-->

sábado, 28 de julho de 2012

Evangelho 17º domingo do Tempo Comum ano B (Jo 6, 1-15)

APLICAÇÃO
“Nada de grandioso se faz repentinamente”, diz um provérbio latino. O mais excelso de todos os sacramentos, a Eucaristia, deveria ser precedido por belas pré-figuras, numa longa preparação da humanidade através dos séculos. No Antigo Testamento, uma das mais expressivas foi o maná caído do céu para os hebreus, durante os quarenta anos de travessia do deserto, em busca da Terra da Promissão.
No Evangelho de hoje, vemos o Divino Mestre multiplicar os pães para tornar patente seu império sobre esse alimento. Logo a seguir, Ele andará sobre as águas num mar encapelado (11), com o intuito de deixar evidente o quanto dominava seu próprio corpo. Assim, as premissas para a instituição da Eucaristia iam se fixando nos que o seguiam, sobretudo nas almas dos Apóstolos.
Por outro lado, o rico sabor e a alta qualidade dos pães e peixes distribuídos por Jesus, deixaram a multidão ansiosa por comê-los novamente (12). E quando Jesus disse aos que foram beneficiados pelo milagre: “Moisés não vos deu o pão do Céu (...) o pão que desce do Céu e dá vida ao mundo”, eles logo Lhe pediram: “Senhor, dá-nos sempre deste pão!” (13).
É insuperável a didática de Jesus ao iluminar assim a inteligência de seus discípulos, tocar seus corações e mover suas vontades rumo a um ardente desejo da Eucaristia. Método perfeito, tal qual o recomenda São Tomás de Aquino (14).
Após isso, com soberana autoridade e divina unção, Ele declara: “Eu sou o Pão da Vida. Vossos pais comeram o maná no deserto e morreram. Este é o Pão que desceu do Céu para que aquele que dele comer, não morra. Eu sou o Pão Vivo descido do Céu. Quem comer deste Pão viverá eternamente; e o Pão que eu darei é a minha carne para a salvação do mundo” (15).
Quem mais poderia unir a autoridade grandiosa à total simplicidade? Com muita propriedade, assim se expressa Bossuet sobre este aspecto de Jesus: “Quem não admiraria a condescendência com que tempera a elevação de sua doutrina? É leite para os meninos e, ao mesmo tempo, pão para os fortes. Vemo-Lo cheio dos mistérios de Deus, mas se percebe que não está possuído como os outros mortais aos quais Deus se comunica: fala disso naturalmente, como tendo nascido nesse segredo e nessa glória; e o que Ele tem sem medida (Jo III, 34), Ele o dá com medida, a fim de que nossa debilidade possa suportá-lo” (16).
Por isso, importa convencermo-nos em nos deixar conduzir pelos ensinamentos de Jesus, pois não quer Ele senão a nossa felicidade eterna e com prodigalidade: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham abundante.” (17) !
1) Mc 6, 30. 2) Mc 6, 31. 3) Mc 6, 33. 4) Jo 3, 1-21. 5) Jo 4, 7-42. 6) Jo 1, 35-51. 7) Jo, 13. 8) Vide 1ª leitura deste domingo (2Rs 4, 42-44). 9) Jo 6, 26 e seguintes. 10) Vida de Nuestro Señor Jesucristo, Editorial Voluntad, Madrid, 1926, t. III, pp. 238-239. 11) Jo 6, 17 a 21. 12) Jo 6, 26. 13) Jo 6, 32-34. 14) Summa Theologica, II-II, q. 177, a.1. 15) Jo 6, 48-51. 16) Discours sur l’Histoire Universelle, P. II, c XIX 17) Jo 10, 10.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Evangelho 17º domingo do Tempo Comum ano B (Jo 6, 1-15)

10 Disse Jesus: Fazei-os assentar. Ora, havia naquele local muita relva. Sentaram-se aqueles homens em número de uns cinco mil.
É belíssima a delicadeza de Jesus. Como bom anfitrião, faz todos se sentarem sobre a relva por Ele criada. Além do mais, assim o exigia um princípio de boa disciplina. Imaginemos qual não teria sido a balbúrdia produzida por uma multidão faminta a tentar conquistar seu alimento, sem haver quem a harmonizasse. Sentando-se ordenadamente em grupos de cinquenta ou cem, a distribuição dos pães e dos peixes tornava-se fácil.
11 Jesus tomou os pães e rendeu graças. Em seguida, distribuiu-os às pessoas que estavam sentadas, e igualmente dos peixes lhes deu quanto queriam.
A narração deste fato, ao ser completada em detalhes pelos outros Evangelistas, adquire um elevado simbolismo prenunciativo da instituição da Eucaristia. Tomando em suas mãos os cinco pães e os dois peixes, Jesus ergueu seus olhos para o céu, partiu-os e entregou-os aos seus discípulos, os quais, por sua vez, os distribuíram às pessoas agrupadas e sentadas pela relva. O milagre da multiplicação saído das mãos de Jesus, continuava a realizar-se nas dos discípulos, evitando assim um contínuo ir e vir destes. Não pequeno deve ter sido o trabalho dos Apóstolos, percorrendo um a um para oferecer pão e peixe. Jamais aquela gente tinha comido tão delicioso manjar. Ele deveria ser extremamente superior ao próprio maná do deserto, pois este não passara pelas divinas mãos de Jesus.
Não houve quem dele não comesse até saciar-se.
12 Estando eles saciados, disse aos discípulos: Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se perca.
Além de tratar-se de um costume próprio aos hebreus, o fato de Jesus ordenar aos discípulos o recolhimento de todos os restos demonstra uma especial didática para prepará-los ao trato futuro com as espécies eucarísticas. Visava Ele também tornar ainda mais patente seu absoluto poder taumatúrgico, evitando assim a tentação de que tudo não fora senão uma simples ilusão.
13 Eles os recolheram e, dos pedaços dos cinco pães de cevada que sobraram, encheram doze cestos.
Mais um elemento essencial no divino ensinamento: o ter feito sobrar um cesto para cada Apóstolo. Ao transportá-lo, cada um deles deve ter sentido o peso desses restos. “Que portentoso milagre realizou hoje nosso Mestre!” — deveriam eles pensar.
14 À vista desse milagre de Jesus, aquela gente dizia: Este é verdadeiramente o profeta que há de vir ao mundo.
Este versículo poderia dar a impressão de que, afinal, o povo creu tratar-se do Messias, mas um pouco adiante São João mostrará o quanto era fraca a fé de toda aquela gente (9).
15 Jesus, percebendo que queriam arrebatá-lo e fazê-lo rei, tornou a retirar-se sozinho para o monte.
Nos outros Evangelhos nos deparamos com uma vigorosa atitude de Nosso Senhor: força os Apóstolos a se separarem logo da multidão exaltada, enquanto Ele se despedia de todos.
Ouçamos o famoso Fillion, (10) com seu fino discernimento exegético, comentar estes dois últimos versículos:
“Sua admiração, infelizmente muito humana, crescia a cada instante. Tão ardorosa era sua exaltação que já não pensavam senão em apoderar-se de Nosso Senhor e proclamá-lo Rei de Israel, mesmo contra a sua vontade! Mas este conceito do messianismo — como já tivemos ocasião de ver muitas vezes — era inteiramente incompatível com o de Jesus. E essa incompatibilidade não poderia fazer outra coisa do que cavar um profundíssimo abismo entre Ele e as multidões.
“Precisamente neste ponto começará uma gravíssima crise que afastará de Cristo muitos de seus discípulos. O milagre da multiplicação dos pães os havia contentado pelo que teve de brilhante. O que aqueles exaltados esperavam de seu Messias glorioso era justamente prodígios dessa natureza. Não se davam conta de que, pondo n’Ele suas esperanças terrenas, O rebaixavam a seu próprio nível moral e O reduziam a simples instrumento de seu orgulho nacional, que os levava a todo momento a sonhar com a libertação do jugo romano, com a conquista do mundo inteiro e com uma felicidade temporal sem sombra alguma.
“Nunca havíamos visto no povo judeu uma tão ardente manifestação de fé messiânica. Mas a oposição de Jesus a esse favor popular — além de indiscreto, superficial — fará com que logo diminua, e em grande parte se apague, essa admiração.
“Os próprios Apóstolos compartilhavam, neste ponto, as ideias e impressões de seus compatriotas, e era de recear-se que, se permanecessem algum tempo em contato com a turba, aderissem a seus estranhos projetos e fossem para seu Mestre um estorvo a mais, naquela hora decisiva. Para livrá-los desta perigosa tentação, resolveu Jesus afastá-los da multidão. Ordenou-lhes, pois, embarcar de novo e partir sem demora para a margem ocidental do lago, onde iria reunir-se a eles logo após despedir o povo. Obedeceram, porém, de má vontade. E até opuseram alguma resistência, pois São Mateus e São Marcos dizem expressamente que Jesus teve de ‘obrigá-los’ a voltar para a barca.”

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Evangelho 17º domingo do Tempo Comum ano B (Jo 6, 1-15)

Continuação do post anterior
6 Falava assim para o experimentar, pois bem sabia o que havia de fazer.
Os discípulos de Jesus já haviam presenciado inúmeras maravilhas por Ele operadas, comprovando seu inteiro domínio sobre a natureza. Entretanto, em sua divina didática, desejava fortalecer a fé ainda tímida de seus seguidores. Por isso obriga Filipe a comprovar a total impossibilidade de alimentar aquela gente toda, a fim de fazê-los crer mais facilmente na magnitude do milagre.
7 Filipe respondeu-lhe: Duzentos denários de pão não lhes bastam, para que cada um receba um pedaço.
Jesus prova a fé dos Apóstolos na pessoa de Filipe, pelo fato de ser este oriundo da região em que todos se encontravam naquele momento. A resposta dele foi a mais precisa possível. Nenhum depoimento poderia ser mais seguro para comprovar o absoluto poder taumatúrgico do Messias.
Nada leva a crer que a bolsa dos Apóstolos possuísse a quantia necessária para alimentar cinco mil pessoas.
8 Um de seus discípulos chamado André, irmão de Simão Pedro, disse-lhe: 9Está aqui um menino que tem cinco pães de cevada e dois peixes... mas o que é isto para tanta gente?
Antes desta intervenção de André, os sinópticos narram a aflição dos discípulos a propósito da dramática situação daqueles milhares de pessoas: já se fazia tarde, o sol estava para se pôr, o lugar era deserto e por isso, levados pelo bom senso, aconselharam Jesus a despedir a multidão.
André manifesta sua fé em Jesus ao introduzir um pequenino vendedor ambulante com seus cinco pães e dois peixes. Entretanto, erroneamente teria julgado ser necessário haver uma certa proporção entre os pães existentes e os multiplicados pelo milagre. Segundo afirma São João Crisóstomo, André conhecia o episódio havido com Eliseu, o qual alimentou cem pessoas com vinte pães (8).
Com o acréscimo desta intervenção de André, estavam assentados os pressupostos para se avaliar o divino poder de Jesus sobre o universo. Apenas por curiosidade, convém notar que o pão de cevada era alimento dos pobres, e os peixes deveriam ser secos e salgados, conforme os costumes do sul do lago de Tiberíades. Alguns antigos autores atribuem um pequeno simbolismo aos números cinco (pães) e dois (peixes). Quanto ao primeiro, dizem relacionar-se com o Pentateuco de Moisés, ou seja com a antiga Lei. Os peixes, segundo eles, eram dois para representarem os poderes governativos dos hebreus — o real e o religioso — duas prerrogativas de Nosso Senhor.
Continua no próximo post

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Evangelho 17º domingo do Tempo Comum ano B (Jo 6, 1-15)

3 Jesus subiu a um monte e ali se sentou com seus discípulos.
Aprendamos neste versículo a descansar com Jesus. Certo conceito de repouso em nossos dias leva as pessoas a julgarem erroneamente consistir este no completo relaxamento físico e espiritual. Apesar de estarem os Apóstolos tomados pela fadiga, Jesus os fez subir o monte, pois era necessário contemplarem o panorama das atividades já realizadas e das que ainda estavam por vir. Sentados no alto desse mirante, seus olhos desvendaram um belo horizonte geográfico. É indispensável trabalhar em Deus como também descansar em Deus.
Nossa vida em sociedade — sobretudo quando apostólica — deve ser conduzida numa mescla de ação e recolhimento. É na oração que o homem de fé recupera suas energias e adquire novas forças para empreendimentos mais ousados. Por isso, a propósito deste versículo, São Tomás de Aquino transcreve em sua obra Catena Áurea o seguinte trecho de São João Crisóstomo: “Subiu também ao monte para ensinar-nos a aquietar o ânimo, fugindo dos tumultos e da agitação das coisas mundanas; porque a solidão é muito própria à contemplação (ou para o conhecimento das coisas sublimes, e a meditação das coisas divinas)”.
4 Aproximava-se a Páscoa, festa dos Judeus.
Dois motivos levaram São João a fazer notar a cercania da Páscoa.
1. Incontáveis grupos de judeus, oriundos do norte da Palestina, se concentravam em Cafarnaúm e desta localidade rumavam para Jerusalém. O elevado número de peregrinos proporcionava ótima ocasião para conferir ainda mais destaque ao milagre que seria realizado.
2. Ressaltando que o milagre se realiza por ocasião da Páscoa, indica que, afinal, essa festa estaria chegando à plenitude de seu simbolismo, a Páscoa Cristã.
Talvez haja ainda uma terceira razão, pois, conforme comenta Beda o Venerável, São João Batista teria sido degolado por ocasião da mesma festividade na qual Jesus sofreu a Paixão.
5Jesus levantou os olhos, sobre aquela grande multidão que vinha ter com Ele e disse a Filipe: Onde compraremos pão para que todos estes tenham o que comer?
São João omite a narração de certas peculiaridades abordadas pelos outros evangelistas, pois tem um especial encanto pelos diálogos, como se pode comprovar ao longo de sua escrita — Nicodemos (4), a Samaritana (5), a vocação dos primeiros discípulos (6), as conversas no Cenáculo (7) — não se preocupando com certos detalhes circunstanciais, por julgá-los desnecessários. Neste caso concreto, seu maior empenho concentrou-se em atrair a atenção do leitor para a essência do milagre preparatório à instituição da Eucaristia.
Em face da apetência daquela multidão, o Divino Mestre abandonou imediatamente o propósito de repouso e pôs-Se a receber a todos, pregando-lhes com pulcritude sobre o Reino de Deus, não só com a palavra, mas também com os milagres. São as incansáveis manifestações do Sagrado Coração de Jesus revelando-nos sua divina bondade, preciosíssima parcela da herança deixada por Ele à Santa Igreja. A Igreja tem compaixão, palavras de vida eterna, ampara os necessitados, tal qual o fazia seu Fundador.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Evangelho 17º domingo do Tempo Comum ano B (Jo 6, 1-15)

Os comentários ao Evangelho Jo 6, 1-15 serão publicados em vários posts


ANTECEDENTES
Retornavam os Apóstolos para junto do Divino Mestre, vindos de grandes atividades e pregações coroadas de êxito, apesar de alguns prováveis percalços. À alegria do reencontro se acrescentou o desejo de narrar a Jesus “tudo o que haviam feito e ensinado”, (1) certamente numa atmosfera de muito ânimo, devido à insuperável e paternal acolhida de Quem os ouvia. Era a primeira vez que se afastavam de Jesus para exercer missões apostólicas, a partir das quais já não mais iriam à busca de peixes, debatendo-se contra ventos e tempestades, mas à conquista de almas para o Reino de Deus. Não pequena deve ter sido sua emoção ao se sentirem capazes de expulsar numerosos demônios, convidar todos à penitência e curar muitos enfermos. As impressões e lembranças tornaram os Apóstolos ainda mais expansivos.
Jesus ouviu-os, felicitou-os pelo sucesso e alimentou em suas almas a esperança de um futuro brilhante e promissor. O fervor de noviço alentava com gáudio e consolações aqueles corações recém-convertidos, sobretudo pela satisfação de haverem cumprido com zelo a missão que lhes coubera.
Jesus notou, entretanto, o quanto estavam necessitados de um bom repouso (2).
1Depois disso, atravessou Jesus o lago da Galiléia (que é o de Tiberíades).
Jesus e os Apóstolos tomaram uma barca, atravessaram o Tiberíades em busca de um lugar desértico em Bethsaida.
2Seguia-o uma grande multidão, porque via os milagres que fazia em benefício dos enfermos.
O percurso a pé era o dobro do que se realizava de barco. Apesar disso, intuindo para onde iam Jesus e seus discípulos, muitos “acorreram lá de todas as cidades, e chegaram primeiro que eles” (3).
Esse grande atraso havido no deslocamento do Divino Mestre faz supor uma atraente conversa entre eles, tornando, assim, menos intenso o desempenho dos remadores.
Duas lições podemos recolher neste versículo.
Ao buscarmos Jesus, devemos imitar essa multidão, ou seja, jamais medir distâncias ou esforços, e nosso entusiasmo deve ser tal que cheguemos com antecipação. Se nossa vida nos impõe a ação, lancemo-nos aos afazeres necessários com a atenção fixa no reencontro com Jesus. Ao estarmos com Ele “na barca”, saibamos tirar proveito de sua divina companhia, saboreando as palavras de sabedoria, por Ele comunicadas em nosso interior.


Continua

domingo, 22 de julho de 2012

Evangelho 16º Domingo do Tempo comum - ano B Mc 6, 30-34

Final


Deus se faz ouvir no silêncio, na serenidade e na calma


Quão misterioso e fundamental é o silêncio! Deus mais nos visita no recolhimento do que nas atividades externas. Em geral, nossa vida sobrenatural dá passos mais firmes e decididos no silêncio do que em meio às ações. Os Sacramentos também produzem a graça em nossas almas sob o manto do silêncio. Este nos ensina a falar, como afirmava Sêneca: “Quem não sabe calar, não sabe falar”.
Importantes, também, são a serenidade e a calma no relacionamento humano ou na contemplação. Jesus, no Evangelho, nunca dá a impressão de estar asfixiado pela pressa. Às vezes até “perde tempo”: todos O procuram e Ele não Se deixa encontrar, tão absorto está na oração. Jesus convida seus discípulos a “perderem tempo” com Ele: “Vinde à parte, a um lugar solitário, e descansai um pouco”. Recomenda freqüentemente não se agitar. Quantos benefícios recebe nossa saúde da “lentidão”!
A esse respeito, observa com acerto o Pregador da Casa Pontifícia, Frei Raniero Cantalamessa: “Se a lentidão tem conotações evangélicas, é importante dar valor às ocasiões de descanso ou de demora que estão distribuídas ao longo da sucessão dos dias. O domingo, as festas, se são bem utilizadas, dão a possibilidade de cortar o ritmo de vida demasiado excitante e de estabelecer uma relação mais harmônica com as coisas, as pessoas e, sobretudo, consigo próprio e com Deus”.
Os Apóstolos deviam estar exaustos depois de tantas atividades e por isso — comenta o Pe. Manuel de Tuya OP —, terminadas as narrações das viagens, “Cristo quer proporcionar-lhes uns dias de descanso, levando-os a um ‘lugar solitário’, que estava ‘perto de Betsaida’ (Lc 9, 10). A causa era que nem mesmo depois de seu trabalho missionário, particularmente intenso, deixavam-nos sozinhos: as pessoas afluíam para Cristo. Marcos descreve esse assédio das turbas com sua linguagem realista: ‘Porque eram muitos os que iam e vinham, e nem tinham tempo para comer’. Talvez essas multidões que vêm, nessa ocasião, possam ser um indício do fruto dessa ‘missão’ apostólica”.
Fugir da agitação para se encontrar com Deus
Entrando, pois, numa barca, retiraram-se à parte, a um lugar solitário.
Conta-nos São Jerônimo que Davi, em sua infância, fugia da agitação da cidade e buscava a solidão dos desertos. Ali vencia os ursos e os leões. E as Escrituras nos contam que Judite tinha, na parte mais elevada de sua casa, um quarto recolhido onde permanecia enclausurada com suas fiéis servas (Jt 8, 5). Os homens contemplativos, sempre que possível, abandonam o bulício do mundo e abraçam o isolamento para viver de Deus, com Ele para Ele. Também para Jesus e os Apóstolos tornava-se impossível o repouso em Cafarnaum, onde eram muito conhecidos.
“À agitação ordinária, decorrente da pregação e das curas — escreve Cardeal Goma y Tomás —, acrescentava-se a proximidade da Páscoa, que transformava a cidade marítima em centro de confluência das caravanas que subiam para Jerusalém. ‘Porque eram muitos os que iam e vinham, e nem tinham tempo para comer’. Por isso se dirigiram à praia e, entrando numa barca. ‘retiraram-se à parte, a um lugar solitário’ do território de Betsaida. Havia duas cidades com este nome: uma na parte ocidental do lago, pátria de Pedro e André, e a outra na parte oriental, em direção ao norte, junto à foz do Jordão. Recebera o nome de Betsaida Júlias, porque o tetrarca Filipe, que a tinha embelezado, quis quese chamasse Júlias, em homenagem à filha de César Augusto. A barquinha que conduzia Jesus e os Apóstolos aportou no outro lado do mar da Galiléia, ou seja, de Tiberíades, junto à planície solitária que se abre ao sul de Betsaida. João escreve para os fiéis da Ásia, que desconheciam a topografia da Palestina, indicando-lhes a localização do mar pelo nome da cidade que lhe dá origem ao nome”.
A caridade pode ser definada como a própria vida de Deus em nós. Ora, Deus é ao mesmo tempo contemplação e ação. Por outro lado, a virtude é eminentemente difusiva. Por isso afirma São Tiago ser morta a fé quando não frutifica em obras (Tg2,17). De onde decorre ser a vida mista, segundo São Tomás de Aquino, a mais perfeita, por conjugar ação e contemplação.
Assim, no Evangelho de hoje, Jesus nos ensina quanto devemos ser perfeitos no convívio com Deus, quer no isolamento, quer no relacionamento com os outros.

Jesus nos governa com doçura
33 Porém, viram-nos partir, e muitos perceberam para onde iam e acorreram lá, a pé, de todas as cidades, e chegaram primeiro que eles.
Não sabemos se, devido ao vento, o barco terá dado suas voltas em sentido contrário, ou se resolveram retardar o deslocamento pelo fato de a conversa ter atingido uma aprazível atração. O certo é que um grande público os precedeu naquela distância de 12 quilômetros (12). Homens, mulheres, crianças — vários dos quais enfermos — atravessaram o Jordão num verdadeiro testemunho de fé e de devoção a Jesus. “Assim também, não devemos esperar que Cristo nos chame, mas devemos nos antecipar para ir até Ele”, conforme pondera Teófilo (13).
É para nós, esta passagem, um excelente incentivo e convite para procurarmos um convívio mais intenso e prolongado com nosso Salvador. Há quanto tempo não nos aguarda Ele, debaixo das Sagradas Espécies, nos tabernáculos de todas as igrejas?
Ovelhas sem pastor – compaixão de Jesus
34 Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e teve compaixão deles, porque eram como ovelhas sem pastor, e começou a ensinar-lhes muitas coisas.
A primeira Leitura deste 16º Domingo do Tempo Comum nos traz esta Lamentação de Jeremias: “Ai dos pastores que deixam perder-se e dispersar-se o rebanho miúdo de minha pastagem! (...) Reunirei o que restar das minhas ovelhas (...) e as trarei para as pastagens em que se hão de multiplicar” (23, 1-3). São os gemidos do próprio Deus em vista de suas almas fiéis em situação de abandono.
Também Ezequiel, por inspiração divina, condena dura e severamente em seu capítulo 34 os maus pastores de Israel e anuncia que Deus enviará às suas ovelhas um Bom Pastor, e este “será príncipe no meio delas” (v. 24). De fato, aqui é Ele contemplado no versículo que estamos comentando.
Deus demonstrou verdadeiro amor divino ao criar a função de pastor entre os homens, pois desejava servir-Se dela para melhor simbolizar seu insuperável zelo por todos nós. Não sem razão, enviou seus Anjos a convidar os pastores da região de Belém para serem os primeiros a adorá-Lo no presépio. E Ele Se apresenta como o Pastor Perfeito, pois é Aquele que dá a vida por suas ovelhas (Cf. Jo 10,11), conforme maravilhosamente comenta São Gregório Magno em sua Homilia nº 14.
Ao descer da barca, Jesus se compadece daquelas ovelhas sem pastor e passa a ensiná-las. Não as instruía, porém, só com palavras. Muito mais! Sobretudo se levarmos em conta seu cuidado pela alimentação de toda aquela multidão, tal como transparecerá no milagre da multiplicação dos pães e peixes, narrado nos versículos seguintes. Jesus comunicava sua graça, sua vida, seu amor. Quão inefável devia ser o desvelo d’Ele ao ensinar suas ovelhas, pois, mais do que dar a vida por elas, desejava ser a própria vida delas! Ele vive em cada uma das ovelhas que se deixam perpassar por sua graça, e está sempre pronto a auxiliá-las e oferecer-lhes os Sacramentos.
O governo pastoral
Neste mesmo versículo, Jesus se torna excelente exemplo para todo tipo de governo, quer seja familiar,  quer civil ou eclesiástico. Mas deste último, de maneira especial, pela forma toda paternal — quase se poderia dizer “maternal” — com que deve ser exercido: com enorme doçura e suavidade, grande empenho e dedicação.
Por isso, o governo eclesiástico é chamado “pastoral”, seus documentos são denominados “pastorais”, etc.
Belíssimas são as palavras de São Pedro a esse respeito: “Apascentai o rebanho de Deus que vos está confiado, tende cuidado dele, não à força, mas de boa vontade, segundo Deus; não por amor de lucro vil, mas por dedicação; não como tiranos daqueles que vos foram confiados, mas fazendo-vos modelo do rebanho. Quando o Príncipe dos Pastores aparecer, recebereis a coroa de glória que jamais murchará” (1 Pd 5, 2-4).
1) Confissões Livro 1, n. 31.
2) Suma Teológica I-II, q. 2, a.8.
3) In III Politicorum lect. 5, n. 387.
4) J. M. L. Brandão, “Diversidade de dons e um só Senhor”, in Arautos do Evangelho nº 50, fev. 2006, p. 32.
5) Cf. Suma Teológica, II-II, q.26, a. 13.
6) Juan de Maldonado SJ, Comentarios a los cuatro Evangelios, BAC, Madrid, 1951, v. II, p. 124.
7) Obras Completas, BAC, Madrid, 1946, p. 1200.
8) Echad las redes – Reflexiones sobre los Evangelios ciclo B, Edicep, 2003, p. 259.
9) Biblia Comentada, BAC, Madrid, 1964, v. II, p. 675.
10) Cf. Imitação de Cristo, Liv. I, c. 20, m.1.
11) El Evangelio Explicado, Ed. Acervo, Barcelona, 1966, vol. I, p. 664.
12 ) Cf. Pe. Andrés Fernández Truyols SJ, Vida de Nuestro Señor Jesucristo, BAC, Madrid, 1956, v. III, p. 335.
13) Apud São Tomás de Aquino, Catena Aurea, in Mc.