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sábado, 22 de março de 2014

Comentário ao Evangelho – IV Domingo da Quaresma – Ano A

Comentário ao Evangelho – IV Domingo da Quaresma – Domingo Laetare   Jo 9, 1-41
Cristo dispôs tudo para sua glória
1“Ao passar, Jesus viu um homem cego de nascença. 2 Os discípulos perguntaram a Jesus: ‘Mestre, quem pecou para que nascesse cego: ele ou os seus pais?’. 3 Jesus respondeu: ‘Nem ele nem seus pais pecaram, mas isso serve para que as obras de Deus se manifestem nele. 4 É necessário que nós realizemos as obras d’Aquele que Me enviou, enquanto é dia. Vem a noite, em que ninguém pode trabalhar. 5 Enquanto estou no mundo, Eu sou a luz do mundo’”.
A crença de que os males físicos eram sempre consequência de algum pecado estava muito arraigada não só nos judeus, mas também nos povos pagãos contemporâneos de Cristo. “Em diversas ocasiões”, escreve Fillion, “o próprio Jesus parecia ter considerado como castigo do pecado algumas das enfermidades por Ele curadas”.5 E São João Crisóstomo observa que certa feita, depois de haver curado um paralítico, Ele o advertiu: “Não peques mais, para não te suceder algo pior” (Jo 5, 14), dando a entender assim que o pecado havia sido causa daquela doença.6
No presente caso, porém, declara taxativamente o Mestre que essa cegueira foi permitida desde toda a eternidade, para dar ensejo à manifestação de seu poder divino sobre a natureza. E, como veremos pouco abaixo, esse milagre foi também a misericordiosa oportunidade para o cego receber a graça da conversão; juntamente com a luz natural, veio-lhe a fé n’Aquele que é a Luz do mundo.
A didática de um grandioso milagre
6 “Dito isto, Jesus cuspiu no chão, fez lama com a saliva e colocou-a sobre os olhos do cego. 7 E disse-lhe: ‘Vai lavar-te na piscina de Siloé’ (que quer dizer: Enviado). O cego foi, lavou-se e voltou enxergando”.
Causa surpresa o fato de Jesus cuspir no chão, fazer lama, passar nos olhos do doente e depois dar-lhe ordem de ir lavar-se. Ora, Ele poderia ter operado esse milagre mediante um simples olhar ou um ato de vontade, como mais tarde fará com outro cego — o de Jericó — a quem Jesus disse: “Vê” (Lc 18, 42). No entanto, quis sarar o cego de nascença aplicando-lhe barro sobre os olhos e mandando-o lavar-se na piscina de Siloé. Bem observa, a este propósito, São João Crisóstomo: “Cuspiu no chão para eles não atribuírem um poder milagroso à água dessa piscina e para entenderem que saiu de sua boca a misteriosa energia que regenerou os olhos do cego e os abriu. É por isso que o Evangelista diz: ‘Fez lama com a saliva’. Em seguida, para evitar que se pensasse num poder secreto da terra, mandou-o ir lavar-se”.7
Primeiro quis o Divino Mestre que todos os circunstantes vissem o cego com barro nos olhos, e isso, certamente, causou viva impressão. Em seguida, ao retornar o homem curado, ficaria patente perante eles Quem era o autor da cura. Para um povo duro de coração como aquele, era preciso não haver dúvida a tal respeito. Daí ter Jesus utilizado a própria saliva, misturando-a com a terra, duas matérias incapazes por si de operar a cura, ressaltando provir d’Ele o poder sobrenatural. Pode-se observar que os detalhes do episódio foram divinamente dispostos para produzir nos presentes o grande efeito narrado pelo Evangelista.

Por sua vez, o cego acreditou na palavra de Jesus. Não pensou, por exemplo, em quantas vezes já se lavara na piscina de Siloé, sem se curar, nem se aquela lama poderia prejudicar ainda mais sua saúde. Comenta São João Crisóstomo: “Note-se como o cego tinha a disposição de obedecer em tudo. [...] Seu único objetivo foi o de obedecer a Quem lhe ordenava. Nada pôde dissuadi-lo, nada constituiu obstáculo”.8 Ele fez exatamente o que Nosso Senhor mandara, e foi recompensado.
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quinta-feira, 20 de março de 2014

Evangelho – IV Domingo da Quaresma – Ano A

Comentário ao Evangelho – IV Domingo da Quaresma – Domingo Laetare
Ao operar o milagre da cura de um cego de nascença, Nosso Senhor Jesus Cristo mostra que há cegueira pior à dos olhos corporais: a da alma, que impede o desenvolvimento da luz sobrenatural infundida em nossas almas pelo Batismo.
Evangelho Jo 9, 1-41
“Ao passar, Jesus viu um homem cego de nascença. 2 Os discípulos perguntaram a Jesus: ‘Mestre, quem pecou para que nascesse cego: ele ou os seus pais?’. 3 Jesus respondeu: ‘Nem ele nem seus pais pecaram, mas isso serve para que as obras de Deus se manifestem nele. 4 É necessário que nós realizemos as obras d’Aquele que Me enviou, enquanto é dia. Vem a noite, em que ninguém pode trabalhar. 5 Enquanto estou no mundo, Eu sou a luz do mundo’. 6 Dito isto, Jesus cuspiu no chão, fez lama com a saliva e colocou-a sobre os olhos do cego. 7 E disse-lhe: ‘Vai lavar-te na piscina de Siloé’ (que quer dizer: Enviado). O cego foi, lavou-se e voltou enxergando.
8 Os vizinhos e os que costumavam ver o cego — pois ele era mendigo — diziam: ‘Não é aquele que ficava pedindo esmola?’. 9 Uns diziam: ‘Sim, é ele!’ Outros afirmavam: ‘Não é ele, mas alguém parecido com ele’. Ele, porém, dizia: ‘Sou eu mesmo!’. 10 Então lhe perguntaram: ‘Como é que se abriram os teus olhos?’. 11 Ele respondeu: ‘Aquele homem chamado Jesus fez lama, colocou-a nos meus olhos e disse-me: ‘Vai a Siloé e lava-te’. Então fui, lavei-me e comecei a ver’. 12 Perguntaram-lhe: ‘Onde está ele?’. Respondeu: ‘Não sei’. 13 Levaram então aos fariseus o homem que tinha sido cego. 14 Ora, era sábado, o dia em que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego. 15 Novamente, então, lhe perguntaram os fariseus como tinha recuperado a vista. Respondeu-lhes: ‘Colocou lama sobre meus olhos, fui lavar-me e agora vejo!’. 16 Disseram, então, alguns dos fariseus: ‘Esse homem não vem de Deus, pois não guarda o sábado’. Mas outros diziam: ‘Como pode um pecador fazer tais sinais?’. 17 E havia divergência entre eles. Perguntaram outra vez ao cego: ‘E tu, que dizes daquele que te abriu os olhos?’. Respondeu: ‘É um profeta’. 18 Então, os judeus não acreditaram que ele tinha sido cego e que tinha recuperado a vista.
Chamaram os pais dele 19 e perguntaram-lhes: ‘Este é o vosso filho, que dizeis ter nascido cego? Como é que ele agora está enxergando?’. 20 Os seus pais disseram: ‘Sabemos que este é nosso filho e que nasceu cego. 21 Como agora está enxergando, isso não sabemos. E quem lhe abriu os olhos também não sabemos. Interrogai-o, ele é maior de idade, ele pode falar por si mesmo’. 22 Os seus pais disseram isso, porque tinham medo das autoridades judaicas. De fato, os judeus já tinham combinado expulsar da comunidade quem declarasse que Jesus era o Messias. 23 Foi por isso que seus pais disseram: ‘É maior de idade. Interrogai-o a ele’. 24 Então, os judeus chamaram de novo o homem que tinha sido cego. Disseram-lhe: ‘Dá glória a Deus! Nós sabemos que esse homem é um pecador’. 25 Então ele respondeu: ‘Se ele é pecador, não sei. Só sei que eu era cego e agora vejo’. 26 Perguntaram-lhe então: ‘Que é que Ele te fez? Como te abriu os olhos?’. 27 Respondeu ele: ‘Eu já vos disse, e não escutastes. Por que quereis ouvir de novo? Por acaso quereis tornar-vos discípulos d’Ele?’. 28 Então insultaram-no, dizendo: ‘Tu, sim, és discípulo d’Ele! Nós somos discípulos de Moisés. 29 Nós sabemos que Deus falou a Moisés, mas esse, não sabemos de onde é’. 30 Respondeu-lhes o homem: ‘Espantoso! Vós não sabeis de onde Ele é? No entanto, Ele abriu-me os olhos! 31 Sabemos que Deus não escuta os pecadores, mas escuta aquele que é piedoso e que faz a sua vontade. 32 Jamais se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença. 33 Se este homem não viesse de Deus, não poderia fazer nada’. 34 Os fariseus disseram-lhe: ‘Tu nasceste todo em pecado e estás nos ensinando?’.
E expulsaram-no da comunidade.
35 Jesus soube que o tinham expulsado. Encontrando-o, perguntou-lhe: ‘Acreditas no Filho do Homem?’. 36 Respondeu ele: ‘Quem é, Senhor, para que eu creia nele?’. 37 Jesus disse: ‘Tu o estás vendo; é Aquele que está falando contigo’. Exclamou ele: 38 ‘Eu creio, Senhor!’. E prostrou-se diante de Jesus. 39 Então, Jesus disse: ‘Eu vim a este mundo para exercer um julgamento, a fim de que os que não veem, vejam, e os que veem se tornem cegos’. 40 Alguns fariseus, que estavam com ele, ouviram isto e lhe disseram: ‘Porventura, também nós somos cegos?’. 41 Respondeu-lhes Jesus: ‘Se fôsseis cegos, não teríeis culpa; mas como dizeis: ‘Nós vemos’, o vosso pecado permanece’” (Jo 9, 1-41).
O  Domingo “Lætare” traz-nos uma jubilosa esperança
A visão é o principal dos sentidos corpóreos, por ser o que nos proporciona melhor o conhecimento do Criador, através da contemplação do verdadeiro, do bom e do belo existente nas criaturas.
Esse magnífico dom é símbolo de outro mais precioso, relativo à vida da graça. Não vemos a Deus fisicamente, mas Ele está presente em toda parte. Embora possamos, pela lógica, demonstrar sua existência, não nos é possível vê-Lo com os olhos carnais, mas sim aderirmos a Ele com o auxílio da luz da graça que ilumina a inteligência, inclina a vontade ao bem e ordena nossa sensibilidade. Sem o dom de Deus que é a virtude da fé, nada conseguimos ver nem aceitar no campo sobrenatural. Entretanto, como afirma Royo Marín, “ao revelar-nos sua vida íntima e os grandes mistérios da graça e da glória, Deus nos faz ver as coisas, por assim dizer, do seu ponto de vista divino, tal como Ele as vê”.1
Em sentido figurado, poderíamos dizer que nascemos com os olhos vendados e o Batismo nos arranca a venda. Mesmo assim, na Terra vemos a Deus em sombras, ou seja, não podemos vê-Lo como Ele é. Explica-nos isso com clareza Mons. Cuttaz: “Encontra-Se Ele diante de nós com toda a sua infinita beleza, pois está em toda parte, especialmente na alma do justo. Um pouco, nós O conhecemos por sua ação, mas não O vemos: falta-nos uma luz, um instrumento de visão sobrenatural. É a graça que nos proporcionará isso no Céu, dentro desse ‘lumen gloriæ’ (luz da glória), da qual será o princípio”.2
Nesta vida terrena, temos na alma apenas uma semente de visão beatífica. Mas, ao passarmos para a eternidade, ela se desenvolverá como uma árvore, e desaparecerão por completo os véus que cobrem a fé e a esperança, e veremos Deus face a face.
A liturgia do 4º Domingo da Quaresma, domingo de alegria, nos traz a jubilosa esperança da plena posse dessa visão.
Um homem que vivia nas trevas físicas e epirituais
Ao escrever seu Evangelho, no momento em que a Igreja se encontra em plena controvérsia com os gnósticos, São João empenha-se desde o início em provar que Jesus é ao mesmo tempo Homem, embora sem personalidade humana, e Deus, unindo hipostaticamente a natureza divina e a humana na Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.
Analisando a finalidade do Evangelho de São João, comenta o padre Tuya: “Quis-se notar nele uma certa tendência polêmica contra o fato de querer separar o homem de Deus”.3 E acrescenta mais adiante: “Num aspecto, a imagem de Cristo aparece delineada com traços sublimes: é Deus. [...] Mas mostra que Ele é também Homem. [...] Na imagem do Deus-Homem, João não se limita a especular; relata a história e revela os atos divinos e humanos”.4
O trecho do Evangelho deste domingo apresenta Nosso Senhor pouco depois de sair do Templo, onde acabara de ter uma das mais ardentes polêmicas com os fariseus, encerrada por Ele com uma solene declaração de sua divindade, ao afirmar com fórmula de juramento: “Em verdade vos digo, antes que Abraão fosse, Eu sou” (Jo 8, 58). Os fariseus, então, “pegaram em pedras para Lhe atirarem” (Jo 8, 59). Tinham a intenção de matá-Lo, mas não conseguiram, pois Ele se esquivou e saiu do Templo, “porque ainda não era chegada sua hora” (Jo 8, 20).

Logo após essa dramática cena, Jesus fez diante de todo o povo o estrondoso milagre que servirá para confirmar a veracidade de suas palavras a respeito de sua sobrenatural origem.
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quarta-feira, 19 de março de 2014

EVANGELHO III DOMINGO DA QUARESMA - ANO A - Jo 4, 5-15 - 2014

CONCLUSÃO DOS COMENTÁRIOS AO III DOMINGO DA QUARESMA - ANO A - Jo 4, 5-15 -  2014
11 A mulher disse a Jesus: “Senhor, nem sequer tens balde e o poço é fundo. De onde vais tirar a água viva? 12 Por acaso, és maior que nosso pai Jacó, que nos deu o poço e que dele bebeu, como também seus filhos e seus animais?”
A graça começa a trabalhar-lhe a alma com suavidade e, ao mesmo tempo, com muito vigor. As primeiras palavras dela haviam sido um tanto desabridas: “Como é que Tu, sendo judeu...”. A partir deste curto diálogo, passa a tratá-Lo de “Senhor”, pois algo do mistério de Jesus ela já entreve, o que significa um enorme passo para uma samaritana na consideração de um judeu.
Ela não chega a entender bem a substância das afirmações feitas por Jesus, mas decerto já estava atraída pelo todo do Divino Mestre, e por isso não as contradiz, apenas externa sua perplexidade, disposta a aceitar uma explicação. Por ora, sua atenção está de fato centrada na “água viva” desejada por ela, e no fundo de seu subconsciente está se formando a hipótese de estar diante de um homem grandioso, comparável ao “nosso pai Jacó”.
Os samaritanos tinham a ufania de declarar ter sido sua terra habitada pelos patriarcas (cf. Gn 12, 6; 33, 18; 35, 4; 37, 12; etc.). Pretendiam com isso abrandar as abjeções que os judeus lhes tinham, oriundas da miscigenação de raça e de religião. Daí a lembrança do poço de Jacó.
13 Respondeu Jesus: “Todo aquele que bebe desta água terá sede de novo. ‘ Mas quem beber da água que Eu lhe darei, esse nunca mais terá sede. E a água que Eu lhe der se tornará nele uma fonte de água que jorra para a vida eterna”.
Deus criou o homem com sede de infinito. Nossa alma só repousa em Deus, pois Ele é nosso fim último, e nada fora d’Ele nos satisfaz plenamente.
A Sagrada Escritura nos diz: “A vista não se farta de ver, o ouvido nunca se sacia de ouvir” (Ecl 1, 8). E este um fato realíssimo a se repetir em nós, e em torno de nós, a todo momento: nenhuma criatura nos fornece a ilimitada felicidade que buscamos. E ali, no próprio poço de Jacó, estava o símbolo das paixões humanas, segundo comenta Santo Agostinho.3 Um prazer que não seja de Deus, por mais que produza gozo, terminará por apenas causar tédio e decepção. Mas a alma, tornando-se escrava dele, o procurará outras vezes, nas suas mais variadas formas. A água do poço é simbólica de nossas inclinações, sempre nos atrairão a retornar a elas.
Sem desprezar em nada a memória de Jacó — até, pelo contrário, respeitando-a muito — Jesus oferece à samaritana uma água extraordinariamente superior àquela do patriarca. Mais ainda, Ele promete “uma fonte de água que jorra para a vida eterna”.
15A mulher disse a Jesus: “Senhor, dá-me dessa água, para que eu não tenha mais sede e nem tenha de vir aqui para tirá-la”.
Com a fé mais robustecida, ela crê no poder de Deus em criar uma água capaz de eliminar definitivamente a sede e, em consequência, de dispensá-la do trabalho de retirar daquele poço a água de todos os dias. De si, já seria uma maravilha criar essa água, mas Jesus lhe fala de um prodigio maior e incomparável: o das águas da graça. “O bem da graça é, para o indivíduo, melhor que o da natureza de todo o universo”,4 afirma São Tomás de Aquino.
Santo Agostinho5 glosa este versículo, mostrando que há tão só uma água capaz de extinguir a sede por completo, por fazer brotar no nosso interior uma fonte permanente, que jorrará até o feliz dia de nossa entrada para a eternidade. Se pedíssemos a Jesus, tal qual a samaritana o fez: “Senhor, dá-me dessa água”, Ele nos responderia: “Se alguém tiver sede, venha a Mim e beba. Quem crê em Mim, como diz a Escritura: ‘Do seu interior manarão rios de água viva’. Dizia isso, referindo-Se ao Espírito que haviam de receber os que cressem n’Ele” (Jo 7, 37-39).
No entanto, num primeiro momento, ela ainda não alcança o verdadeiro sentido das palavras de Nosso Senhor. A essa mulher se aplica o que diz São Paulo: “o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus” (I Cor 2, 14).
Apesar disso, o Salvador não desiste. Pelo contrário, continuará a trabalhar a alma dela com zelo divino. Quem O visse conversando com a samaritana, sentado à beira do poço, jamais poderia imaginar não só o teor da conversa, como também o amor manifestado por Ele em relação àquela pobre ovelha desgarrada.
Neste ponto do diálogo terminaremos o comentário da Liturgia de hoje. Nos versículos seguintes as maravilhas narradas são ainda maiores: Jesus lhe revela ser o Messias (cf. Jo 4, 26), depois de mostrar-lhe que conhecia sua má vida matrimonial (cf. Jo 4, 16-18). Transformada pela graça do Redentor, ela assume a função de verdadeira apóstola junto a todos os seus conhecidos.
Esse belíssimo episódio nos faz compreender melhor as PA lavras de São Paulo, que a Liturgia também hoje seleciona para a segunda leitura (Rm 5, 1-2.5-8): “Dificilmente alguém morrerá por um justo; por uma pessoa muito boa, talvez alguém se anime a morrer. Pois bem, a prova de que Deus nos ama é que Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores” (Rm 5,7-8).
 CONCLUSÃO
A samaritana, apesar de não ter vida virtuosa e de ser uma estrangeira, com todas as implicações da Lei, possuía uma alma penetrada por comovedora simplicidade, verdadeiramente cândida. Seu modo de ser é humilde e despretensioso. E cumpridora de suas obrigações e conhecedora dos princípios e tradições de sua religião. Sua conversa é elevada e sincera, como quando manifestou o quanto acreditava em Jesus. Essas qualidades atraíram o amor do Redentor e O fizeram ir em busca da ovelha perdida.
Muito pelo contrário, no caso de Nicodemos, este é quem toma a iniciativa de ir em busca do Mestre. Confiante na ciência farisaica, teve dificuldade maior em aderir ao Senhor. Ademais, temia perder sua posição social. Assim mesmo, acabou defendendo Jesus nos momentos mais difíceis, porque recebeu muitas graças para tal, e a elas correspondeu.
Na ciência ou na ignorância, na virtude ou no pecado, o fundamental é buscarmos a água da vida, nas fontes da Santa Igreja. E indispensável não nos apegarmos a certos conhecimentos que possamos ter adquirido e, desta forma, fugirmos do orgulho da ciência. Ou então assumirmos a simplicidade de espírito e humildade de coração da samaritana, ainda que, infelizmente, estejamos dentro de uma via pecaminosa como a dela.
Em síntese, roguemos, de modo especial neste domingo, à Santíssima Virgem para que nos obtenha de seu Divino Filho a água da vida, fazendo jorrar em nossos corações o líquido precioso da graça que nos conduz à morada eterna.
1) SANTO AGOSTINHO. In bannis Evangelium. Tractatus XV, n.6. In: Obras. 2.ed. Madrid: BAC, 1968, v.XIII, p.409.
2) Idem, n.10, p.413.
3) Cf. SANTO AGOSTINHO. De diversis quæstionibus octoginta tribus. Q.64, n.2. In: Obras. Madrid: BAC, 1995, v.XL, p.187-188.
4) SAO TOMAS DE AQUINO. Suma Teológica. I-II, q.113, a.9, ad 2.
5) Cf. SANTO AGOSTINHO, De diversis quæstionibus octoginta tribus, op. cit., n.4, p.190.


domingo, 16 de março de 2014

EVANGELHO III DOMINGO DA QUARESMA - ANO A - Jo 4, 5-15 - 2014

COMENTÁRIOS AO III DOMINGO DA QUARESMA - ANO A - Jo 4, 5-15 -  2014
Chegou uma mulher da Samaria para tirar água. Jesus lhe disse: “Dá-Me de beber”.
Segundo Santo Agostinho, o fato de tratar-se de uma mulher simboliza de algum modo a fundação da Igreja. A samaritana seria a representação da instituição que nasceria do sagrado costado de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Quanto ao fato de não ser ela judia, o grande Doutor interpreta como sendo uma referência aos gentios dos quais nasceria a Igreja: “era figura da Igreja, que se formaria dos gentios, gente estranha aos judeus”.2 Ora, os samaritanos eram considerados estrangeiros até pelo próprio Jesus, conforme nos relata o Evangelho. Dos dez leprosos curados, um só retornou para agradecer: “era um samaritano. [...] Não se achou senão este estrangeiro que voltasse para agradecer a Deus?!” (Lc 17, 16.18).
Enfim, tratava-se de uma mulher comum e simples diante do Criador. A samaritana jamais imaginaria quem era Aquele, e menos ainda o poder que estava nas suas mãos de lhe oferecer a salvação eterna. Ele, por seu lado, transborda de desejo de tê-la consigo por toda a eternidade.
O Senhor lhe pede água. Será apenas física sua sede? Trata-se do mesmo “sitio — tenho sede” (Jo 19, 28), pronunciado por Ele no alto da Cruz; seu grande anseio é redimir o gênero humano e, neste caso, quer salvar aquela alma.
Deitemos toda a nossa atenção nesse encontro extremamente exemplificativo da teologia sobre o chamado da graça. Tanto a atitude de Jesus quanto a dela são paradigmáticas. Quem toma a iniciativa é Ele, sem levar em conta qualquer oração, pedido, desejo ou mérito da samaritana. Como com todos os homens, Ele procede de maneira inteiramente gratuita. Ela nada suspeita das generosas intenções de seu interlocutor; pelo contrário, pensa que Jesus, por ser judeu, repudia por completo os samaritanos.
Nosso Senhor costuma agir adaptando-Se aos modos de ser de cada um. Para Natanael Ele dirá que o viu debaixo de uma figueira (cf. J0 1, 48); para André e João será uma proclamação sobre o Cordeiro de Deus (cf. J0 1, 35-37); para os Reis Magos era a estrela aparecida no Oriente (cf. Mt 2, 2). Para esta mulher Ele pede água.
Quão misteriosa é a bondade de Deus!
8 Os discípulos tinham ido à cidade para comprar alimentos.
Jesus quis de fato estar a sós. Nada Lhe custaria conservar alguns Apóstolos consigo, e Lhe bastaria uma insinuação, indicando o desejo de que alguns O acompanhassem, para ser atendido com alegria.
9A mulher samaritana disse então a Jesus: “Como é que Tu, sendo judeu, pedes de beber a mim, que sou uma mulher samaritana?” De fato, os judeus não se dão com os samaritanos.
Pelas roupas, pelo porte e quiçá até mesmo pela pronúncia das palavras, a samaritana percebera tratar-se de um judeu. Ora, como acima dissemos, o povo eleito não tocava nem sequer na vasilha de um samaritano, a fim de evitar as impurezas. Daí a perplexidade manifestada por ela.
A correspondência a esse primeiro chamado de Nosso Senhor poderia condicionar a perseverança dela e até mesmo sua salvação, porém sua reação foi a de levantar obstáculo. Jesus, contudo, não desistirá de chamá-la à conversão.
10 Respondeu-lhe Jesus: “Se tu conhecesses o dom de Deus e quem é que te pede: ‘Dá-Me de beber’ tu mesma Lhe pedirias a Ele, e Ele te daria água viva”.
Didática insuperável, perfeitíssima. É bem conhecida a curiosidade feminina e é desta que Jesus procura tirar partido. Com enorme afeto, Ele entretém e atrai a atenção da samaritana, pondo-a diante de algo mirabolante. Viva é a água que jorra da fonte. E sempre mais apreciada do que a retirada do poço. Jesus vai aos poucos se apresentando como um personagem incomum, com certas características misteriosas, possuidor de um dom de Deus.

Essa frase de Jesus, no modo condicional, já continha um começo de doutrinação e tornava impossível à samaritana deixar de se interessar mais a fundo pelo judeu sentado à beira do poço. São duas sedes de teor distinto que acometem o Divino Mestre. Jesus necessita da água comum e corrente, mas sua sede de converter aquela alma é incomparavelmente maior, e essa é a razão pela qual Ele procura despertar um interesse, todo feito de fé, no interior de sua interlocutora.
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