Tríduo Pascal

quinta-feira, 20 de março de 2014

Evangelho – IV Domingo da Quaresma – Ano A

Comentário ao Evangelho – IV Domingo da Quaresma – Domingo Laetare
Ao operar o milagre da cura de um cego de nascença, Nosso Senhor Jesus Cristo mostra que há cegueira pior à dos olhos corporais: a da alma, que impede o desenvolvimento da luz sobrenatural infundida em nossas almas pelo Batismo.
Evangelho Jo 9, 1-41
“Ao passar, Jesus viu um homem cego de nascença. 2 Os discípulos perguntaram a Jesus: ‘Mestre, quem pecou para que nascesse cego: ele ou os seus pais?’. 3 Jesus respondeu: ‘Nem ele nem seus pais pecaram, mas isso serve para que as obras de Deus se manifestem nele. 4 É necessário que nós realizemos as obras d’Aquele que Me enviou, enquanto é dia. Vem a noite, em que ninguém pode trabalhar. 5 Enquanto estou no mundo, Eu sou a luz do mundo’. 6 Dito isto, Jesus cuspiu no chão, fez lama com a saliva e colocou-a sobre os olhos do cego. 7 E disse-lhe: ‘Vai lavar-te na piscina de Siloé’ (que quer dizer: Enviado). O cego foi, lavou-se e voltou enxergando.
8 Os vizinhos e os que costumavam ver o cego — pois ele era mendigo — diziam: ‘Não é aquele que ficava pedindo esmola?’. 9 Uns diziam: ‘Sim, é ele!’ Outros afirmavam: ‘Não é ele, mas alguém parecido com ele’. Ele, porém, dizia: ‘Sou eu mesmo!’. 10 Então lhe perguntaram: ‘Como é que se abriram os teus olhos?’. 11 Ele respondeu: ‘Aquele homem chamado Jesus fez lama, colocou-a nos meus olhos e disse-me: ‘Vai a Siloé e lava-te’. Então fui, lavei-me e comecei a ver’. 12 Perguntaram-lhe: ‘Onde está ele?’. Respondeu: ‘Não sei’. 13 Levaram então aos fariseus o homem que tinha sido cego. 14 Ora, era sábado, o dia em que Jesus tinha feito lama e aberto os olhos do cego. 15 Novamente, então, lhe perguntaram os fariseus como tinha recuperado a vista. Respondeu-lhes: ‘Colocou lama sobre meus olhos, fui lavar-me e agora vejo!’. 16 Disseram, então, alguns dos fariseus: ‘Esse homem não vem de Deus, pois não guarda o sábado’. Mas outros diziam: ‘Como pode um pecador fazer tais sinais?’. 17 E havia divergência entre eles. Perguntaram outra vez ao cego: ‘E tu, que dizes daquele que te abriu os olhos?’. Respondeu: ‘É um profeta’. 18 Então, os judeus não acreditaram que ele tinha sido cego e que tinha recuperado a vista.
Chamaram os pais dele 19 e perguntaram-lhes: ‘Este é o vosso filho, que dizeis ter nascido cego? Como é que ele agora está enxergando?’. 20 Os seus pais disseram: ‘Sabemos que este é nosso filho e que nasceu cego. 21 Como agora está enxergando, isso não sabemos. E quem lhe abriu os olhos também não sabemos. Interrogai-o, ele é maior de idade, ele pode falar por si mesmo’. 22 Os seus pais disseram isso, porque tinham medo das autoridades judaicas. De fato, os judeus já tinham combinado expulsar da comunidade quem declarasse que Jesus era o Messias. 23 Foi por isso que seus pais disseram: ‘É maior de idade. Interrogai-o a ele’. 24 Então, os judeus chamaram de novo o homem que tinha sido cego. Disseram-lhe: ‘Dá glória a Deus! Nós sabemos que esse homem é um pecador’. 25 Então ele respondeu: ‘Se ele é pecador, não sei. Só sei que eu era cego e agora vejo’. 26 Perguntaram-lhe então: ‘Que é que Ele te fez? Como te abriu os olhos?’. 27 Respondeu ele: ‘Eu já vos disse, e não escutastes. Por que quereis ouvir de novo? Por acaso quereis tornar-vos discípulos d’Ele?’. 28 Então insultaram-no, dizendo: ‘Tu, sim, és discípulo d’Ele! Nós somos discípulos de Moisés. 29 Nós sabemos que Deus falou a Moisés, mas esse, não sabemos de onde é’. 30 Respondeu-lhes o homem: ‘Espantoso! Vós não sabeis de onde Ele é? No entanto, Ele abriu-me os olhos! 31 Sabemos que Deus não escuta os pecadores, mas escuta aquele que é piedoso e que faz a sua vontade. 32 Jamais se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença. 33 Se este homem não viesse de Deus, não poderia fazer nada’. 34 Os fariseus disseram-lhe: ‘Tu nasceste todo em pecado e estás nos ensinando?’.
E expulsaram-no da comunidade.
35 Jesus soube que o tinham expulsado. Encontrando-o, perguntou-lhe: ‘Acreditas no Filho do Homem?’. 36 Respondeu ele: ‘Quem é, Senhor, para que eu creia nele?’. 37 Jesus disse: ‘Tu o estás vendo; é Aquele que está falando contigo’. Exclamou ele: 38 ‘Eu creio, Senhor!’. E prostrou-se diante de Jesus. 39 Então, Jesus disse: ‘Eu vim a este mundo para exercer um julgamento, a fim de que os que não veem, vejam, e os que veem se tornem cegos’. 40 Alguns fariseus, que estavam com ele, ouviram isto e lhe disseram: ‘Porventura, também nós somos cegos?’. 41 Respondeu-lhes Jesus: ‘Se fôsseis cegos, não teríeis culpa; mas como dizeis: ‘Nós vemos’, o vosso pecado permanece’” (Jo 9, 1-41).
O  Domingo “Lætare” traz-nos uma jubilosa esperança
A visão é o principal dos sentidos corpóreos, por ser o que nos proporciona melhor o conhecimento do Criador, através da contemplação do verdadeiro, do bom e do belo existente nas criaturas.
Esse magnífico dom é símbolo de outro mais precioso, relativo à vida da graça. Não vemos a Deus fisicamente, mas Ele está presente em toda parte. Embora possamos, pela lógica, demonstrar sua existência, não nos é possível vê-Lo com os olhos carnais, mas sim aderirmos a Ele com o auxílio da luz da graça que ilumina a inteligência, inclina a vontade ao bem e ordena nossa sensibilidade. Sem o dom de Deus que é a virtude da fé, nada conseguimos ver nem aceitar no campo sobrenatural. Entretanto, como afirma Royo Marín, “ao revelar-nos sua vida íntima e os grandes mistérios da graça e da glória, Deus nos faz ver as coisas, por assim dizer, do seu ponto de vista divino, tal como Ele as vê”.1
Em sentido figurado, poderíamos dizer que nascemos com os olhos vendados e o Batismo nos arranca a venda. Mesmo assim, na Terra vemos a Deus em sombras, ou seja, não podemos vê-Lo como Ele é. Explica-nos isso com clareza Mons. Cuttaz: “Encontra-Se Ele diante de nós com toda a sua infinita beleza, pois está em toda parte, especialmente na alma do justo. Um pouco, nós O conhecemos por sua ação, mas não O vemos: falta-nos uma luz, um instrumento de visão sobrenatural. É a graça que nos proporcionará isso no Céu, dentro desse ‘lumen gloriæ’ (luz da glória), da qual será o princípio”.2
Nesta vida terrena, temos na alma apenas uma semente de visão beatífica. Mas, ao passarmos para a eternidade, ela se desenvolverá como uma árvore, e desaparecerão por completo os véus que cobrem a fé e a esperança, e veremos Deus face a face.
A liturgia do 4º Domingo da Quaresma, domingo de alegria, nos traz a jubilosa esperança da plena posse dessa visão.
Um homem que vivia nas trevas físicas e epirituais
Ao escrever seu Evangelho, no momento em que a Igreja se encontra em plena controvérsia com os gnósticos, São João empenha-se desde o início em provar que Jesus é ao mesmo tempo Homem, embora sem personalidade humana, e Deus, unindo hipostaticamente a natureza divina e a humana na Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.
Analisando a finalidade do Evangelho de São João, comenta o padre Tuya: “Quis-se notar nele uma certa tendência polêmica contra o fato de querer separar o homem de Deus”.3 E acrescenta mais adiante: “Num aspecto, a imagem de Cristo aparece delineada com traços sublimes: é Deus. [...] Mas mostra que Ele é também Homem. [...] Na imagem do Deus-Homem, João não se limita a especular; relata a história e revela os atos divinos e humanos”.4
O trecho do Evangelho deste domingo apresenta Nosso Senhor pouco depois de sair do Templo, onde acabara de ter uma das mais ardentes polêmicas com os fariseus, encerrada por Ele com uma solene declaração de sua divindade, ao afirmar com fórmula de juramento: “Em verdade vos digo, antes que Abraão fosse, Eu sou” (Jo 8, 58). Os fariseus, então, “pegaram em pedras para Lhe atirarem” (Jo 8, 59). Tinham a intenção de matá-Lo, mas não conseguiram, pois Ele se esquivou e saiu do Templo, “porque ainda não era chegada sua hora” (Jo 8, 20).

Logo após essa dramática cena, Jesus fez diante de todo o povo o estrondoso milagre que servirá para confirmar a veracidade de suas palavras a respeito de sua sobrenatural origem.
Continua no próximo post

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