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sexta-feira, 21 de outubro de 2011

O pobre e o rico II

Continuação do post anterior
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Sucedeu morrer o mendigo, e foi levado pelos Anjos ao seio de Abraão. Morreu também o rico, e foi sepultado. 23 Quando estava nos tormentos do inferno, levantando os olhos, viu ao longe Abraão e Lázaro no seu seio. 24 Então exclamou: “Pai Abraão, compadece-te de mim, e manda Lázaro que molhe em água a ponta do seu dedo para refrescar a minha língua, pois sou atormentado nestas chamas”.

 O JUÍZO ETERNO
“No entardecer de nossa vida, seremos julgados segundo o amor”, escreveu São João da Cruz.
A cena descrita em seguida é ainda mais dramática e passa-se logo após a morte de ambos.
Sobre o corpo de Lázaro, nenhuma notícia ou comentário. Certamente atirado numa vala comum, própria aos indigentes, sem qualquer cerimônia. Entretanto, enquanto a preocupação dos responsáveis era de se verem livres daquele desprezível cadáver, os Anjos conduziram sua alma ao Céu, pois, de acordo com a literatura rabínica, no Paraíso não se entrava senão pelo auxílio dos puros espíritos.
O rico também morre, pois nem o muito dinheiro nos livra desse fim. Mas sua alma há muito já deixara a vida espiritual, pois as ações próprias a esta, ele não as praticava. De fato, sua dureza de coração e falta de compaixão para com o mendigo, à porta de seu palácio, somadas à suma fruição dos bens terrenos, haviam destroçado qualquer laivo de amor a Deus. A respeito dele, Lucas afirma ter sido sepultado, mas não diz uma palavra sobre quem acompanhou o seu enterro e quais as pompas que o cercaram. Quantos aduladores devem ter rodeado o rico durante a vida, interessados nos seus bens, ou até mesmo para gozar do prestígio de sua amizade e, ao término de sua existência, nem sequer dele se lembraram...
Como foi seu juízo particular? Qual a sentença proferida por Deus? Não se ocupa desses detalhes o Evangelho e simplesmente apresenta o rico entre os tormentos do inferno.
Ofensa infinita, castigo eterno
A Doutrina Católica nos ensina claramente que o pecado mortal constitui uma ofensa a Deus, irreparável e de suma gravidade. Quem morre na impenitência final, resistindo até o último momento, fixa-se no pecado mortal enquanto desordem permanente, merecendo um castigo também eterno.
A gravidade da ofensa se mede sobretudo pela dignidade da pessoa ofendida. Uma agressiva bofetada desfechada por alguém a seu igual, merece uma penalidade muito menor do que uma outra, da mesma intensidade, desferida contra uma grande e representativa personalidade. O castigo sempre deverá ser aplicado em proporção com a categoria do ofendido. Ora, se a pessoa ultrajada é infinita, o castigo só poderá ser eterno; tanto mais que, para reparar o pecado, quis o Verbo de Deus encarnar-se e sofrer todos os tormentos da Paixão.
Mas, como se pode explicar que um pecado, cometido em apenas alguns minutos, mereça uma pena eterna? Segundo nos ensina São Tomás, a perpetuidade dos castigos infligidos por Deus aos condenados está proporcionada, não à duração do pecado atual, mas à sua gravidade. A Justiça humana também usa o mesmo critério, ao condenar à prisão perpétua alguns réus cujos crimes foram praticados em poucos minutos.
Assim se compreende o porquê de ter ido para o inferno aquele rico: morreu na impenitência final de sua grave avareza.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

O pobre e o rico

A parábola deste Evangelho se desdobra em três atos sucessivos. (apresentaremos em 4 posts) No primeiro, assistimos ao paroxismo de situações opostas, entre o pobre Lázaro e o rico, ainda nesta terra. A seguir, ambos morrem, e são conduzidos a destinos bem diferentes. Lázaro vai para o Céu e o rico para o inferno. Este, em meio aos tormentos do fogo, se dirige a Abraão, rogando um lenitivo. Por último, implora pelos próprios parentes, a fim de evitar que caiam na mesma desgraça.
Tendo em vista a profundidade dos múltiplos significados das palavras e acções do Divino Mestre, procuremos apreciar com amor todas as importantíssimas lições contidas neste Evangelho.
OS EPISÓDIOS NESTA TERRA
À primeira impressão, o drama nos enche a alma de compaixão pelo pobre Lázaro e nos conduz a uma antipatia pelo avarento. As formas podem ter sido escolhidas pelo Divino Pedagogo com mero intuito didático, entretanto, na sua essência, os fatos narrados são realíssimos e se repetem ao longo de toda a existência humana. Comecemos por analisar o avarento.
O rico avarento
Na literatura judaica, as figuras cheias de posses eram comumente apresentadas vestidas de púrpura. As túnicas e roupas interiores eram confeccionadas em puro linho. Com a maneira refinada de vestir-se, desfrutava o rico em questão também de uma elaborada culinária oriental. Curioso é de se notar que a narração evangélica não menciona amigos ou convidados aos festins diários do personagem em foco. Teria talvez esse rico um tão supino egoísmo, que preferia comer a sós, com o receio de, ao condividir os prazeres da mesa, diminuir seu próprio gozo? Também não aparece nenhuma referência sobre as instalações do tal rico. Terá sido um grande palácio? Não era o costume da época. O luxo naqueles tempos era bem mais fruído nas roupas e nos prazeres da mesa do que nas magnificências dos palácios.
Transparece nesse simples versículo (v. 19) o claro desejo do Divino Mestre de focalizar a figura de um homem abastado e rodeado dos melhores prazeres: dinheiro em quantidade, finos tecidos e excelente comida. Até aqui a descrição não insinua maior desordem na conduta do rico. Sua avareza se evidenciará pateticamente nos detalhes da dolorosa miséria do mendigo deitado à porta de sua opulência.
O pobre Lázaro
Do rico, não sabemos o nome, mas a memória do mendigo se fixou na História. Lázaro, diminutivo popular de Eleazar, cujo significado é “Deus ajuda”. Certamente se tratava de um desses mendigos que se aninhavam em determinados cantos ou entradas de casas para obter uma esmola ou algum alimento. A miséria aliada à sensação de abandono levava-os a uma verdadeira obstinação de se fixarem num posto e ali permanecerem, muitas vezes por décadas. Até hoje em dia, o mesmo fenômeno se repete. Quem de nós não se recorda de pelo menos um caso assim? Dá-se ao mendigo um nome, ou um apelido, e se estabelece uma certa familiaridade entre ele e seus benfeitores. Apesar de sua indigência, de seu aspecto pouco asseado ou da decomposição da fisionomia, ele sempre terá alguns simpatizantes que, além de uns trocados, lhe darão uns dedos de prosa. Ele saberá colocar-se em situações onde possa chamar a atenção sobre si.
Provavelmente, esses elementos somados a outros tantos levaram o bom Lázaro a deitar-se na porta principal do edifício do rico. Ali permanecia silencioso ou desenrolando uma ladainha de pedidos, a fim de implorar — com base em seu miserável aspecto, ou através da pura palavra — o auxílio dos transeuntes. Era seu posto fixo de mendicância, tolerado pelo dono da casa, o qual, dessa forma, manifestava alguma caridade em relação ao mendigo.
Como se não lhe bastasse a penúria dos meios de subsistência, seu corpo estava coberto de chagas. Algumas delas à mostra, sobretudo nas pernas insuficientemente cobertas pela curta túnica — quiçá, não só curta mas também rasgada.
Naqueles tempos, não era incomum, na Palestina, o contraste entre mendigos estropiados e peregrinos de porta em porta à busca de restos de comida a fim de não morrer de fome, e, de outro lado, ricos acomodados em seu fausto. Porém, os pobres não eram revoltados com sua situação de inferioridade e nem desejavam promover uma revolução social para ter parte na fortuna alheia. Eles não almejavam senão viver.
Lázaro desejava se alimentar das migalhas, ou seja, das sobras da mesa do rico, o qual “todos os dias se banqueteava esplendidamente”. A completa indiferença da opulência em relação à extrema miséria do mendigo sentado à sua porta, demonstrava que ao rico faltava o carinho cheio de calor humano para aliviar um pouco o sofrimento de Lázaro. Esse afeto só era concedido ao pobre pelos cães, tão dramático era seu estado. Ele nem forças tinha para os afastar de perto de si.
Assim termina o primeiro ato da parábola: o rico satisfeitíssimo em seu fausto, indiferente ao infeliz pobre, na indigência de sua roupa, saúde e alimentos, vivendo os últimos suspiros de sua existência.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Parábola dos talentos - pecado de omissão

Nós julgamos que todos os pecados são na linha positiva e só quem comete uma falta viola a lei de Deus.
Devemos, também, ter em mente o quanto o pecado de omissão desagrada a Deus. Quanta acção eu poderia praticar e não a pratico. O não praticar uma acção positiva implica numa ofensa a Deus.
Essa parábola mostra a condenação de uma pessoa pelo o que ela poderia ter feito e não o fez. Não só pelo pecado. Afinal não matei, não roubei, não menti, não fiz mal aos outros. Não serei condenado. O servo mau não roubou o dinheiro que lhe foi entregue, ele, simplesmente, enterrou-o. Mas, ao enterrá-lo depois de 10 anos o talento se desvalorizou e o que foi entregue ao senhor não foi a quantia que ele, inicialmente, tinha lhe dado. Ele foi omisso.
Por exemplo, no nosso dia-a-dia, eu poderia rezar um pouco mais e não rezo. Passo por uma igreja e vejo o Santíssimo exposto, mas, enfim, eu tenho que ir às compras, costurar um botão, tenho que fazer isso, aquilo. Agora não. Não atendeu a solicitação daquela oração. Fazer um bem a uma pessoa que passa por mim e não o faço, dar um conselho a uma pessoa triste e aflita. Quantos atos de omissão em um dia. Quantas coisas poderíamos, em um dia, fazer pelos outros e não fazemos. Quantas omissões…
O que acontece com aquele que faz? Deus lhe dá a administração de seus bens. Que bens Deus tem? Infinitos. “Porque foi fiel no pouco”. O que é ser fiel nesse pouco? É o que nós temos nesta vida. Quantos anos viveremos aqui? É pouco em relação à eternidade. Se nós vivêssemos um bilhão de anos ou um trilhão de anos, em relação à eternidade não é nada. Absolutamente nada. Ser fiel no pouco, é ser fiel nesses poucos anos restituindo à Deus aquilo que Ele nos deu.
Ser inteligente. É um dom de Deus. Deus é quem deu essa inteligência, ela não brotou, não foram nem meu pai, nem minha mãe nem os avós que plantaram essa inteligência.
Deus é quem cria a alma e dá a inteligência. Para que? Para aplicar no serviço de Deus, para devolvê-la em frutos. Aquele que usa a inteligência só para si, para ajeitar as coisas para si, para seu egoísmo, está sendo omisso. Ele lesa o Senhor quando não usa dos dons que Deus lhe deu em benefício d’Ele, mas os usa em benefício próprio.
É o que muitas pessoas fazem com os dons que recebem, inteligência, guarda para si, comunicação, fecha em si e quando se comunica é para chamar atenção sobre si. “Aqui estou eu”. É pior que enterrar os talentos, pois está utilizando os talentos para si, para seu próprio benefício. Todos os dons que recebemos de Deus devem ser revertidos em benefício de Deus.

Devemos, portanto, ter um coração cheio de desejo de fazer o bem aos outros, devolvendo a Deus muitíssimo mais do que aquilo que Ele nos deu.

Trecho adaptado para linguagem escrita, sem conhecimento e/ou revisão do autor

domingo, 16 de outubro de 2011

É preciso ter pecado para crescer no amor?

Continuação dos posts anteriores
É preciso ter pecado para crescer no amor?
É importante respondermos a uma questão: em face do Evangelho de hoje, é necessário a pessoa ter praticado um grande número de pecados para, ao ser perdoada, amar mais? Maria Santíssima recebeu de Deus muito mais que a soma dos Anjos e dos Bem-Aventurados Se assim fosse, Maria Imaculada — não só pela sua puríssima concepção, mas também por sua ilibada vida — seria a criatura que menos amou a Deus. Ora, sabemos com emocionado júbilo ser a Santíssima Virgem a mais amada e a mais perfeita amante, entre todos os seres saídos das mãos do Criador. Porém, a Ela também cabia rezar: “Perdoai as nossas dívidas”, como se pedia antigamente no Pai- Nosso, pois Ela Lhe deve o ser, a predestinação à maternidade divina, a plenitude de graças, a concepção imaculada, a vida isenta de qualquer mancha de pecado, enfim, todos os dons, virtudes e privilégios que Lhe foram concedidos no mais alto grau.
Ela mesma externou esse reconhecimento, ao pronunciar o Magnificat, em casa de sua prima Santa Isabel (Lc 1, 46-55):”A minha alma glorifica o Senhor; e o meu espírito exulta de alegria em Deus meu Salvador, porque olhou para a humildade de sua serva. Portanto, eis que, de hoje em diante, todas as gerações Me chamarão ditosa, porque o Todo-Poderoso fez em Mim grandes coisas” (Lc 1, 46-49).
A gratidão que se manifestava perfeita na pecadora, não estava presente em Simão, o fariseu. Com independência das faltas cometidas, nós todos somos devedores diante da incomensurável bondade de Deus, pois Ele nos escolheu entre infinitos outros seres passíveis de serem criados, sobre os quais não incidiu seu ato criador.
Mas, aos orgulhosos não ocorrem esses pensamentos.
Debaixo desse prisma, Maria Santíssima é a maior devedora, pois Ela sozinha recebeu de Deus muito mais que a soma dos Anjos e dos Bem-Aventurados, no seu conjunto.
Compreendemos agora melhor o Evangelho: a pecadora recebeu de Jesus dez vezes mais do que Simão, o fariseu. Ela amou o Redentor na mesma proporção, penetrada de gratidão. O outro, não. Por seu orgulho, ele não se reconhecia devedor e, portanto, não entendia nem desejava a remissão que Jesus lhe oferecia.
Abraçar a via do amor e da gratidão
“Eis que este Menino está posto para ruína e ressurreição de muitos em Israel e para ser sinal de contradição” (Lc 2, 34).
Diante de Jesus, ou estamos com o amor e gratidão da pecadora; ou, melhor ainda, com disposições de alma semelhantes às da Santíssima Virgem; ou seguindo as desordens do fariseu Simão.
Se abraçarmos a via do amor agradecido — quer na inocência, quer no arrependimento — a nós se aplicará a sentença de São Tomás: “O menino, inclusive o não batizado, se tem a idade do uso da razão e ama eficazmente o bem mais do que a si mesmo, está justificado pelo batismo de desejo, porque esse amor, que já é o amor eficaz a Deus, não é possível no estado atual da humanidade sem a graça regeneradora”(9).
Pelo contrário, se assumirmos a soberba do fariseu, sentiremos em nós o quanto “o orgulho é impaciente e malévolo; invejoso, arrogante, ambicioso, busca só os seus próprios interesses, pervadido de irritações e de ressentimentos pelo mal sofrido”. Provaremos no fundo de nossa alma “o regozijo com a injustiça e a tristeza com a verdade”, porque o orgulho “nada desculpa, de tudo desconfia, nada espera e nada suporta” (parafraseando São Paulo, I Cor 13, 4 a 7).