verbo se fez carne” (Jo I, 14). Nos seus dezoito primeiros versículos, João sintetiza de maneira magistral a teologia católica relativa à divindade de Cristo.
Logo após, São João se apóia no testemunho dado pelo Batista para confirmar toda a exposição feita anteriormente, já agora na linha dos fatos históricos, seguindo os rigores de uma nobre, eficaz e irrefutável didática. O Precursor havia produzido uma verdadeira comoção em todo Israel a ponto de julgar necessário declarar: “não sou o Cristo” (v. 20), e afirmar categoricamente não ser “digno de desatar a correia das sandálias” (v. 27) de Quem viria depois dele.
A palavra de João Batista tinha peso de lei em Israel e ecoou mesmo além de suas fronteiras, ao longo de muitas décadas. Ouvia-se ainda esse eco nos dias em que o Discípulo Amado escreveu seu Evangelho. O testemunho do Apóstolo selava o do Precursor: “Eu o vi e dei testemunho de que ele é o Filho de Deus” (Jo 1, 34).
Na sequência — depois de documentar sua transferência, juntamente com André, das mãos do Batista para as de Jesus — o Evangelista narra o chamado aos outros três discípulos (Pedro, Filipe e Natanael). Digna de nota é a manifestação do discernimento divino de Jesus em relação a Natanael, provocando neste a exclamação: “Mestre, tu és o Filho de Deus...” (Jo 1, 49).
Estes são os pressupostos para melhor se entender o primeiro e portentoso milagre do Senhor, nas Bodas de Caná.
II — O PORQUÊ DO MILAGRE
Frequentemente, os profetas no Antigo Testamento se viam na contingência de comprovar por algum prodígio a autenticidade de suas previsões. Assim se deu, por exemplo, com Moisés (Ex 4, 30-31), Elias (1 Rs 18, 19-39) ou Samuel (1 Sm 12, 16-18). Ora, depois de chamar os cinco primeiros seguidores, quis o Mestre operar algo para confirmá-los na Fé, como o fizera com Natanael. Foi provavelmente por essa razão que Jesus “manifestou sua glória”, efetuando seu primeiro milagre nas Bodas de Caná, ou seja, para levar seus discípulos a crerem na divindade de sua origem e missão (Jo 2, 11).
E assim procedeu devido a uma suave e afetuosa súplica de sua Mãe. O Evangelho ressalta o importante papel de intercessora de Maria e deixa entrever seu maternal carinho para com os futuros Apóstolos ali presentes. Era o começo da realização da promessa feita por Jesus a Natanael, três dias antes:
“Verás coisas maiores do que esta” (Jo 1, 50). Seu intuito de robustecer até tornar inabalável a Fé daqueles que o acompanhavam só atingiu sua plenitude com a descida do Espírito Santo. Antes disso, apesar de todas as maravilhas operadas pelo Salvador, essa virtude continuou sendo débil e imperfeita em todos eles.
Com despretensiosa simplicidade e vivacidade de colorido, João descreve a cena da qual foi testemunha ocular, deixando transparecer a grande impressão por ela causada em sua própria alma e nas de seus companheiros.
Por que durante a celebração de umas bodas?
Nesse solene começo da vida pública de Jesus, sobressai-se de forma muito especial o fato de ter Ele escolhido uma festa nupcial como cenário do início de sua missão pública. O casamento não havia ainda sido elevado à categoria de sacramento. Entretanto, não devemos nos esquecer de seu alto significado na sociedade judaica de então, pois, esperando a vinda do Messias, o povo atribuía não pouca importância à união entre o homem e a mulher com vistas a perpetuar a raça até o seu nascimento. As cerimônias de noivado (um ano antes), assim como as das núpcias, eram revestidas de grande solenidade e precedidas de contratos financeiros entre os pais dos cônjuges. Seria ultrapassar os limites deste artigo, descrevê-las em seus pormenores.
Por outro lado, Jesus estava iniciando sua missão pública e desejava fundar a Igreja com vistas à santificação de todos. Ora, a célula mater da estruturação social sempre foi, e nunca deixará de sêlo, a família, como podemos constatar nas palavras de S.S. o Papa João Paulo II na Audiência Geral de 1/12/1999:
“A crise da família torna-se, por sua vez, causa da crise da sociedade. Numerosos fenômenos patológicos — indo da solidão à violência e à droga — explicam-se igualmente pelo fato de os núcleos familiares terem perdido sua identidade e sua função. Onde se desagrega a família, tende a desaparecer o entrelaçamento unitivo da sociedade, com desastrosas conseqüências para as pessoas, em particular as mais frágeis (...)
“No Catecismo da Igreja Católica lê-se: ‘A família é a célula originária da vida social. É a sociedade natural em que o homem e a mulher são chamados ao dom de si no amor e no dom da vida. A autoridade, a estabilidade e a vida de relações dentro dela constituem os fundamentos da liberdade, da segurança e da fraternidade no conjunto social. A família é a comunidade na qual, desde a infância, se podem assimilar os valores morais, tais como honrar a Deus e usar corretamente a liberdade. A vida em família é iniciação para a vida em sociedade’ (n. 2207).”
Nas Bodas de Caná, segundo a interpretação de famosos teólogos e exegetas, Jesus quis reafirmar a importância conferida pela sociedade antiga à união conjugal e santificá-la, preparando assim as vias para dar-lhe um caráter sacramental.
III — OS ENSINAMENTOS
A súplica onipotente de Maria
Caná era uma cidade de maior tamanho e influência que Nazaré. A História nada registra sobre a origem das relações entre a Sagrada Família e os nubentes, nem sequer por que Jesus e Maria foram convidados para a festa. As hipóteses a respeito se multiplicam. Entre elas, menciona-se um eventual estreitamento de relações, decorrente de serviços prestados por São José ao longo do tempo.
As peculiaridades e detalhes perderam-se pelo caminho, talvez por desígnio de Deus, a fim de concentrar a atenção dos séculos futuros na tão paradigmática festa das núpcias de Caná. Ali está simbolizado o lar católico como deve ser, e indicada a conduta a seguir face aos problemas e dificuldades da vida. Ali está prefigurada a família cristã assistida por Cristo, através da intercessão de Maria. A partir desse episódio, todos os cônjuges, até o fim do mundo, devem firmar-se na certeza de que Jesus solucionará qualquer drama ou aflição, se invocarem a onipotente mediação de Maria.
Harmonia conjugal
As épocas e os povos atingem seu esplendor quando a sociedade observa com rigor os princípios naturais e divinos relativos à constituição familiar. Este vasto e delicado assunto é de capital importância. Recordemos, a propósito, as palavras de sabedoria de um famoso Padre da Igreja, São João Crisóstomo:
Ouve, marido, o que te pede São Paulo: ‘Amai vossas mulheres como Cristo amou a Igreja’ (Ef 5, 25). Viste qual é a medida da obediência? Pois igual deve ser a do amor. Queres que tua mulher te obedeça como a Igreja a Cristo? Pois ama tua esposa como Cristo ama a Igreja. Ainda que tenhas de sacrificar a vida por seu amor, ainda que tenhas de suportar mil padecimentos, não terás igualado nunca o que fez Cristo. (...) Ainda quando vejas que ela te despreza e te insulta, tens de submetê-la a teus pés com cuidado, com afeto e com amizade. Não há um laço mais forte que o do amor para conciliar o marido e a mulher” (Homilia 20, sobre a Epístola aos Efésios).

A harmonia conjugal torna perene, exemplar e frutuosa toda e qualquer atividade do marido ou da esposa; sobretudo, desse virtuoso entendimento se beneficiam os filhos. Por isso afirma o Eclesiástico (25, 1 e 2): “De três coisas se compraz o meu espírito, as quais têm a aprovação de Deus e dos homens: (...) um marido e mulher que se dão bem entre si.”
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segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Evangelho XXVIII Domingo do Tempo Comum – Ano A – Mt 22, 1-14

Comentário ao Evangelho – 28º Domingo do Tempo Comum – Ano A – Mt 22, 1-14
Implacabilidade da própria consciência do pecador
12b “Mas o homem nada respondeu”.
“O homem nada respondeu”, porque o Juízo de Deus é justíssimo e irrecorrível. Pergunta, a esse propósito, Santo Afonso Maria de Ligório: “Que responderá o pecador em presença de Jesus Cristo? Ou melhor, que poderá responder ao ver-se culpado de tantos crimes? Calar-se-á confuso, como se calava o homem referido no Evangelho de São Mateus, encontrado sem o traje de bodas: ‘Ele não abriu os lábios’. Seus próprios pecados taparam-lhe a boca [...] Concluamos, portanto, com toda razão, que a alma ré de pecado, ao sair da vida e antes de ouvir a sentença, condena-se ela mesma ao inferno”.16
Com efeito, ensina-nos a Doutrina Católica que na hora do Juízo particular a própria consciência acusa a pessoa: “É pela recusa da graça nesta vida que cada um já se julga a si mesmo, recebe de acordo com suas obras e pode até condenar-se para a eternidade ao recusar o Espírito de amor”.17
A sentença de Deus é uma confirmação do julgamento feito pela própria consciência. Em suas pregações a respeito do dia do Juízo, Santo Antonio Maria Claret comenta: “Postar-se-ão diante do réu pecador todos os seus pecados, provando-lhe e convencendo-o que são de fato dele, e confundindo-o com esse conhecimento. [...] Cada um dos pecados cometidos se mostrará ali como numa tela, com toda a sua gravidade, não de maneira confusa, mas com toda a clareza [...]. Oh! consciência, consciência! Quem não treme ante tua espantosa acusação?”.18
13 Então o rei disse aos que serviam: ‘Amarrai os pés e as mãos desse homem e jogai-o fora, na escuridão! Ali haverá choro e ranger de dentes’”.
Transparecem mais ainda, neste trecho do Evangelho, a majestosa grandeza e a implacável justiça divina. O homem que estava sem veste nupcial é jogado nas trevas exteriores, as quais figuram, segundo expressão de São Gregório Magno, a “noite eterna da condenação”.19
Na hora em que o rei entrar no banquete — ou seja, na hora do Juízo —, quem estiver em estado de pecado mortal será lançado no fogo do inferno, de mãos e pés amarrados; e ali haverá choro e ranger de dentes por toda a eternidade.
Nem todos aceitam o convite
14 “Porque muitos são chamados, e poucos são escolhidos”.
Todos são chamados a fazer parte do banquete espiritual e receber o Rei eterno com a veste própria da festa nupcial. Pois “Deus quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (I Tim 2, 4), ensina o Apóstolo. Entretanto, poucos são os escolhidos.
Nosso Senhor morreu na Cruz para abrir a todos os homens as portas do Reino dos Céus. Mas, infelizmente, nem todos aceitam o convite.
III – Esperança no Reino de Maria
O chamado feito por Jesus nesta rica parábola continua ecoando hoje nas encruzilhadas dos caminhos, para os bons e para os maus, conclamando a uma atitude de retidão e vigilância. Porém, jamais poderemos estar com a alma inteiramente pronta na expectativa da grande festa que vai se dar sem praticarmos a virtude teologal da Esperança, tão importante quanto as da caridade e da fé.
Nascemos para a eternidade e devemos ter os olhos postos nesse último objetivo que é o Céu. Mas, o homem vive no tempo. Deus, então, para alimentar nossa Esperança nesta vida nos coloca diante de perspectivas mais ou menos próximas, que remetem depois para a eternidade.
De fato, hoje a Providência quer que vivamos em função da esperança do banquete para o qual Deus vem atraindo insistentemente a humanidade: o triunfo do Imaculado Coração de Maria predito em Fátima.
Como será possível transformar nossa atual quadra histórica, tão afastada de Deus, no esplendor do Reino de Maria em que, segundo o grande São Luís Maria Grignion de Montfort, “as almas respirarão Maria como o corpo respira o ar?”.20 Sem dúvida, pela oração e pela penitência, tão reiteradas vezes pedidas por Nossa Senhora, há de se operar uma verdadeira mudança dos corações.
Todavia, não devemos imaginar que tal renovação possa se efetuar num ato instantâneo, mas sim processivamente, por onde, quer as almas inocentes, quer aquelas que recebem, por especial graça, a restauração da inocência perdida, vão aos poucos constituindo uma nova era.
Assim como por ocasião da festa do casamento do Filho de Deus com a humanidade, em relação ao banquete do Reino de Maria não podemos alegar as ocupações que nos prendem ao mundo. E muito menos agredir a quem no-lo anuncia, neste caso, a própria Santíssima Virgem, que em Fátima nos chamou a seguir seus caminhos. Temos de aceitar essa solicitação que, mais do que um simples convite, é uma imposição, porque vem de Alguém infinitamente superior a qualquer rei da Antiguidade, o próprio Deus.
Estejamos sempre atentos à Palavra de Deus que nos convida ao banquete, e prestemos ouvidos à voz da consciência a nos advertir interiormente, a fim de não mancharmos a bela veste nupcial da vida da graça, para podermos entrar no festim eterno da visão beatífica onde, juntamente com Maria Santíssima, o próprio Deus será a nossa recompensa demasiadamente grande (cf. Gn 15,1).
1 BENTO XVI. Jesus de Nazaré – Do batismo no Jordão à Transfiguração. São Paulo: Planeta, 2007, p.58.
2 LÉON-DUFOUR, SJ, Xavier. Vocabulario de Teología Bíblica. Barcelona: Herder, 1965, p.570. Ver, no mesmo sentido: SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, III, q.42, a.3, resp.
3 SÃO GREGÓRIO MAGNO, Homiliarum in Evangelia. 38, c.3.
4 FILLION, Louis-Claude. La Sainte Bible commentée. Paris: Letouzey et Ané, 1912, t.VII, p.143-144.
5 GOMA Y TOMÁS, Isidro. El Evangelio explicado. Barcelona: Rafael Casulleras, 1930, v.IV, p.47.
6 Cf. SANTO AGOSTINHO. De Civitate Dei, l.XIV, c.28.
7 SÃO REMÍGIO, apud SÃO TOMÁS DE AQUINO. Catena Aurea – Expositio in Matthaeum. c.22, l.1.
8 ORBE, SJ, Antonio. Parábolas Evangélicas en San Ireneo. Madrid: BAC, 1972, v.II, p.282.
9 GOMÁ Y TOMÁS, op. cit., p.48.
10 SANTO HILÁRIO. Commentarius in Matthaeum, 22, c.7
11 SÃO JERÔNIMO, apud SÃO TOMÁS DE AQUINO, Catena Aurea, ibidem.
12 Idem, ibidem.
13 SÃO GREGÓRIO MAGNO, op. cit., 38, c.9.
14 MALDONADO, SJ, Juan de. Comentarios a los cuatro Evangelios – San Mateo. Madrid: BAC, 1960, v.I, p.765766.
15 SÃO GREGÓRIO MAGNO, op. cit., 38, c.7.
16 SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. Obras Ascéticas. Madrid: BAC, 1954, v.II, p.648-649.
17 CIC 679. S
18 ANTO ANTÔNIO MARIA CLARET. Sermones de Misión. Barcelona: Librería Religiosa, 1864, v.II, p.47.
19 SÃO GREGÓRIO MAGNO, op. cit., 38, c.13.

SÃO LUÍS GRIGNION DE MONTFORT. Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem, n.217.

domingo, 5 de outubro de 2014

Evangelho XXVIII Domingo do Tempo Comum – Ano A – Mt 22, 1-14

Comentário ao Evangelho – 28º Domingo do Tempo Comum – Ano A Mt 22, 1-14
Evangelho – Mt 22, 1-14
“Naquele tempo, 1 Jesus voltou a falar em parábolas aos sumos sacerdotes e aos anciãos do povo, 2 dizendo: ‘O Reino dos Céus é como a história do rei que preparou a festa de casamento do seu filho. 3 E mandou os seus empregados chamar os convidados para a festa, mas estes não quiseram vir. 4
O rei mandou outros empregados, dizendo: ‘Dizei aos convidados: já preparei o banquete, os bois e os animais cevados já foram abatidos e tudo está pronto. Vinde para a festa!’. 5
Mas os convidados o desprezaram: um foi para o seu campo, outro para os seus negócios, 6 outros agarraram os empregados, bateram neles e os mataram. 7
O rei ficou indignado e mandou suas tropas, para matar aqueles assassinos e incendiar a cidade deles. 8 Em seguida, o rei disse aos empregados: ‘A festa de casamento está pronta, mas os convidados não foram dignos dela. 9 Portanto, ide às encruzilhadas dos caminhos e convidai para a festa todos os que encontrardes’. 10 Então os empregados saíram pelos caminhos e reuniram todos os que encontraram, maus e bons. E a sala da festa ficou cheia de convidados. 11
Quando o rei entrou para ver os convidados observou ali um homem que não estava usando traje de festa 12 e perguntou-lhe: ‘Amigo, como entraste aqui sem o traje de festa?’. Mas o homem nada respondeu. 13 Então o rei disse aos que serviam: ‘Amarrai os pés e as mãos desse homem e jogai-o fora, na escuridão! Ali haverá choro e ranger de dentes’. 14 Porque muitos são chamados, e poucos são escolhidos’”(Mt 22, 1-14).
Um convite feito para todos
Para comemorar as núpcias da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade com a natureza humana, um convite é feito a todas as gerações ao longo da História. Como ele se manifesta em nossos dias?
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
I – A proximidade do Reino de Deus
Com divina singeleza narram os Evangelhos acontecimentos de incomparável transcendência, como a encarnação do Verbo, os incontáveis e estupendos milagres de Jesus, suas admiráveis pregações até sua dolorosa Paixão e Morte, seguidas da Ressurreição e Ascensão aos Céus.
Perante tais manifestações do sobrenatural, muitos eram os que compreendiam estar vivendo dias excepcionais. A geração que teve a ventura de conviver com o Divino Mestre e testemunhar fatos tão extraordinários, estava à espera de presenciar ainda algo de absolutamente incomum. A morte de Jesus não poderia representar o fim de tudo o que se passara então.
As grandes conversões após a descida do Espírito Santo, as pregações dos Apóstolos, os milagres operados por São Pedro invocando o nome de Jesus, alimentavam ainda mais essa expectativa. A Igreja nascente vivia assim num clima de proximidade da parusia, a ponto de São Paulo precisar corrigir o desvio dos tessalonicenses, que demonstravam uma culpável indiferença diante dos deveres da hora presente, sob pretexto de ser inútil seu cumprimento (cf. II Tes 2).
Passaram-se dois mil anos e a segunda vinda de Cristo, considerada iminente pelos primeiros cristãos, ainda não se realizou. Porém, essa viva esperança alentou-lhes a fé e o fervor, contribuindo para a sua perseverança nas árduas condições enfrentadas pela primitiva Igreja.
Embora não possa ser entendida num sentido meramente cronológico, a admoestação do Divino Mestre: “Fazei penitência, pois o Reino dos Céus está próximo” (Mt 4,17) e o consequente convite à conversão compõem o conteúdo central do Evangelho, conforme afirma o Papa Bento XVI: “O centro deste anúncio é a mensagem da proximidade do Reino de Deus. Este anúncio forma realmente o centro da palavra e do ministério de Jesus”.1
II – O banquete de casamento e o traje de festa
“Naquele tempo, 1 Jesus voltou a falar em parábolas aos sumos sacerdotes e aos anciãos do povo, 2a dizendo...”.
A passagem de São Mateus proclamada neste domingo começa por frisar que Jesus voltou a falar “em parábolas”.
Parábola é um termo de origem grega (Παραβολή) que etimologicamente significa “pôr ao lado”. Ele indica um gênero literário no qual se põe ao lado da verdade uma imagem que a torna mais viva e perceptível. Ora, a esse recurso as parábolas bíblicas acrescentam um segundo elemento: a expressão enigmática do pensamento. Elas são “um véu que oculta a profundidade do mistério àqueles que não podem, ou não querem, penetrar nele inteiramente”.2
Cristo serviu-Se muitas vezes desse meio em seu ministério público. A doutrina da Boa Nova era muito exigente e cobrava a perfeição moral do homem. Como opunha-se com frequência aos princípios vigentes, muitas vezes incompletos ou deformados, caso Nosso Senhor a ensinasse usando linguagem direta, sem as almas estarem preparadas para ouvi-la, poderia provocar uma rejeição completa logo de início, prejudicando gravemente o êxito de sua pregação. Por isso, a propósito de fatos comuns, compreensíveis a todos, Ele sugeria reflexões e punha problemas de consciência por meio de analogias, convidando as pessoas de forma muito suave e pedagógica à mudança de mentalidade e de vida.
Nesta ocasião, o Divino Mestre dirige-Se aos sumos sacerdotes e anciãos do povo que, tendo ouvido a parábola dos vinhateiros assassinos, imediatamente anterior a esta, compreenderam ser deles que Jesus falava e, tomados de ódio, procuravam prendê-Lo (cf. Mt 21, 45-46).
Deus convida o gênero humano para a visão beatífica
2b“O Reino dos Céus é como a história do rei que preparou a festa de casamento do seu filho”.
A exegese tradicional sempre interpretou a figura do rei como sendo o próprio Deus Pai, o qual comemora com um banquete a união do Filho com a humanidade, na pessoa de Cristo. Como bem sintetiza São Gregório Magno, “Deus Pai realizou as núpcias de Deus, seu Filho, quando O uniu à natureza humana no seio da Virgem, quando quis que Aquele que na eternidade era Deus, Se fizesse homem no tempo”.3
Dessas núpcias nasceu o povo eleito da Nova Aliança. Por elas, todo o gênero humano é convidado para a visão beatífica na vida futura, mistério de comunhão bem-aventurada com Deus que supera toda compreensão e toda imaginação.
3 “E mandou os seus empregados chamar os convidados para a festa, mas estes não quiseram vir”.
Para tão requintado banquete espiritual, Deus Pai manda convidar em primeiro lugar o povo eleito do Antigo Testamento, que deveria ter sua continuação no povo de Deus reunido no seio da Igreja Católica, plenitude da Sinagoga.
É interessante o comentário de Fillion sobre quem eram os “empregados” enviados pelo rei. Segundo o exegeta francês, esse convite foi feito “de acordo com o costume dos povos orientais que, independentemente do primeiro convite, não deixam de prevenir mais uma vez os convidados, pouco tempo antes do banquete. É assim que Deus, após ter convidado os judeus, pelos Profetas, a se prepararem para o Reino Messiânico, recordou-lhes por meio do Precursor, depois pelo próprio Jesus Cristo e por seus discípulos, que estava próximo o momento de ingressar na sala do festim”.4
Convém notar por fim, neste versículo, o fato de ter sido o rei quem mandou chamar os convidados, o que confere ao convite a força de uma ordem. Tendo naqueles tempos o soberano um poder absoluto sobre os seus súditos, uma convocação dessa natureza, além de muito honrosa, importava na obrigação de comparecer.
Recusa altiva e criminosa dos convidados
4 “O rei mandou outros empregados, dizendo: ‘Dizei aos convidados: já preparei o banquete, os bois e os animais cevados já foram abatidos e tudo está pronto. Vinde para a festa!’. 5 Mas os convidados o desprezaram: um foi para o seu campo, outro para os seus negócios”.
Perante a primeira negativa, o rei não se irrita, mas insiste paternalmente, enviando outros empregados, ou seja, aqueles que já haviam aderido à pregação do Salvador a ponto de se porem a serviço d’Ele e propagarem a Boa Nova. Encontramos de novo aqui a imagem de Deus Pai, respondendo às recusas dos convidados com maiores demonstrações de amor.
Estes, porém, em lugar de se deixarem atrair pela bondade do rei, “o desprezaram”. De maneira indigna, altiva e grosseira, rejeitaram o convite formulado com tanta cortesia para um banquete regiamente preparado. Movidos pelo egoísmo, foram cuidar dos seus interesses pessoais. “Preferiram viver despreocupados do Reino Messiânico, uns entregues a seus prazeres, e os outros, absorvidos pelos negócios terrenos”.5
O campo e os negócios representam aqui as preocupações da vida concreta que tantas vezes concentram a atenção do homem e o escravizam. Porque, como ensina Santo Agostinho, há apenas dois amores: o amor de Deus levado até o esquecimento de si mesmo; ou o amor de si levado até o esquecimento de Deus.6 Não existe uma terceira opção.
6 “...outros agarraram os empregados, bateram neles e os mataram”.
A ingratidão de alguns chegou ao extremo de matarem os emissários do rei.
Eram estes Santo Estêvão, São Tiago o Maior, São Tiago o Menor e todas as outras vítimas das terríveis perseguições narradas nos Atos dos Apóstolos e nas Epístolas de São Paulo. Mas também incluem-se aqui os mártires de todos os tempos, ou seja, tantas outras testemunhas da Fé que serão perseguidas e mortas ao longo dos séculos por aqueles que não quiserem aceitar a pregação da Boa Nova.
O ódio gratuito desses convidados não visava só, nem principalmente, as pessoas dos emissários, mas sim o rei, que estes representavam.
Indignação divina perante a ingratidão
7 “O rei ficou indignado e mandou suas tropas, para matar aqueles assassinos e incendiar a cidade deles”.
Para bem entender esta frase, é indispensável ter em vista que naquele tempo os reis tinham direito de vida e de morte sobre seus súditos. Esta atitude, portanto, era considerada normal pelos ouvintes de Jesus.
Com este esclarecimento, fica evidente o significado do versículo: a indignação do rei é imagem da reação de Deus ao ver como os homens se obstinam em rejeitar os maternais convites da graça, ao longo da História.
Um segundo convite, estendido a todos
8 “Em seguida, o rei disse aos empregados: ‘A festa de casamento está pronta, mas os convidados não foram dignos dela’”.
“A festa de casamento está pronta”. Explica São Remígio: “Isto é, já está ultimado e concluído todo o sacramento acerca da redenção dos homens”, mas os convidados, “desconhecendo a justiça de Deus e querendo dar preferência à sua, se consideraram como indignos da vida eterna”.7 E assim, comenta o padre Antonio Orbe, SJ, “Israel, antigo povo eleito de Deus, cede lugar à nova linhagem, adquirida por Cristo, com seu Sangue”.8
9“‘Portanto, ide às encruzilhadas dos caminhos e convidai para a festa todos os que encontrardes’. 10 Então os empregados saíram pelos caminhos e reuniram todos os que encontraram, maus e bons. E a sala da festa ficou cheia de convidados”.
A todos o Criador chama de variadas formas, segundo os seus misteriosos desígnios. Depois de Se dirigir ao Povo Eleito por meio dos patriarcas e profetas, Deus envia seu próprio Filho para manifestar-Se a todos os homens, e Este, num auge de amor, morre na Cruz pelos pecadores. Assim, à Antiga Lei sucede a Santa Igreja Católica Apostólica Romana, Mãe e Mestra da Verdade, para conduzir a humanidade ao supremo banquete na eternidade.
“Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi” (Mt 28, 19-20). Cumprindo esse mandado, foi a Igreja ao longo dos séculos convidando sucessivamente para o divino banquete todos os povos, bons e maus — ou seja, “aqueles que no paganismo levavam uma vida honesta, seguindo os ditames da Lei Natural, e os que viviam entregues às suas paixões”9 —, dando-lhes oportunidade de conhecer a verdade e aderir a ela. É a maravilhosa história da expansão da Santa Igreja pelo mundo.
O traje de festa representa o estado de graça
11“Quando o rei entrou para ver os convidados observou ali um homem que não estava usando traje de festa...”.
Como se pode ver neste versículo, a parábola mostra certas situações irreais cujo objetivo é fazer os ouvintes refletirem. Por um lado, não é plausível imaginar um rei tomando semelhante atitude; por outro, não existia naquela época um traje próprio para participar de uma festa de casamento.
Entretanto, esta cena expressa uma claríssima alegoria do Juízo, pois o rei vai mandar amarrar os pés e as mãos desse convidado e lançá-lo às trevas exteriores, onde “haverá choro e ranger de dentes”.
Ora, o que significa esse “traje de festa”? A interpretação dos exegetas e teólogos coincide em identificá-lo com o estado de graça, no qual deve estar a alma para entrar no Reino dos Céus. Segundo Santo Hilário, ele representa “a graça do Espírito Santo e o candor do hábito celestial que, uma vez recebido pela confissão da Fé, deve ser conservado limpo e íntegro até a entrada no Reino dos Céus”.10 E para São Jerônimo simboliza “a Lei de Deus e as ações praticadas em virtude da Lei e do Evangelho, que constituem o traje do homem novo; se no dia do Juízo algum cristão estiver sem ele, será castigado imediatamente”.11
12a “...e perguntou-lhe: ‘Amigo, como entraste aqui sem o traje de festa?’”.
Chama a atenção a fórmula usada pelo rei. Pois, enquanto o tom da pergunta demonstra uma censura àquele convidado, o rei começa por chamá-lo de “amigo”.
São Jerônimo nos dá esta explicação: “Chama-o de amigo porque tinha sido convidado para as bodas (e era realmente, pela Fé), mas o repreende por seu atrevimento em entrar assim na festa, enfeando-a com suas vestimentas sujas”.12 Ou seja, o fato de estar na sala do banquete indica tratar-se de uma pessoa que tem o sinal do Batismo, mas não correspondeu à graça do chamado divino. “Entra para as bodas sem as vestes nupciais aquele que acredita na Igreja, mas não tem a caridade”, ensina São Gregório Magno.13
Convém esclarecer, como faz Maldonado, que “tudo isso acontece no dia do Juízo, quando Deus expulsa do banquete — isto é, do Reino dos Céus — aqueles que têm a Fé, mas sem as obras; obviamente, eles não estavam no Céu, porém, estando na Igreja, encontravam-se virtualmente no Céu e, se tivessem boas obras, teriam passado da Igreja para o Céu”.14

De fato, pertencer à Igreja não é garantia automática de salvação. Mesmo entre os bons, às vezes se esgueiram alguns maus que recusam o verdadeiro banquete, como ocorreu com Judas entre os Apóstolos e com as heresias nascidas no seio da própria Igreja, já nas catacumbas. É a contingência deste vale de lágrimas, no qual os homens se encontram “in via”, em estado de prova. “Assim, os bons não estão sós, a não ser no Céu; tampouco os maus jamais estão sós, a não ser no inferno. Mas esta vida que se encontra entre o Céu e o inferno, estando em meio de ambos, recebe indistintamente cidadãos de ambos os lados; a Santa Igreja os recebe agora indistintamente, mas os separa na hora de sair. [...] Assim, pois, na Igreja Católica nem os maus podem estar sem os bons, nem estes sem aqueles”15 — explica São Gregório Magno.
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