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sábado, 13 de abril de 2013

Evangelho – 4º domingo da Páscoa - Ano - C 2013 - Jo, 27-30


Continuação dos comentários ao Evangelho – IV domingo da Páscoa - Bom Pastor Jo, 27-30 - Ano - C 2013

O pensamento de Platão

É interessante notar que Platão — em quem a Escolástica sorveu muitos ensinamentos, purificando-os do que havia de panteísmo —, ao desenvolver seu pensamento sobre a dialética do amor, diz que esta chega à sua plenitude ao contemplar “essa beleza isenta de acréscimo e de diminuição, beleza que não é bela numa parte e feia noutra, bela só em tal tempo e não em tal outro, bela em certo sentido e feia em tal outro, bela num lugar e feia noutro, bela para uns e feia para outros… Beleza que não reside num ser diferente de si mesma, num animal, por exemplo, ou na terra ou no céu ou em qualquer outra coisa, mas que existe eterna e absolutamente por si mesma e em si mesma; da qual participam todas as demais belezas, sem que o nascimento ou a destruição delas lhe ocasione a menor diminuição ou o menor acréscimo, nem a modifique em coisa alguma” (Banquete, 211 C).
Ambientação da Cena de hoje
Antes de entrarmos na análise dos quatro versículos que constituem o Evangelho deste quarto Domingo da Páscoa, relembremos em rápidos traços o contexto histórico de onde eles surgem.
Anualmente, cerca de dois meses após o término da festa dos Tabernáculos, por volta do fim de dezembro do nosso calendário, os judeus celebravam outra festa, a da Dedicação. Desde o ano 165 a.C. havia sido ela estabelecida, a partir da purificação do Templo levada a cabo por Judas Macabeu, após as profanações promovidas por Antíoco Epifanes (cf. 1 Mac 4, 36-59).
Nessa época, o Salvador contava seus trinta e dois anos de idade. Estaria Ele portanto, ingressando no último período de sua vida pública. Era uma manhã de inverno e já bem cedo Se encontrava Ele no Pórtico de Salomão, edificado com alvíssimas pedras. Nessa parte exterior do Templo, na face oriental, Jesus estava à espera de constituir-se uma assembleia de ouvintes. Em pouco tempo juntou-se em torno d’Ele uma grande multidão. Desta não podiam estar ausentes seus inimigos.
A fama de Jesus se espalhara rapidamente, sobretudo por causa dos numerosos milagres e da magnitude deles. Talvez pelo fato de, bem naqueles dias, ter Ele curado dez leprosos, os fariseus imploravam uma declaração taxativa sobre sua identidade: era ou não o Messias? À primeira vista, o pedido deles parece, não só razoável, mas até mesmo afetuoso. Entretanto, a Jesus ninguém engana. Quantas vezes, ao longo da História da Igreja, ímpios e hereges se serviram dos mesmos pretextos daqueles fariseus! Não era de clareza nem de evidência que necessitavam, mas, sim, de boa fé, docilidade e humildade.
Os fariseus se obstinavam na rejeição a Jesus
Temos tornado claro, em anteriores comentários, o quanto os judeus — especialmente os fariseus — concebiam o Messias de forma equivocada. Viam-No como um conquistador político e militar, um libertador do domínio, até mesmo sob o aspecto financeiro, do Império ao qual estavam subjugados; ademais, deveria Ele conferir aos seus co-nacionais toda a glória e a supremacia universal. Os que consideravam no Messias a exclusividade dos aspectos religiosos, d’Ele esperavam a força para obrigar à conversão e à prática da Lei (na qual, segundo seus fanáticos critérios, encontrava-se a mais alta santidade) todas as outras nações.
Ora, Jesus era, sim, o Messias esperado, mas muito diferente dessa distorcida concepção. Ele é o Filho Unigênito do Pai, Deus e Homem verdadeiro; seu Reino não é deste mundo... “Veio para o que era seu, mas os seus não O receberam” (Jo 1, 11). Exceção feita da Samaritana (Jo 4, 26) e de seus discípulos, ninguém ouvira Jesus atribuir-Se esse título, mas, na festa dos Tabernáculos, Ele não poderia ter sido mais explícito sobre sua origem, sua natureza e até mesmo sua missão (cf. Jo 7). Por isso Jesus afirmou já Se ter pronunciado sobre sua identidade e, apesar disso, não Lhe terem crido (cf. Jo 10, 24-26). Os fariseus não O entenderam, porque não se entregaram ao Messias como Ele realmente é; pelo contrário, desejavam que o Messias Se entregasse a eles como eram, com seus caprichos e fantasias.
De nada adiantaram todos os milagres, pregações, nem mesmo a manifestação das virtudes de Jesus para dissolver o egoísmo pétreo e incrédulo daqueles fariseus. Para eles só havia uma e exclusiva infalibilidade: a de suas ideias político-religiosas. Essa obstinação não é novidade para nós neste século XXI: a História, os fatos, o Papa, a Igreja, Nossa Senhora em Fátima, o universo, falam a uma só voz, mas, à exceção de poucos, ninguém quer entender, ou crer...
Essa é a muralha de aço que a Verdade tem sempre diante de si. Em geral, a Verdade de Deus exige de nós uma renúncia feita de dor; é preciso arrepender-se e fazer penitência, como proclamava João Batista, aspirar à perfeição, amar o bem e admirar o belo. Em uma palavra, é indispensável ser do número das ovelhas de Jesus. E os fariseus não o eram, por isso Ele procura ensinar-lhes não só com palavras, mas com fatos, pois não há como negá-los. Jesus, em resposta à pergunta se Ele era o Cristo, simbolicamente os exclui de seu Reino, pelo menos naquele momento, devido ao vício do orgulho tão penetrado nas almas deles (cf. Jo 10, 24-26). Sentença terrível que caberá eternamente àqueles recalcitrantes, obstinados e empedernidos na incredulidade de seu orgulho. Essa é a opinião de Santo Agostinho: “Disse-lhes isso porque os via predestinados à morte eterna, e não à vida eterna que Ele lhes havia conquistado com seu sangue. As ovelhas nada mais fazem do que crer no seu pastor e segui-Lo” (6).
Significado das palavras de Jesus
Entremos agora na análise do Evangelho deste quarto Domingo da Páscoa.
Continua no próximo post.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Evangelho – 4º domingo da Páscoa - Ano - C 2013 - Jo, 27-30


Comentário ao Evangelho – IV domingo da Páscoa - Ano - C 2013

Evangelho  Bom Pastor Jo, 27-30
27As minhas ovelhas ouvem a minha voz, Eu as conheço, e elas Me seguem. 28 Eu lhes dou a vida eterna; elas jamais hão de perecer, e ninguém as roubará de  minha mão. 29 Meu Pai, que Mas deu, é maior que todas as coisas; e ninguém pode arrebata-las da mão de meu Pai. 30 Eu e o Pai somos um (Jo 10, 27-30).
Somos todos ovelhas de Jesus?
Assim como outrora Jesus, o Bom Pastor, procurou atrair todos para seu Rebanho, sua voz continua hoje a ressoar nos corações, apelando para que nos deixemos apascentar por Ele. Os fariseus O recusaram decididamente. Que atitude tomará este nosso mundo?
O simbolismo na obra da Criação
Do nada, Deus criou todas as coisas, e de forma instantânea; não transformou seres pré-existentes, mas agiu por um ato exclusivo de sua onipotência, incomunicável a qualquer outro ser, mesmo por milagre (1). Ele tornou realidade o universo tendo em vista sua própria glória: “Dele, por Ele e para Ele são todas as coisas. A Ele a glória por toda a eternidade!” (Rm 11, 36). O Concílio Vaticano I é categórico neste particular: “Se alguém negar que o mundo foi criado para a glória de Deus, seja anátema” (2).
Deus é modelo de todos seres criados
 Poucos dogmas de nossa fé tiveram tão numerosos adversários como o da criação do mundo, claramente afirmado na primeira frase do Gênesis: “No princípio, Deus criou os céus e a terra” (Gn 1, 1). A variedade de objeções e heresias contra essa verdade que atribui a Deus a causa eficiente da origem do universo é grande. Por outro lado, embora a doutrina de que Deus é causa exemplar de todos os seres de sua obra dos seis dias quase não levante inimigos frontais e explícitos, são muito difundidos costumes, modos de ser, gostos, etc., pervadidos de erros larvados a esse respeito.
Na quarta via das provas da existência de Deus, explicitadas por São Tomás de Aquino, encontramos também, além do Criador como o Pulchrum (o Belo) por essência, todas as belezas esparsas pelo universo como participações e decorrências dessa fonte infinita. Mais claramente, em sua Suma Teológica, o Doutor Angélico define Deus enquanto modelo de todos os seres criados: “Deus é a primeira causa exemplar de todas as coisas (…); existem na sabedoria divina as razões de todas as coisas, às quais chamamos ‘ideias’, ou seja, ‘formas exemplares’ existentes na mente divina. Essas ideias (…) não são, contudo, algo realmente distinto da essência divina (…) Assim, pois, Deus é o primeiro exemplar de todas as coisas” (3).
Uma nota de altíssima beleza na Criação
A mente divina é infinitamente rica de seres possíveis e, se bem que Deus os possa criar todos, somente alguns Ele torna realidade. Assim, cada um de nós existiu como um possível na consideração de Deus, desde toda a eternidade (4). Apesar d’Ele não ter querido criar todos os seres possíveis, é enorme a quantidade de criaturas vindas à existência pelo seu poder divino. Essa superabundância, como ocorre com todos os atos de Deus, foi intencional; entre outras razões, procedeu Ele dessa forma para evitar a sensação de monotonia que poderia facilmente se produzir na alma humana. Nessa imensa obra que O levou a descansar no sétimo dia, o Criador quis colocar uma nota de altíssima beleza: o simbolismo.
Claro está que a beleza estética pura e simples tem grande valor, mas a intelecção desse valor não atingirá sua plenitude enquanto não remeta, de alguma forma, através de seu simbolismo, para o próprio Deus. A beleza simbólica tem uma categoria muito superior à estritamente física. Daí o terrível castigo de Deus aos que se negam a conhecê-Lo através dos símbolos e, em consequência, a adorá-Lo (5).
A rica simbologia do relacionamento entre o pastor e as ovelhas
Portanto, para nós, é uma obrigação moral ascender a Deus, e para isso nos servem as criaturas. No cumprimento desse dever através delas, encontraremos uma verdadeira hierarquia, pois umas nos serão mais ricas de conteúdo simbólico e, outras, menos. Por exemplo, no relacionamento com seus pais, uma criança, praticamente no todo de seu ser, sentir-se-á apoiada, compreendida e até afagada pela simples presença deles. Bastará vê-los afastar-se para julgar-se naufragando. Esse fenômeno, apesar de guardar características próprias, também se verifica entre adultos, pois todos necessitamos de receber as influências de nossos semelhantes, devido aos impulsos de nosso instinto de sociabilidade. Ora, o homem tem maior adesão às influências recebidas da parte daqueles que se constituem em seus modelos. Por isso, deixar-se enlevar, influenciar e mesmo formar pelos modelos que nos aproximam de Deus e a Ele nos assemelham não é um defeito, mas, muito pelo contrário, uma grande virtude e até obrigação.
Por outro lado, às vezes entende-se mais facilmente o protótipo de uma certa categoria analisando-se as relações entre seres inferiores a ela. Por exemplo, para nós nunca houve nem haverá modelo igual e, menos ainda, superior a Jesus Cristo; porém, comove-nos até a última fímbria de nossa sensibilidade vê-Lo refletido na figura do Bom Pastor que cuida carinhosamente de suas ovelhas. De fato, como anteriormente vimos, o universo existe, entre outros motivos, para nos auxiliar a melhor compreender a Deus, e nessa perspectiva está uma substanciosa condição para a prática do primeiro Mandamento. Amar a Deus sobre todas as coisas, como uma de suas vias, consiste em conhecê-Lo através de todas as coisas, para assim poder adorá-Lo e entregar-se inteiramente a Ele.
É na rica simbologia do relacionamento entre pastor e ovelhas que se situa a perspectiva do Evangelho deste domingo.

Continua no próximo post.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Evangelho do 3º Domingo da Páscoa Jo 21, 1-19 - Ano C - 2013


MENSAGEM DO EVANGELHO DO III DOMINGO DA PÁSCOA
Jo 21, 1-19 - Ano C - 2013
LIÇÕES PARA OS CATÓLICOS DE TODOS TEMPOS
Talvez por seu convívio íntimo e diário com a Mãe de Deus, ou por ser o amado, João escreve com especial unção, mostrando-se exímio conhecedor do profundo significado de todos os fatos. Nestes versículos de hoje, sua linguagem simbólica atinge um máximo de expressividade.
Pedro se lança ao mar com mais seis companheiros nas aventuras de uma pesca noturna. E Jesus, estando em lugar firme, vigia por eles e pela barca. Nada conseguem. Jesus os orienta, eles obedecem e o resultado é inesperado. Uma vez mais se torna patente a afirmação de Jesus: “Sem Mim, nada podeis fazer” (Jo 15, 5), como também aquela outra de São Paulo: “Tudo posso n’Aquele que me conforta” (Fl 4, 13). São as últimas lições deixadas pelo Divino Mestre, não só para a boa formação de seus discípulos de então, mas para os séculos vindouros, até o fim dos tempos, portanto, também para nós. Quando o fracasso arquear as nossas costas, procuremos ouvir a voz de Jesus e seguir seus ensinamentos. Ele, estando na praia da eternidade, nos dará o conselho sábio e eficaz prestes a transformar o peso que nos esgota em maravilhoso sucesso. Por isso jamais devemos desanimar, por maiores que sejam os obstáculos a transpor.
Pedro propõe a pesca, salta do barco em busca de Jesus e retorna ao mesmo para arrastar a rede. Também aqui, Pedro representa o Papa de todos os tempos, o Doce Cristo na terra. A ele cabe a condução da Igreja sob a vigilância e orientação de Jesus.
Os Apóstolos estavam sem alimentar-se durante toda a noite, mas, antes mesmo de qualquer providência, entregam os frutos de seus esforços a Jesus. Este deve ser sempre o nosso procedimento; primeiro temos de restituir a Deus os nossos sucessos, sem nos preocuparmos conosco, pois Ele tomará a iniciativa de completar aquilo que Ele mesmo começou. Lancemo-nos às atividades apostólicas sob o influxo do Espírito Santo, compenetrando-nos de que estamos na barca cujo piloto é Pedro. Nossa entrega e esforços devem ser totais. O sustento e a energia, no-los dará Jesus.
Em todas as missões apostólicas, devemos estar convictos da presença de Cristo ao nosso lado. Nós O sentiremos se prestarmos um pouco de atenção, tal qual se deu com esses sete discípulos: “Nenhum dos discípulos ousava perguntar-Lhe: ‘Quem és Tu?’, sabendo que era o Senhor”.
Também não é frutuosa a pesca de almas realizada “à noite”. Ou seja, por mais cultura, inteligência e dons naturais que possamos ter, nada conseguiremos em nosso apostolado se quisermos contar, de modo exclusivo, com os meios meramente humanos. São eles, a noite do nosso fracasso.
“Chegada a manhã ... “ (v. 4). É na luz da graça e, portanto, na intercessão de Maria Santíssima que Jesus se apresenta na praia. Ação missionária de maravilhosos efeitos sempre tem sido a realizada à luz da aurora da mediação d’Aquela que é invocada como a Estrela da Manhã.
1) Suma Teológica, Supl., q. 85
2) PL 38, 1161-1163.
3) PL 38, 1161-1163.
4) Apud Catena Áurea, in Jo XXI, 12
5) Apud Catena Áurea, in Jo XXI, 13. 6) Denzinger, Ench. Symb., nº 1.822.
6) Denzinger, Ench. Symb., nº 1.822.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Evangelho do 3º Domingo da Páscoa Jo 21, 1-19 - Ano C - 2013


CONTINUAÇÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO DO III DOMINGO DA PÁSCOA
10 Jesus disse-lhes: “Trazei dois peixes que apanhastes agora.”
Esse pedido feito por Jesus não visava apenas aumentar a quantidade de peixes a serem comidos por eles. De maneira sempre afetuosa e com ilimitada bondade, Jesus deseja fazê-los comprovar a grandeza da pesca realizada. Até esse momento, os Apóstolos estavam absortos na contemplação do Mestre e até já haviam se esquecido dos peixes e da barca. Em realidade, seu propósito era o de que trouxessem todos os peixes e os contassem.
11 Simão Pedro subiu à barca e arrastou a rede para terra, cheia de cento e cinquenta e três grandes peixes. E, sendo tantos, não se rompeu a rede.
Pedro, em seu ardoroso amor, está sempre pronto a, com arrojo, atender às solicitações de Jesus. Sua disponibilidade total não se cifra somente ao fato de ser ele o dono da barca. Ele sozinho termina a operação iniciada pelos outros. O primeiro no amor, o mais flexível na obediência. Aí está a verdadeira raiz da qual retiram substanciosa seiva todas as virtudes: o amor.
O número cento e cinquenta e três suscitou ao longo dos séculos — e até mesmo entre os Padres da Igreja — uma variada gama de opiniões. Entre somas, subtrações e multiplicações, uma corrente de teólogos e de exegetas atribuíram um notório caráter simbólico a essa cifra. Outros, porém, — e é a opinião predominante hoje em dia — julgam ter sido intenção exclusiva do evangelista, a de ressaltar a grandeza do milagre.
Simbólica, sem dúvida alguma, é a afirmação contida no fim do versículo, ou seja, apesar do grande número e do porte dos peixes, a rede não se rompeu. Quase todos os autores procuram tornar clara essa passagem de São João. Santo Agostinho é o mais feliz em interpretá-la.
Explica-nos ele a diferença entre as duas pescas, no tocante à integridade da rede. Na primeira, rompeu-se. Símbolo das heresias que surgiriam ao longo dos séculos. Na descrita pelo Evangelho de hoje, a rede manteve-se intacta apesar do enorme peso. Esta é uma pré-figura da Igreja após a ressurreição dos mortos, na qual haverá o supremo império da paz dos justos.
12Jesus disse-lhes: “Vinde comer.” Nenhum dos discípulos ousava perguntar-Lhe: “Quem és Tu?”, sabendo que era o Senhor.
Se bem não afirme São João que Jesus comera nessa ocasião, pode-se supor que tenha acompanhado os Apóstolos naquela refeição matutina a beira mar. Santo Agostinho assim discorre sobre este particular (4): “Na futura ressurreição, os corpos dos justos não necessitarão da árvore da vida que os preserve da morte por enfermidade ou decrepitude, nem tampouco de nenhum outro alimento que os livre dos incômodos da fome e da sede, porque se acharão revestidos de uma verdadeira e inviolável imortalidade, e não terão, caso queiram, necessidade de comer; pois ainda que não estarão privados da faculdade, estarão isentos dessa necessidade; assim como nosso Salvador, depois de ressuscitado em verdadeira carne, ainda que espiritual, comeu e bebeu com seus discípulos, não por necessidade, mas sim por poder”.
A sensibilidade dos Apóstolos começa a ser trabalhada pela realidade a respeito de Quem é Jesus. Apesar de ensejar Ele uma conversa, ninguém ousa dirigir-Lhe a palavra. A atmosfera é de respeito, admiração e de um certo temor reverencial. Todos reconheciam n’Ele o Senhor, mas era tão luminosa a transparência de sua majestade que o silêncio se impunha.
Digno é também de se notar a bondade e o carinho do Senhor em não só lhes propiciar uma excelente pesca, mas preparar e oferecer-lhes uma refeição segundo os costumes da época. Novamente imaginamos quão deliciosos deveriam ser aqueles pães e peixes...
13 Jesus aproximou-se, tomou o pão e deu-lhos, fazendo o mesmo com o peixe.
Jesus toma a iniciativa de aproximar-se dos discípulos, pois provavelmente guardavam uma certa distância respeitosa. Este divino procedimento nos faz comprovar uma vez mais a evidente realidade do grande empenho do Salvador em nos robustecer contra o mal. Antes mesmo de articularem qualquer palavra, ou de formularem um mínimo pedido, em sua infinita bondade dirige-se aos sete para alimentá-los, ou seja, fortalecê-los.
Transbordante e insuperável é o afeto de Jesus. Ele Se compadece em extremo pelo simples fato de nos encontrar com fome, símbolo do quanto nos assiste em nossas necessidades espirituais; basta levantar-se ao nosso redor um mínimo perigo que Ele se aproxima de nós para amparar-nos, fortalecer-nos e conceder-nos a vitória.
Muitos outros aspectos poderiam ser considerados nestas poucas palavras, ricas em significado. Ouçamos este comentário de São Gregório (5): “O convite último feito aos sete discípulos revela que, no banquete da glória, só estarão com Jesus aqueles que estejam cheios dos sete dons do Espírito Santo. Também os sete dias sintetizam todo o tempo deste mundo, e com frequência se designa a perfeição com este número. Aqueles, pois, que, animados pelo desejo de perfeição, se sobrepõem às coisas terrenas, são os que gozarão do eterno convite da verdade”. Ter-lhes-á sido dado a comer o puro pão ou, mais uma vez, lhes ofereceu a Eucaristia? É um belo problema para a Teologia resolver.
* * *
Os versículos finais (15 a 19), nos mostram a reparação de Pedro junto ao Salvador, por suas três negações durante a Paixão, e mais especialmente o recebimento do poder direto e universal sobre todo o rebanho, das mãos de Quem o perdoa, conforme o define o Concílio Vaticano I: “Só a Simão Pedro conferiu Jesus, depois de sua Ressurreição, a jurisdição de sumo pastor e reitor de todo o seu rebanho, ao dizer: ‘Apascenta meus cordeiros’, ‘apascenta minhas ovelhas’ (Jo 21, 15ss)” (6).
Não fossem os limites destas páginas, muito se poderia comentar sobre as palavras finais de Jesus, em especial os vários sentidos do convite expressado por Ele: “Segue-Me”. Não faltará ocasião para tal.

Continua no próximo post.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Evangelho do 3º Domingo da Páscoa Jo 21, 1-19 - Ano C - 2013


CONTINUAÇÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO DO III DOMINGO DA PÁSCOA
3 Simão Pedro disse-lhes: “Vou pescar”. Responderam-lhe: “Nós vamos também contigo”. Partiram e entraram numa barca. Naquela noite nada apanharam.
A noite é o período mais propício para a pesca e, certamente, hábeis e experientes nesse ofício, intuíam um bom êxito naquele empreendimento proposto por Pedro. Bastou ele comunicar seu plano que todos os outros se congregaram naquela aventura, tanto mais que deveriam estar carentes de subsídios para seu dia-a-dia. Pedro, sempre entusiasmado e não menos impetuoso, paulatinamente se havia constituído em propulsor dos Apóstolos.
Deu-se a partida cheia de esperança. Entretanto, com o passar das horas, a constatação da ineficácia de seus esforços fazia-lhes crescer no coração a convicção de quanto dependiam de um auxílio divino.
4 Chegada a manhã, Jesus apresentou-Se na praia, mas os discípulos não conheceram que era Ele.
O senso de observação era rico naquela civilização orgânica. Sem jornal, televisão, cinema ou rádio, as notícias se espalhavam oralmente e, por essa razão, surgiam espectadores da realidade por todas as partes. Assim, tomaram com naturalidade a presença de Jesus na praia, sem reconhecê-Lo de imediato. Aliás, da mesma forma havia procedido o Mestre com os discípulos de Emaús e com Madalena.
5 Jesus disse-lhes: “Rapazes, tendes alguma coisa para comer?” Responderam-Lhe: “Nada”.
Jesus, mesmo ao dirigir-lhes a palavra, voluntariamente não revela sua identidade, quer comunicar-Se com eles de forma exclusivamente humana, quiçá até mesmo modificando o timbre de voz e a expressividade, para não ser reconhecido. Este minúsculo detalhe nos mostra o quanto Jesus pode estar presente junto de nós em nossas atividades quotidianas, sem nós nos darmos conta. Compreenderemos no dia de nosso Juízo a que extremo Ele foi nosso companheiro a cada segundo, observando até nossos pensamentos e desejos.
Neste curto diálogo, Jesus propicia aos sete Apóstolos o sonho com um possível freguês. É curioso notar como, apesar do fracasso noturno, estão dispostos a uma nova tentativa para não perder o hipotético comprador. Assim devemos ser nós em nossos afazeres, sobretudo os apostólicos, ou seja, nunca desanimar. Sempre há uma última chance.
6 Disse-lhes: “Lançai a rede para o lado direito da barca e encontrareis.” Lançaram a rede e já não a podiam arrastar, por causa da grande quantidade de peixes.
Sendo Jesus onipotente, sua didática é divina. A fim de tornar ainda mais maravilhoso o milagre a ser por Ele operado, aproveita-se de uma noite de fracasso para aconselhar-lhes a lançar uma vez mais a rede. Nossas desilusões com as puras forças da natureza muitas vezes nos são úteis para convencer-nos da infinitude do poder de Deus.
Jesus orienta que seja do lado direito da barca. Por quê?
Quem nos explica é o grande Santo Agostinho (2): “Essa pesca se faz depois da Ressurreição do Senhor para nos indicar qual será o estado da Igreja após a nossa ressurreição. ‘Lançai a rede à direita da barca’ (Jo 21, 6) disse o Senhor. Os que estão à direita não se confundirão com os outros. Não esquecestes como o Filho do Homem nos garantiu sua vinda no meio dos anjos; as nações comparecerão diante d’Ele, e Ele as separará como o pastor separa as ovelhas dos cabritos, as ovelhas à direita, os cabritos à esquerda, e dirá depois às ovelhas: ‘Vinde (...)tomai posse do reino’; e aos cabritos: ‘apartai-vos de mim, malditos, ao fogo eterno’ (Mt. 25, 31-41). ‘Lançai a rede à direita’ significa, portanto, vede-me ressuscitado’. Quero dar-vos uma imagem do que vai ser a Igreja na Ressurreição dos mortos. ‘Lançai à direita’ (...)Lançaram a rede à direita e mal podiam levantá-la, tal era o seu peso!”
7 Então aquele discípulo a quem Jesus amava disse a Pedro: “É o Senhor!” Simão Pedro, ao ouvir dizer que era o Senhor, cingiu-se com a túnica, porque estava nu, e lançou-se à água.
Compreensível e belo era que o discípulo mais amado, somando suas impressões ainda implícitas à constatação da superabundância de peixes obtida, fosse o primeiro a concluir quem era aquele possível freguês. O timbre da voz, o decidido da ordem e a plenitude do efeito levaram João a reconhecê-Lo: “É o Senhor!”, exclamou ele.
Entretanto, o que mais amava, devido ao seu temperamento impetuoso e arrojado, foi o único a lançar-se nas águas. A dor pela falta cometida, o entusiasmo por Jesus, a rede pesadíssima, etc. fizeram-no optar por vias mais rápidas e decididas. Porém, por estar usando uma roupa comum dos pescadores daqueles tempos, devido a serem quentes os ares do Lago de Genezaré naquela época do ano, viu-se Pedro na contingência de cingir-se com a túnica, para nadar os cem metros que o separavam de Jesus. O “porque estava nu” não significa que estivesse de todo despido, mas sim com o sumário traje de pescador.
Curioso é de se notar que na época de Jesus nadava-se cingido de túnica.
8 Os outros discípulos, que não estavam distantes da terra senão duzentos côvados, vieram no barco puxando a rede cheia de peixes.
Ouçamos Santo Agostinho comentar este versículo (3): “Trouxeram a rede até a margem. (...) Ao dizer-se ‘margem’, deve-se entender ‘fim do mar’; e por ‘fim do mar’, entende-se fim do século. Na primeira pesca, as redes não foram trazidas até a margem, pelo contrário, os peixes foram colocados dentro das barcas. Agora não, são arrastadas até a praia. Espera o fim do século. Ele virá para o bem dos que estiverem à direita e para o mal dos que estiverem à esquerda”.
Continua no próximo post.