Continuação dos comentários ao Evangelho 3º Domingo da Quaresma Lc 13, 1-9 Ano C - 2013
Simbolismo da figura do vinhateiro
Muitos são os simbolismos atribuídos pelos comentaristas à
figura do vinhateiro.
Afirma Teófilo: “Deus Pai é o dono da vinha; o vinhateiro é
Jesus Cristo, o qual não permite cortar a figueira estéril, como se dissesse ao
Pai: ‘Mesmo não tendo dado frutos de penitência pela Lei e pelos Profetas, Eu
os regarei com meus tormentos e minha doutrina, e talvez produzam frutos de
obediência’”.19
O Cardeal Gomá o identifica com o nosso Anjo da Guarda, ou
com as pessoas suscitadas por Deus para nos dirigir, ou até mesmo com cada um
de nós, porque “cada qual cuida de sua vinha”.20
E São Gregório Magno se pergunta: “O que significa o
vinhateiro, senão a ordem dos prelados? Pois estes, estando à frente da Igreja,
estão certamente cuidando da vinha do Senhor”. E atribui, logo a seguir, um
inesperado simbolismo ao trabalho do vinhateiro: “O que significa cavar ao
redor da figueira senão increpar as almas infrutíferas? Com efeito, toda
escavação se faz embaixo e é certo que a increpação, ao ser feita, humilha a
alma; portanto, quando increpamos a alguém seu pecado, agimos como quem, por
exigências do cultivo, cava em volta da árvore estéril”.
“Então tu a cortarás!”
A passagem do Evangelho termina abruptamente com palavras de
terrível ameaça: “Então tu a cortarás!”.
Não faltavam no Antigo Testamento exemplos de severos
castigos para dar crédito a essa advertência: no tempo de Noé, a terra foi
submersa pelas águas do dilúvio (cf. Gn 7, 17-24); Sodoma e Gomorra foram
destruídas pelo fogo (cf. Gn 19, 24-25); as tropas do faraó pereceram, afogadas
no Mar Vermelho (cf. Ex 14, 27- 28). Deus é a Paciência, em substância, mas
também é a Sabedoria e a Justiça, e sabe como e quando intervir.
E no Novo Testamento, veremos Jesus retomar a figura desta
parábola quando, indo de Betânia a Jerusalém, três dias antes de Sua morte,
teve fome e dirigiu-Se a uma figueira localizada à beira do caminho. Não
achando nela senão folhas, disse-lhe: “Nunca mais produzas fruto algum!”. E, no
mesmo instante, a figueira secou, deixando estupefatos os discípulos (cf. Mt
21, 17-20). Conforme especifica São Marcos, ela secou “até a raiz” (Mc 11, 20).
Bem pode essa árvore estéril representar a história de quem
vai abusando da paciência do Criador, até o momento, desconhecido pelos homens,
em que sua medida estará completa...
O que Deus espera de nós
Deus usa de longanimidade para conosco, conforme as palavras
de São Pedro: “O Senhor pacientemente vos aguarda, não querendo que ninguém
pereça senão que todos se arrependam” (II Pd 3, 9). Dá Ele tempo de sobra para
a terra ser adubada e regada, ou seja, para as pessoas se converterem.
Contudo, os terríveis efeitos da Justiça divina convidam-nos
a examinar a fundo nossa consciência, para saber se estamos cumprindo nossos
deveres de cristão, assumidos no Batismo. O convite à conversão apresentado por
esta passagem significa caminhar para a perfeição, excluindo qualquer apego ao
pecado, pois o bem só poderá nascer de uma causa íntegra.22
Estejamos, pois, conscientes da necessidade de uma contínua
e autêntica conversão, uma vez que a busca de Deus exige do homem todo o
empenho de sua inteligência e a retidão de sua vontade para corresponder à
graça, sem a qual nada podemos fazer.
E se, por infelicidade, tivermos incorrido em muitas faltas,
não nos esqueçamos de que Nossa Senhora e o nosso Anjo da Guarda estão sempre
rogando por nós, para Deus nos conceder mais uma oportunidade. O mesmo fazem os
bem-aventurados, conforme afirma Santo Agostinho ao comentar essa parábola:
“Todos os santos são como vinhateiros que intercedem pelos pecadores perante o
Senhor”.23
Esta Liturgia — que nos adverte com tanta seriedade, mas
também nos incentiva a ter uma inabalável confiança na misericórdia divina — é
própria a nos conduzir, como dissemos, a um apurado exame de consciência.
Aproveitemos, então, o dia de hoje para pedir a graça de romper inteiramente
com o mal. Aquilo que Jesus esperava e até reclamava de Seu povo, tal qual
transparece no Evangelho de hoje, é exatamente o que Ele quer de cada um de
nós. Ou seja, uma grande virtude de penitência e espírito de compunção, necessários
a todos os que não viveram uma perfeita inocência.
Essa dor dos próprios pecados, quando redunda numa contrição
perfeita, produz belos e abundantes frutos, como a plena remissão de nossas
culpas e das próprias penas temporais, e também um considerável aumento da
graça santificante que faz a alma avançar rapidamente pelas sendas da
santificação. Além de grande paz interior, essa contrição manterá a alma em
estado de humildade, purificando-a e auxiliando-a a mortificar seus
desordenados instintos. Aí está um ótimo meio para adquirir forças contra as
tentações e garantir a perseverança na fidelidade aos Mandamentos.
Será que não nos move o exemplo tão clamoroso da rejeição
daquele povo ao prazo que lhe dá o Salvador para seu arrependimento e conversão?
Reagiremos nós da mesma forma ou imploraremos, por meio de Maria, esse
verdadeiro dom de Deus, que é a contrição perfeita?
Eis o que a respeito da pecaminosa rejeição do povo eleito
comenta Didon: “O fruto que Deus esperava e reclamava da Sua nação escolhida
era a penitência e a fé; a penitência que chora as infidelidades e as faltas, a
fé que aceita a palavra de vida e dá acesso ao Reino messiânico”.
“Desde a primeira hora da Sua vida pública, Jesus não cessou
de lembrar estes grandes deveres. Mas, afora alguns eleitos, nenhum responde;
em lugar de bater no peito, os chefes religiosos não falam senão da sua
justiça; em lugar de crer no Enviado, combatem-no, perseguem-no, difamam-no,
ameaçam-no e anatematizam-no. A vingança de Deus aproxima-se, pronta a
rebentar, se o Enviado desconhecido não suspende a sua explosão; esta raça cega
mal o imagina, embala-se em ilusões fatais que a palavra de Jesus não consegue
dissipar, adormece nas promessas de Deus, sem pensar que o seu endurecimento
torna estéreis essas promessas e provoca a cólera celeste. Os milagres não
podem mais sobre ela do que a palavra. Arrancam à multidão alguns gritos de
admiração, mas escandalizam a classe dirigente que não cessa de opor ao Profeta
as vãs observâncias do seu culto”.24
Mais uma vez, podemos nos perguntar: e nós, reagiremos da
mesma forma? Ou tiraremos todo o proveito, não só desta Liturgia, mas de toda a
Quaresma?
19 TEOFILO, apud SANTO TOMÁS DE AQUINO,
Catena áurea. IV. San Lucas. Buenos Aires: Cursos de Cultura Católica, s/d, p.334-335.
20
GOMÁ Y TOMÁS, op. cit., p.245.
21 SAN
GREGORIO MAGNO. Obras completas. Madrid: BAC, 1958, p.694.
22 Cf.
SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, I-II,
q.18, a.4, ad.3.
23 SAN
AGUSTÍN, apud MALDONADO, SJ, op. cit., p.619.
24
DIDON, op. cit., p.321-322.
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