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sábado, 18 de maio de 2013

Evangelho Solenidade da Santíssima Trindade - Jo 16, 12-15 - Ano C - 2013


Evangelho Solenidade da Santíssima Trindade - Jo 16, 12-15 -  Ano C - 2013
( Domingo seguinte Pentecostes)

Um dos maiores mistérios da nossa Fé
Conta uma piedosa tradição que, estando o grande Santo Agostinho muito empenhado em procurar compreender a Santíssima Trindade, certo dia sonhou que presenciava na praia um menino esvaziando baldes e baldes de água do mar em uma cavidade na areia. Intrigado, aproximou-se dele e indagou:
— Que fazes aqui, meu jovenzinho?
— Tento colocar toda a água do mar neste buraco na areia.
— Mas, não vês que isso é impossível? — perguntou-lhe o santo.
— Pois sabei, Agostinho, que mais fácil é transferir para aqui toda a água do mar do que vós compreenderdes o mistério da Santíssima Trindade.
A sábia resposta fez o Doutor da Graça dar-se conta da insuficiência da inteligência humana, ainda que tão brilhante como a dele, perante um dos mistérios centrais da nossa Fé.
Inatingível pela mera razão natural
Nas aulas de Catecismo, aprendemos uma fórmula extraordinariamente simples e breve:
“Um só Deus em três pessoas”. Ela nos é muito familiar e podemos decorá-la com facilidade, mas jamais conseguiremos penetrar no seu significado sem a ajuda da Fé. Por isso, Santo Agostinho nos aconselha: “Se almejamos compreender tanto quanto nos é possível a eternidade, a igualdade e unidade de um Deus trino, precisamos crer antes de entender”.1
Desde toda a eternidade, conhecendo-Se a Si mesmo no espelho puríssimo de Sua essência, o Pai gera o Filho — o Verbo, a Palavra viva e substancial —, que é a Segunda Pessoa. Vendo a essência divina do Seu Verbo, o Pai O ama sem limites. E o Verbo, afirma o padre Royo Marín, “retribui a Seu Pai um amor semelhante, igualmente eterno e infinito. E ao encontrar-se a corrente impetuosa de amor que brota do Pai com a que brota do Filho, salta, por assim dizer, uma torrente de chamas, que é o Espírito Santo”.2
Esse insondável mistério da vida ad intra de Deus, baseada no amor, tornou-se cognoscível apenas pela Revelação. Para a inteligência humana resulta impossível entendê-lo, pois nada há na ordem da criação que possa dar ideia explícita dele. “É impossível chegar ao conhecimento da Trindade das Pessoas divinas pela razão natural”, afirma São Tomás.3 Logo a seguir, esclarece ser-nos possível conhecer de Deus, por mero raciocínio, “o que pertence à unidade da essência, não à distinção das Pessoas”.4
Tão inefável é o mistério da Santíssima Trindade que Santo Antônio Maria Claret, após procurar descrevê-lo, afirma: “Incompreensível vos parecerá isto, sem dúvida. E se pudéssemos compreendê-lo com perfeição, ou seríamos esse Deus, ou Aquele cuja natureza declarássemos como é em si, não o seria. O que teria de precioso a Divindade incompreensível — pergunta Eusébio Emiseno — se a sabedoria humana pudesse compreender Aquele Senhor que habita nas alturas, ao qual as nuvens servem de abajur e que é infinitamente superior a toda a ciência dos homens?”.5
O Espírito sonda tudo
A incapacidade de nosso intelecto para desvendar os mistérios da Fé não deve nos causar estranheza quando, mesmo no plano material, continuamos desconhecendo a explicação de muitos fenômenos naturais que nossos sentidos captam e cujas causas poderíamos deduzir pela aplicação do nosso entendimento.
Alguns mistérios, como o da Encarnação, parecem estar mais ao nosso alcance, porque neles encontramos um Deus que Se fez Homem, tornando-Se perceptível a nossos sentidos. Mas, tanto o da Encarnação quanto o da Santíssima Trindade e os outros mistérios da nossa Fé foram escondidos dos sábios, e revelados aos pequeninos (cf. Mt 11, 25) pela ação do Espírito Santo, que “sonda tudo, mesmo as profundezas de Deus” (I Cor 2, 10). É pela fogosa pluma do Apóstolo que temos ciência de quanto “o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi dado” (Rm 5, 5).
A grande e virtuosa Santa Maria Madalena de Pazzi, disse em certa ocasião: “Vi um hóspede divino sentado sobre um trono”.6
O afamado padre Plus torna-nos ainda mais explícito quem é esse Divino Visitante: “Esse Hóspede, o mais nobre e digno de todos, é o Espírito Santo que, com a agilidade de Sua bondade e de Seu amor a nós, infunde-Se rapidamente em todas as almas dispostas a recebê-lo. Quem poderia enunciar os maravilhosos efeitos que Ele produz em qualquer lugar onde é recebido! Fala sem articular palavras, e todos ouvem Seu divino silêncio. Está sempre imóvel e sempre em movimento, e Sua imobilidade móvel comunica-se a todos. Permanece sempre em repouso e, não obstante, age sempre; e no Seu repouso realiza as mais dignas e admiráveis obras. Sempre em movimento, sem nunca mudar de lugar, confirma e ao mesmo tempo destrói tudo onde penetra. Sua imensa e penetrante ciência tudo conhece, tudo ouve e tudo descobre. Sem necessidade de estar atento, ouve a menor palavra dita no mais íntimo do coração”.7
Diz-nos, ademais, o padre Faber: “O Espírito Santo fala mais que Jesus [...], toma maior iniciativa; parece dizer mais, parece que a paixão de Seu interesse pelos pecadores, Ele a tem muito maior para o santo”.8
É o Espírito Quem nos faz compreender — muitas vezes às apalpadelas (cf. At 17, 27), como se andássemos às escuras — os ensinamentos revelados pela Palavra da verdade. É por um dom do Paráclito que aos poucos vamos conhecendo-os e constituindo uma noção cada vez menos imprecisa a respeito da Santíssima Trindade. Por isso, pedimos na Oração do Dia: “Ó Deus, nosso Pai, enviando ao mundo a Palavra da verdade e o Espírito Santificador, revelastes o vosso inefável mistério, fazei que, professando a verdadeira Fé, reconheçamos a glória da Trindade e adoremos a Unidade onipotente”.
Mistério com o qual convivemos cotidianamente
Já nos escritos apostólicos, encontramos formulações afirmando a crença na Trindade. Destaca-se, entre eles, o encerramento da Epístola aos Coríntios, que inspirou a saudação inicial da Santa Missa: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós” (II Cor 13, 13). E ao longo dos séculos foi a Igreja explicitando sua Fé trinitária e definindo verdades por obra dos Concílios, com a contribuição dos Padres da Igreja e do sensus fidei do povo cristão.
Hoje, podemos constatar a naturalidade com que, por maravilhosa ação da graça nas almas, convive o fiel cotidianamente com um dos principais mistérios de nossa Fé. Diversas vezes ao dia nos persignamos “em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo” e a maior parte das nossas orações termina glorificando a Santíssima Trindade. Em qualquer ato litúrgico ou piedoso Ela é reverenciada sem que, na maioria das ocasiões, os presentes se detenham para pensar sobre a grandeza desse mistério.
E a Liturgia desta Solenidade — cuja comemoração foi estendida por João XXII, em 1334, a toda a Igreja Latina — visa precisamente incrementar nossa devoção ao Deus uno e Trino, Trindade consubstancial e indivisível.
SANTO AGOSTINHO. De Trinitate, I,8, c.5: PL 42, 952- 953.
ROYO MARÍN, OP, Antonio. Teología de la Perfección Cristiana. 9.ed. Madrid: BAC, 2001, p.53.
SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. I, q.32, a.1, resp.
Idem, ibidem.
SANTO Antonio María CLARET. Colección de Pláticas Dominicales. Barcelona: Librería Religiosa, 1886, v.II, p.256.
SANTA MARIA MADALENA DE PAZZI apud PLUS, SJ, Raúl. Cristo en nosotros. Barcelona: Librería Religiosa, 1943, p.153.
PLUS, SJ, op. cit., ibidem.
FABER, Frederick William. OEuvres posthumes. P. Lethielleux, 1906, t.I, p.125; t.II, p.242.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

EVANGELHO DA SOLENIDADE DE PENTECOSTES Jo 20,19-23 Ano C 2013


Continuação dos comentários ao Evangelho da Solenidade de Pentecostes Jo 20, 19-23 Ano C 2013
Quanto se fala de paz, hoje em dia, e quanto se vive no extremo oposto dela! O interior dos corações se encontra penetrado de tédio, apreensão, medo, desânimo e frustração, quando não de orgulho, sensualidade e falta de pudor. A instituição da família vai se tornando uma peça de antiquário. A ânsia de obter, não importa por que meio, sem levar em conta o direito alheio, vai caracterizando todas as nações dos últimos tempos. Em síntese, não há paz individual, nem familiar, nem no interior das nações.
Eis porque nossos olhos devem voltar-se à Rainha da Paz a fim de rogar sua poderosa intercessão para que seu Divino Filho nos envie uma nova Pentecostes e seja, assim, renovada a face da terra, como melhor solução para o grande caos contemporâneo.




1 ) Cf. João S. Clá Dias, E renovareis a face da Terra... in “Arautos do Evangelho”, maio 2002, pp. 5-10.
2 ) De considerat, 1. I C.2 apud São Bernardo, Obras selectas, BAC, p. 1.480
3 ) De doct. Christiana I, 4: PL 34, 21
4 ) De civitate Dei XIX 13: PL 41, 640
5 ) Cf. Suma Teológica II-II, q 29.
6 ) cf. Santo Tomas de Aquino, Suma Teológica, I-II, q 70, a 3c.
7 ) Cf. São Tomás de Aquino, Suma Teológica II-II, q 29, a 3.
8 ) Cânon 12 in Denzinger, Ench. Symbol. nº 224
9 ) São Tomás de Aquino, Catena Áurea, in Jo., c 20, l 3.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

EVANGELHO DA SOLENIDADE DE PENTECOSTES Jo 20,19-23 Ano C 2013


Continuação dos comentários ao Evangelho da Solenidade de Pentecostes Jo 20, 19-23 Ano C 2013
Tendo dito estas palavras, soprou sobre eles e disse-lhes: “Recebei o Espírito Santo”.
Na festa de hoje se comemora a descida do Espírito Santo sobre Maria e os Apóstolos a qual se encontra tão bem narrada na primeira leitura (At 2, 1-11). Esse acontecimento deu-se depois da subida de Jesus ao Céu e talvez daí decorre o fato de alguns negarem a realidade do grande mistério operado por Ele na ocasião, narrada no versículo em análise. Esse erro, mais explícito no começo do séc. VI, foi solenemente condenado pela Igreja no V Concílio Ecumênico de Constantinopla, em 552: “Se alguém defende o ímpio Teodoro de Mopsuestia, que disse (...) que depois da Ressurreição, quando o Senhor insuflou sobre os discípulos e lhes disse ‘Recebei o Espírito Santo’ (Jo 20, 22), não lhes deu o Espírito Santo, senão que tão-só o deu figurativamente (...), seja anátema” (8).
O Espírito Santo não procede somente do Pai, mas também do Filho. Ele é o Amor entre ambos. E como definir o amor? É muito mais fácil senti-lo do que defini-lo. Dois amigos que muito se querem, ao se encontrarem depois de longo período de separação, se abraçam fortemente e cheios de alegria. O que significa esse gesto tão espontâneo e efusivo, senão a manifestação de um amor recíproco? Os dois quase desejam, nessa hora, uma fusão de seus seres. O interior das mães se desfaz, suas entranhas parecem estar sendo arrancadas ao verem seus filhos partirem. Os que se amam querem estar juntos e se olhar. E quanto mais robusto é o amor, maior será a inclinação de se unirem.
Ora, quando os dois seres que se amam são infinitos e eternos, jamais esse impulso de união poderá manter-se dentro dos estreitos limites de uma mera tendência emocional, como muitas vezes se passa entre nós homens. Entre o Pai e o Filho, esse Amor é tão vigoroso que faz proceder uma Terceira Pessoa, o Espírito Santo.
Nossos amores, em não raras circunstâncias, são volúveis. Deus, muito pelo contrário, porque se contempla a Si próprio, Bom, Verdadeiro e Belo, eterna e irresistivelmente, Se ama desde todo o sempre e para sempre, e, tal qual assevera Santo Agostinho, desse amor faz proceder uma Terceira Pessoa infinita, santa e eterna, o Divino Espírito Santo. O amor é eminentemente difusivo e por isso tende a comunicar-se, a entregar-se.
Curiosa é a diferença de forma empregada por uma e outra Pessoa para se comunicar com os homens.
O Filho veio a este mundo assumindo nossa natureza em humildade e apagamento. Pelo contrário, o Espírito Santo, sem assumir outra natureza, marca sua presença com símbolos de estrépito e majestade. A face da terra será renovada por Ele, daí a manifestação do esplendor, força e rapidez dos fenômenos físicos que acompanharam sua infusão de graças nos que se encontravam reunidos no Cenáculo (conforme a 1ª leitura de hoje, At 2, 1-11), porque eles deveriam ser Apóstolos e testemunhas. Era preciso que fossem iluminados e protegidos, e soubessem ensinar.
No Evangelho de João, essa doação do Espírito Santo tem em vista a faculdade de perdoar os pecados:
 “Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados, àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos.”
Que grande dom concedido aos mortais por meio dos sacerdotes: o perdão dos pecados! Por outro lado, que imensa responsabilidade a de um Ministro de Deus! Dele diz São João Crisóstomo: “Se o sacerdote tiver conduzido bem sua própria vida, mas não tiver cuidado com diligência da dos outros, condenar-se-á com os réprobos” (9).
Continua...

terça-feira, 14 de maio de 2013

EVANGELHO DA SOLENIDADE DE PENTECOSTES Jo 20,19-23 Ano C 2013


Continuação dos comentários ao Evangelho da Solenidade de Pentecostes Jo 20, 19-23 Ano C 2013
Ele disse-lhes novamente: “A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também vos envio a vós”.
Novamente Jesus lhes deseja a paz, e deixa assim entrever quão importante é a tranquilidade da ordem. Como objetivo imediato, visava Jesus proporcionar-lhes a indispensável serenidade de espírito face às desavenças e mortais perseguições que lhes moveriam os judeus. Por outro lado, Jesus se dirige aos séculos futuros e, portanto, à própria era na qual vivemos. Também a nós Ele nos repete o mesmo desejo de paz formulado aos Apóstolos naquele momento. Sim, especialmente à nossa civilização que tem suas raízes em Cristo — Rei, Profeta e Sacerdote — cuja entrada neste mundo fez-se sob o belo cântico dos Anjos: “Paz na terra” (Lc 2, 14). Não foi outro o dom por Ele oferecido antes de morrer na Cruz, ao despedir-se: “Dou-vos a paz, deixo-vos minha paz” (Jo 14, 27). Entretanto, a humanidade hoje se suicida em guerras, terrorismos e revoluções. E qual a causa? Não queremos aceitar a paz de Cristo.
Tal qual a caridade, a paz começa na própria casa. Antes de tudo, é preciso construí-la dentro de nós mesmos, dando à razão iluminada pela Fé o governo de nossas paixões. Sem essa disciplina, entramos na desordem. Ora, vai se tornando cada vez mais raro encontrar-se um ser humano no qual esse equilíbrio é procurado com base no esforço e na graça. O espontaneísmo domina despoticamente em todos os rincões. Vivemos os axiomas da Sorbonne de 1968: “É proibido proibir” — “A imaginação tomou conta do poder” — “Nada reivindicar, nada pedir, mas tomar, invadir”. Eles pareciam ser para a humanidade uma pedra filosofal de felicidade, sucesso e prazer... Que desilusão!
A paz deve ser a condição normal e corrente para o bom relacionamento social, sobretudo na célula mater da sociedade, a família. Eis um dos grandes males de nossos dias: a autoridade paterna se autodestruiu, a sujeição amorosa da mãe se evanesceu e a obediência dos filhos foi carcomida pelo capricho, desrespeito e revolta. Essas enfermidades morais, transpostas para a vida da sociedade, redundam em luta civil, de classes e até mesmo entre os povos.
A humanidade sofre essas e muitas outras consequências do pecado de ter repudiado a paz de Cristo e abraçado a paz do mundo, ou seja, o consumismo, o igualitarismo, o laicismo, a adoração da máquina, etc.
Sentencia a Escritura: “Não há paz — diz Javé — não há paz para os ímpios” (Is 57, 20). “Curavam as chagas da filha do meu povo com ignomínia, dizendo: Paz, paz; quando não havia paz” (Jer 6,14). Os milênios transcorreram e nos encontramos novamente na mesma perspectiva de outrora, com uma agravante: corruptio optimi pessima (a corrupção do ótimo resulta no péssimo). Sim, a rejeição da paz verdadeira trazida pelo Verbo Encarnado é muito pior do que a impiedade antiga, e de conseqüências ainda mais drásticas.

A ordem fundamental do edifício da paz deriva essencialmente do Evangelho e do Decálogo, ou seja, do amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo por amor a Ele (7). Daí floresce a paz interior do homem e a harmonia com todos os outros, amados por ele com real caridade. Esse é o melhor remédio para todos os males atuais, desde a “epidemia” das depressões — enfermidade paradigmática de nosso século — até o terrorismo. É indispensável reconhecermos em Deus nosso Legislador e Senhor, pois, se ao longo da vida não existir a moral individual nem a familiar, haverá menos ainda o verdadeiro equilíbrio social e internacional. O caos de nossos dias no-lo demonstra em demasia.
Sendo a paz fruto do Espírito Santo, fora do estado de graça, e da prática da caridade, não nos é dado encontrá-la. Por isso quem se torna empedernido no pecado não pode gozar da paz: “Mas os malvados são um mar proceloso que não pode aquietar-se e cujas ondas revolvem lodo e lama. Não há paz — diz Javé — para os ímpios” (Is 57, 20).
O mesmo Isaías nos proclama a prodigalidade e a grandeza da bondade de Deus para com os justos: “Porque assim diz Javé: Vou derramar sobre ela (Jerusalém) a paz como um rio, e a glória das nações como torrentes transbordantes” (Is 66, 12).
Essa é a razão mais específica do fato de Jesus ter desejado uma segunda vez a paz a seus discípulos. É Ele o autor da graça e, portanto, o autor da paz: “Cristo é a nossa paz” (Ef 2, 14). “A graça e a verdade foram trazidas por Jesus Cristo” (Jo 1, 17).
Após esse segundo voto de paz, Jesus envia seus discípulos à ação, tornando claro o quanto é necessário jamais se deixar tomar pelo afã dos afazeres, perdendo a serenidade. Um dos elementos essenciais para o apostolado bem sucedido é a paz de alma de quem o faz.
Outro importante aspecto a considerar neste versículo é a afirmação do princípio da mediação tão do agrado de Deus. Jesus se apresenta aqui como o Mediador Supremo junto ao Pai e, ao mesmo tempo, constitui os Apóstolos como mediadores entre o povo e Ele. Aqui podemos medir quanto são enganosas as máximas igualitárias ao procurarem destruir o senso de hierarquia.
Continua...

segunda-feira, 13 de maio de 2013

EVANGELHO DA SOLENIDADE DE PENTECOSTES Jo 20,19-23 Ano C 2013


Continuação dos comentários ao Evangelho da Solenidade de Pentecostes Jo 20, 19-23
Feitas as considerações emergentes da primeira leitura (At 2, 1-11) no post anterior encontramo-nos mais aptos para contemplar as belezas do Evangelho da presente Liturgia.
19 Chegada a tarde daquele mesmo dia, que era o primeiro da semana, e estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se encontravam juntos, por medo dos judeus, foi Jesus, colocou-Se no meio deles e disse-lhes: “A paz esteja convosco!”
A prova pela qual haviam passado os Apóstolos excedia as forças da frágil natureza humana e, apesar do testemunho entusiasmado de Maria Madalena, não lhes era fácil crer na Ressurreição; talvez seu abatimento fosse o resultado de não se julgarem dignos de receber uma aparição do Senhor, segundo pondera São João Crisóstomo, devido ao horroroso abandono no qual deixaram o Mestre em sua agonia.
Na sua bondade infinita, Jesus não deixou transcorrer muito tempo para se manifestar também a eles. Escolheu uma excelente oportunidade para tal: no entardecer e estando as portas fechadas, para tornar ainda mais patente a grandeza do milagre de sua Ressurreição.
A chegada da noite é o momento em que a apreensão cresce no interior de todos os temerosos. Por outro lado, penetrar num recinto com portas e janelas fechadas, só mesmo em corpo glorioso poderia alguém realizar tamanho prodígio.
Qual seria o lugar onde estavam reunidos, não se sabe com exatidão. A hipótese mais provável recai sobre o Cenáculo.
Outro particular interessante é a posição escolhida por Cristo para lhes dirigir a palavra. Ele poderia ter preferido saudá-los logo à entrada, entretanto caminhou entre eles e foi colocar-Se bem ao centro. Esse deve ser sempre o posto de Jesus em todas as nossas atividades, preocupações e necessidades. O deixá-Lo de lado, além de ser falta de respeito e consideração, é condenar ao fracasso qualquer iniciativa, por melhor que seja.
Sua saudação também nos chama especialmente a atenção: “A paz esteja convosco”.
À primeira vista seríamos levados a julgar compreensível que Ele desejasse acalmá-los das perturbações que os acometiam desde a prisão no Horto das Oliveiras. E de fato, esse bem poderia ser um de seus intentos, mas o significado mais profundo não reside nessa interpretação. Para melhor o entendermos, perguntemo-nos o que é paz.
“Paz é a tranquilidade da ordem”, diz Santo Agostinho (4), ou seja, uma ordem permanentemente tranquila. E São Tomás demonstra ser a paz efeito próprio e específico da caridade, pois todo aquele que está em união com Deus vive na perfeita ordem, ao harmonizar todas as suas potências, sentidos e faculdades à sua causa eficiente e final (5). Essa união faz brotar na alma que a possui um profundo repouso interior e nem sequer os inimigos externos a perturbam, porque nada lhe interessa a não ser Deus: “Se Deus está conosco, quem será contra nós?” (Rom. 8, 31).
Ora, sabemos pela Teologia que o Espírito Santo é a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade e procede do Pai e do Filho por via do Amor. N’Ele está a raiz, ou semente, da qual nasce o fruto da caridade. Ao amarmos a Deus e ao próximo, a alegria e o consolo penetram em nosso interior. Desse amor e gozo, procede a paz (6).
Jesus, desejando-lhes a paz, oferecia-lhes um dos principais frutos desse Amor infinito que é o Espírito Santo.
Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos alegraram-se muito ao ver o Senhor.
 Por esta atitude do Senhor podemos bem avaliar o quanto o pavor havia penetrado na alma de todos, apesar de ouvirem a voz do Divino Mestre desejando-lhes a paz.
 Por isso tornou-se indispensável mostrar-lhes aquelas mãos que tanto haviam curado cegos, surdos, leprosos e inúmeras outras enfermidades, mãos que talvez eles mesmos tivessem, a seu tempo, osculado. Sim aquelas mãos que, havia pouco, tinham sido transpassadas por terríveis cravos. Era preciso comprovarem tratar-se do Redentor, vendo seu lado perfurado pela lança de Longinus.
 Naquele momento sentiram a alegria pervadir suas almas, pois constataram não estar diante deles um fantasma, mas sim o próprio Jesus em Corpo, Sangue, Alma e Divindade. Cumpria-se assim sua promessa: “Hei de ver-vos de novo, e o vosso coração se alegrará, e ninguém vos tirará a vossa alegria” (Jo 16, 22).
 Transparece nessa atitude seu profundo intuito apologético, ao fazê-los ver suas santas chagas, ao contrário de como procedera com Santa Maria Madalena, ou até mesmo com os discípulos de Emaús.
 Outra nota de bondade consiste no fato de Ele ter velado o esplendor de seu Corpo glorioso, caso contrário a natureza humana dos Apóstolos não teria suportado o fulgor da majestade do Homem-Deus ressurrecto.
Continua no próximo post.