CONTINUAÇÃO DOS COMENTÁRIOS AO EVANGELHO DO IV DOMINGO DA QUARESMA ANO C 2013 - Lc 15,1-3;11-32
A PARÁBOLA DO FILHO PRÓDIGO
A pérola de todas as parábolas
De maneira singela, mas com beleza literária insuperável, a
Parábola em questão nos coloca diante do entrechoque das várias justiças acima
comentadas. Sua concisão e extraordinária riqueza de colorido, abordando
matéria tão viva e retratando através de fluida analogia muitos atos de nossa
existência, tornam facilmente perceptível o fundo da lição proferida pelo
Divino Mestre. Vamos, porém, empenhar-nos em ressaltar aspectos pouco
comentados da mesma: os extremos opostos dos dois juízos — o do pai e o do
filho maior.
Temos diante dos olhos uma das mais eloquentes páginas do
Evangelho, considerada como a pérola de todas as parábolas. Ela é, de si, um
pequeno evangelho.
Sem dúvida alguma, o cerne da Parábola consiste em colocar
ao alcance de qualquer inteligência, até das menos favorecidas, a pulcritude da
bondade de Deus em perdoar ao pecador arrependido com exuberante e alegre
solicitude. O pai, neste contexto, representa Deus.
Soberba dos fariseus
A narração evangélica se inicia com um juízo orgulhoso da
parte dos fariseus e escribas, murmurando contra Nosso Senhor. Não lhes seria difícil
reconhecer naquele Homem, todo feito caridade para com qualquer necessitado, a
figura do verdadeiro Messias, ou, pelo menos, a de um grande profeta ansioso
por tornar felizes os sofredores. Ora, por que criticá-Lo sem Lhe reconhecer
uma só qualidade? É novamente a paixão satânica da soberba a entrar em cena.
Por que Lhe atribuem o título de pecador, quando em realidade mais deveriam
exaltar seu grande poder de curar, perdoar e converter? Essa é a malícia e o
ódio, diluídos ou concentrados, que pervadem as relações humanas nas sociedades
de todos os tempos, quando impera o orgulho.
Conforme o costume da época, Jesus lhes propõe três
parábolas, a fim de esclarecer a razão de sua misericórdia para com os
pecadores arrependidos. O enredo de cada uma é belo, lógico e convincente. Uma
só delas seria suficiente para resolver qualquer dúvida ou desfazer a mais
grave das suspeitas oriundas de coração bem-intencionado. A Liturgia de hoje
não aborda a da ovelha desgarrada nem a da dracma perdida, mas a do filho
pródigo.
Trata-se da história de um pai e dois filhos, um dos quais
fará o papel de equilibrado, sensato, honesto e fiel, e o outro de apaixonado,
dissoluto e esbanjador.
Sabedoria e afeto do pai
O pai é apresentado como possuidor de um coração sábio,
afetuoso e até maternal, a ponto de não manifestar a menor estranheza com o
pedido do filho, e, portanto, de não tentar dissuadir seu caçula de exigir a
herança a que tinha direito.
Segundo a Lei mosaica, ao segundo filho cabia apenas uma
terça parte dos bens. Impossível seria ao pai não perceber a falta de senso e
de tato contida naquela demanda, que o levaria a perigosos riscos. Tratava-se
do início de sua perdição. Se bem tudo fosse feito segundo o direito, o pai
poderia usar de subterfúgios para negar-lhe a entrega de sua parte. Até mesmo
medidas extremas teriam lugar, em última instância, caso o filho recalcitrasse
em atender às imposições paternas (cf. Dt 21, 15-21).
Entretanto, por sua longa experiência da vida, o pai dava-se
conta da inutilidade de toda e qualquer ação visando coarctar as paixões
desenfreadas de um jovem inebriado pelas pseudo-delícias da realização de
sonhos fruitivos. Exceção feita de uma intervenção de Deus, nada lhe cortaria
os passos. É evidente, portanto, ter havido uma forte intenção pedagógica no
fato de o pai ter concordado sem objeções com a divisão da herança. Era a
intuição paterna de um futuro arrependimento e emenda eficaz.
Uma vez tendo sido solicitada por um, a divisão dos bens
deveria ser realizada no seu todo. Quanto ao primogênito, como mais adiante
narra Lucas, sua atitude não poderia ter sido melhor nessa circunstância. Ou
seja, de nada tomou posse, deixando a globalidade de seus haveres com o pai.
Continua no próximo post.