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terça-feira, 8 de março de 2011

A necessidade da contínua conversão

Deus é Paciência e usa de longanimidade para conosco, dando-nos tempo mais do que suficiente para nos convertermos. Mas, sendo também Sabedoria e Justiça, sabe como e quando castigar.

O amor incondicional de Deus a cada um de nós

Por meio da consideração do universo, de modo especial sob o aspecto da beleza, pode o homem a todo momento reportar-se a Deus, vendo nas criaturas reflexos do Criador. Entretanto, muitos dos nossos contemporâneos vivem engajados em um ritmo de vida que os absorve por completo, dificultando-lhes tomar distância dos afazeres cotidianos e se deter, mesmo por alguns instantes, para admirar algo de nobre, elevado ou belo capaz de alçá-los à esfera sobrenatural.

Quem assim procede, demonstra ignorar o lado mais profundo da realidade, uma vez que Deus está em toda parte e intimamente em todas as coisas! “N’Ele vivemos, nos movemos e existimos” (At 17, 28).

Deus quer dar-nos a vida eterna

Deus é sumamente comunicativo e “não cessa de chamar todo homem a procurá-Lo para que viva e encontre a felicidade”. Deseja entrar em contato conosco e tem por nós um amor gratuito, incomensurável e incondicional, que perdoa as infidelidades até o extremo de Nosso Senhor afirmar haver mais alegria no Céu pela conversão de um pecador do que pela perseverança de noventa e nove justos (cf. Lc 15, 7).



“Não quero a morte do pecador, mas que ele se converta e tenha a vida” (Ez 33, 11), diz a Sagrada Escritura. Esse pensamento expresso através da Revelação deve nos encher de confiança, qualquer que seja nossa situação espiritual.

Tanto mais que a vida desejada por Nosso Senhor, para nós, não se esgota nos limites de uma existência terrena cheia dos deleites dos sentidos, o que além de ilusório, quase nada seria face ao que Ele quer nos dar, ou seja, uma participação na própria natureza divina. Deus nos criou para gozarmos de sua plena e perpétua felicidade. Dádiva maior, não é possível excogitar!

Precisamos, sobretudo, não colocar obstáculos à graça

Desde toda a eternidade, Deus tem um plano específico para cada um de nós e o mantém, mesmo se a este não tenhamos correspondido como deveríamos. Em sua misericórdia, Ele vê o que toda pessoa seria se tivesse sido sempre fiel às graças recebidas, vivendo no auge de perfeição para a qual foi criada.

Deus espera que nossa vocação um dia se torne realidade e serve-Se dos acontecimentos cotidianos para nos mover à conversão. Assim, ainda que alguém se encontre num estado de extrema infelicidade por ter cometido uma falta grave — ou, pior ainda, por ter abraçado decididamente as vias do mal — o Divino Juiz não Se apressa em punir o pecador. Ao contrário, aguarda pacientemente o momento adequado para reconduzir o filho pródigo à casa paterna.

Mais ainda, o amor de Deus pelos homens é tão incondicional que, diante do anseio salvífico do Criador, nossa vontade fica relegada a um segundo plano. Bem sintetizou essa realidade Santa Maravilhas de Jesus em seu célebre lema: “Si tú le dejas...” — “Se tu O deixas...”. Pois, para trilharmos as vias da virtude, precisamos, sobretudo, não colocar obstáculos à ação da graça em nossas almas. A santidade não é principalmente resultado do nosso esforço, mas de uma iniciativa amorosa de Deus.

Jesus convida os Judeus à conversão
“Naquele tempo, vieram algumas pessoas trazendo notícias a Jesus a respeito dos galileus que Pilatos tinha matado, misturando seu sangue com o dos sacrifícios que ofereciam”.

Pouco tempo antes do episódio narrado neste Evangelho, quando o povo estava reunido no Templo para a oferta da Páscoa, alguns galileus, inconformes com o domínio romano, aproveitaram a grande confluência de peregrinos para iniciar uma revolução contra a autoridade de César.

Ao tomar conhecimento desse fato, Pilatos indignou-se e mandou executar os revoltosos. Ora, entrando os soldados no átrio do Templo, além desses promotores da sublevação, mataram também outros galileus que lá se encontravam para oferecer os sacrifícios de costume, derramando assim sangue inocente. A notícia produziu grande alvoroço e algumas pessoas apressaram-se a ir contar o ocorrido a Jesus.

A propósito do castigo temporal, alerta para a pena eterna
“Jesus lhes respondeu: ‘Vós pensais que esses galileus eram mais pecadores do que todos os outros galileus por terem sofrido tal coisa? Eu vos digo que não. Mas, se vós não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo’”.

Imaginavam os portadores da notícia que, sendo galileu, Jesus tomaria naturalmente o partido dos compatriotas mortos. Talvez até esperassem que a brutalidade da repressão levasse o Divino Mestre a pronunciar-Se a favor do nacionalismo judaico.

Ora, as cogitações de Nosso Senhor situavam-se sempre num plano muito superior ao das disputas políticas. Em sua resposta, Ele não Se compromete com os aspectos concretos da questão, mas aproveita a circunstância para dar uma lição moral, assim sintetizada por Fillion: “Sem julgar o procedimento do governador, nem descer ao terreno das discussões políticas, recorda aos seus ouvintes que, como todos ofenderam a Deus, estão todos expostos aos golpes da justiça divina, enquanto não se arrependerem e se converterem sinceramente”.

Deparamo-nos, aqui, com uma primeira atitude de Jesus a imitar: quando um fato da vida cotidiana se apresentar revestido de especial interesse, evitemos analisá-lo apenas segundo os aspectos terrenos, e procuremos elevar-nos até o plano sobrenatural, a fim de melhor julgá-lo.

De outro lado, na opinião de Leal e os outros professores da Companhia de Jesus, o teor da resposta do Divino Mestre visava corrigir uma ideia errada comum entre os judeus daquela época, segundo a qual toda dor era um castigo.5 Porém, ensina o Cardeal Gomá, só o Senhor “sabe se existe alguma relação entre os pecados pessoais e as desgraças ocorridas a alguém; os exemplos de Jó, de Epulão e Lázaro desmentem a teoria errônea e supersticiosa dos judeus”.

Ao afirmar que aqueles galileus mortos não eram mais pecadores do que os seus interlocutores, Jesus lança mão de um recurso psicológico para mais vivamente alertá-los sobre a gravidade intrínseca do pecado e das penas correspondentes. Pois, como afirma Maldonado, “tencionava Jesus advertir, acerca da pena eterna, os seus ouvintes impressionados pela narração daquele castigo temporal; como se lhes dissesse: [...] não reputeis miseráveis os homens que sofreram essa morte corporal, mas sim aqueles que sofrerão a morte da alma, e esta cairá com certeza sobre todos vós, se não fizerdes oportuna penitência”.

Um segundo caso trazido à tona por Nosso Senhor
“’E aqueles dezoito que morreram, quando a torre de Siloé caiu sobre eles? Pensais que eram mais culpados do que todos os outros moradores de Jerusalém? Eu vos digo que não. Mas, se não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo’”.

Logo a seguir, Cristo faz referência a outra tragédia recente: o desabamento da torre de Siloé, matando dezoito pessoas que se encontravam em seu interior. Desta vez a desgraça não decorrera de um acontecimento político, mas sim de um episódio fortuito.

Também sobre este caso pairava a suspeita de ter sido um desastre ocorrido para castigo das vítimas, pois, segundo julgavam os judeus daquele tempo, a morte acidental só advinha a quem houvesse ofendido gravemente a Deus. “Uma tal desgraça parecia mostrar a mão da Providência Divina como querendo castigar seus pecados”, comenta Maldonado.

Entretanto, aqui mais uma vez o Divino Mestre os corrige: aqueles dezoito não eram mais pecadores do que os outros judeus. E novamente adverte-os sobre a necessidade de se converterem.

Cumprimento das profecias de Jesus
“No plano de Deus há horas determinadas para a efetivação de castigos ou desgraças coletivas”, precisa o padre Tuya.9 Algumas décadas depois do episódio narrado neste Evangelho, foi Jerusalém sitiada pelas tropas de Tito, e sucumbiram os habitantes da cidade exatamente como esses galileus no Templo, pelas mãos de romanos.

Sublinha, a este propósito, o Cardeal Gomá: “O próprio recinto do Templo, como narra Flávio Josefo, encheu-se de cadáveres durante o cerco de Jerusalém, ‘do mesmo modo’, oferecendo sacrifícios”.

E escreve Didon: “É provável que os sábios de então, os saduceus, cortesãos do poder estrangeiro; os fariseus, que acreditavam no triunfo de Israel, no orgulho cego de sua piedade sem virtude, sorrissem das ameaças do Profeta; o próprio povo sempre mais comovido com o presente do que com o futuro afastado, não parece ter-se impressionado com elas.

“A profecia todavia não tardou em verificar-se: quarenta anos mais tarde, os soldados de Tito degolavam no Templo os últimos partidários exasperados da independência nacional; e as casas de Jerusalém, incendiadas, desabavam, como a torre de Siloé, sobre os habitantes da cidade impenitente.

“Este futuro terrível para o qual a nação se precipita, não deixa mais o pensamento do Profeta; comove-O e entristece-O mais do que a sua própria morte; quereria preveni-lo, abalando as consciências e abrindo-as à voz de Deus. Se compreendessem o dever do momento, renunciariam aos sonhos terrestres que as enganam, acolheriam a Boa-Nova do Reino, de Israel transformado, deixando os romanos prosseguir na sua obra, tornar-se-ia o verdadeiro povo espiritual de Deus. Nunca destino mais sublime foi oferecido a uma nação; nunca se deu exemplo de mais incurável cegueira. Jesus em vão procurava desenganá-la”.

Assim, no ano 70, segundo muitos comentaristas, se cumpriram ambas as profecias incluídas no Evangelho de hoje. O historiador judeu Flávio Josefo, testemunha ocular daqueles acontecimentos, relata cenas dramáticas, como a de uma mãe que, movida pela fome e pelo desespero, assou ao forno o próprio filho, para comê-lo.

A parábola da figueira
Visando melhor vincar nas almas dos seus ouvintes a necessidade de uma pronta penitência, Jesus continua Seus ensinamentos recorrendo a uma parábola de fácil compreensão, por ser a figueira muito comum na Palestina daquela época. Costumava-se plantá-la pelo meio das vinhas, e tanto as uvas quanto os figos secos constituíam parte importante da alimentação dos povos que lá habitavam.

Imagem dos que não procuram fazer boas obras
“E contou-lhes também esta parábola: ‘Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha. Foi até ela procurar figos e não encontrou’. Então disse ao vinhateiro: Já faz três anos que venho procurando figos nesta figueira e nada encontro. Corta-a! Por que está ela inutilizando a terra?’”.

A figueira costuma dar frutos logo no primeiro ano ou, no mais tardar, no segundo. Ora, aquela estava há três anos sem nada produzir. Não havia, portanto, necessidade de esperar mais tempo para cortá-la, porque uma planta estéril, além de ocupar espaço no pomar, desgasta inutilmente o solo.

De fato, a árvore da parábola simboliza as pessoas que não se esforçam em fazer boas obras, mas pretendem viver apenas se beneficiando das graças de Deus, sem procurar fazer frutificar esses dons. Afirma São Gregório Magno: “Quem não apresenta frutos de boas obras, segundo seu cargo e condição, ocupa debalde o terreno, como árvore estéril, pois impede outros de fazerem o bem no mesmo lugar por ele ocupado. [...] Com efeito, ocupa debalde o terreno quem põe obstáculos às almas alheias; ocupa debalde o terreno quem não se empenha em agir segundo o cargo que ocupa”.

Encontramos aqui mais uma aplicação para nossa vida espiritual: por vezes, sinais evidentes nos mostram que Deus nos quer em determinada atividade apostólica, para ampliação do Reino d’Ele. Apesar disso, nada fazemos. Incorremos, assim, numa falta por omissão. Com frequência, esse tipo de faltas passa despercebido em nosso exame de consciência, pois, por estarmos demasiadamente voltados para nossos próprios interesses, nem nos damos conta de que pecamos quando não produzimos os frutos que o Dono da Vinha espera.

Ora, nesta passagem há para nós uma advertência: o dono da vinha mandou cortar a figueira estéril. Não poderá acontecer algo semelhante com qualquer um de nós?

Analogia com o Povo Eleito
“’Mas o vinhateiro respondeu: Senhor, deixa a figueira ainda este ano. Vou cavar em volta dela e vou colocar adubo. Pode ser que venha a dar fruto. Se não der fruto, então tu a cortarás!’’’.

A situação descrita nestes versículos é aplicada pelos comentaristas ao Povo Eleito. Neste sentido, afirma o padre Tuya: “assim foi tratado Israel, cultivando-o repetidamente com avisos e profetas; em seguida o Batista e, por fim, Cristo com suas doutrinas e milagres. Mas os dirigentes de Israel não O reconheceram como o Messias”.

Com efeito, no Antigo Testamento várias vezes Deus exortou, sem sucesso, essa “figueira” a dar frutos. Já bem próximo do momento da colheita, mandou o Precursor, como arauto da justiça divina, alertando: “Fazei pois, dignos frutos de penitência. [...] Já o machado está posto na raiz da árvore. Toda árvore que não dá frutos será cortada e lançada no fogo” (Lc 3, 8-9). Mais tarde Ele próprio quis fertilizá-la com seu preciosíssimo Sangue divino, que regou toda a Terra.

Mas a “figueira” permaneceu estéril. “O Senhor procurou nela frutos de fé, mas ela nada tinha para dar”, sentenciou Santo Efrém de Nísibe.
Por isso, afirma São Cirilo de Alexandria: “Após a crucifixão do Salvador, os israelitas foram condenados a cair nas misérias que mereceram. Jerusalém seria capturada e seus habitantes mortos pela espada inimiga; suas casas seriam queimadas e até o Templo de Deus seria destruído”.16
Não esqueçamos, entretanto, aquilo que com propriedade fazem notar os mesmos professores da Companhia de Jesus: “A aplicação é extensiva ao homem em geral, pois a história judaica sintetiza a História da humanidade”.

Saibamos, então, encontrar as devidas analogias desta parábola para a nossa vida espiritual. Pois, como sublinha um piedoso autor: “Nós somos essa figueira, enxertados em Jesus Cristo pelo Batismo, plantados em sua Igreja pela fé, [...] cuidadosamente cultivados [...]. Procuramos corresponder a tudo isso, produzindo os frutos que Ele tem direito a esperar de nós?”.

Simbolismo da figura do vinhateiro
Muitos são os simbolismos atribuídos pelos comentaristas à figura do vinhateiro. Afirma Teófilo: “Deus Pai é o dono da vinha; o vinhateiro é Jesus Cristo, o qual não permite cortar a figueira estéril, como se dissesse ao Pai: ‘Mesmo não tendo dado frutos de penitência pela Lei e pelos Profetas, Eu os regarei com meus tormentos e minha doutrina, e talvez produzam frutos de obediência’”.

O Cardeal Gomá o identifica com o nosso Anjo da Guarda, ou com as pessoas suscitadas por Deus para nos dirigir, ou até mesmo com cada um de nós, porque “cada qual cuida de sua vinha”.

E São Gregório Magno se pergunta: “O que significa o vinhateiro, senão a ordem dos prelados? Pois estes, estando à frente da Igreja, estão certamente cuidando da vinha do Senhor”. E atribui, logo a seguir, um inesperado simbolismo ao trabalho do vinhateiro: “O que significa cavar ao redor da figueira senão increpar as almas infrutíferas? Com efeito, toda escavação se faz embaixo e é certo que a increpação, ao ser feita, humilha a alma; portanto, quando increpamos a alguém seu pecado, agimos como quem, por exigências do cultivo, cava em volta da árvore estéril”.

“Então tu a cortarás!”
A passagem do Evangelho termina abruptamente com palavras de terrível ameaça: “Então tu a cortarás!”.

Não faltavam no Antigo Testamento exemplos de severos castigos para dar crédito a essa advertência: no tempo de Noé, a terra foi submersa pelas águas do dilúvio (cf. Gn 7, 17-24); Sodoma e Gomorra foram destruídas pelo fogo (cf. Gn 19, 24-25); as tropas do faraó pereceram, afogadas no Mar Vermelho (cf. Ex 14, 27- 28). Deus é a Paciência, em substância, mas também é a Sabedoria e a Justiça, e sabe como e quando intervir.
E no Novo Testamento, veremos Jesus retomar a figura desta parábola quando, indo de Betânia a Jerusalém, três dias antes de Sua morte, teve fome e dirigiu-Se a uma figueira localizada à beira do caminho. Não achando nela senão folhas, disse-lhe: “Nunca mais produzas fruto algum!”. E, no mesmo instante, a figueira secou, deixando estupefatos os discípulos (cf. Mt 21, 17-20). Conforme especifica São Marcos, ela secou “até a raiz” (Mc 11, 20).

Bem pode essa árvore estéril representar a história de quem vai abusando da paciência do Criador, até o momento, desconhecido pelos homens, em que sua medida estará completa...

O que Deus espera de nós
Deus usa de longanimidade para conosco, conforme as palavras de São Pedro: “O Senhor pacientemente vos aguarda, não querendo que ninguém pereça senão que todos se arrependam” (II Pd 3, 9). Dá Ele tempo de sobra para a terra ser adubada e regada, ou seja, para as pessoas se converterem.


Contudo, os terríveis efeitos da Justiça divina convidam-nos a examinar a fundo nossa consciência, para saber se estamos cumprindo nossos deveres de cristão, assumidos no Batismo. O convite à conversão apresentado por esta passagem significa caminhar para a perfeição, excluindo qualquer apego ao pecado, pois o bem só poderá nascer de uma causa íntegra.

Estejamos, pois, conscientes da necessidade de uma contínua e autêntica conversão, uma vez que a busca de Deus exige do homem todo o empenho de sua inteligência e a retidão de sua vontade para corresponder à graça, sem a qual nada podemos fazer.

E se, por infelicidade, tivermos incorrido em muitas faltas, não nos esqueçamos de que Nossa Senhora e o nosso Anjo da Guarda estão sempre rogando por nós, para Deus nos conceder mais uma oportunidade. O mesmo fazem os bem-aventurados, conforme afirma Santo Agostinho ao comentar essa parábola: “Todos os santos são como vinhateiros que intercedem pelos pecadores perante o Senhor”.

Esta Liturgia — que nos adverte com tanta seriedade, mas também nos incentiva a ter uma inabalável confiança na misericórdia divina — é própria a nos conduzir, como dissemos, a um apurado exame de consciência. Aproveitemos, então, o dia de hoje para pedir a graça de romper inteiramente com o mal. Aquilo que Jesus esperava e até reclamava de Seu povo, tal qual transparece no Evangelho de hoje, é exatamente o que Ele quer de cada um de nós. Ou seja, uma grande virtude de penitência e espírito de compunção, necessários a todos os que não viveram uma perfeita inocência.

Essa dor dos próprios pecados, quando redunda numa contrição perfeita, produz belos e abundantes frutos, como a plena remissão de nossas culpas e das próprias penas temporais, e também um considerável aumento da graça santificante que faz a alma avançar rapidamente pelas sendas da santificação. Além de grande paz interior, essa contrição manterá a alma em estado de humildade, purificando-a e auxiliando-a a mortificar seus desordenados instintos. Aí está um ótimo meio para adquirir forças contra as tentações e garantir a perseverança na fidelidade aos Mandamentos.
Será que não nos move o exemplo tão clamoroso da rejeição daquele povo ao prazo que lhe dá o Salvador para seu arrependimento e conversão?

Reagiremos nós da mesma forma ou imploraremos, por meio de Maria, esse verdadeiro dom de Deus, que é a contrição perfeita?

Eis o que a respeito da pecaminosa rejeição do povo eleito comenta Didon: “O fruto que Deus esperava e reclamava da Sua nação escolhida era a penitência e a fé; a penitência que chora as infidelidades e as faltas, a fé que aceita a palavra de vida e dá acesso ao Reino messiânico”.
“Desde a primeira hora da Sua vida pública, Jesus não cessou de lembrar estes grandes deveres. Mas, afora alguns eleitos, nenhum responde; em lugar de bater no peito, os chefes religiosos não falam senão da sua justiça; em lugar de crer no Enviado, combatem-no, perseguem-no, difamam-no, ameaçam-no e anatematizam-no. A vingança de Deus aproxima-se, pronta a rebentar, se o Enviado desconhecido não suspende a sua explosão; esta raça cega mal o imagina, embala-se em ilusões fatais que a palavra de Jesus não consegue dissipar, adormece nas promessas de Deus, sem pensar que o seu endurecimento torna estéreis essas promessas e provoca a cólera celeste. Os milagres não podem mais sobre ela do que a palavra. Arrancam à multidão alguns gritos de admiração, mas escandalizam a classe dirigente que não cessa de opor ao Profeta as vãs observâncias do seu culto”.

Mais uma vez, podemos nos perguntar: e nós, reagiremos da mesma forma?