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sexta-feira, 26 de abril de 2013

EVANGELHO DO VI DOMINGO DA PÁSCOA - ANO C – 2013 Jo 14, 23-29


COMENTÁRIO AO EVANGELHO DO VI DOMINGO DA PÁSCOA - ANO C – 2013   Jo 14, 23-29

As inexcogitáveis dádivas prometidas pelo Salvador, antes de sua partida para a eternidade, têm como pressuposto o amá-Lo e o guardar sua palavra. 
23 Se alguém Me ama, guardará a Minha palavra e meu Pai o amará, e Nós viremos a ele, e faremos nele a nossa morada. 24 Quem não Me ama não observa as minhas palavras. E a palavra que ouvistes não é minha, mas do Pai que Me enviou. 25 Disse-vos estas coisas estando convosco. 26 Mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas, e vos recordará tudo o que vos disse.
Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz; não vo-la dou como a dá o mundo. Não se perturbe o vosso coração, nem se assuste. 28 Ouvistes que Eu vos disse: Vou e voltarei a vós. Se vós Me amásseis, certamente vos alegraríeis de Eu ir para o Pai, porque o Pai é maior do que Eu. 29 Eu vo-lo disse agora, antes que aconteça, para que, quando acontecer, acrediteis (Jo 14, 23-29).
PREPARANDO A PARTIDA DESTE MUNDO
Zelo e benquerença, já antes de partir
Partir c’est toujours mourir un peu!” Partir é sempre morrer um pouco, dizem os franceses. Assim — apesar de vivermos na era do avanço total das comunicações, na qual as distâncias quase já não existem — a despedida de um ente querido sempre dói no coração. Muito mais ainda naqueles tempos do Império Romano, nos quais as viagens eram demoradas, não havia telégrafo, telefone nem internet. Acrescente-se a esses dados o fato de o destino para o qual ia o Divino Mestre não ser outra cidade ou país, mas sim a eternidade.
Por isso mesmo, Jesus se esmera em preparar de maneira exímia seus seguidores para as conseqüências resultantes de sua ida definitiva para o Pai.
“Não se perturbe o vosso coração ...”, era o empenho zeloso e cheio de benquerença da parte de Jesus por seus discípulos. E ... “nem se assuste”.Ele é carinhoso em extremo e quer consolá-los o quanto pode, fazendo-os compreender, “antes que aconteça”, as enormes vantagens oriundas de sua partida deste mundo.
Necessidade do afastamento de Jesus
Com efeito, os discípulos, após longo tempo de íntimo e diário convívio com Jesus, guardavam uma figura ainda muito humana do Redentor. E por isso tornava-se necessária sua Ascensão ao Céu, entre outras razões, para o Espírito Santo infundir-lhes a verdadeira imagem a respeito do Filho de Deus. A esse propósito nos diz Santo Agostinho: “Se Ele não se afastasse corporalmente, veríamos sempre seu corpo através de olhos carnais e não chegaríamos a crer espiritualmente; e esta fé é necessária para que, justificados e beatificados por ela e tendo o coração limpo, merecêssemos contemplar esse mesmo Verbo de Deus em Deus” (1).
E em outra obra, ainda dirá o mesmo Bispo de Hipona: “Bem conhecia Ele o que lhes era conveniente, porque era muito melhor a visão interior com que lhes havia de consolar o Espírito Santo, não estando em corpo visível aos olhos humanos, senão infundindo-se Ele mesmo no peito dos crentes” (2).
É diante da perspectiva de Jesus deixar os seus discípulos que a Liturgia de hoje aborda as mais belas promessas por Ele feitas.
O PRÊMIO DO AMOR: “E FAREMOS NELE A NOSSA MORADA”
23 “Se alguém Me ama...”
O amor ocupa um lugar proeminente em nossas relações com Deus. O próprio Jesus no-lo diz: “Amai ao Senhor vosso Deus com todo vosso coração, com toda vossa alma e com todo vosso espírito. Este é o maior e o primeiro dos mandamentos” (Mt 22, 37-38).
Em várias outras passagens, as Escrituras Sagradas insistem sobre essa lei do amor a Deus: “Amai com todas as vossas forças Àquele que vos criou” (Ecli 7, 32). “Amai ao vosso Deus toda vossa vida e invocai-O para que vos salve” (Ecli 13, 18). “O amor é o pleno cumprimento da Lei” (Rm 13, 10).
Podemos amar a Deus de uma forma imperfeita, procurando agradar-Lhe com o objetivo de recebermos o prêmio da glória eterna. Mas este amor é incompleto e fruto mais especificamente da virtude da esperança, do que da caridade.
Para receber as dádivas prometidas por Jesus no Evangelho de hoje, é preciso amar a Deus em razão de ser Ele quem é, e não apenas com vistas a obter a recompensa reservada aos bons.
“... guardará a minha palavra ...”
Com divina capacidade de síntese, deduz o Salvador, logo a seguir, uma primeira consequência desse amor: a submissão à voz de Deus.
Afirma Santa Teresinha: “Para o amor, nada é impossível”. O fogo da caridade nos habilita, com efeito, para toda e qualquer ação, tornando fácil a virtude da obediência, praticada pelo próprio Jesus de forma tão exemplar. Ele, durante os primeiros trinta anos de sua existência, foi modelarmente submisso a Maria e José (cfr. Lc 2, 51). E é comovedor acompanhar passo a passo as relações entre o Filho e o Pai, ao longo da vida pública de Jesus. Não  á uma só referência da parte d’Este na qual não transpareça sua absoluta submissão: “O meu alimento é fazer a vontade d’Aquele que Me enviou e realizar sua obra”(Jo 4, 34). “Desci do Céu não para fazer a minha vontade, mas sim a d’Aquele que me enviou” (Jo 6, 38). O Verbo se fez carne, entre outras razões, para nos ensinar o valor incomensurável da obediência.
Do Gênesis ao Apocalipse, reluzem os exemplos da prática dessa virtude. Ora um Samuel admoesta ao rei Saul: “Acaso o Senhor se compraz tanto nos holocaustos e sacrifícios como na obediência à sua voz? A obediência é melhor que o sacrifício, e a submissão vale mais que a gordura dos carneiros” (I Sam 15, 22). Ora aconselhará São Paulo aos Hebreus: “Obedecei aos vossos pastores e sedelhes sujeitos”(13, 17). Ou lembrará em sua Epístola a Tito que “sejam sujeitos aos magistrados e às autoridades; que lhes obedeçam, que estejam prontos para fazer o bem” (3, 1). Ou mesmo um Abraão inteiramente disposto a imolar seu único filho Isaac, a fim de cumprir um mandato divino (cfr. Gen 22, 1-12). E o que dizer de um Jó, de um Tobias ou da própria mãe dos Macabeus? E de Maria Santíssima em seu “fiat”? to Agostinho dizem ser ela indispensável até para a prática da castidade, pois quem não se submete às ordens e desejos do superior, não conseguirá reprimir a concupiscência da carne. Para sermos fiéis aos Mandamentos da Lei de Deus, necessário é termos flexibilidade de espírito em relação à vontade de nossos superiores.
Continua no próximo post.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Evangelho 5º Domingo da Páscoa - Ano C - 2013 - Jo 13, 31-33a.34-35


Conclusão dos comentários ao Evangelho – V domingo da Páscoa Jo 13, 31-33a.34-35 - Ano C - 2013

Sofrimento e amor: causas do prêmio final

Face ao panorama descortinado pelo Evangelho deste 5º Domingo da Páscoa, não podemos deixar de ter presente o fim a que nos conduz a noção sobrenatural do sofrimento e do amor ao próximo levado até à imitação daquele que Nosso Senhor manifestou por nós. Tal fim é apontado com muita clareza na segunda leitura, extraída do Apocalipse: “Esta é a morada de Deus entre os homens, Deus vai morar no meio deles. E eles serão o seu povo, e o próprio Deus estará com eles. Deus enxugará todas as lágrimas dos seus olhos. A morte não existirá mais, e não haverá mais luto, nem choro, nem dor, porque passou o que havia antes” (21, 3-4).

São João indica, profeticamente, o local destinado a todos os que seguirem as recomendações dadas pelo Redentor, onde não existe mais a dor e a alegria é plena na visão de Deus face a face. Diante da eternidade feliz todo sofrimento desta Terra será nada, como escreveu Santa Teresinha: “quando penso que por um sofrimento suportado com alegria amaremos melhor a Deus durante toda a eternidade!”.19 Sim, nem sequer vamos nos lembrar das dificuldades que tivemos neste mundo, pois o estado de prova terá passado como num piscar de olhos. Restará apenas a bem-aventurança.

Não somos capazes de conceber como será a vida na eternidade: tão cheia de gozo que São Paulo, após subir ao terceiro céu, voltou sem conseguir exprimir em termos humanos o que Deus tem preparado para os que O amam (cf. I Cor 2, 9), e da qual São João Bosco, tendo visitado em sonho a antecâmara do Paraíso, regressou descrevendo maravilhas.20 O convívio com os Anjos, com os Santos, com Nossa Senhora e com Deus é o que nos aguarda; mas, para chegarmos a esse Reino, aceitemos com resignação todos os sofrimentos permitidos pela Providência Divina para o nosso bem e amemos nossos irmãos com sincera afeição. Não nos esqueçamos de que as dores terminam na hora da nossa morte, enquanto no Céu “a caridade jamais acabará” (I Cor 13, 8).

1Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. I, q.64, a.2.
2Cf. Idem, q.95, a.1.
3Cf. ROYO MARÍN, OP, Antonio. Jesucristo y la vida cristiana. Madrid: BAC, 1961, p.72-73.
4Cf. BEAUDENOM, Léopold. Méditations affectives et pratiques sur l’Évangile. Paris: Lethielleux, 1912, t.I, p.227-228; FABER, apud CHAUTARD, OSCO, Jean-Baptiste. A alma de todo apostolado. São Paulo: FTD, 1962, p.112.
5CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência. São Paulo, 23 maio 1964.
6Idem, ibidem.
7SÊNECA. Tratados filosóficos. Cartas. México: Porrúa, 1979, p.75.
8Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., III, q.81, a.2.
9TANQUEREY, Adolphe. La divinisation de la souffrance. Tournai: Desclée, 1931, p.26.
10Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., III, q.14, a.1, ad 2.
11SÃO FRANCISCO DE SALES. Sermon pour la feste de Saint Jean Porte-Latine. In: Œuvres Complètes. Sermons. 2.ed. Paris: Louis Vivès, 1862, t.IV, p.540.
12SÃO FRANCISCO DE SALES. Lettre CXII, à une dame. In: Œuvres Complètes. Lettres Spirituelles, op. cit., t.X, p.333.
13CORRÊA DE OLIVEIRA, op. cit.
14SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Homilía LXXII, n.3. In: Homilías sobre el Evangelio de San Juan (61-88). Madrid: Ciudad Nueva, 2001, v.III, p.130.
15Cf. ROYO MARÍN, OP, Antonio. Dios y su obra. Madrid: BAC, 1963, p.451.
16 Idem, ibidem.
17SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. Vol de nuit. Paris: Gallimard, 1931, p.104.
18 Cf. SANTO AGOSTINHO. Epistola CXCIV, c.V, n.19. In: Obras. 2.ed. Madrid: BAC, 1972, v.XIb, p.71.
19 SANTA TERESA DE LISIEUX. Carta 43b, à Irmã Inês de Jesus. In: Obras Completas. Paço de Arcos: Carmelo, 1996, p.345.
20 Cf. SÃO JOÃO BOSCO. Vestíbulo del Cielo. In: Biografía y escritos. Madrid: BAC, 1955, p.654-663.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Evangelho 5º Domingo da Páscoa - Ano C - 2013 - Jo 13, 31-33a.34-35


Continuação dos comentários ao Evangelho – V domingo da Páscoa Jo 13, 31-33a.34-35 - Ano C - 2013

Uma Prática antiga sob uma nova forma
Sem embargo, para que a dor bem aceita dê seus frutos, Jesus nos oferece um meio seguro: um novo mandamento para guiar a conduta de todos os que se consideram seus discípulos.
33a“Filhinhos, por pouco tempo estou ainda convosco”.
O Mestre estava ciente, como foi recordado, de que a hora da partida já se aproximava e, embora fosse ressuscitar, iria deixá-los após a Ascensão aos Céus. Assim, antes do início de seus suplícios, desejava transmitir as recomendações mais importantes, criando condições para que os Apóstolos se dessem conta da iminência da Paixão e fixassem a essência de sua divina doutrina.
34“Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros”.
Surpreende que na primeira frase deste versículo Nosso Senhor Se refira ao amor de uns pelos outros como um mandamento novo. Sabemos que desde o início da humanidade o amor já era praticado e todos se queriam de alguma maneira. Onde está a novidade? Precisamente na forma que nos é indicada, pois esse amor não é como antes. Esta novidade é o exemplo dado por Ele, conforme ensina São João Crisóstomo: “Como é que chamou ‘novo’ a este mandamento, se já é encontrado no Antigo Testamento? Ele o tornou novo pelo modo com que se amariam. Para este fim, acrescentou: ‘como eu vos tenho amado’. […] Não mencionou os milagres que iam realizar e os identificou [os discípulos] por sua caridade. Por que fez isso? Porque esta virtude é o sinal distintivo dos homens santos e a base de toda virtude. Por meio dela todos somos salvos”.14 De fato, até então o amor se moldava por padrões humanos, correspondendo à retribuição de algum benefício recebido ou a uma iniciativa que traria como consequência o auxílio desejado. Sempre havia um fundo de interesse — ou de vantagem, pelo menos — no amor ao próximo como era concebido nas sociedades do Antigo Testamento. Pois bem, Jesus nos ensina não ser esse o amor que Ele tem por nós.
Enquanto Deus, Ele quer bem a cada um com amor perfeito, eterno e absoluto; bem como a partir de sua humanidade nos estima como irmãos, sendo que a origem dessa afeição é a sua divindade. Esse amor de Deus por suas criaturas é misterioso e tem suas peculiaridades, pois, como Criador, Ele é o único que não pode amar o que fez senão por amor a Si mesmo, já que, ao criar, deixou seu vestígio em todos os seres,15 conforme lemos no Livro da Sabedoria: “Porque amais tudo que existe, e não odiais nada do que fizestes, porquanto, se o odiásseis, não o teríeis feito de modo algum. Como poderia subsistir qualquer coisa, se não o tivésseis querido, e conservar a existência, se por vós não tivesse sido chamada? Mas poupais todos os seres, porque todos são vossos, ó Senhor, que amais a vida” (Sb 11, 24-26). Entretanto, em se tratando dos seres racionais, Deus não pôs neles apenas um rastro, mas fê-los à sua imagem.16 Podemos compreender isso melhor, em alguma medida, através de um exemplo. A máquina fotográfica goza de imensa aceitação em nossa sociedade, porque com ela se pode guardar a lembrança de algum momento da vida que gostaríamos de reviver. Ora, a fotografia é apenas uma reprodução inanimada dos acontecimentos, e não deixa de ser verdadeiro que ela retém algo do que se passa. Nós somos “fotografias”, nas quais as Três Pessoas da Santíssima Trindade Se comprazem em reconhecer sua imagem e em amar-Se a Si mesmas refletidas, contemplando em ato o plano idealizado desde toda a eternidade para cada um de nós.
Esse ponto de partida, verdadeiramente sublime, abre novas perspectivas para o convívio humano, que passa a ser pautado pela procura mútua, nos outros, dos reflexos da bondade que existe em Deus num grau infinito. Nosso próximo deve ser visto por nós como um espelho da Santíssima Trindade, uma obra-prima ou uma pedra preciosa fulgurante, de incalculável valor, lavrada pelo poder divino. Daí nasce a autêntica consonância, que é a faísca primeira do amor entre as almas chamadas a se unir face a um ideal, para o qual olham em harmonia, como notou com sutileza Saint-Exupéry ao definir a superior forma de união surgida quando “homens do mesmo grupo experimentam o mesmo desejo de vencer”.17 Se entre pessoas que amam a Deus se verifica um imbricamento que tem sua origem neste santo idealismo, fica comprovada a prática do novo mandamento.
Não nos esqueçamos, porém, de que o verdadeiro amor de uns para com os outros deve ser hierarquizado, uma vez que Deus colocou seus reflexos nas almas de forma desigual, dando a cada qual um aspecto único, em uma variedade que manifesta a incomparável riqueza do Criador.
Amor manifestado no empenho de santificar os outros
A extensão do amor divino é incomensurável, pois Deus está disposto a fazer por nós tudo quanto seja necessário, a ponto de ter oferecido a própria vida passando pela crucifixão, o pior suplício de seu tempo. Ele Se imolou por todos e o faria se fosse por um só homem. Por essa razão nosso amor para com os outros também deve ser levado até as últimas consequências, ambicionando para eles o que Deus quer para cada um: a santidade. Desejar que o próximo saia da consideração egoísta, pragmática e interesseira do mundo e rume para a Jerusalém Celeste é a mais perfeita manifestação de amor que podemos lhe dar. Devemos empreender, para isso, todos os meios ao nosso alcance, suportando suas debilidades, corrigindo-o com compaixão, dando bons exemplos e sacrificando nossos gostos e preferências pessoais, se com isso o ajudamos na prática da virtude, ainda sabendo que esses pequenos atos representam muito pouco perto do que nos está reservado ao cruzar os umbrais da eternidade, pelos méritos infinitos do Divino Modelo. Maravilhoso mandamento que, ao ser praticado, ordena a alma e elimina apegos, caprichos e dificuldades do relacionamento humano. Desta maneira, todas as misérias se desvanecem, permanecendo apenas um amor sobrenatural, que é a ternura de Deus pelas criaturas e das criaturas entre si.
É oportuno também aplicarmos esse ensinamento a um plano individual, a cada um de nós. Se esse deve ser nosso amor para com os outros, recordemos que quando a prática da virtude da humildade é mal concebida, temos a tendência de considerar nossas próprias insuficiências para nos autodestruir, indo contra o amor de Deus. Uma vez que fomos criados, podemos afirmar com plena certeza que há em nós algum reflexo divino que deve ser objeto do nosso amor para conosco, paralelo ao amor que Ele nos tem. Quando fazemos algo de bom e Ele nos premeia, não está exaltando o nosso esforço, mas seus próprios dons,18 e, portanto, Se glorifica a Si próprio. E se são os dons d’Ele que reconhecemos em nós, cabe-nos amá-los para praticar o novo mandamento com toda integridade.
O sinal distintivo dos verdadeiros cristãos
35“Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros”.
Neste último versículo Nosso Senhor dá um passo a mais e declara ser a forma de amor ensinada por Ele o fator distintivo dos que realmente O seguem. As pessoas alheias ao convívio dos cristãos, ao verem um amor tão autêntico, dão-se conta de que ali está presente o próprio Deus. E apesar de ter Ele ido para o Céu, não abandonou sua Igreja, pois prometeu: “Sempre que dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, eu estarei entre eles” (Mt 18, 20). O fato de vivermos sob o influxo do amor sobrenatural de que Ele nos deu exemplo é um modo de prolongar nesta Terra sua presença, orientando, amparando e instruindo com desinteresse os que também O amam, sem nenhum sentimentalismo, romantismo ou egoísmo, senão com um amor tão puro que cause admiração aos homens e até aos próprios Anjos, a ponto de estes últimos poderem encontrar na face da Terra um límpido espelho do convívio entre os eleitos na visão beatífica.
Continua no próximo post.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Evangelho 5º Domingo da Páscoa - Ano C - 2013 - Jo 13, 31-33a.34-35

Continuação dos comentários ao Evangelho – V domingo da Páscoa Jo 13, 31-33a.34-35 - Ano C - 2013

A verdadeira glória só nasce da dor
O Evangelho apresenta um trecho do discurso de despedida de Nosso Senhor na Santa Ceia. Nesse momento auge, em que Ele instituía para os séculos futuros o Sacramento da Eucaristia — o mais precioso de todos os Sacramentos, no que diz respeito à substância —, tinha diante de Si um assistente de péssimas intenções. Depois de Judas receber o pedaço de pão molhado, a morte entrou nele, pois, embora já estivesse em pecado mortal por ter tramado a entrega do Divino Mestre, tornou-se presa de um demônio animado de grande fúria, o qual não suportava mais a humilhação infligida aos infernos por um Homem que operava tão grandes milagres e tinha tanto poder. O espírito das trevas, desde muito antes, constatara quanto seu império periclitava, já fora de controle.8
31 Depois que Judas saiu do cenáculo, disse Jesus: “Agora foi glorificado o Filho do Homem, e Deus foi glorificado nele. 32 Se Deus foi glorificado nele, também Deus o glorificará em si mesmo, e o glorificará logo”.
 À primeira vista, o versículo parece incompreensível. Qual é o momento, o agora, em que Nosso Senhor diz que é glorificado? É quando Judas abandona de forma definitiva o convívio do Colégio Apostólico, a fim de entregar o Salvador aos poderes deste mundo, para ser julgado e morto. Jesus, em sua natureza divina, tinha pleno conhecimento de todas as dores pelas quais iria passar, a ponto de transpirar Sangue no Horto das Oliveiras. Perante a perspectiva da traição, porém, ficou “perturbado em seu espírito” (Jo 13, 21), pois, mesmo tendo em sua personalidade divina a ciência daquele instante, desde toda a eternidade, no que dizia respeito aos meros sentimentos humanos ainda não sofrera a experiência da deslealdade, o que dilacerou seu instinto de sociabilidade. Ademais, outro Apóstolo haveria de negá-Lo e os demais fugiriam; por isso Ele diz: “Para onde eu vou, não podeis ir” (Jo 13, 33). A cena é pungente, pois, sendo sua natureza humana perfeita, essa infidelidade Lhe custou muito mais do que custaria a qualquer um de nós.
“A alma tão delicada e ponderada de Jesus teve de sofrer múltiplas incompreensões, preconceitos e ideias ambiciosas de seus Apóstolos. […] Uma dor mais lancinante estava reservada ao Coração de Jesus: um dos Doze, que Ele havia escolhido com tanto zelo, acompanhado com tanto devotamento, a quem dera inclusive uma missão de confiança, deveria traí-Lo”.9 Cristo recebeu aquela ingratidão com equilíbrio perfeito, num estado de espírito plenamente resignado. Contudo, enquanto sofria, veio-Lhe também o consolo, porque sabia ser através dessa aceitação que iniciaria sua glória.
O Pai queria a maior glória para o Filho
A partir do momento em que Nosso Senhor — Segunda Pessoa da Santíssima Trindade e, ao mesmo tempo, Homem perfeitíssimo com a alma na visão beatífica, dotado de ciência infusa e de conhecimento experimental — deu seu pleno consentimento à Paixão, essa glória se realizou. Sua exaltação consistiu em ser preso, passar por todos os tormentos da condenação, subir ao Calvário, ser levantado na Cruz e ali derramar todo o Sangue, até o traspassamento do seu Coração. Quando o Verbo eterno Se encarnou, fê-lo invertendo uma lei por Ele instituída, pois sua alma fora criada na visão beatífica e, apesar disso, assumiu um corpo padecente, quando deveria ser glorioso.10 Ele rejeitou tais prerrogativas por desejar um corpo semelhante ao nosso, apenas não manchado pelo pecado, para poder padecer, dar-nos exemplo e, sobretudo, porque o queria o Pai, com vistas a que a glória eterna d’Ele enquanto homem fosse a maior possível. O sofrimento bem aceito, amado e assumido Lhe obteve o triunfo, o que significa que o cumprimento dos desígnios do Pai não exigia a magnificência do corpo glorioso, os esplendores de um poder terreno ou uma exaltação da parte dos homens, mas apenas a conformidade com a dor.
Ademais, estava Nosso Senhor ciente de que o fim não era a morte, e sim a Ressurreição e a Ascensão aos Céus, onde receberia a definitiva glorificação e o reconhecimento eterno do Pai, dos Bem-aventurados e dos Anjos, por haver cumprido sua missão redentora. Reciprocamente, o Pai também seria glorificado, porque Ele e o Filho são um. Era essa união substancial que permitiria, pela aceitação do sofrimento tal como este se apresentava, que Jesus enaltecesse Aquele que O enviara.
Nossa glória também deve estar no sofrimento
Uma análise mais profunda dos padecimentos de Cristo indica que nossa glória também é obtida pelo sofrimento. Quantas vezes a graça nos inspira a trilharmos uma determinada via, que passamos a percorrer com entusiasmo, na qual, entretanto, surgem dificuldades. Diante do sofrimento nunca devemos desanimar. Pelo contrário, quando a cruz se apresentar, cabe-nos imitar Nosso Senhor Jesus Cristo: ajoelharmo-nos, oscular o instrumento de nossa amargura e pô-lo aos ombros com determinação, certos de que assim se inicia o caminho da nossa glória. Nesse sentido ensina com sabedoria São Francisco de Sales: “Quão felizes são as almas que […] bebem corajosamente o cálice dos sofrimentos com Nosso Senhor, que se mortificam carregando sua cruz, e que sofrem e recebem de sua divina mão toda sorte de acontecimentos, com submissão e amor, conforme o seu beneplácito”.11 O mesmo Doutor da Igreja ainda comenta: “O sofrimento dos males é a mais digna oferta que podemos fazer Àquele que nos salvou sofrendo”.12
Os dramas que temos de enfrentar são indispensáveis para a conquista da eternidade feliz. Ao aceitarmos um sofrimento com toda resignação, amor e piedade, introduzimos na alma a paz, pois fazemos calar o egoísmo e manifestamos, não só por palavras, mas também por atos, o desejo de ir para o Céu, uma vez que “a felicidade consiste em sofrer com peso e medida, tendo em vista um determinado fim”.13 Desta forma, quando a tribulação se abater sobre nós nunca devemos murmurar contra Deus pelo fato de tê-la permitido; devemos seguir o exemplo de Jesus, que exclamou: “Se for possível afasta de mim esse cálice, mas faça-se antes a tua vontade do que a minha” (Lc 22, 42). Cheios de contentamento, conformemo-nos com a vontade de Deus, certos de que tudo o que nos acontece visa ao bem de nossas almas, pois Ele não pode querer para nós o mal.
Consideremos com alegria que estamos nesta Terra apenas de passagem, pois, se nela permanecêssemos para sempre, os tormentos iriam variando e se sucedendo indefinidamente. Portanto, para aqueles que enfrentam bem a prova à imitação de Nosso Senhor, a morte significa ter chegado o momento de descansar. Por isso canta a Igreja na Liturgia dos defuntos: “requiescant in pace — descansem em paz”. 
Não foi outro o ensinamento de São Barnabé e São Paulo aos fiéis de Antioquia, contemplado na primeira leitura desta Liturgia: “É preciso que passemos por muitos sofrimentos para entrar no Reino de Deus” (At 14, 22). Por outro lado, a ausência do sofrimento significa a perda de uma valiosa oportunidade para comprovarmos o quanto somos contingentes e dependemos de Deus, já que existimos apenas porque Ele nos sustenta no ser, a cada instante. Dessa dependência só nos compenetramos pela dor, pois ela mostra a nossa pequenez e nos leva ao reconhecimento de que necessitamos de um Bem infinito, não existente em nós.

Continua no próximo post.