COMENTÁRIO AO EVANGELHO DO IV DOMINGO DA QUARESMA ANO C 2013 - Lc 15,1-3;11-32
O Filho Pródigo: Justiça e Misericórdia
Analisando os atos de Deus sob o mero prisma da humana
justiça, difícil se torna compreendê-los. Na parábola da liturgia de hoje,
enquanto o egoísmo se revolta, a justiça e a misericórdia se osculam num dos
mais belos exemplos do Evangelho. Como melhor degustá-lo? Eis o objetivo deste
artigo.
Naquele tempo, 1
aproximavam-se d’Ele os publicanos e os pecadores para O ouvir. 2 Os fariseus e
os escribas murmuravam, dizendo: “Este recebe os pecadores e come com eles”. 3
Então propôs-lhes esta parábola: 11“Um homem tinha dois filhos. 12 O mais novo
disse ao Pai: Pai, dá-me a parte dos bens que me cabe. O pai repartiu entre
eles os bens. 13 Passados poucos dias, juntando tudo o que era seu, o filho
mais novo partiu para uma terra distante e lá dissipou os seus bens vivendo
dissolutamente. 14 Depois de ter consumido tudo, houve naquele país uma grande
fome, e ele começou a passar necessidades. 15 Foi pôr-se ao serviço de um
habitante daquela terra, que o mandou para os seus campos guardar porcos. 16
“Desejava encher o seu ventre das alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém
lhas dava. 17 Tendo entrado em si, disse: Quantos diaristas há em casa de meu
pai que têm pão em abundância e eu aqui morro de fome! 18 Levantar-me-ei, irei
ter com meu pai e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o Céu e contra ti, 19 já não
sou digno de ser chamado teu filho, trata-me como a um dos teus diaristas. 20
“Levantou-se e foi ter com o pai. Quando ele estava ainda longe, o pai viu-o,
ficou movido de compaixão e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço e cobriu-o de
beijos. 21 O filho disse-lhe: Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não sou
digno de ser chamado teu filho. 22 Porém, o pai disse aos servos: Trazei
depressa o vestido mais precioso, vesti-o, metei-lhe um anel no dedo e as
sandálias nos pés. 23 Trazei também um vitelo gordo e matai-o. Comamos e
façamos festa, 24 porque este meu filho estava morto e reviveu; tinha se perdido
e foi encontrado. E começaram a festa 25 “Ora, o filho mais velho estava no
campo. Quando voltou, ao aproximar-se de casa, ouviu a música e os coros.
26 Chamou um dos servos, e perguntou-lhe que era aquilo. 27 Este disse-lhe: Teu
irmão voltou e teu pai mandou matar o vitelo gordo, porque o recuperou com
saúde. 28 Ele indignou-se, e não queria entrar. Mas o pai, saindo, começou a
pedir-lhe. 29 Ele, porém, respondeu ao pai: Há tantos anos que te sirvo, nunca
transgredi nenhuma ordem tua e nunca me deste um cabrito para eu me banquetear
com os meus amigos, 30 mas logo que veio esse teu filho, que devorou os seus
bens com meretrizes, mandaste-lhe matar o vitelo gordo. 31 Seu pai disse-lhe:
Filho, tu estás sempre comigo e tudo o que é meu é teu. 32 Era, porém, justo
que houvesse banquete e festa, porque este teu irmão estava morto e
ressuscitou, tinha-se perdido e foi encontrado.” (Lc 15,1-3;11-32)
A JUSTIÇA DOS HOMENS
E A DE DEUS
Dois juízos humanos: o da equidade e o das paixões
A justiça humana atingiu um ápice no sistema elaborado pelos
romanos. A tal ponto que, ainda hoje, a legislação de grande parte das nações
toma como base as normas de uma quase matemática exatidão daqueles tempos, cuja
síntese se encontra no famoso princípio: suum cuique tribuere, ou seja, “dar a
cada um aquilo que é seu”. Este é o juízo do homem reto, ou o praticado nos
tribunais, visando restabelecer a verdadeira ordem.
Há outro juízo nada justo, nem sereno, cuja sentença sempre
aparece influenciada por uma das três paixões tristes: a ira, a soberba ou a
inveja. É o tantas vezes empregado no mundo e com o qual convivemos em nosso
dia-a-dia. Em quantas ocasiões não presenciamos infundadas manifestações de
cólera contra inocentes ou faltosos arrependidos, nas quais a aspereza
implacável deixa transparecer a peçonha do egoísmo que as move? É o
relacionamento entre seres que deveriam se estimar e apoiar-se, mas que, pelo
contrário, na medida em que se afastam de Deus, de mais violência se utilizam
para saciar o seu amor próprio.
Além das explosões da ira, causa-nos espanto o império da
inveja, encontrado por todos os cantos. Poucos são os homens totalmente livres
desse mal, que por toda eternidade amarga e atormenta os anjos decaídos.
Entretanto, o pior de todos os juízos é aquele nascido da
soberba. O homem orgulhoso tem sempre uma sentença depreciativa em relação aos
semelhantes. E, como se fosse o Criador, põe-se a julgar de tudo e de todos,
não respeitando sequer o próprio Deus.
Benevolência e misericórdia de Deus
Felizmente, o Criador não julga segundo as leis humanas, e
muito menos conforme as normas nascidas desses três vícios, mas sim com base na
misericórdia. Foi para nos proporcionar melhor compreensão do quanto Ele assim
procede conosco, que Deus criou os instintos paterno e materno.
Os pais consideram com amor as faltas dos filhos. Às vezes
chegam a exceder-se em benevolência, devido aos desequilíbrios do pecado original,
mas, em geral, emitem um juízo verdadeiro.
Esse é também o procedimento da Igreja. Procura ela salvar a
justiça, mas esforça-se por atenuar ao máximo a pena merecida pelo pecador ou
criminoso. Em face desse trato feito de santidade, o infrator mais facilmente
reconhece seu próprio erro e considera quase irrelevante a pena a ser cumprida.
Ademais, manifesta afetuosa gratidão.
Na própria leitura de hoje, vem à luz esse misericordioso
agir de Jesus e de sua Igreja para conosco: “Tudo isso vem de Deus, que nos
reconciliou consigo por Cristo e nos deu a nós o ministério da reconciliação,
porque era Deus que reconciliava consigo o mundo em Cristo, não lhe imputando
os seus pecados e encarregando-nos da palavra de reconciliação” (2Cor 5,
18-19).
A justiça misericordiosa de Deus chegou a extremos
inimagináveis, conforme ainda nos ensina São Paulo na liturgia de hoje: “Aquele
que não tinha conhecido o pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nos
tornássemos, n’Ele, justiça de Deus” (idem, 21).
Eis aí a contradição entre as várias justiças, triunfando
entre elas a divina.
Continua no próximo post.
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