Continuação dos comentários ao Evangelho Festa do Batismo do senhor - Ano C 2013 - Lc 3,15-16.21-22
6 Por isso, João declarou a todos: “Eu vos batizo com água, mas virá aquele que é mais forte do que eu. Eu não sou digno de desamarrar a correia de suas sandálias. Ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo”.
Querendo orientar as almas para o Salvador, João logo anunciou o verdadeiro sentido do seu batismo e a dádiva incomparavelmente maior que haveria de trazer o Sacramento a ser instituído por Jesus, algum tempo depois. De fato, pregava ele um baptismo que, segundo São Tomás, era um meio caminho entre o que era realizado pelos judeus e o Batismo sacramental.3 Apesar de não haver na Sagrada Escritura nenhum mandato explícito a respeito do batismo de penitência, pois deveria durar pouco tempo, este rito provinha de Deus, que o recomendara a João em uma revelação privada (cf. Jo 1, 33); entretanto, quanto a seu efeito — a purificação do corpo, e não da alma —, nada se realizava nele que não pudesse ser operado pelo homem, razão pela qual era denominado batismo de João.4 De fato, apenas teve um ministro, o Precursor.
Para administrá-lo, escolhera as águas do Jordão. Em primeiro lugar porque, diplomaticamente falando, era o lugar ideal. A região da Pereia pertencia à circunscrição de Herodes Antipas e, se bem que o Sinédrio tivesse a obrigação de zelar pela religião no país inteiro, a distância de Jerusalém dificultava que os chefes dos judeus fizessem algo efetivo contra ele. Contudo, como veremos mais adiante, a escolha do local tinha uma razão muito mais profunda, relacionada com o Batismo de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Batismo sobrenatural com efeito psicológico
João pregava a penitência a par de seu batismo, a fim de incitar os homens à virtude. No entanto, esse batismo, de si, não possuía a capacidade de purificar, presente no Sacramento do Batismo;5 não imprimia caráter, não perdoava os pecados nem conferia a graça, pois, embora inspirado por Deus, era simbólico e seu efeito procedia do homem. Por isso, todos aqueles que foram batizados por São João tiveram de ser batizados de novo pelos Apóstolos (cf. At 19, 3-6).
Sem embargo, pode surgir uma pergunta: qual era, então, a necessidade da instituição desse batismo? São Tomás, fazendo brilhar sua inocência magnífica e cheia de sabedoria, responde dando quatro razões. Na primeira, explica ter sido necessário que Jesus fosse batizado por João para consagrar o Batismo; em segundo lugar, para que Ele Se desse a conhecer por ocasião de seu Batismo; como terceira razão, diz que o batismo de penitência preparava os homens para receber, mais adiante, o Batismo sacramental. E, por fim, ao incentivar o povo à penitência, São João criava disposições para que recebesse com o devido respeito o Batismo de Nosso Senhor Jesus Cristo.6 Era um batismo que agia à maneira dos sacramentais,7 pois aqueles que entravam no rio e eram nele submersos sentiam misticamente dentro de si seu duplo efeito: uma ação sobrenatural que os encorajava ao arrependimento dos próprios pecados, e outra psicológica que lhes preparava a mentalidade para a futura aceitação do Batismo.
Podemos inferir com segurança que, apesar de alguns fariseus terem aceitado a pregação de João (cf. Mt 3, 7), a maior parte deles confiava muito na própria justiça, ou seja, eles se julgavam sem pecado, dando pouco crédito à voz do profeta e incluindo-se no rol dos que não se deixaram batizar. Ao contrário destes, soldados, publicanos e toda sorte de pecadores acreditavam em São João (cf. Mt 21, 32). Assim se iam dividindo os campos dentro da própria opinião pública judaica, como vieram a confirmar os acontecimentos posteriores.
O conhecimento místico de Jesus revela a vocação João
É quase unânime a opinião dos comentaristas de que São João ainda não tinha se encontrado com Nosso Senhor, o qual tampouco havia visto, com seus olhos humanos, o Precursor. Este último, segundo São João Crisóstomo, antes de se dirigir ao Jordão “conheceu-O quando se achava prestes a batizá-Lo, e isto porque o próprio Pai o revelou”.8 Mesmo sem ter contemplado o rosto do Messias, João possuía a respeito de Jesus um conhecimento místico que lhe dava a capacidade, por exemplo, de manter uma discussão com os fariseus sobre o Salvador, anunciando-O com inegável autoridade (cf. Jo 1, 19-27) e revelando sua própria vocação. Por fim, o ansiado encontro entre o Messias e seu Precursor dar-se-ia no momento auge em que Jesus seria batizado e iniciaria sua missão pública.
Continua no próximo post
3)
Cf. SAO TOMAS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.38, a.l, ad 1.
4)
Cf. Idem, a.2.
5)
Cf. Idem, a.3.
6)
Cf. Idem, al.
7)
Cf. Idem, ad 1.
8)
SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Homilía XVII, n.3. In: Homilías sobre el Evangelio de San Juan (1-29). 2.ed. Madrid:
Ciudad Nueva, 1991, v.1, p.220.
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