Continuação
A discreta fidelidade de Nicodemos
De dentro dessa moldura sócio-psico-religiosa, surge a figura de Nicodemos. Segundo São João, trata-se de um fariseu, príncipe dos judeus, que receando comprometer sua reputação no meio de seus companheiros, procurou encontrar-se com Jesus de maneira oculta.
De fato, era tal a sanha de indignação dos fariseus contra o Divino Mestre que, se Nicodemos assim não procedesse, sofreria terríveis perseguições. Os Evangelhos são ricos em pormenores a esse respeito, mas bastaria relembrar o dito dos fariseus quando se indignaram contra os agentes que deveriam ter prendido Jesus: “Houve, porventura, alguém dentre os chefes do povo ou dos fariseus que acreditasse n’Ele? Quanto a esta plebe que não conhece a Lei, é maldita” (Jo 7, 48-49). Essa é a razão pela qual Nicodemos, como José de Arimatéia, embora sempre fiel, manteve grande discrição até o fim (1). Apesar disso, é digna de nota a imperfeição da fé de Nicodemos no Homem-Deus; chama-O de Mestre por causa de seus milagres, mas O vê apenas como um grande homem auxiliado pelo poder de Deus.
O Redentor aproveitou a circunstância de sua visita para ilustrar e fortalecer a fé desse seu novo e secreto discípulo (2), preparando-o para aceitar sua divindade, fazendo-o conhecer algo sobre o Batismo e a Encarnação. E acaba por lhe declarar o objetivo último de sua vinda a esta terra: a salvação dos homens através de sua morte, e morte de cruz. Esta é a temática da Liturgia de hoje.
A Serpente de bronze Símbolo do filho do homem
E como Moisés levantou no deserto a serpente, assim também importa que seja levantado o Filho do homem, 15 a fim de que todo o que crê n’Ele tenha a vida eterna.
São Cirilo de Alexandria faz uma aproximação entre o Batismo, anteriormente enunciado por Jesus, e a figura da serpente de bronze. Segundo ele, pelo fato de Nicodemos talvez não ter alcançado o significado dos aspectos sobrenaturais desse Sacramento, o Mestre resolveu recordar-lhe esse episódio tão conhecido de todo o povo israelita, a fortiori de quem era fariseu, como seu visitante.
O episódio do Antigo Testamento
Tendo partido do Monte Hor na direção do Mar Vermelho, o povo judeu se revoltara contra Moisés, e até mesmo diretamente contra Deus, devido ao cansaço, ao enfaramento e à falta de pão, água e de outro alimento que não o maná. Por castigo, Deus enviou serpentes cujas picadas produziam inflamação, febre e, finalmente, a morte; daí seu nome: “de fogo”. Imploraram então os judeus a intercessão de Moisés junto a Deus. Este não eliminou o mal, mas concedeu-lhes um remédio: todo aquele que fosse atacado pelo mortífero animal, ficaria imediatamente curado se olhasse para uma serpente de bronze a qual, por ordem divina, o Profeta havia fixado sobre um poste (3).
Esse objeto foi tomado pelo povo como um símbolo da cura que lhes era concedida por Deus.
Nicodemos devia conhecer a interpretação exata desse milagre, constante no Livro da Sabedoria: “E tiveram logo um sinal de salvação (...) Porque aquele que se voltava para o referido sinal não era curado porque o via, mas sim por Ti, que és o Salvador de todos os homens” (16, 5-7).
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