Comentários ao Evangelho 31º Domingo do Tempo Comum - Ano C -Lc 19, 1-10
"Naquele
tempo, 1 Jesus tinha entrado em Jericó e estava atravessando a cidade. 2 Havia
ali um homem chamado Zaqueu, que era chefe dos cobradores de impostos e muito
rico. 3 Zaqueu procurava ver quem era Jesus, mas não conseguia porque era muito
baixo. 4 Então, ele correu à frente e subiu numa figueira para ver Jesus, que
devia passar por ali. 5 Quando Jesus chegou ao lugar, olhou para cima e disse:
‘Zaqueu, desce depressa! Hoje Eu devo ficar na tua casa'. 6 Ele desceu
depressa, e recebeu Jesus com alegria. 7 Ao ver isso, todos começaram a
murmurar, dizendo: ‘Ele foi hospedar-Se na casa de um pecador!'. 8 Zaqueu ficou
de pé, e disse ao Senhor: ‘Senhor, eu dou a metade dos meus bens aos pobres e,
se defraudei alguém, vou devolver quatro vezes mais'. 9 Jesus lhe disse: ‘Hoje
a salvação entrou nesta casa, porque também este homem é um filho de Abraão. 10
Com efeito, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido'"
(Lc 19, 1-10).
O
egoísmo nos traz a amargura e a infelicidade. Como Zaqueu, subamos com coragem
e sem respeito humano a "árvore da admiração" a tudo o que é
verdadeiro, bom e belo, e teremos a alegria de receber Jesus em nossa alma.
Mons.
João Scognamiglio Clá Dias, EP
I -
O homem tem necessidade de admirar
O final do século XIX acompanhou assombrado o ingente esforço de uma
menina norte- -americana que marcaria a História. Acometida de grave doença aos
18 meses de idade, Helen Adams Keller (1880-1968) perdeu completamente a visão
e a audição. Ficou, assim, reduzida a um triste isolamento, sem possibilidade
de conhecer o exterior, a não ser pelo tato, olfato e paladar.
Essa trágica e silenciosa noite de sua mente poderia ter se perpetuado
por toda a vida, se não fosse o providencial encontro com uma genial educadora,
Anne Mansfield Sullivan, que conseguiu ensinar-lhe a linguagem das mãos, o
alfabeto braile e, por fim, a falar fluentemente. Depois de indizíveis
dificuldades, Helen chegou a dominar o francês e o alemão, com boa pronúncia.
Cursou faculdade, percorreu o mundo dando palestras e escreveu livros. Anos a
fio, ela desenvolveu um quase inacreditável labor, impelida pela ânsia de se
relacionar com os outros, movimento natural de todo ser humano, dotado de instinto
de sociabilidade.
Ora, assim como pelo heliotropismo as plantas crescem à procura da luz,
também as almas necessitam abrir-se à contemplação das criaturas para, a partir
delas, subir até o Criador. Não foi diferente com Helen Keller, a qual crivava
a sua mestra com perguntas como estas: O que faz o sol ser quente? Onde estava
eu antes de vir para minha mãe? Os passarinhos e os pintos saem do ovo: de onde
vem o ovo? Quem fez Deus? Onde está Deus? A senhora já viu Deus?1
Estas são questões que revelam como a alma aspira inelutavelmente chegar
à Causa Primeira de tudo, a partir das causas segundas. Pois há em nós uma
inata tendência para Deus - que, por analogia, poderíamos chamar de teotropismo
- a qual nos leva a fazer correlações, transcendendo da escala natural à
sobrenatural. Nesse sentido, ensina São Tomás: "permanece no homem, ao
conhecer o efeito, o desejo de saber que este efeito tem uma causa e de saber o
que é a causa. Esse desejo é de admiração e causa a inquirição".2
Ora, como tudo quanto há no universo espelha em alguma medida o Criador,
o movimento ordenado da alma é deixar-se atrair pelos reflexos de verdade,
beleza e bem, presentes nas criaturas.
Assim, todos devemos procurar tornar nossa alma muito propensa à
admiração, de forma a, deparando-nos com algo que é elevado, santo, nobre ou
simplesmente reto, nos encantarmos e remontarmos à Causa suprema. E, com toda a
evidência, essa admiração cabe, sobretudo, em relação ao Homem-Deus, à sua Mãe
Santíssima e à Santa Igreja.
II -
Um publicano chamado Zaqueu