Comentário ao Evangelho – IV Domingo da Quaresma – Domingo Laetare – Jo 9, 1-41
Cristo dispôs tudo para sua
glória
1“Ao passar, Jesus viu um homem cego de
nascença. 2 Os discípulos perguntaram a Jesus: ‘Mestre, quem pecou para que
nascesse cego: ele ou os seus pais?’. 3 Jesus respondeu: ‘Nem ele nem seus pais
pecaram, mas isso serve para que as obras de Deus se manifestem nele. 4 É
necessário que nós realizemos as obras d’Aquele que Me enviou, enquanto é dia.
Vem a noite, em que ninguém pode trabalhar. 5 Enquanto estou no mundo, Eu sou a
luz do mundo’”.
A
crença de que os males físicos eram sempre consequência de algum pecado estava
muito arraigada não só nos judeus, mas também nos povos pagãos contemporâneos
de Cristo. “Em diversas ocasiões”, escreve Fillion, “o próprio Jesus parecia
ter considerado como castigo do pecado algumas das enfermidades por Ele
curadas”.5 E São João Crisóstomo observa que certa feita, depois de haver
curado um paralítico, Ele o advertiu: “Não peques mais, para não te suceder
algo pior” (Jo 5, 14), dando a entender assim que o pecado havia sido causa
daquela doença.6
No
presente caso, porém, declara taxativamente o Mestre que essa cegueira foi
permitida desde toda a eternidade, para dar ensejo à manifestação de seu poder
divino sobre a natureza. E, como veremos pouco abaixo, esse milagre foi também
a misericordiosa oportunidade para o cego receber a graça da conversão;
juntamente com a luz natural, veio-lhe a fé n’Aquele que é a Luz do mundo.
A didática de um grandioso
milagre
6 “Dito isto, Jesus cuspiu no chão, fez
lama com a saliva e colocou-a sobre os olhos do cego. 7 E disse-lhe: ‘Vai
lavar-te na piscina de Siloé’ (que quer dizer: Enviado). O cego foi, lavou-se e
voltou enxergando”.
Causa
surpresa o fato de Jesus cuspir no chão, fazer lama, passar nos olhos do doente
e depois dar-lhe ordem de ir lavar-se. Ora, Ele poderia ter operado esse
milagre mediante um simples olhar ou um ato de vontade, como mais tarde fará
com outro cego — o de Jericó — a quem Jesus disse: “Vê” (Lc 18, 42). No
entanto, quis sarar o cego de nascença aplicando-lhe barro sobre os olhos e
mandando-o lavar-se na piscina de Siloé. Bem observa, a este propósito, São
João Crisóstomo: “Cuspiu no chão para eles não atribuírem um poder milagroso à
água dessa piscina e para entenderem que saiu de sua boca a misteriosa energia
que regenerou os olhos do cego e os abriu. É por isso que o Evangelista diz:
‘Fez lama com a saliva’. Em seguida, para evitar que se pensasse num poder
secreto da terra, mandou-o ir lavar-se”.7
Primeiro
quis o Divino Mestre que todos os circunstantes vissem o cego com barro nos
olhos, e isso, certamente, causou viva impressão. Em seguida, ao retornar o
homem curado, ficaria patente perante eles Quem era o autor da cura. Para um
povo duro de coração como aquele, era preciso não haver dúvida a tal respeito.
Daí ter Jesus utilizado a própria saliva, misturando-a com a terra, duas
matérias incapazes por si de operar a cura, ressaltando provir d’Ele o poder
sobrenatural. Pode-se observar que os detalhes do episódio foram divinamente
dispostos para produzir nos presentes o grande efeito narrado pelo Evangelista.
Por sua
vez, o cego acreditou na palavra de Jesus. Não pensou, por exemplo, em quantas
vezes já se lavara na piscina de Siloé, sem se curar, nem se aquela lama
poderia prejudicar ainda mais sua saúde. Comenta São João Crisóstomo: “Note-se
como o cego tinha a disposição de obedecer em tudo. [...] Seu único objetivo
foi o de obedecer a Quem lhe ordenava. Nada pôde dissuadi-lo, nada constituiu
obstáculo”.8 Ele fez exatamente o que Nosso Senhor mandara, e foi recompensado.
Continua no próximo post