Tríduo Pascal

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Evangelho  Quarta-Feira de Cinzas  Mt 6, 1-6.16-18 - 2013

Continuação dos comentários ao Evangelho  Quarta-Feira de Cinzas  Mt 6, 1-6.16-18 - 2013

1“Guardai-vos de fazer as boas obras diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles. Do contrário não tereis direito à recompensa do vosso Pai que está nos Céus”.
Difícil era fariseus serem alheios à hipocrisia. Levados por um supino orgulho, voltavam-se para si mesmos a ponto de se esquecer de Deus, fazendo suas boas obras com o intuito de angariar prestígio “diante dos homens”.
O defeito apontado por Nosso Senhor neste versículo era comum entre eles, e infelizmente não é raro também em nossos dias. Trasbordam das Sagradas Escrituras conselhos sobre esse pecado capital, raiz de muitos vícios, principalmente no livro do Eclesiastes: “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade” (Ecl 1, 2). É essa a preocupação do Divino Mestre.
A respeito dos atos humanos podemos afirmar que alguns são neutros, como por exemplo, cantar ou pintar. A substância e o mérito lhes advêm da intenção e da finalidade com as quais os executamos. Outros são bons de per se, por estarem ordenados pela razão a um objetivo honesto. Mas, segundo o Doutor Angélico, “pode acontecer que um ato em si mesmo virtuoso se torne, eventualmente, vicioso, devido a certas circunstâncias”.6
Ora, a vaidade macula muitas vezes nossos atos de virtude e nos rouba os méritos. Pois, como sublinha o Cardeal Gomá, ela é “um perniciosíssimo inimigo das boas obras: praticá-las com o escopo de ser visto e admirado pelos outros, é perder a recompensa que lhes corresponde quando são feitas com reta intenção”.7
Afirmam os mestres da vida espiritual ser a vaidade um vício tão arraigado no homem que, por assim dizer, somente o abandona meia hora depois de sua morte. Para vencêlo, requer-se muita oração, paciência e esforço. Oração, porque por meio dela se obtêm as graças para combatê-lo. Paciência e esforço, porque devemos lutar contra ele dia e noite, impedindo-o de instalar-se em nossa alma, como recomenda São João Crisóstomo: “É necessário prestar muita atenção em sua entrada, do mesmo modo como alguém põe-se em guarda contra uma fera prestes a atacar quem não está vigilante”.8
Poderíamos, então, usar uma expressão forte, mas muito verdadeira: a vaidade é o principal sorvedouro por onde se escoam os méritos das nossas orações e boas obras. Ela é também um veneno para a alma, porque a deixa desprovida de forças para enfrentar as tentações e, portanto, exposta a toda espécie de fraquezas e capitulações.
Convém notar, de outro lado, que ao dizernos: “Guardai-vos de fazer as boas obras diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles”, não nos convida o Mestre a sempre nos ocultarmos para fazer o bem, pois praticar a justiça diante dos homens pode ser motivo de edificação para o próximo e de glória para o Criador, como sublinha o grande Bossuet: “Ele não nos proíbe de praticar a justiça cristã em todas as oportunidades, para edificação do próximo; pelo contrário, disse Ele: ‘Brilhe vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos Céus’. [...] Edificai o próximo, por vossas ações externas, e tudo em vós, até mesmo um piscar de olhos, seja ordenado, mas tudo se faça com naturalidade e simplicidade, visando dar glória a Deus”.9
Dar esmola visando o aplauso
2 “Quando, pois, dás esmola, não faças tocar a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa”.
Não tendo recebido ainda a seiva regeneradora do Cristianismo, na humanidade daquela época imperava de tal modo o egoísmo, que o dar esmola era prática incomum. Quem o fazia, julgava-se merecedor do aplauso dos demais, por sua pretensa bondade. Daí ser costume dar esmola “com muita ostentação”.10
Mais ainda: “Parece que, para excitar a generosidade, estabeleceu-se o hábito de proclamar o nome dos doadores [...] e chegava-se mesmo a honrá-los, oferecendo-lhes os primeiros lugares na sinagoga”.11
Ora, ensina Nosso Senhor, nesta passagem do Evangelho, que quem dá esmola para obter a aprovação dos outros pode considerar-se bem pago pelos elogios assim obtidos. Não lhe cabe esperar um prêmio sobrenatural, pois, conforme acentua o padre Tuya, “Deus recompensa em justiça sobrenatural somente aquilo que se faz sobrenaturalmente por amor a Ele, assim como repugna-Lhe esse censurável procedimento que é a hipocrisia farisaica”.12
Quem, entretanto, dá esmola discretamente, apenas diante de Deus e por amor a Deus, este sim, d’Ele receberá a recompensa.
O prêmio, devemos esperá-lo apenas de Deus
3 “Mas, quando dás esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita, 4 para que a tua esmola fique em segredo, e teu Pai, que vê o que fazes em segredo, te pagará”.
 No versículo anterior, Nosso Senhor recrimina aqueles que visam a vanglória na prática da esmola; neste, censura-nos o comprazimento vaidoso ao realizarmos as boas obras. Para combater esse defeito, precisamos esforçar-nos para não deter nossa atenção naquilo que fazemos de bom. “Se fosse possível — comenta Bossuet —, seria necessário esconder de vós mesmos o bem que fazeis; procurai ocultar a vossos olhos pelo menos o seu mérito; [...] empenhai-vos na prática da boa obra a ponto de jamais vos preocupar com o que dela vos resultará: deixai tudo por conta de Deus, assim só Ele vos verá, vos ocultareis de vós mesmos”.13
Na mesma linha opina o Cardeal Gomá: “Se possível fosse, até nós deveríamos ignorar nossas esmolas. A recompensa, devemos esperá-la somente de Deus”.14
Complementando essas afirmações, esclarece Maldonado: “Não há culpa em ser visto pelos outros quando se faz o bem, mas sim em desejar ser visto. Também não há culpa em querer ser visto, desde que não seja para conseguir o elogio dos homens. ‘Brilhe vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos Céus’”.15

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