COMENTÁRIOS AO III DOMINGO DA QUARESMA - ANO A - Jo 4, 5-15 - 2014
Chegou
uma mulher da Samaria para tirar água. Jesus lhe disse: “Dá-Me de beber”.
Segundo
Santo Agostinho, o fato de tratar-se de uma mulher simboliza de algum modo a
fundação da Igreja. A samaritana seria a representação da instituição que
nasceria do sagrado costado de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Quanto
ao fato de não ser ela judia, o grande Doutor interpreta como sendo uma
referência aos gentios dos quais nasceria a Igreja: “era figura da Igreja, que
se formaria dos gentios, gente estranha aos judeus”.2 Ora, os samaritanos eram
considerados estrangeiros até pelo próprio Jesus, conforme nos relata o
Evangelho. Dos dez leprosos curados, um só retornou para agradecer: “era um
samaritano. [...] Não se achou senão este estrangeiro que voltasse para
agradecer a Deus?!” (Lc 17, 16.18).
Enfim,
tratava-se de uma mulher comum e simples diante do Criador. A samaritana jamais
imaginaria quem era Aquele, e menos ainda o poder que estava nas suas mãos de
lhe oferecer a salvação eterna. Ele, por seu lado, transborda de desejo de
tê-la consigo por toda a eternidade.
O
Senhor lhe pede água. Será apenas física sua sede? Trata-se do mesmo “sitio —
tenho sede” (Jo 19, 28), pronunciado por Ele no alto da Cruz; seu grande anseio
é redimir o gênero humano e, neste caso, quer salvar aquela alma.
Deitemos
toda a nossa atenção nesse encontro extremamente exemplificativo da teologia
sobre o chamado da graça. Tanto a atitude de Jesus quanto a dela são
paradigmáticas. Quem toma a iniciativa é Ele, sem levar em conta qualquer
oração, pedido, desejo ou mérito da samaritana. Como com todos os homens, Ele
procede de maneira inteiramente gratuita. Ela nada suspeita das generosas
intenções de seu interlocutor; pelo contrário, pensa que Jesus, por ser judeu,
repudia por completo os samaritanos.
Nosso
Senhor costuma agir adaptando-Se aos modos de ser de cada um. Para Natanael Ele
dirá que o viu debaixo de uma figueira (cf. J0 1, 48); para André e João será
uma proclamação sobre o Cordeiro de Deus (cf. J0 1, 35-37); para os Reis Magos
era a estrela aparecida no Oriente (cf. Mt 2, 2). Para esta mulher Ele pede
água.
Quão
misteriosa é a bondade de Deus!
8 Os
discípulos tinham ido à cidade para comprar alimentos.
Jesus
quis de fato estar a sós. Nada Lhe custaria conservar alguns Apóstolos consigo,
e Lhe bastaria uma insinuação, indicando o desejo de que alguns O
acompanhassem, para ser atendido com alegria.
9A
mulher samaritana disse então a Jesus: “Como é que Tu, sendo judeu, pedes de
beber a mim, que sou uma mulher samaritana?” De fato, os judeus não se dão com
os samaritanos.
Pelas
roupas, pelo porte e quiçá até mesmo pela pronúncia das palavras, a samaritana
percebera tratar-se de um judeu. Ora, como acima dissemos, o povo eleito não
tocava nem sequer na vasilha de um samaritano, a fim de evitar as impurezas. Daí
a perplexidade manifestada por ela.
A
correspondência a esse primeiro chamado de Nosso Senhor poderia condicionar a
perseverança dela e até mesmo sua salvação, porém sua reação foi a de levantar
obstáculo. Jesus, contudo, não desistirá de chamá-la à conversão.
10
Respondeu-lhe Jesus: “Se tu conhecesses o dom de Deus e quem é que te pede:
‘Dá-Me de beber’ tu mesma Lhe pedirias a Ele, e Ele te daria água viva”.
Didática
insuperável, perfeitíssima. É bem conhecida a curiosidade feminina e é desta
que Jesus procura tirar partido. Com enorme afeto, Ele entretém e atrai a
atenção da samaritana, pondo-a diante de algo mirabolante. Viva é a água que
jorra da fonte. E sempre mais apreciada do que a retirada do poço. Jesus vai
aos poucos se apresentando como um personagem incomum, com certas
características misteriosas, possuidor de um dom de Deus.
Essa
frase de Jesus, no modo condicional, já continha um começo de doutrinação e
tornava impossível à samaritana deixar de se interessar mais a fundo pelo judeu
sentado à beira do poço. São duas sedes de teor distinto que acometem o Divino
Mestre. Jesus necessita da água comum e corrente, mas sua sede de converter
aquela alma é incomparavelmente maior, e essa é a razão pela qual Ele procura
despertar um interesse, todo feito de fé, no interior de sua interlocutora.
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