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sexta-feira, 11 de maio de 2012

Ascensão de Jesus

Continuação
Benefícios da Ascensão
Também nós fomos beneficiados por incontáveis dons com a Ascensão.
Segundo São Leão Magno, passamos a conhecer melhor Jesus a partir do momento em que Ele retornou às glórias do Pai. Nossa fé, “mais esclarecida, aprendeu a elevar-se pelo pensamento, sem necessidade do contato com a substância corporal de Cristo, na qual Ele é menor que o Pai, dado que, embora permanecendo a mesma substância do corpo glorificado, a fé dos fiéis é convidada a tocar, não com a mão terrena, mas com o entendimento espiritual, o Unigênito, igual Àquele que O engendrou. É este o motivo pelo qual o Senhor, após a Ressurreição, disse a Madalena — que representava a pessoa da Igreja —, ao aproximar-se para tocá-Lo: ‘Não me toques, pois ainda não subi ao meu Pai’ (Jo 20, 17).
Quer dizer, não quero que procures minha presença corporal nem que me reconheças com os sentidos carnais; chamo-te para coisas mais elevadas, destino-te a bens superiores. Quando subir a meu Pai, Me tocarás de forma mais real e verdadeira, tocando no que não apalpas e crendo no que não vês” (6).
Fortalecimento da fé
Demonstra-nos São Tomás de Aquino que, privando-nos de sua presença corporal, ao penetrar na glória eterna, Jesus Cristo tornou-se ainda mais útil para nossa vida espiritual.
Primeiro, “para aumento da fé, que é sobre o que não se vê. Por isso, o próprio Senhor diz no Evangelho de João que o Espírito Santo, ao vir, ‘argüirá o mundo a respeito da justiça’, ou seja, da justiça ‘dos que crêem’, como diz Santo Agostinho: ‘A própria comparação dos fiéis com os infiéis é uma censura’. Por isso, acrescenta: ‘Porque Eu vou para o Pai e não Me vereis mais, pois são bem-aventurados os que não vêem e crêem. Será nossa a justiça, de que o mundo será argüido, porque credes em Mim, a Quem não vedes’” (7).
A esse propósito, São Gregório Magno externa sua convicção: “Com sua facilidade em crer, Maria Madalena nos aproveita menos do que Tomé duvidando por muito tempo, porque este, em meio a suas dúvidas, exigiu tocar as cicatrizes dessas chagas, e com isso nos tirou todo pretexto para vacilação” (8).
Aumento da esperança
Em segundo lugar, “para reerguer a esperança”, pois, “pelo fato de Cristo ter elevado ao Céu sua natureza humana assumida, deu-nos a esperança de lá chegarmos, porque ‘onde quer que esteja o corpo, ali se reunirão as águias’, como diz Mateus. Por isso, diz também o livro de Miquéias: ‘Já subiu, diante deles, Aquele que abre o caminho’” (9).
Abrasamento da caridade
Uma terceira razão, ainda segundo São Tomás, torna a Ascensão mais benéfica a nós do que a própria presença física de Nosso Senhor, e esta se refere à caridade. Na sequência dessa mesma questão da Suma, o Doutor Angélico, a fim de nos mostrar as vantagens para essa virtude, cita São Paulo:
“Por isso, diz o Apóstolo: ‘Procurai o que está no alto, lá onde Se encontra Cristo, sentado à direita de Deus; aspirai às coisas de cima, não às da terra’, pois, como foi dito, ‘onde estiver o teu tesouro, ali também estará o teu coração’” (10). E, após discorrer sobre o amor enquanto propriedade do Espírito Santo e a respeito da grande necessidade que dele tinham os Apóstolos, termina com esta citação de Santo Agostinho: “Não podeis receber o Espírito enquanto persistirdes em conhecer a Cristo segundo a carne. Pois quando Cristo Se afastou corporalmente, não só o Espírito Santo, mas também o Pai e o Filho estavam espiritualmente em presença deles” (11).
Continua no próximo post

EVANGELHO DA SOLENIDADE DE PENTECOSTES Jo 20,19-23 Ano C 2013

Comentários ao Evangelho da Solenidade de Pentecostes Jo 20, 19-23



19 Chegada a tarde daquele mesmo dia, que era o primeiro da semana, e estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se encontravam juntos, por medo dos judeus, foi Jesus, colocou-Se no meio deles e disse-lhes: “A paz esteja convosco!” 20 Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos alegraram-se muito ao ver o Senhor. 21 Ele disse-lhes novamente: “A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também vos envio a vós”.

22 Tendo dito estas palavras, soprou sobre eles e disse-lhes: “Recebei o Espírito Santo. 23 Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados, àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos” (Jo 20, 19-23).

 A IGREJA POR OCASIÃO DE PENTECOSTES
Oração numa atmosfera de harmonia e concórdia
Como outras tantas festas litúrgicas, Pentecostes nos faz recordar um dos grandes mistérios da fundação da Igreja por Jesus. Encontrava-se ela em estado ainda quase embrionário — alegoricamente, poder-se-ia compará-la a uma menina de tenra idade — reunida em torno da Mãe de Cristo. Ali no Cenáculo, conforme nos descrevem os Atos dos Apóstolos na primeira leitura, passaram-se fenômenos místicos de excelsa magnitude, acompanhados de manifestações sensíveis de ordem natural: ruído como de um vento impetuoso, línguas de fogo, os discípulos exprimindo-se em línguas diversas sem tê-las antes aprendido.
Enquanto figura exponencial, destaca-se Maria Santíssima, predestinada desde toda a eternidade a ser Mãe de Deus. Dir-se-ia que havia atingido a plenitude máxima de todas as graças e dons, entretanto, em Pentecostes, mais e mais Lhe seria concedido. Assim como fora eleita para o insuperável dom da maternidade divina, cabia-Lhe agora o tornar-se Mãe do Corpo Místico de Cristo e, tal qual se deu na Encarnação do Verbo, desceu sobre Ela o Espírito Santo, por meio de uma nova e riquíssima efusão de graças, a fim de adorná-La com virtudes e dons próprios e proclamá-La “Mãe da Igreja”.
Em seguida estão os Apóstolos; constituem eles a primeira escola de arautos do Evangelho. Observavam as condições essenciais para estarem aptos à alta missão que lhes destinara o Divino Mestre, conforme nos relata a Escritura: “Todos estes perseveraram unanimemente em oração, com algumas mulheres e com Maria, Mãe de Jesus, e com os seus irmãos” (At 1, 14). Essa perseverança na oração se realizou de forma continuada e no silêncio, na solidão e clausura do Cenáculo. A atmosfera era de máxima concórdia, harmonia e união entre todos, de verdadeira caridade fraterna. São Lucas em seu relato faz questão de realçar a presença de Maria, certamente para tornar patente o quanto Ela mesma se alegrava em ser uma fiel participante da Comunidade. Uma nota marcante é a submissão e obediência ao Vigário de Cristo tal qual transparece nos versículos subsequentes, ao relatarem o primeiro ato de governo e jurisdição de São Pedro (At 1, 15-22).
Em síntese, a verdadeira eficácia do apostolado está aí evidenciada, sob o manto da Santíssima Virgem, na união efetiva e afetiva de todos com a Pedra sobre a qual Cristo edificou sua Igreja.
A eficácia da ação encontra-se na contemplação
Esse grande acontecimento foi precedido não só dos dez dias de oração contínua, mas também de muitos outros momentos de recolhimento. O trauma havido por ocasião da dramática Paixão do Salvador exigia horas e horas de isolamento e reflexão. Ademais, o temor de novas perseguições e traições impunha-lhes prudência, além do abandono das atividades comuns do apostolado anterior.
Curiosamente, em geral, Cristo Ressurrecto escolhia oportunidades como essas — de reflexão e compenetração da parte de todos — para lhes aparecer, assim como o Espírito Santo para lhes infundir seus dons. Esta é uma importante lição que a Liturgia de hoje nos oferece: a verdadeira eficácia da ação encontra-se na contemplação. O próprio Apóstolo por excelência, que chegou a exclamar: Vae enim mihi est, si non evangelizavero! — “Ai de mim se eu não evangelizar!” (I Cor 9, 16), passou um longo período de oração no deserto a fim de preparar-se para a pregação.
Quem toma o trabalho de analisar passo a passo as atividades de um varão zeloso e apostólico pode vir a equivocar-se julgando serem elas puro fruto de sua personalidade empreendedora, ou de seu caráter dinâmico, ou até mesmo de sua constituição psicofísica. São numerosos os homens operantes e profícuos que arrancam de seu ser o inimaginável. Onde se encontram, de fato, as energias empregadas por esses leões da fé e da eficiência? Mais ainda poderíamos nos perguntar: como conseguem eles, em meio à avalanche de atividades, conservar um coração brando e suave no trato com os outros?
Lembremo-nos do conselho dado por São Bernardo de Claraval ao papa da época, Eugênio III: “Temo que em meio de tuas inumeráveis ocupações te desesperes de não poder levá-las a cabo e se endureça tua alma. Obrarias com cordura abandonando-as por algum tempo para que elas não te dominem nem te arrastem para onde não quiseras chegar. Talvez me perguntes: ‘Aonde?’ (...) Ao endurecimento do coração. Aí vês para onde te podem arrastar essas ocupações malditas se continuas entregando-te a elas totalmente, como até agora, sem reservar nada para ti” (2).
Trata-se de um Doutor da Igreja aconselhando o Doce Cristo na terra daqueles tempos, no exercício da mais alta função: o governo dessa instituição divina. Pois bem, segundo seu parecer, tão elevadas ocupações, sem o auxílio da vida interior, são malditas. Essa sempre foi a postura de alma dos santos, espiritualistas e Padres da Igreja. Santo Agostinho afirma, por exemplo: “Todo apóstolo, antes de soltar a língua, deve elevar a Deus com avidez sua alma, para exalar o que deva, e distribuir sua plenitude".
Continua no próximo post

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Evangelho - A Ascensão de Jesus

Continuação
Por que Jesus conviveu quarenta dias com os Apóstolos, em Corpo glorioso
Por aí se pode compreender o quanto, após a Paixão de Jesus, as saudades dos Apóstolos e discípulos giravam em torno de um relacionamento de certa forma equivocado. Entende-se melhor também a necessidade do Redentor conviver com eles quarenta dias em Corpo glorioso, pois Jesus “não quis que permanecessem sempre carnais nem amando-O com amor terreno. Queriam que estivesse sempre com eles, carnalmente, movidos pelo mesmo afeto pelo qual Pedro temia vê-Lo padecer. Consideravam-No seu mestre, consolador e protetor, homem, afinal, como eles próprios; e se não vissem algo diferente julgá-Lo-iam ausente, sendo que Ele estava presente em todos os lugares com sua majestade”.
Por outro lado, em face da lembrança traumatizante dos dias da Paixão, “convinha agora levantar-lhes o ânimo para começarem a pensar n’Ele espiritualmente, como o Verbo do Pai, Deus de Deus, pelo qual todas as coisas foram feitas; esse pensamento lhes era vedado pela carne que viam. Convinha, sim, confirmá-los na fé, vivendo com eles quarenta dias, mas era ainda mais conveniente separar-Se de suas vistas para que Quem na terra os estava acompanhando como irmão os socorresse desde o Céu como Senhor, e eles aprendessem a pensar n’Ele como em Deus” (2).
“Não vos deixarei órfãos”
O próprio Jesus havia afirmado:
“É melhor para vós que Eu vá, pois, se Eu não for, o Paráclito não virá a vós; mas, se Eu for, Eu vo-Lo enviarei. (...) Eu vou para o Pai, e já não Me vereis” (Jo 16, 7.10). E, de fato, os Apóstolos nunca mais O encontraram, pois, ao penetrar no Céu, deixou de estar presente na terra de modo natural.
Em contrapartida, Ele mesmo prometera:
“Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 20). E realmente Ele está entre nós, na Eucaristia, debaixo dos véus das Sagradas Espécies. Ademais, nunca deixa de nos acompanhar: “Subindo aos Céus, Ele não abandona de modo algum aqueles que adotou” (3). Estas belas palavras de São Leão Magno fazem eco às de Nosso Senhor: “Não vos deixarei órfãos” (Jo 14, 18).
Consola-nos constatar o quanto se tem cumprido essa promessa ao longo destes vinte e um séculos, dia após dia, das mais variadas maneiras. Não poderia ser que sua Ascensão constituísse um abandono daqueles por quem Ele se Encarnou e morreu no Calvário. Seu retorno ao Pai só pode ter-se dado na sequência desse amor incomensurável d’Ele a cada um de nós. A Ascensão deu-se por uma conveniência sua, mas também para benefício nosso. São Tomás nos ensina: “O lugar deve ter proporção com quem nele está. Ora, Cristo, após a Ressurreição, deu início a uma vida imortal e incorruptível, e o lugar no qual habitamos é lugar de geração e de corrupção, ao passo que o lugar celeste é um lugar de incorrupção. Logo, não era conveniente que Cristo, após a Ressurreição, permanecesse na terra e, sim, que subisse ao Céu” (4). E ao ocupar um lugar no Céu, proporcionado à sua Ressurreição, “algo se Lhe acrescentou no que diz respeito ao decoro do lugar, o que redunda em bem da glória”. E citando o Salmo 15, 11: “À tua destra delícias eternas até o fim”, São Tomás aplica a este versículo o comentário da glosa: “Terei prazer e alegria quando estiver sentado a teu lado, após ter sido tirado da vista humana”.
Continua...

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Ascensão de Jesus II

Continuação do post anterior
A morte não sepultou Jesus no esquecimento
De fato, esse júbilo a propósito da Ascensão, que pervade a alma dos santos e se manifesta tão patente no texto do Ofício Divino e na própria Liturgia de hoje, tem sólido fundamento, pois jamais se ouviu dizer de alguém que, ao deixar este mundo, se elevasse aos olhos de centenas de testemunhas e, por seu próprio poder, penetrasse nos Céus.
Bem ao contrário, após a morte, nossos corpos gélidos e inertes descem ao seio da terra e, na maioria dos casos, até a nossa lembrança se apaga na mente dos que aqui permanecem.
A propósito de Cristo, deu-se exatamente o inverso, pois não só a recordação de seus ensinamentos, de seus atos e até de sua história se prolongou através dos séculos, como também suas testemunhas, dotadas de um poder sobre-humano, fizeram ecoar seus relatos em meio aos povos e através das gerações. Para tal, contribuíram os quarenta dias de permanência de Jesus ressurrecto entre os discípulos. A debilidade destes certamente exigia esse poderoso remédio, pois os episódios em torno da Paixão do Senhor abalaram a sensibilidade psicológica e até a própria virtude da fé de todos eles.
As perspectivas humanas dos Apóstolos dificultavam sua visão sobrenatural do Messias
As primeiras notícias sobre a Ressurreição encontraram um vácuo de incredulidade em cada um deles, a ponto de Tomé só ter-se convencido ao tocar-Lhe as chagas. Compreende- se a lógica dessas reações, pois, humanos como eram, formados na perspectiva de um Messias com fortes traços políticos, acostumados ao longo de três anos a um convívio todo feito de paternal e penetrante afeto, só poderiam assim se sentir protegidos, assumidos e transformados.
E por isso desejavam perpetuar aquele relacionamento a partir de onde se havia interrompido com aquela morte tão ignominiosa.
Contudo, os véus da carne mortal lhes obumbravam a real visão da divindade do Salvador. Era indispensável substituírem a experiência um tanto humana por outra mais elevada na qual apalpassem, por assim dizer, os reflexos da Alma gloriosa de Jesus sobre seu sagrado Corpo.
Para poder cumprir sua missão redentora, Ele havia feito um milagre em detrimento de suas próprias qualidades, rompendo leis por Ele criadas. Desde o primeiro instante de sua Concepção, no seio da Virgem Mãe, sua santíssima Alma gozava da visão beatífica e, em consequência, seu adorável Corpo deveria ter sido glorioso. Se assim fosse, porém, não poderia Ele padecer.
Ora, por essa razão, os discípulos acabaram por se habituar a uma interpretação a respeito do Filho de Deus muito distante daquela que se terá no Céu. Essa situação chegou ao extremo de terem sido os Apóstolos os únicos a comungar o Corpo padecente de Jesus na Eucaristia, distribuída na Santa Ceia.
Continua...

terça-feira, 8 de maio de 2012

Ascensão de Jesus

 Suprema glorificação de Cristo
Às vezes, a perfuração produzida por uma agulha é mais danosa do que o golpe de um martelo, sobretudo quando ela atinge pontos vitais.
Essa comparação talvez ainda ganhe em substância e expressividade se revertida para o campo da polêmica doutrinária, como se verificou na refutação de São Bernardo ao judeu que, no alto do Calvário, desafiou a Cristo em sua agonia: “Se és o Filho de Deus, desce da Cruz” (cf. Mt 27, 42; Mc 15, 32). Segundo o Fundador de Claraval, é mal concebida essa proposta para comprovar a origem divina de Jesus, pois a realeza, e mais ainda a divindade de um ser, não se torna patente pelo ato de descer, mas muito ao contrário, pelo de subir. E foi exatamente o que sucedeu com Jesus, quarenta dias após sua triunfante Ressurreição. Por isso, debaixo de certo ângulo, a Ascensão do Senhor ao Céu constitui a festa de maior importância ao representar a glorificação suprema de Cristo Jesus. Ele próprio a havia pedido ao Pai:
Glorifica-Me junto de Ti mesmo, com aquela glória que tive em Ti, antes que houvesse mundo” (Jo 17, 5); “Pai, chegou a hora, glorifica o teu Filho, para que teu Filho glorifique a Ti” (ibid. v. 1). Daí ser compreensível a manifestação de alegria dos Santos Padres ao comentarem essa glorificação do Cordeiro de Deus. “A glória de Nosso Senhor Jesus Cristo se completa com sua Ressurreição e Ascensão. (...) Temos, pois, o Senhor, nosso Salvador, Jesus Cristo, primeiro pendente de um madeiro e agora sentado no Céu. Pendendo no madeiro, pagava o preço de nosso resgate; sentado no Céu, recolhe o que comprou”.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

“Dou-vos a paz, deixo-vos minha paz” (Jo 14, 27)

Não foi outro o dom por Nossa Senhor Jesus Cristo oferecido antes de morrer na Cruz, ao despedir-se: “Dou-vos a paz, deixo-vos minha paz” (Jo 14, 27). Entretanto, a humanidade hoje se suicida em guerras, terrorismos e revoluções. E qual a causa? Não queremos aceitar a paz de Cristo.
Tal qual a caridade, a paz começa na própria casa. Antes de tudo, é preciso construí-la dentro de nós mesmos, dando à razão iluminada pela Fé o governo de nossas paixões. Sem essa disciplina, entramos na desordem. Ora, vai se tornando cada vez mais raro encontrar-se um ser humano no qual esse equilíbrio é procurado com base no esforço e na graça. O espontaneísmo domina despoticamente em todos os rincões. Vivemos os axiomas da Sorbonne de 1968: “É proibido proibir” — “A imaginação tomou conta do poder” — “Nada reivindicar, nada pedir, mas tomar, invadir”. Eles pareciam ser para a humanidade uma pedra filosofal de felicidade, sucesso e prazer... Que desilusão!
A paz deve ser a condição normal e corrente para o bom relacionamento social, sobretudo na célula mater da sociedade, a família. Eis um dos grandes males de nossos dias: a autoridade paterna se auto-destruiu, a sujeição amorosa da mãe se evanesceu e a obediência dos filhos foi carcomida pelo capricho, desrespeito e revolta. Essas enfermidades morais, transpostas para a vida da sociedade, redundam em luta civil, de classes e até mesmo entre os povos.
A humanidade sofre essas e muitas outras consequências do pecado de ter repudiado a paz de Cristo e abraçado a paz do mundo, ou seja, o consumismo, o igualitarismo, o laicismo, a adoração da máquina, etc.
Sentencia a Escritura: “Não há paz — diz Javé — não há paz para os ímpios” (Is 57, 20). “Curavam as chagas da filha do meu povo com ignomínia, dizendo: Paz, paz; quando não havia paz” (Jer 6,14). Os milênios transcorreram e nos encontramos novamente na mesma perspectiva de outrora, com uma agravante: corruptio optimi pessima (a corrupção do ótimo resulta no péssimo). Sim, a rejeição da paz verdadeira trazida pelo Verbo Encarnado é muito pior do que a impiedade antiga, e de consequências ainda mais drásticas.
A ordem fundamental do edifício da paz deriva essencialmente do Evangelho e do Decálogo, ou seja, do amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo por amor a Ele (7). Daí floresce a paz interior do homem e a harmonia com todos os outros, amados por ele com real caridade. Esse é o melhor remédio para todos os males atuais, desde a “epidemia” das depressões — enfermidade paradigmática de nosso século — até o terrorismo. É indispensável reconhecermos em Deus nosso Legislador e Senhor, pois, se ao longo da vida não existir a moral individual nem a familiar, haverá menos ainda o verdadeiro equilíbrio social e internacional. O caos de nossos dias no-lo demonstra em demasia.
Sendo a paz fruto do Espírito Santo, fora do estado de graça, e da prática da caridade, não nos é dado encontrá-la. Por isso quem se torna empedernido no pecado não pode gozar da paz: “Mas os malvados são um mar proceloso que não pode aquietar-se e cujas ondas revolvem lodo e lama. Não há paz — diz Javé — para os ímpios” (Is 57, 20).
O mesmo Isaías nos proclama a prodigalidade e a grandeza da bondade de Deus para com os justos: “Porque assim diz Javé: Vou derramar sobre ela (Jerusalém) a paz como um rio, e a glória das nações como torrentes transbordantes” (Is 66, 12).
Essa é a razão mais específica do fato de Jesus ter desejado uma segunda vez a paz a seus discípulos. É Ele o autor da graça e, portanto, o autor da paz: “Cristo é a nossa paz” (Ef 2, 14). “A graça e a verdade foram trazidas por Jesus Cristo” (Jo 1, 17).
Após esse segundo voto de paz, Jesus envia seus discípulos à ação, tornando claro o quanto é necessário jamais se deixar tomar pelo afã dos afazeres, perdendo a serenidade. Um dos elementos essenciais para o apostolado bem sucedido é a paz de alma de quem o faz.