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sábado, 12 de abril de 2014

EVANGELHO - VIGÍLIA PASCAL NA NOITE SANTA - Mt 28, 1-10 - Ano A

CONTINUAÇÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO - VIGÍLIA PASCAL NA NOITE SANTA - Mt 28, 1-10 - Ano A

Portentosos sinais da Ressurreição do Senhor
2 “De repente, houve um grande tremor de terra: o Anjo do Senhor desceu do Céu e, aproximando-se, retirou a pedra e sentou-se nela. 3 Sua aparência era como um relâmpago, e suas vestes eram brancas como a neve. 4 Os guardas ficaram com tanto medo do Anjo, que tremeram, e ficaram como mortos”.
A descrição destes versículos é portentosa, e inclusive mais detalhada que a dos outros três Evangelhos no que se refere aos fenômenos ocorridos no sepulcro. São Mateus — contrariamente aos demais evangelistas — empenha-se em ressaltar o aspecto grandioso da Ressurreição: em sua narrativa, o forte tremor de terra parece um episódio do Antigo Testamento, e o Anjo que desce do Céu, aproxima-se, retira a pedra e nela se senta, tem uma magnificência peculiar. O simples fato de defini-lo “como um relâmpago” e serem suas vestes “brancas como neve” nos dá uma noção da imponência do momento.
Enriquecedores são os comentários tecidos por São Jerônimo: “Nosso Senhor, Filho único de Deus e, ao mesmo tempo, Filho do Homem conforme as suas duas naturezas, a da divindade e a da carne, mostra ora os sinais de sua grandeza, ora os de sua humildade. Por isso também na presente passagem, embora seja um Homem aquele que foi crucificado, sepultado [...], os fatos que fora se desenrolam manifestam que é o Filho de Deus: o Sol que foge, as trevas que caem, o terremoto, o véu rasgado, os rochedos destroçados, os mortos ressuscitados, os serviços prestados pelos Anjos, que desde o início de sua Natividade demonstravam que é Deus. [...] Agora também vem um Anjo (Mc 16, 5) como guardião do sepulcro do Senhor e com sua veste branca indica a glória do Triunfador”.5
É, pois, compreensível que os guardas tenham ficado aterrados, a ponto de desfalecerem. Além do medo que os assaltou em decorrência da Ressurreição — segundo a interpretação de vários Padres, entre eles São João Crisóstomo6 —, viram frustrado o objetivo que os levara para junto do sepulcro: comprovar que o Homem-Deus não passava de um mortal. Ora, a contragosto e para seu castigo, converteram-se eles em testemunhas oculares do maior prodígio havido na História, e, ademais, o fato de terem sido eles que selaram o sepulcro e o vigiaram aumenta a humilhação infligida com o milagre, como também a culpa ao negá-lo daí por diante.
Nosso Senhor não esquece os que ama

5“Então o Anjo disse às mulheres: ‘Não tenhais medo! Sei que procurais Jesus, que foi crucificado. 6 Ele não está aqui! Ressuscitou, como havia dito! Vinde ver o lugar em que Ele estava. 7 Ide depressa contar aos discípulos que Ele ressuscitou dos mortos, e que vai à vossa frente para a Galileia. Lá vós O vereis. É o que tenho a dizer-vos’”.

Apesar dessa manifestação grandiosa, não mais estamos no Antigo Testamento, quando a aparição de um Anjo era considerada prenúncio imediato de morte. O mensageiro celeste sabe tratar de maneira adequada cada criatura humana e diz às mulheres: “Não tenhais medo!”. Na verdade, depois de tudo o que acabara de suceder não faltavam motivos para recear, mas ele dá a entender que desígnios superiores pairavam sobre aqueles acontecimentos, portadores de esperança. Prepara-as assim para acolher o anúncio que contém a essência do Evangelho selecionado para esta solene cerimônia: “Ressuscitou, como havia dito!”.
Embora o estupendo milagre da Ressurreição tivesse sido predito por Nosso Senhor, suas palavras não encontraram suficiente eco na alma dos que O seguiram nos anos de vida pública, caindo no esquecimento perante as aparências contrárias presenciadas na Paixão. No entanto, já era hora de recordarem esta profecia: “Destruí vós este Templo e Eu o reerguerei em três dias” (Jo 2, 19). Com estas palavras Ele Se referiu ao seu próprio Corpo, que passaria pela Morte e Ressurreição. Lembremo-nos de que tanto seu sagrado Corpo quanto sua Alma, mesmo estando separados pela morte, permaneceram unidos hipostaticamente à divindade, por cujo poder ambos se reassumiram mutuamente no momento da Ressurreição. O Redentor cumprira a promessa, ressurgindo com todas as características que possuíra na vida mortal, acrescidas de glória.
Prelibando a fase de expansão da Igreja que dentro em breve se iniciaria, o Anjo transmite às mulheres uma incumbência: comunicar aos discípulos a notícia da Ressurreição, pois, abatidos pelo desânimo e decerto pesarosos por sua própria prevaricação, a Morte de Nosso Senhor lhes poderia dar a ideia de que Ele Se esquecera dos que estimava. Talvez pensassem que, uma vez tendo partido deste mundo, Jesus Se havia afastado para não mais conviver com os seus. Vemos que o Anjo desmente essas impressões falsas com o aviso de um novo encontro na Galileia, deixando claro o quanto o Mestre os ama apesar de todas as infidelidades.
Um misto de medo e alegria
8 “As mulheres partiram depressa do sepulcro. Estavam com medo, mas correram com grande alegria, para dar a notícia aos discípulos”.
As mulheres, que sempre acompanhavam Nosso Senhor onde quer que Ele fosse, estavam habituadas a vê-Lo sair-Se bem em todas as circunstâncias. Foi o que se verificou, por exemplo, quando o paralítico descido pelo teto foi curado e seus pecados foram perdoados, deixando os adversários do Divino Mestre confundidos e furiosos (cf. Lc 5, 18-26; Mc 2, 3-12; Mt 9, 2-8); ou quando houve a multiplicação dos pães e, pelo instinto materno próprio à psicologia feminina, também sentiram pena da multidão faminta que seguia Nosso Senhor, contemplando maravilhadas a prodigiosa solução dada por Ele, na ocasião (cf. Mt 14, 15-21; Mc 6, 35-44; Lc 9, 12-17; Jo 6, 5-14). Episódios semelhantes ocorridos ao longo da pregação de Jesus robusteceram-nas numa fé sincera em relação a Ele, fruto da retidão de quem não tem arrière-pensée ou desconfianças próprias aos que fazem considerações materialistas, esquecendo-se da existência de fatores sobrenaturais que podem explicar os acontecimentos extraordinários.
Animadas por tão bom espírito, retiraram-se elas do sepulcro sôfregas por transmitir a mensagem recebida. Neste versículo, todavia, transparece algo muito humano: o misto de alegria e medo que as invadiu, apesar da advertência angélica. A alegria, como é natural, vinha do magnífico anúncio da Ressurreição de Nosso Senhor, e o temor tinha sua origem em possíveis represálias dos judeus naquela situação ainda muito instável. Para extirpar por completo esse receio, nada mais eficaz que um contato com o Mestre.
O encontro com Nosso Senhor
9 “De repente, Jesus foi ao encontro delas, e disse: ‘Alegrai-vos!’. As mulheres aproximaram-se, e prostraram-se diante de Jesus, abraçando seus pés”.
No intuito de animar as Santas Mulheres, o próprio Jesus tomou a iniciativa de ir ao encontro delas, mostrando que Ele vai à procura dos que realmente O amam. E eis que a sua primeira palavra é “Alegrai-vos!”, para, em seguida, permitir que Lhe abraçassem os pés.
O conjunto dos pormenores de outros relatos evangélicos desta passagem sugere a hipótese de que Maria Madalena não estivesse junto às mulheres nesse instante, mas sozinha, em busca de Nosso Senhor (cf. Mc 16, 9-11; Jo 20, 11-18). Tudo indica que o encontro que tiveram com Ele deu-se em momentos e lugares diversos: primeiro apareceu à pecadora arrependida, a quem ordenou “Não me retenhas!” (Jo 20, 17), e depois às demais, enquanto corriam. É curioso notar a diferença em seu divino modo de agir, pois não deixou aquela que havia “demonstrado muito amor” (Lc 7, 47) externar toda a sua veneração, e aqui, pelo contrário, as Santas Mulheres seguram seus pés e Ele não lhes opõe resistência.
Como explicar este aparente paradoxo? Santa Maria Madalena tinha uma fé robusta e o Mestre não queria tirar-lhe o mérito. Caso ela chegasse a tocá-Lo — ou se demorasse muito ao fazê-lo, conforme sustentam alguns autores7 —, confirmaria cabalmente que Ele havia ressuscitado e não era um espírito, mas o mesmo Homem-Deus cujos pés lavara com suas lágrimas e enxugara com os cabelos (cf. Lc 7, 37-38). Jesus estava como que a dizer-lhe: “Não Me toques, porque Eu te reservo um mérito maior: o de crer sem comprovar”.
Às outras, consentiu que dessem largas às suas manifestações de adoração. Elas já haviam visto um espírito e sua primeira impressão ao deparar-se com o Salvador seria de que também se tratava de um ser imaterial, até porque possuíam uma fé menos vigorosa que a de Maria Madalena. Além disso, acompanharam-No continuamente antes da Paixão e, enquanto os homens costumam dar menos importância à ausência física, elas, como mulheres, eram mais sensíveis à separação e ao abandono. Precisavam, pois, verificar que Jesus estava vivo e não as desamparara.
Ao abraçar os pés do Senhor, devem ter visto e osculado as marcas dos cravos, além de sentir seu inconfundível perfume, agora intensificado em virtude da glorificação do Corpo. Ficaram comovidas por perceber que a Ressurreição era real e experimentaram, sem a menor dúvida, uma consolação extraordinária. Põe-se aqui um problema sobre qual será a maior graça: obter o mérito de crer sem constatar ou poder estreitar o Corpo glorioso do Mestre? Deixemos que os teólogos tratem dessa delicada questão, pois para ninguém será fácil a escolha, que depende do feitio de cada pessoa.
Arautos da Ressurreição nomeadas pelo Senhor
10 “Então Jesus disse a elas: ‘Não tenhais medo. Ide anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a Galileia. Lá eles Me verão’”.
Depois do imenso favor de permitir que tocassem em seu Corpo ressurrecto, Nosso Senhor recomenda “Não tenhais medo”, para certificar mais uma vez de que Ele não era um fantasma e infundir-lhes coragem ante a perspectiva de uma possível perseguição movida pelos judeus. E deixa um recado destinado aos discípulos: que partissem rumo à Galileia para um encontro, pois Ele não havia desaparecido. Assim, o Salvador as constitui arautos para propagar a Boa-nova da Ressurreição, que os próprios Apóstolos ainda não conheciam.
Que modo de proceder contundente para os padrões estabelecidos pela sociedade da época! Os Doze, que eram Bispos e foram os primeiros a comungar o Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo, são obrigados a receber a notícia através de mulheres! Eles fraquejaram, fugiram de medo e acabaram sendo postos à margem na hora da Ressurreição, pois Jesus quis dar um prêmio às que não haviam faltado à caridade. Não será que, se não nos convertermos a um amor tão intenso quanto Ele espera de cada um, seremos ultrapassados pelos que consideramos inferiores a nós? Sejamos verdadeiramente fervorosos, para que isto não nos aconteça!

Jesus ainda convive com eles ao longo de quarenta dias para então subir aos Céus, mas compensa sua ausência enviando o Espírito Santo e prolonga sua presença no Sacramento da Eucaristia, confirmação da promessa feita por Ele antes de partir: “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 20).
Continua no próximo post

sexta-feira, 11 de abril de 2014

EVANGELHO - VIGÍLIA PASCAL NA NOITE SANTA - Mt 28, 1-10 - Ano A

COMENTÁRIO AO EVANGELHO - VIGÍLIA PASCAL NA NOITE SANTA - Mt 28, 1-10 - Ano A

“Depois do sábado, ao amanhecer do primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro. 2 De repente, houve um grande tremor de terra: o Anjo do Senhor desceu do Céu e, aproximando-se, retirou a pedra e sentou-se nela. 3 Sua aparência era como um relâmpago, e suas vestes eram brancas como a neve. 4 Os guardas ficaram com tanto medo do Anjo, que tremeram, e ficaram como mortos. 5 Então o Anjo disse às mulheres: ‘Não tenhais medo! Sei que procurais Jesus, que foi crucificado. 6 Ele não está aqui! Ressuscitou, como havia dito! Vinde ver o lugar em que Ele estava. 7 Ide depressa contar aos discípulos que Ele ressuscitou dos mortos, e que vai à vossa frente para a Galileia. Lá vós O vereis. É o que tenho a dizer-vos’. 8 As mulheres partiram depressa do sepulcro. Estavam com medo, mas correram com grande alegria, para dar a notícia aos discípulos. 9 De repente, Jesus foi ao encontro delas, e disse: ‘Alegrai-vos!’.
As mulheres aproximaram-se, e prostraram-se diante de Jesus, abraçando seus pés. 10 Então Jesus disse a elas: ‘Não tenhais medo. Ide anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a Galileia. Lá eles Me verão’” (Mt 28, 1-10).
O prêmio concedido aos que mais amam
Na manhã de domingo as mulheres acorreram ao sepulcro para prestar as últimas homenagens ao Corpo do Senhor. E o próprio Jesus, desejando recompensá-las, foi ao seu encontro anunciar as alegrias da Páscoa.
I – A PRIMEIRA PÁSCOA
A origem da Solenidade da Páscoa remonta ao Antigo Testamento, quando os israelitas saíram da escravidão do Egito após quatro séculos de cativeiro. Depois de ter infligido diversos castigos aos egípcios com o intuito de persuadi-los a deixar partir o seu povo, como o Faraó não se comovesse Deus determinou que um Anjo exterminador ceifasse a vida de todos os primogênitos do país, dos homens e até dos animais. Entretanto, não permitiu que os descendentes de Abraão fossem atingidos. Determinou que os marcos e as travessas das portas das casas fossem assinalados com o sangue do cordeiro consumido na ceia daquela noite, a fim de serem poupados (cf. Ex 12, 12-13). Tão terrível foi a execução, que não só as autoridades consentiram na saída dos filhos de Israel, como também a população o suplicou, reconhecendo haver um fator sobre-humano nesses acontecimentos. Os hebreus puseram-se em marcha, sem demora, rumo ao Mar Vermelho, o qual se abriu milagrosamente, possibilitando-lhes a travessia a pé enxuto (cf. Ex 14, 21-22).
Este episódio de grande importância na História da salvação chamou-se Páscoa, que quer dizer passagem, isto é, o Senhor passou adiante e não feriu os hebreus, possibilitando-lhes o acesso à almejada liberdade social e política. Para perpetuar a lembrança desse acontecimento, Ele ordenou sua comemoração anual, como está descrito no Livro do Êxodo: “essa mesma noite é uma vigília a ser celebrada de geração em geração por todos os israelitas, em honra do Senhor. [...] Conservareis a memória deste dia, em que saístes do Egito, da casa da servidão, porque foi pelo poder de sua mão que o Senhor vos fez sair deste lugar” (12, 42; 13, 3).
Foi esta a ocasião escolhida por Nosso Senhor Jesus Cristo para ressuscitar, mudando o significado da Páscoa antiga para outro infinitamente mais elevado. Se o povo eleito passou da escravidão para a liberdade na Páscoa, nós, com a Morte e a gloriosa Ressurreição de Jesus, passamos da morte física para a vida eterna, e da morte do pecado para a ressurreição, pela graça. Por isso São Jerônimo comenta: “Parece-me que este dia é mais radiante que todos os outros, em que o Sol brilha para o mundo com mais fulgor, em que também os astros e todos os elementos se alegram, e aqueles que durante a Paixão do Senhor haviam apagado sua luz e se haviam eclipsado, não querendo contemplar seu Criador crucificado, voltam a cumprir a missão de seguir seu Senhor, que agora Se mostra vitorioso e ressurge — se assim se pode dizer — dos infernos, com todo o seu esplendor”.1
“A mãe de todas as vigílias”
A Igreja, ciosa de revestir tal comemoração da devida pompa, a celebra durante cinquenta dias, considerando-os como um só. Iniciam-se com a celebração da Vigília Pascal, designada por Santo Agostinho como “mãe de todas as santas vigílias”,2 e se alongam como manifestação da alegria de todos os cristãos até o Domingo de Pentecostes. A cerimônia litúrgica desta Vigília começa no exterior do templo, após o cair da noite, com a bênção do fogo, num rito que encontra sua origem nos primeiros séculos da Igreja. Esse fogo novo acende o Círio Pascal, símbolo do próprio Jesus Cristo que rompe as trevas da Lei Antiga e da escravidão ao pecado, para trazer às almas a salvação. Já no interior do recinto sagrado, a chama do Círio estende-se às velas de todos os fiéis ali reunidos como representação da Igreja inteira com suas lâmpadas acesas, em sinal de vigilância, à espera do Senhor.
A cena da assembleia imersa nas trevas leva-nos a reviver por alguns instantes a longa expectativa da humanidade até o advento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Nesses séculos houve atroz sofrimento, súplicas, e muitas lágrimas foram derramadas. Seriam elas transformadas em alegria? As promessas divinas indicavam que sim. Esta viria não do esforço ou de um mérito adquirido, mas do perdão. Não era possível que o mundo fosse redimido sem um grandioso ato de misericórdia, indispensável para purificar o gênero humano da culpa original e dos pecados atuais. A sequência de leituras proposta para a Solenidade de hoje indica os rumos pelos quais Deus conduziu seu povo, com o intuito de educá-lo, até operar a Redenção. Conforme nos adentremos nessas considerações, poderemos comprovar a sabedoria com que a Providência formou na virtude os seus eleitos, partindo sempre do princípio — e esse é o bom caminho teológico — que diz: se Ele assim fez, foi o melhor.
Uma síntese da História da salvação
A primeira leitura (Gn 1, 1—2, 2) se sintetiza em dois pontos, sendo o primeiro deles a processividade com que Deus cria todas as coisas para, por último, modelar o homem. Esse modo hierárquico do operar divino deixa claro que a criatura feita à sua imagem e semelhança é superior às outras criaturas visíveis, o que ajuda o homem a não cair na idolatria. Depois, o descanso reservado para o sétimo dia recorda que se deve trabalhar aplicando o esforço sobre a natureza, para lhe dar um brilho ainda maior do que quando saía das mãos do Criador, mas sem se esquecer de que tudo deve ser feito por amor a Deus. Contudo, é necessário ter presente que a beleza descrita neste trecho do Gênesis é ínfima perto do esplendor da Páscoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, como pede a oração correspondente a essa leitura: “dai aos que foram resgatados pelo vosso Filho a graça de compreender que o sacrifício do Cristo, nossa Páscoa, na plenitude dos tempos, ultrapassa em grandeza a criação do mundo realizada no princípio”.3
A seguir, na segunda leitura (Gn 22, 1-18), vemos a inteira disponibilidade de Abraão ao oferecer seu filho Isaac em sacrifício, obedecendo à determinação divina. O filho já havia morrido no coração do patriarca quando o Anjo lhe detém o braço, antes de desfechar o golpe. Isaac, que estava condenado, como que ressuscita, composição esta evocativa da Morte e Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo.
A terceira leitura (Ex 14, 15—15, 1) ressalta o quanto a vitória dos bons depende da intervenção de Deus, sobretudo por se tratar de um povo escolhido e protegido por Ele, como neste caso em que os judeus são defendidos da ira do Faraó com um prodígio admirável, pré-figura de outro ainda maior. Pois se nos impressionamos com a imponência de Moisés levantando seu cajado para abrir as águas do Mar Vermelho, temos nisso algo menos retumbante que o milagre realizado na pia batismal. A quarta leitura (Is 54, 5-14), em contrapartida, apresenta os israelitas no cativeiro, como castigo por sua infidelidade. De forma análoga, a humanidade antes da Redenção vivia num merecido exílio pela culpa original, mas Deus, como nos transmite a quinta leitura (Is 55, 1-11), promete enviar uma torrente de graças que virá depois da Ressurreição. O que Ele espera de nós é apenas o pedido de perdão e almas inteiramente abertas para acolher suas dádivas.
Já na sexta leitura, o profeta Baruc (3, 9-15.32—4, 4) faz um elogio à sabedoria — identificando-a com a prática dos Mandamentos — e mostra como viver em inteira conformidade com ela é um dos maiores dons recebidos nesta vida. Isto nos sugere um contraste com os dias atuais, em que os homens buscam avidamente o prazer e ignoram que a verdadeira alegria se encontra na posse da sabedoria.
Por fim, Ezequiel (36, 16-17a.18-28) anuncia a iniciativa divina de lavar o povo de suas iniquidades, concedendo uma graça superabundante para exaltar a santidade do seu próprio nome. Nessa misericordiosa atitude de Deus, a despeito de nossos nulos méritos, é profetizada a fundação de uma nova era histórica nascida dos frutos da Paixão, Morte e Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Depois de acompanhar os principais episódios da história do povo eleito, símbolo da peregrinação do gênero humano pelas sendas do pecado até a Encarnação, estamos preparados para contemplar o fato central de todos os tempos, do qual tudo quanto foi referido anteriormente é um prenúncio, e que haveria de encerrar esse período de trevas, tornar efetivas as promessas feitas aos patriarcas e profetas, e abrir para sempre aos homens as portas da eternidade, fechadas desde a transgressão cometida por nossos primeiros pais.
II – O SOLENE ANÚNCIO DA RESSURREIÇÃO
1 “Depois do sábado, ao amanhecer do primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro”.
Movidas pelo amor, Maria Madalena e a outra Maria dirigiam-se ao sepulcro para concluir a preparação fúnebre do Corpo sagrado e adorável de Nosso Senhor Jesus Cristo (cf. Mc 16, 1; Lc 24, 1). Estavam preocupadas de que os cuidados aplicados na sexta-feira não houvessem sido suficientes devido à urgência em concluir a tarefa antes do início do descanso sabático (cf. Jo 19, 38-42). Pela narrativa de São Marcos (16, 1) e de São Lucas (24, 10), sabemos que outras mulheres também se uniram a elas, pois eram várias as que desejavam proporcionar ao Divino Mestre o que havia de melhor, máxime considerando que o grupo era formado por damas ricas (cf. Lc 8, 3), e que Maria Madalena possuía uma das maiores fortunas de Israel. É provável que tenham gastado uma soma “lamentável”, segundo os critérios de Judas, muito superior aos trezentos denários empregados na aquisição do perfume de nardo puro com o qual Maria Madalena ungira os pés de Jesus (cf. Jo 12, 3-6), suscitando as queixas do traidor.
Transparece nesta cena, especialmente em Santa Maria Madalena — que deve ter sido quem demoveu a outra com seu entusiasmo —, o amor levado às últimas consequências. Era ela uma alma de eleição, não conhecendo limites sua caridade, apesar das fraquezas da vida passada de que já havia sido perdoada. À medida que se firmou nesse amor, também se identificou mais com o Mestre, disposta a fazer tudo por Ele.
Com efeito, em poucos personagens do Evangelho encontramos uma reciprocidade tão perfeita em relação a Jesus como na irmã de Lázaro e Marta, e por este motivo ela é modelo de amor. Amor vigilante e solícito, que não faz economia e enfrenta qualquer situação; amor que a incita à preocupação pelo que advenha ao Amado; amor que não tem respeito humano, pois enquanto os Apóstolos estão escondidos, ela não mede esforços nem sacrifícios, decidida até a rolar a pedra do sepulcro com as mãos, discutir com os guardas, implorar e provocar um tumulto, se necessário fosse. Por quê? Ela deseja embalsamar o Corpo d’Aquele a quem adora: “O amor de Madalena a torna intrépida: nem o silêncio da noite, nem a solidão do lugar, nem a morada dos mortos, nem a aparição dos espíritos a apavoram; ela apenas teme por não ver o Corpo de seu Mestre para Lhe render as últimas homenagens”.4
Difícil é meditar a respeito desta passagem sem nos determos para um breve exame de consciência: será que temos em relação a Nosso Senhor esse grau de ardor em que nada é obstáculo para glorificá-Lo, e tudo é desconfiança face ao que possa ser feito contra Ele?

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Evangelho - Domingo de Ramos da Paixão do Senhor - Ano A - Mt 27, 11-54

CONCLUSÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO Mt 27, 11-54  
DOMINGO DE RAMOS - ANO A 

O combate do católico é sua glória
A lição da Liturgia neste início de Semana Santa deve ser guardada na lembrança até o nosso último suspiro: somos combatentes! Não fomos feitos para apoiar aqueles que põem sua esperança no mundo, mas para defender Nosso Senhor Jesus Cristo. O mundo só nos interessa como objeto de conquista para o Reino de Deus, pois queremos ser apóstolos, a fim de que todos os homens experimentem nossa alegria de cristãos. Alegria proveniente da certeza, infundida pela fé na alma, de um dia recuperar o corpo em estado glorioso e viver a eternidade feliz no convívio com Deus, com Maria Santíssima, com os Anjos e com os Santos.
Embora esta passagem para a bem-aventurança tenha como átrio a morte — destino natural de todo homem —, a convicção de que a cruz conduz à luz, isto é, à vitória e ao triunfo final, torna a alma equilibrada, calma e serena, e dá forças para encarar a morte com confiança, sabendo que no outro lado estará Aquele que por nós morreu na Cruz, pronto a nos receber.

Nesta Semana Santa, unamo-nos a Nosso Senhor Jesus Cristo e façamos companhia a Nossa Senhora nas dores que ao longo dos próximos dias vão se descortinar diante de nossos olhos, com a certeza da glória que atrás delas espera para se manifestar. 
1) VIGÍLIA PASCAL. Proclamação da Páscoa. In: MISSAL ROMANO. Trad. Portuguesa da 2a. edição típica para o Brasil realizada e publicada pela CNBB com acréscimos aprovados pela Sé Apostólica. 9.ed. São Paulo: Paulus, 2004, p.275.
2) MISSA DO DIA DA PASCOA. Sequência. In: MISSAL ROMANO. Palavra do Senhor I — Lecionário Dominical (A-B-C). Trad. Portuguesa da 2a. edição típica para o Brasil realizada e publicada pela CNBB e aprovada pela Sé Apostólica. São Paulo: Paulus, 2004, p.190.
3) Cf. CIA DIAS, EP, João Scognaniiglio. Uma mulher precedeu os evangelistas. In: Arautos do Evangelho. São Paulo. N.75 (Mar., 2008); p.10-17; Comentário ao Evangelho do Domingo da Páscoa na Ressurreição do Senhor — Ano A, neste mesmo volume.
4) GARRIGOU-LAGRANGE, OP, Réginald. El Salvador y su amor por nosotros.Madrid: Rialp, 1977, p.312.
5) SAO BERNARDO. Sermones de Tiempo. En el Santo Día de la Pascua. Sermón I,ni-2. In: Obras Completas. Madrid: BAC, 1953, v.1, p.497-498.
6) Idem, n.5-6, p.500-501.
7) Cf. FILLION, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Pasión, Muerte y Resurrección. Madrid: Rialp, 2000, v.111, p.212.
8) SANTO ANTÔNIO MARIA CLARET. Setmones de Misión. Barcelona: L. Religiosa, 1865, v.111, p.197.
9) Cf. SAO TOMAS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.14, a.1
10) Cf. Idem, ad 2.
11) Idem, q.49, a.6, ad 3.
12) Cf. Idem, q.14, a.4.
13) Cf. Idem, q.46, a.5.
14) GARRIGOU-LAGRANGE, op. cit., p.309.
15) SAO TOMAS DE AQUINO, op. cit., q.49, a.6.

terça-feira, 8 de abril de 2014

Evangelho - Domingo de Ramos da Paixão do Senhor - Ano A - Mt 27, 11-54

CONTINUAÇÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO Mt 27, 11-54  
DOMINGO DE RAMOS - ANO A 
“Per Crucem ad Lucem!”
Contrariamente à quimera sugerida por certa mentalidade muito alastrada, não é possível abolir a cruz da face da Terra, pois, em geral, todo ser humano sofre. Apenas nas produções cinematográficas e demais fantasias do gênero — coroadas sempre pelo happy end — encontramos figuras irreais de pessoas imunes a qualquer incômodo físico ou moral, bem-sucedidas em todos os seus empreendimentos e sem dificuldades no convívio social, não havendo sequer os pequenos aborrecimentos e decepções do cotidiano.
Por mais que se fundem hospitais, por mais que se abram creches ou se construam abrigos para idosos, a dor é nossa companheira e só deixará de existir no Paraíso Celeste. E imprescindível ao homem, portanto, compreender o verdadeiro valor do sofrimento, pois uma impostação equivocada perante ele leva alguns a caírem no abatimento; outros, a revoltar-se contra a Providência; outros — quiçá a maioria — a querer se esquivar de carregar a própria cruz, tentativa que, além de ser inútil, a torna mais pesada, acrescentandoe0 ônus da inconformidade com a vontade de Deus, que conhece e permite cada uma de nossas angústias.
O valor da luta
Compenetremo-nos de que a dor encerra inúmeros benefícios para nossa salvação. Em primeiro lugar, é um poderoso meio para nos aproximarmos de Deus. Com efeito, desde antes da queda, Anjos e homens, por terem sido criados em estado de prova, têm a tendência de fechar-se sobre si, quando deveriam estar constantemente abertos para Deus. E é nisto que consiste a prova. Com o pecado essa inclinação acentuou-se, e cada falta atual aumenta-lhe a virulência.
Por tal razão, as lutas, reveses e aflições surgidas em nosso caminho são elementos eficazes para dirigir nosso espírito ao Bem infinito e escancarar para Ele a porta de nossa alma. Nessas horas experimentamos o poder da oração, sentimos nossa total dependência em relação ao Criador e nos colocamos em suas mãos sem reservas, à procura de amparo e força. Assim considerado, o sofrimento bem pode receber o título de bern-aventurança que nos faz merecer, já neste mundo, a recompensa de libertar-nos de nosso egoísmo e de vivermos voltados para Deus. Ó dor, bem-aventurada dor!
O sofrimento nos torna patente, ainda, o vazio dos bens terrenos, tão passageiros, e nos ensina a não pormos neles a esperança, alimentando em nosso coração o desejo da felicidade eterna. Em sua bondade infinita, o Senhor “nos cumulou de tribulações na Terra para nos obrigar a buscar a felicidade no Céu”,8 assegura Santo Antônio Maria Claret. Se nossa existência transcorresse sem a presença de obstáculos, seríamos como um botão de rosa que nunca houvesse desabrochado ou um bebê que não crescesse nem se desenvolvesse, e jamais atingiríamos a plenitude espiritual de um concidadão dos Santos e habitante do Céu. O sofrimento constitui-se, então, um meio infalível de preparação para contemplar a Deus face a face.
A glória comprada pelo sofrimento
O Verbo onipotente, Unigênito do Pai, ao Se encarnar quis passar pelas vicissitudes da condição humana, para nos dar exemplo de paciência.9 Sua Alma santíssima, criada na visão beatífica desde o primeiro instante da concepção, já possuía toda a glória, e esta deveria, naturalmente, refletir-se em sua carne. Mas a relação natural entre alma e corpo n’Ele estava submetida à sua divina vontade, à qual aprouve suspender esta lei,1° realizando um milagre contra Si mesmo, pois preferiu tomar um corpo padecente “a fim de que obtivesse com maior honra a glória do Corpo, quando a merecesse pela Paixão”.11 Por conseguinte, Ele assumiu aquelas deficiências corporais derivadas do pecado original que não são incompatíveis com a perfeição da ciência e da graça, como o cansaço, a fome, a sede, a morte.12 Quis nascer numa Gruta, onde suportou o frio da noite e outras agruras; quis depois viver de maneira apagada, como Filho de um carpinteiro, sem revelar sua origem eterna; e, por fim, quis sofrer morte violenta para nosredimir. Sujeitando-Se a todos os gêneros de sofrimento humano inferidos de fora,’3 Jesus viSava também apontar o combate da cruz como causa de elevação para todos nós, batizados, herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo (cf. Rm 8, 17). E o que nos apresenta a primeira leitura (Is 50, 4-7), na disposição de Isaías — pré-figura do Redentor — de enfrentar todos os ultrajes por amor a Deus e ao próximo, certo, todavia, de não ser desonrado nem desapontado, pois o Senhor virá em seu auxílio e lhe concederá a vitória.
As palavras de São Paulo aos filipenses, depois de se referir aos tormentos de Cristo, confirmam com maior ênfase este ensinamento: “Por isso, Deus O exaltou acima de tudo e Lhe deu um nome que está acima de todo nome. Assim, ao nome de Jesus todo joelho se dobre no Céu, na Terra e abaixo da terra, e toda língua proclame: ‘Jesus Cristo é o Senhor’, para a glória de Deus Pai” (Fl 2, 9-11). Tão excelente é o sacrifício de nosso Salvador, oferecendo-Se a Si mesmo ao Pai como Vítima perfeita, que os efeitos da Paixão excedem em muito a dívida do pecado: “Deus Pai pediu a seu Filho um ato de amor que Lhe agrada mais do que Lhe desagradam todos os pecados juntos; um ato de amor redentor, de um valor infinito e superabundante”.14 Por causa desse generoso holocausto, no qual Se humilhou e Se esvaziou de sua dignidade divina tornando-Se semelhante aos homens, Nosso Senhor mereceu ser exaltado, pois “quando alguém, por uma justa vontade, se priva do que tinha direito de possuir, merece que se lhe dê mais, como salário de sua vontade justa”,15 afirma São Tomás.

Reportando-nos ao início da celebração do Domingo de Ramos, vemos que se a entrada triunfal em Jerusalém precedia as humilhações da Paixão, esta, por sua vez, prenunciava a verdadeira glorificação de Jesus, conforme suas próprias palavras aos discípulos de Emaús, depois da Ressurreição: “Porventura não era necessário que Cristo sofresse essas coisas e assim entrasse na sua glória?” (Lc 24, 26).

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Evangelho - Domingo de Ramos da Paixão do Senhor - Ano A - Mt 27, 11-54

CONTINUAÇÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO Mt 27, 11-54  
DOMINGO DE RAMOS - ANO A 
Não devemos colocar nossa esperança no mundo
Assim, a Paixão de nosso Divino Redentor deixa uma lição para nós: aqueles que, por princípios mundanos, têm como ideal obter o aplauso, colocando sua esperança na aprovação dos homens, erram, porque cometem a loucura de escolher para si uma situação instável. Faltando a prática da virtude, facilmente as aclamações se transformam em ódio.
A Paixão do Senhor nos mostra, de maneira eloquente, o quanto é preciso pôr nosso empenho em servi-Lo, pouco nos importando se nos atacam ou nos elogiam, se nos recebem ou nos repudiam, mas, isto sim, se Lhe agradamos com a nossa forma de proceder. Ao sermos batizados nos comprometemos — seja por nós mesmos, seja na pessoa de nossos padrinhos — a renunciar ao demônio, ao mundo e à carne, e ficamos marcados pelo sinal do combate. Não firmamos, em nenhum momento, o propósito de nos apoiarmos no aplauso dos outros. Assim sendo, ao celebrar o Domingo de Ramos devemos nos lembrar dessas promessas de luta, que exigem da nossa parte a determinação de enfrentar todas as batalhas que tais inimigos, por nós rejeitados no Batismo, nos apresentarão. E isso significa, a exemplo de Jesus, aceitar e carregar a cruz depositada sobre nossos ombros pela Providência.
A Cruz: de sinal de ignomínia a símbolo de glória
A Santa Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo! Quando aqueles homens malvados e sem piedade passavam diante d’Ele, crucificado, olhavam-No e diziam: “Se és o Filho de Deus, desce da Cruz!”. “O língua envenenada, palavra de malícia, expressão perversa!” — exclama São Bernardo de Claraval — “[...] Pois, que coerência há em ter de descer, se é Rei de Israel? Não é mais lógico que suba? [...j Ou por outra, por ser Rei de Israel, que não abandone o título do reino, não deponha o cetro aquele Senhor cujo império está sobre seus ombros [...]. Pelo contrário, se desce da Cruz, não salvará ninguém”.5
De fato, a um rei não cabe descer, porém, subir sempre. E foi o que fez Nosso Senhor. Ele não desceu, mas subiu e ressuscitou, conforme nos diz mais uma vez a inspirada voz de São Bernardo: “Se a geração má e adúltera busca ainda um prodígio, não lhe será dado nenhum a não ser o do profeta Jonas: não mai ue descida, mas de ressurreição. [...] Saiu do túmulo fechado Aquele que não quis descer do patíbulo. [...] Por isso, com razão é Ele as primicias dos que ressuscitam, porque de tal modo Se levantou que nunca voltará a cair, tendo já alcançado a imortalidade”.6
Sim, Ele é Rei, e está sentado em seu trono. Que trono é esse? A Cruz, sinal de ignomínia por constituir o pior castigo, o suplício mais horrível daqueles tempos, considerado pelos judeus como “maldição divina” (Dt 21, 23) e pelos romanos como infamante, a tal ponto que não era aplicado a um cidadão do Império, sendo reservado apenas aos escravos e aos criminosos mais abjetos.7 No entanto, tão poderoso é este Rei que, posto nesse pedestal de humilhação, Ele o transforma em trono de glória! Hoje em dia, ostentar a Cruz ao peito é uma honra, e nos admiramos ao vê-la sobre as coroas dos reis, nas grandes condecorações ou no alto das catedrais e dos edifícios eclesiásticos: é a exaltação da Cruz!
Ora, sendo partícipes da vida divina, pela graça, somos chamados a trilhar a mesma do Rei dos reis, ou seja, sem nunca descer, su-bir para chegar ao Céu, cujas portas nos serão abertas, não por nossos méritos, mas pelos de nosso Redentor.

Ao levar nas mãos, hoje, a palma como símbolo de triunfo, devemos crer que no Juízo Final toda a maldade será julgada e, entrando na eternidade, a História ficará bem definida: ou o gozo da visão beatífica ou o fogo que arderá sem nunca se extinguir. Não há terceira possibilidade.

domingo, 6 de abril de 2014

Evangelho - Domingo de Ramos da Paixão do Senhor - Ano A - Mt 27, 11-54

COMENTÁRIOS AO EVANGELHO Mt 27, 11-54 - DOMINGO DE RAMOS - ANO A 
O CONTRASTE ENTRE A BONDADE INCRIADA E A MALDADE HUMANA
Nosso Senhor Jesus Cristo poderia, com toda justiça, ter-Se exaltado a Si mesmo, sem incorrer em pecado algum — pelo contrário, seria um grande ato de virtude, pois Ele é digno de todo o louvor —, mas renunciou a isso para nos dar o exemplo. E embora as aclamações que Ele permitiu (cf. Lc 19, 39-40) a seus discípulos e ao povo, no Domingo de Ramos, constituam, quiçá, uma exceção a esta regra... quão escassas são em relação ao que realmente Ele merece!
Talvez, por isso, nenhum fato seja mais significativo, no que diz respeito ao contraste entre a maldade humana e a bondade de Deus — Bondade que é Ele em essência —, do que a terrível Paixão do Salvador ter ocorrido pouco depois dessa ovação triunfal.
A bondade divina manifestada na Paixão
Para salvar a humanidade, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade quis Se encarnar, tornando-Se igual a nós em tudo, exceto no pecado (cf. Hb 4, 15). E, ainda que uma lágrima, um gesto ou até um desejo do Homem-Deus fosse suficiente para redimir um número ilimitado de criaturas, Ele Se humiihou a Si mesmo, fazendo-Se obediente até à morte na Cruz, como afirma São Paulo na segunda leitura deste domingo (Fi 2,6-11). Aquele que, com um simples ato de vontade, poderia ter impedido a ação dos que promoveram sua morte — bastaria, por exemplo, deixar de sustentar o ser deles, fazendo-os voltar ao nada —, aceitou todos os ultrajes descritos por São Mateus no Evangelho da Missa.
Experimentamos aqui a misericórdia de Deus, infinitamente solícito em nos perdoar. Se um só de nós houvesse incorrido em alguma falta e todos os demais homens fossem inocentes, teria Ele padecido igual martírio para resgatar esse único réu! Como aponta o padre Garrigou-Lagrange, no mistério da Redenção “as exigências da justiça terminam por se identificar com as do amor, e é a misericórdia que triunfa, porque é a mais imediata e profun da expressão do amor de Deus pelos pecadores”.4
A maldade humana vinga-se do bem recebido
Ante tanta benevolência, vemos o povo contente e reconhecendo autêntica e sinceramente estar ali, de fato, o Messias.
Contudo, não de forma profunda, mas superficial e carente de raízes... Se hoje Jesus foi recebido com honras — “Hosana ao Filho de Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana no mais alto dos Céus!” —, dentro de alguns dias essa mesma multidão estará na praça, diante do Pretório, preferindo Barrabás Aquele que antes acolhera com regozijo, e gritando “Seja crucificado!”, como lemos no texto da Paixão.
A realeza de Jesus Cristo proclamada em sua solene entrada em Jerusalém tornar-se-ia, no seio desta cidade, pretexto de sua condenação. Herodes escarneceu d’Ele com blasfemas irreverências; Pilatos constatou sua inocência, acovardando-se, porém, diante dos acusadores, e O entregou “à vontade deles” (Lc 23, 25). Com majestoso silêncio, o Salvador suportou a flagelação, as injúrias da coroação de espinhos (cf. Mt 27, 26-31; Mc 15, 15-20;Jo 19, 1-5) e subiu ao Gólgota com a Cruz às costas. Tão pesada era — o peso de nossos pecados! — que, a meio caminho, obrigaram Simão de Cirene a ajudá-Lo a carregar tão ignominioso fardo. Os chefes zombaram d’Ele; os soldados Lhe ofereceram vinagre; um dos malfeitores, crucificado ao seu lado, O insultou.

Por quê? Pelo ódio dos que não querem aceitar o convite para uma mudança de vida. Com efeito, Jesus vinha pregando uma nova perspectiva do Reino de Deus, bem diferente daquela que eles tanto desejavam, e por isso foi rejeitado. Quantos milagres! Quantos benefícios! Paralíticos que andam, surdos que ouvem, cegos que veem, mortos que ressuscitam.., tudo realizado por aquelas mãos adorabilíssimas que logo iriam ser atravessadas por cravos horríveis! Eis a lei da natureza humana concebida no pecado, quando recusa a graça de Deus! De si, ela é volúvel. Ora aplaudirá, ora se vingará de suas próprias aclamações.
Continua no próximo post