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sábado, 10 de dezembro de 2011

A conversa noturna com Nicodemos II

Continuação
A discreta fidelidade de Nicodemos
De dentro dessa moldura sócio-psico-religiosa, surge a figura de Nicodemos. Segundo São João, trata-se de um fariseu, príncipe dos judeus, que receando comprometer sua reputação no meio de seus companheiros, procurou encontrar-se com Jesus de maneira oculta.
De fato, era tal a sanha de indignação dos fariseus contra o Divino Mestre que, se Nicodemos assim não procedesse, sofreria terríveis perseguições. Os Evangelhos são ricos em pormenores a esse respeito, mas bastaria relembrar o dito dos fariseus quando se indignaram contra os agentes que deveriam ter prendido Jesus: “Houve, porventura, alguém dentre os chefes do povo ou dos fariseus que acreditasse n’Ele? Quanto a esta plebe que não conhece a Lei, é maldita” (Jo 7, 48-49). Essa é a razão pela qual Nicodemos, como José de Arimatéia, embora sempre fiel, manteve grande discrição até o fim (1). Apesar disso, é digna de nota a imperfeição da fé de Nicodemos no Homem-Deus; chama-O de Mestre por causa de seus milagres, mas O vê apenas como um grande homem auxiliado pelo poder de Deus.
O Redentor aproveitou a circunstância de sua visita para ilustrar e fortalecer a fé desse seu novo e secreto discípulo (2), preparando-o para aceitar sua divindade, fazendo-o conhecer algo sobre o Batismo e a Encarnação. E acaba por lhe declarar o objetivo último de sua vinda a esta terra: a salvação dos homens através de sua morte, e morte de cruz. Esta é a temática da Liturgia de hoje.
A Serpente de bronze Símbolo do filho do homem
E como Moisés levantou no deserto a serpente, assim também importa que seja levantado o Filho do homem, 15 a fim de que todo o que crê n’Ele tenha a vida eterna.
São Cirilo de Alexandria faz uma aproximação entre o Batismo, anteriormente enunciado por Jesus, e a figura da serpente de bronze. Segundo ele, pelo fato de Nicodemos talvez não ter alcançado o significado dos aspectos sobrenaturais desse Sacramento, o Mestre resolveu recordar-lhe esse episódio tão conhecido de todo o povo israelita, a fortiori de quem era fariseu, como seu visitante.
O episódio do Antigo Testamento
Tendo partido do Monte Hor na direção do Mar Vermelho, o povo judeu se revoltara contra Moisés, e até mesmo diretamente contra Deus, devido ao cansaço, ao enfaramento e à falta de pão, água e de outro alimento que não o maná. Por castigo, Deus enviou serpentes cujas picadas produziam inflamação, febre e, finalmente, a morte; daí seu nome: “de fogo”. Imploraram então os judeus a intercessão de Moisés junto a Deus. Este não eliminou o mal, mas concedeu-lhes um remédio: todo aquele que fosse atacado pelo mortífero animal, ficaria imediatamente curado se olhasse para uma serpente de bronze a qual, por ordem divina, o Profeta havia fixado sobre um poste (3).
Esse objeto foi tomado pelo povo como um símbolo da cura que lhes era concedida por Deus.
Nicodemos devia conhecer a interpretação exata desse milagre, constante no Livro da Sabedoria: “E tiveram logo um sinal de salvação (...) Porque aquele que se voltava para o referido sinal não era curado porque o via, mas sim por Ti, que és o Salvador de todos os homens” (16, 5-7).
Continua no próximo post

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

A conversa noturna com Nicodemos (Jo 3, 14-21)

A conversa noturna
Recebendo afavelmente um potencial discípulo, Jesus, o primeiro evangelizador da História, procura prepará-lo com cuidado e tato didático para ser capaz de crer na sua divindade.
Jesus fortalece a fé de um discreto discípulo
Ânimos divididos ante a figura de Jesus
O presente Evangelho é a parte final da conversa noturna havida entre Jesus e Nicodemos. Antes desse encontro, havia Ele realizado o milagre das bodas de Caná e expulsado os vendilhões do Templo. Crescia o número dos convertidos, pois todos comprovavam a grandiosidade de Jesus “ao verem os milagres que fazia” (Jo 2, 23). Entretanto não era íntegra, como deveria ser, a fé daqueles admiradores, porque as esperanças do povo judeu estavam voltadas para um Messias politizado, carregado de dotes humanos, segundo o conceito mundano da época. Por isso “Jesus não se fiava neles” (Jo 2, 24). Se alguns chegavam a discernir os aspectos sobrenaturais de Jesus, faltava-lhes entretanto a proporcionada abnegação e entrega para segui-Lo incondicionalmente.
Apesar disso, da parte do povo miúdo a nota tônica era de franca simpatia.
Não ocorria o mesmo com as autoridades religiosas. Aparecera diante deles um profeta pregando uma doutrina nova, dotada de potência, que abalava a estrutura dos princípios religiosos aprendidos por eles numa escola de longa tradição. Sobre essa dificuldade, acrescentara-se outra grave: a expulsão dos vendilhões do Templo. Por causa disso, os ânimos estavam fortemente susceptibilizados, e a figura de Jesus, além de lhes criar um tormentoso problema de consciência, a cada passo fazia-lhes sangrar as mal cicatrizadas feridas do ressentimento.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

André e João encontram Jesus - final

Final
42 Levou-o a Jesus. Jesus, fixando nele o olhar, disse: “Tu és Simão, filho de João, tu serás chamado Cefas”, que quer dizer Pedra.
Conforme faz notar São João Crisóstomo, Pedro acreditou imediatamente no que lhe transmitiam e quis conhecer o quanto antes o Messias. Por isso deixou-se levar.
Jesus, por seu divino ver, já conhecia Simão desde toda a eternidade. Agora seus olhos humanos coincidiam no mesmo juízo. Deus e Homem lançam, em profecia, a pedra fundamental da futura Igreja. Nenhum dos neodiscípulos deve ter entendido o alcance daquelas palavras, que mais tarde se tornariam claramente explícitas, nestas outras: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” (Mt 16, 18).
Dois olhares marcaram a vida de Pedro: este inicial e o último, após o qual ele “flevit amare” (chorou amargamente) (Lc 22, 62).
 Conclusão
É impossível não constatar, no Evangelho de hoje, a fundamental importância do apostolado pessoal, direto, e sob o poder de uma hierarquia.
Vê-se, já nos primórdios da constituição de sua Igreja, o Divino Redentor preocupado em estabelecer a Pedra-base de seu edifício. Por essa razão, em todo e qualquer sucessor de Cefas, nós devemos honrar essa Pedra, obedecendo com toda submissão às determinações da Igreja.
Roguemos a Maria, Mãe da Igreja, que jamais nos separemos nem um só milímetro da Cátedra Infalível de Pedro, em nossa fé, espírito e disciplina. Que Maria infunda em nossas almas a felicidade de crer no que a Hierarquia ensina, praticar o que ela ordena, amar o que ela ama, e percorrer as suas vias para chegar à glória eterna. ²

1) Decreto Apostolicam Actuositatem,n. 1.
2) Suma Teológica II-II, q. 3, a. 2, ad 2.
3) Discurso aos Homensda Ação Católica Italiana, 12/10/1952.
4) Vida de Nuestro Señor Jesucristo, BAC, 1954, p. 141.
5) Comentarios a los cuatro Evangelios, BAC, 1954, v. III, p. 125.
6) Apud Catena Aurea, Comentários ao Evangelho de S. João, cap. I, vv. 35-36.
7) Bíblia Comentada, BAC, 1964, v. II, p. 985 e 986.
8) Cf. Vida de Nuestro Señor Jesucristo,L.-CL. Fillion, Editorial Voluntad, 1925, Tomo II, v. I, p. 173.
9) Op. cit., idem.
10) Op. cit., p. 987.
11) Op. cit., p. 126.
12) Apud Catena Aurea, idem, vv. 37-40.
13) Apud Maldonado, op. cit. p. 128.
14) Apud Catena Aurea, id. ib.
15) Maldonado afirma que “pode-se considerar como algo certo que, do mesmo modo que André, João, o futuro evangelista, foi ao encontro de seu irmão, Tiago, e o levou ao Senhor. A união dos dois pares de irmãos, amigos e companheiros de pesca, faz suspeitar que os quatro viajaram na mesma caravana para serem batizados pelo Precursor e pensavam retornar juntos à Galiléia, quando sua boa sorte os conduziu à rústica tenda de campanha habitada por Cristo, decidindo ser discípulos, e com Ele com Ele regressaram à sua terra” (op.cit. p. 131).

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

André e João encontram Jesus- continuação

Continuação do post anterior
39 Jesus disse-lhes: “Vinde ver”. Foram, viram onde habitava e ficaram com Ele aquele dia. Era então quase a hora décima.
A cortesia de Jesus é insuperável, pois poderia indicar-lhes o caminho e marcar-lhes um encontro para o dia seguinte. Pelo contrário, convida-os a segui-Lo, ou seja, já os aceita como discípulos.
Assim procedeu Jesus, conforme nos ensina São Cirilo, “para ensinar-nos primeiro que nas coisas boas não é louvável atrasar-se, porque o adiamento de algo bom é sempre um prejuízo. E, depois, para mostrar que não basta inteirar-se de qual é a casa, isto é, a Igreja fundada por Cristo, mas é necessário ir a ela com fé e observar com ânimo fervoroso o que nela se faz” (13).
Quem nos dera conhecer o conteúdo daquele sagrado convívio! “Que belo dia passaram! Que bela noite! Edifiquemos, pois, em nosso coração uma casa digna, na qual o Senhor venha habitar e nos instruir” — exclamou Santo Agostinho (14).
A nós também dirige Jesus esse convite cheio de benquerença. E assim procederá até o último minuto da História. Como é possível opor-Lhe resistência?
Simão Pedro, fruto do apostolado de André
40 André, irmão de Simão Pedro, era um dos dois que tinham ouvido o que João dissera e que tinham seguido Jesus.
Os comentaristas são praticamente unânimes em frisar a humildade do Evangelista neste versículo, pelo fato de não se mencionar a si próprio como sendo o outro dos dois. A nosso ver, os bons anos de convívio muito estreito com a mais humilde de todas as criaturas, Maria Santíssima, havia-lhe arrebatado o coração no maravilhamento por essa excelsa virtude.
41 Encontrou ele primeiro seu irmão Simão e disse-lhe: “Encontramos o Messias”, que quer dizer Cristo.
Evidentemente, a longa conversa mantida com Jesus fizera crescer João e André na fé. Ambos deviam estar inflamados de zelo, entusiasmo e fervor em seu noviciado recém-começado. Logo surgem os resultados comprobatórios da autêntica realidade dessa fé: o apostolado. O Bem é eminentemente difusivo, as impressões sobrenaturais deviam ser muito fortes, o enlevo e veneração por Jesus estavam no mais elevado grau. A recordação das inúmeras conversas, previsões e comentários de João Batista sobre o Messias constituíram, para eles, um quadro lógico, belo e harmónico com a figura de Jesus. Era imperioso conquistar novos discípulos para o Messias. O primeiro que encontraram foi Simão e sobre ele devem ter despejado o desabafo de todas as suas místicas emoções e a concatenação de suas análises e conclusões (15). E qual foi a reacção de Simão?

Continua...

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

André e João encontram Jesus

37 Ouvindo as suas palavras, os dois discípulos seguiram Jesus.
Desde toda a eternidade, Jesus vira esses dois discípulos e os amara; agora, com seus olhos humanos e sem Se deixar perceber, o Salvador os contempla de soslaio. Ele sempre quis atraí-los, mas, seguindo uma zelosa diplomacia, deixou a cargo de quem os formara tomar a iniciativa de encaminhá-los. De sua parte, Jesus não faz senão oferecer ao Precursor um pequeno pretexto, ou seja, passa diante de seus olhos.
O Batista demonstra uma vez mais sua total devoção ao Salvador, pois aproveita imediatamente a oportunidade. Ele teme que Jesus passe e não volte!
Quantas vezes esse mesmo Jesus se apresenta ao longo da caminhada de nossa vida! Ora é uma inspiração, ou um bom anseio pervadido de consolação, às vezes até uma dor de consciência e um arrependimento, ou exemplos de virtude ou de maldade aos quais assistimos... Sim, Jesus nos aparece de mil modos, e eis aqui o grande modelo diante de nós nesse Evangelho. Devemos ser ávidos dessas ocasiões para discernirmos as divinas insinuações de Jesus.
Fiéis aos ensinamentos de seu mestre, no entusiasmo pela figura do Cordeiro tão bem apresentada ao longo de enlevantes conversas e pregações, os dois discípulos resolveram segui-Lo. Conforme explica Frei Manuel de Tuya, “seguir alguém”, “ir atrás de”, era sinônimo, nos meios rabínicos, de ir à sua escola, ser seu discípulo (10). Portanto, seguiram-No nos dois sentidos da palavra, ou seja, fisicamente e com o intuito de passarem a ser seus discípulos.
Quantas vocações ficaram abandonadas pelos caminhos da História pelo fato de não reagirem como esses dois! Quantas perdições!
Da sua parte, Maldonado, com base em vários Padres da Igreja, ressalta a importância da pregação (11). Nesse versículo, Jesus colhe os primeiros frutos do rico plantio de João.
38 Jesus, voltando-Se para trás e vendo que O seguiam, disse-lhes: “Que buscais?” Eles disseram- Lhe: “Rabi (que quer dizer Mestre), onde habitas?”
Jesus nunca deixa de vir ao nosso encontro e jamais se nega a encorajar-nos nas vias do bem. Tão afetuosa e paternal é sua atitude com os dois que chega a nos comover. Ambos manifestam uma inocente ansiedade de dirigir-se a Jesus; entretanto, por respeito ou temor reverencial, não ousam abordá-Lo. Segundo a boa educação de todos os tempos, cabe a quem tem autoridade iniciar a conversa, e Jesus o faz com suma bondade, porque discerne o fundo do desejo de ambos e coloca-os à vontade.
“Rabi” é o título que Lhe conferem, e assim demonstram quanto anseiam por aprender sua doutrina. Em seguida Lhe fazem uma pergunta: “Onde moras?” Comenta Alcuíno a este respeito: “Não querem se beneficiar do magistério de forma passageira, e por isso Lhe perguntam onde vive para que, de futuro, possam ouvir suas palavras em segredo, visitá-Lo muitas vezes e instruir-se muito melhor” (12).
O Evangelho é perene e, por isso, também a nós Jesus pergunta: “Que buscais?” Ou seja, o que procuramos nos lugares freqüentados por nós, em nossas companhias, amizades, ações, etc.? Buscamos a glória de Deus e de sua Santa Igreja? Será o Reino dos Céus, a edificação dos outros, nossa salvação, nossa santificação? Ou, pelo contrário, será nossa vanglória, nosso amor próprio, nossa sensualidade, nossos prazeres? É possível que nós não Lhe queiramos responder agora, porém, no dia do Juízo — particular e final —, deveremos prestar- Lhe contas exatas, diante dos Anjos e dos homens.
Imitemos os dois discípulos, e perguntemos a Jesus onde vive Ele sobrenatuatualmente. Imaginemos qual seria sua resposta. Certamente não O encontraremos nos espetáculos imorais, nem nas disputas vaidosas, etc. Antes de tudo, Jesus vive no Céu, como no tabernáculo, mas também no coração dos inocentes, de todos os que se mantêm na graça de Deus e fogem do pecado. Nós bem o sabemos..

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Eis o Cordeiro de Deus

“Eis o Cordeiro de Deus”
Assim se expressa o Pe. Andrés Fernández Truyols SJ:
“E, no outro dia, enquanto se achava o Batista em companhia de dois de seus discípulos, João e André, vendo de novo passar Jesus, repetiu aquela mesma profunda e dulcíssima declaração da véspera: ‘Eis o Cordeiro de Deus’.
“Os dois discípulos, ao ouvirem —quiçá pela segunda vez — essa sentença dos lábios de seu mestre, pronunciada com tanto amor e certeza, iluminados sem dúvida e movidos pela graça interior que o próprio Cordeiro de Deus lhes comunicava, despedem-se daquele que até então haviam tido por mestre e se dispõem a seguir Jesus.
“O Batista não opõe a menor resistência; pelo contrário os estimula a irem atrás do novo Mestre. ‘João era o amigo do Esposo. Não procurava sua própria glória, mas dava testemunho da Verdade. Por isso não queria reter consigo seus discípulos, impedindo-os de seguir o Senhor; pelo contrário, ele mesmo lhes aponta Aquele que eles deviam seguir’ (Santo Agostinho, Tratado 7 sobre São João)” (4).
Segundo Maldonado, o Batista tinha os olhos cravados em Jesus por estar “cheio de admiração e de religioso espanto”. Torna-se patente que Jesus passeava. Para onde ia Ele? Alguns Padres manifestam-se favoráveis à hipótese de que Jesus estava à procura de São João Batista. Entretanto, Maldonado não é dessa opinião e julga estivesse o Salvador distraindo-se ou caminhando em outra direção e, por isso, “deixou-se ver por João para que d’Ele desse novo testemunho” (5).
Já São João Crisóstomo ressalta outros importantes detalhes desse episódio: “E como muitos não prestavam atenção no que São João dizia desde o princípio, procura chamar-lhes a atenção pela segunda vez, e por isso diz: ‘No dia seguinte, outra vez estava João e dois de seus discípulos’.
“Mas, por que o Batista não percorria toda a Judéia e pregava por toda parte sobre o Salvador, em vez de permanecer somente nas cercanias do Rio Jordão, aguardando que Ele ali chegasse para dá-Lo a conhecer? Porque queria que isso se tornasse evidente pelos próprios milagres de Jesus. Veja-se, aliás, de que modo esse seu procedimento foi causa de maior edificação: João Batista apenas fez saltar uma pequena faísca e logo se levantou um grande incêndio. Se tivesse dito essas palavras percorrendo as aldeias e cidades, essas coisas todas pareceriam estar sucedendo em decorrência de um plano humano, e o seu louvor soaria como suspeito; por essa razão os profetas e os apóstolos falaram de Jesus Cristo em sua ausência, mas o Batista em sua presença física; os outros, porém, falaram d’Ele depois de sua Ascensão.”
São João Crisóstomo termina com este comentário: Para constar que ele não manifestava Jesus apenas pela voz, mas O designava também com os olhos, acrescenta: ‘E olhando para Jesus que passava, disse: Eis o Cordeiro de Deus’” (6).
“Convém que Ele cresça e eu diminua”
Frei Manuel de Tuya OP, muito acertadamente comenta que esse trecho do Evangelho de hoje aponta uma continuação da missão do Batista, de anunciar a chegada do Messias, e de dar testemunho d’Ele. Do mesmo modo como antes procedera diante das multidões e do próprio Sinédrio, agora o faz perante seus dois discípulos: “Não os reterá, mas os orientará rumo a Cristo. Desfará seu ‘círculo’ para fazer crescer o de Cristo. É o tema desta passagem: ‘Convém que Ele cresça e eu diminua’ (Jo 3, 30)” (7).
O famoso Fillion vê esse trecho sob um outro ângulo e afirma que a exclamação de São João, “eis o Cordeiro de Deus”, foi suficiente para produzir nos dois discípulos, de maneira repentina, uma reação de maravilhamento (8). Já Maldonado manifesta-se favorável à ideia de que o precursor julgava seus dois discípulos prontos para seguir o Messias (9).

domingo, 4 de dezembro de 2011

O apostolado de São João Batista

35 No dia seguinte, João lá estava novamente com dois dos seus discípulos. 36 Vendo Jesus que passava, disse: “Eis o Cordeiro de Deus”.
São João Batista — valoroso exemplo de apóstolo desapegado — jamais permitiu a entrada, em sua grande alma, do menor resquício de ciúmes de seus seguidores, sobretudo em relação a Jesus. E embora fosse parente próximo do Salvador, afirmava: “Eu não sou digno de desatar-Lhe as correias das sandálias” (Jo 1, 27). Expressão forte para aqueles tempos, pois competia aos servos lavar os pés dos visitantes de grande categoria, tirando-lhes antes o calçado. Abraçava, dessa forma, a condição de escravo em face d’Aquele seu sucessor. Essa era uma das razões de sua capacidade de comover as almas e de incentivá-las à penitência rumo à “metanóia”(mudança de mentalidade). Sua humildade arquetípica, e tão transparente na autenticidade de sua pregação, conferia um caráter de confiabilidade insuperável à pessoa do Precursor. Aqui se encontra outra qualidade essencial do verdadeiro apóstolo: a despretensão.
Pouco adiante, afirmou ele: “Este é Aquele de Quem eu disse...” (Jo 1, 30). Esta afirmação é claramente indicativa do quanto Jesus deveria ser a substância de sua pregação. Talvez fosse essa uma das principais razões para ter escolhido um terreno menos arriscado para desenvolver seu apostolado. Estando longe de Jerusalém e, portanto, do raio de ação dos escribas e fariseus, podia livremente referir-se Àquele que se constituiria como verdadeira “pedra de escândalo”. O cerne de sua fala era “o Cordeiro de Deus” em Quem depositava a plenitude de sua fé.
Evangelizador desapegado e atraente
O Evangelista descreve o Batista com ricas e belas cores, atestando quanto seu primeiro mestre lhe marcara a alma agradável e indelevelmente. Ademais, com arte e poucas palavras, retrata a enorme perplexidade levantada por seus discursos. Que escola ou quais mestres o haviam formado para ensinar com tanta segurança? Sacerdotes e levitas de Jerusalém, enviados pelos judeus curiosos, indagavam: quem é esse que batiza dizendo não ser o Cristo, nem Elias e nem sequer o profeta? Todos — quer os instruídos e formados, quer as simples pessoas do povo — percebiam em João um homem inspirado por Deus. Sua aura de profecia, mistério e santidade crescia a cada dia, encantando as multidões e incutindo temor e inveja nos grandes.
De dentro de seu total desprendimento, sua única preocupação era a de preparar os caminhos do Senhor, arrebanhando em torno de si alguns discípulos, com vistas a entregá-los ao Cordeiro de Deus. Exemplo para nós também, especialmente debaixo desse prisma, pois assim devemos proceder em nosso apostolado, conduzindo as vocações para o seio da Igreja, para a vida eclesial.
Emerge desses episódios mais uma das qualidades do Batista, e esta pouco ressaltada: a de um apóstolo arquetípico. Sua atratividade era irresistível, tornando difícil a despedida. Daí se entende por que os dois discípulos permaneciam enlevados pelo fervor das palavras e pela figura do mestre, apesar de já declinar o dia! Por outro lado, eles não faziam ideia da extraordinária graça que os aguardava. A Providência Divina jamais deixa sem prêmio os verdadeiros devotos. Mais dia, ou menos dia, Ela lhes paga em superabundância. A constância, amor e entusiasmo desses dois discípulos lhes fariam merecer a graça de serem os primeiros a serem chamados para o discipulado de Jesus Cristo.