Comentário ao Evangelho V Domingo da Quaresma Ano C 2013 Jo 8, 1-11
1 Dirigiu-se Jesus
para o Monte das Oliveiras. 2 Ao romper da manhã, voltou ao Templo e todo o
povo veio a Ele. Assentou-Se e começou a ensinar. 3 Os escribas e os fariseus
trouxeram-Lhe uma mulher que fora apanhada em adultério. 4 Puseram-na no meio
da multidão e disseram a Jesus: “Mestre, agora mesmo esta mulher foi apanhada
em adultério. 5 Moisés mandou-nos na Lei que apedrejássemos tais mulheres. Que
dizes Tu a isso?” 6 Perguntavam-Lhe isso, a fim de pô-Lo à prova e poderem
acusá-Lo. Jesus, porém, Se inclinou para a frente e escrevia com o dedo na
terra. 7 Como eles insistissem, ergueu-Se e disse-lhes: “Quem de vós estiver
sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra”. 8 Inclinando-Se novamente,
escrevia na terra. 9 A essas palavras, sentindo-se acusados pela sua própria
consciência, eles se foram retirando um por um, até o último, a começar pelos
mais idosos, de sorte que Jesus ficou sozinho, com a mulher diante d’Ele. 10
Então Ele Se ergueu e vendo ali apenas a mulher, perguntou-lhe: “Mulher, onde estão
os que te acusavam? Ninguém te condenou?” 11 Respondeu ela: “Ninguém, Senhor”.
Disse-lhe então Jesus: “Nem eu te condeno. Vai e não tornes a pecar” (Jo 8,
1-11).
A Lei ou a Bondade?
No episódio da mulher adúltera, os
evangelistas não revelam tudo quanto estava oculto na urdidura feita pelos
fariseus para colocar Jesus diante de um dilema: condenar a pecadora à morte,
violando a lei romana, ou salvar-lhe a vida, desconsiderando a Lei de Moisés.
Jesus superou a justiça salomônica.
Jesus veio para perdoar
Os Evangelhos são o testamento da Misericórdia. O anúncio do
maior ato de bondade havido em toda a obra da criação — a Encarnação do Verbo —
é o frontispício, a bela abertura de sua narração. A chave de ouro com a qual
esta termina deixa-nos sem saber se ainda não é mais bela e comovedora: a
crucifixão e morte de Cristo Jesus para restabelecer a harmonia entre Deus e a
humanidade.
A Bondade divina une substanciosamente esses dois extremos,
a Gruta de Belém e o Calvário, através de uma seqüência riquíssima em
acontecimentos escachoantes de amor pelos miseráveis: “Pois o Filho do Homem
veio procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19, 10). Essa alegria de Jesus
em perdoar transparece nas doutrinas, conselhos e até mesmo nas parábolas por
Ele elaboradas a fim de que seus ouvintes melhor entendessem sua misericórdia,
como, por exemplo, a do filho pródigo (Lc 15, 11-32), a da ovelha desgarrada
(Lc 15, 4-7) e a da dracma perdida (Lc 15, 8-10). A euforia de quem encontra,
em qualquer dos três casos, reflete o contentamento do próprio Cristo ao
promover o retorno de uma alma às vias da graça.
Ele é o Bom Pastor que ao apanhar a ovelha imprudentemente
destacada do rebanho, a reconduz ao redil, a fim de infundir-lhe nova vida de
maneira superabundante. E Ele a leva sobre seus próprios ombros, enquanto os
Céus se enchem de um júbilo ainda maoir do que o causado pela perseverança dos
justos (cf. Jo 10, 11-16; Lc 15, 4-7).
Dentro dessa atmosfera de amor, jamais vimos Jesus, ao longo
de sua vida pública, tomar a menor atitude depreciativa em relação a quem quer
que fosse: samaritanos, centurião, cananéia, publicanos, etc. A todos
invariavelmente atendia com divina atenção e carinho: “Aprendei de Mim que sou
manso e humilde de coração” (Mt 11, 29). Nenhuma pessoa d’Ele se aproximou em
busca de uma cura, perdão ou consolo, sem ser plenamente atendida. Tal foi seu
infinito empenho em fazer o bem, sobretudo aos mais necessitados: “Não vim
chamar os justos, mas os pecadores” (Mc 2, 17); “o Espírito do Senhor está
sobre Mim, porque Me ungiu; e enviou-Me (...) para publicar o ano da graça do Senhor”
(Lc 4, 18-19). O próprio Apóstolo dirá mais tarde: “Jesus Cristo veio a este
mundo para salvar os pecadores, dos quais sou eu o primeiro” (1 Tm 1, 15).
Malícia dos fariseus
Mas, assim como “é belo durante a noite acreditar na luz”
(1), a Bondade substancial de Cristo Jesus se torna ainda mais luzidia aos
nossos olhos quando contrastada com uma oposição toda feita de malícia. E esta
nós a encontramos, radical e constante, do começo ao fim do Evangelho. Já o
Precursor, ao distinguir entre os que o circundavam, alguns fariseus, os
increpou: “Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira que vos ameaça?
(...) Não digais dentro de vós: Nós temos Abraão por pai!” (Mt 3, 7-9).
São tão numerosas as investidas dos escribas e fariseus
contra Jesus, em razão de sua misericórdia, que reproduziríamos uma boa parte
dos Evangelhos se procurássemos ser minuciosos nas citações a esse respeito.
Lembremos de passagem que eles chegam a chamá-Lo de possesso do demônio (Jo 8,
52; 10, 20; Lc 11, 15), distorcem suas palavras e afirmações (Mc 14, 58),
perseguem-No com intensidade crescente (Jo cap. 7 a 11) até O condenarem à
morte, e O acusam de revolucionário, porque, segundo eles, sublevava o povo
contra o poder civil e afirmava que não devia ser pago o imposto ao imperador
(Lc 23, 2).
Jesus, a Misericórdia substancial, não é menos duro para com
eles: “Se compreendêsseis o sentido destas palavras: Quero a misericórdia e não
o sacrifício... não condenaríeis os inocentes” (Mt 12, 7). Por sete vezes,
Jesus os chama de hipócritas, com a expressão: “Ai de vós escribas e fariseus
hipócritas”, para — em cada uma — atribuir-lhes um pecado (cf. Mt 23, 13-29).
Ódio contra a bondade de Jesus
Essa indisposição farisaica contra Jesus tomava como motivo
implícito sua infinita misericórdia, virtude específica de Deus: “Quem é de
Deus ouve as palavras de Deus, e se vós não as ouvis é porque não sois de Deus”
(Jo 8, 47). E, sobretudo, porque não queriam ser verdadeiros filhos de Deus,
mas sim do diabo (Jo 8, 44). Além dessa terrível ascendência que lhes é
definida por Jesus, recebem também o título de “ladrões” (Jo 10, 10),
“homicidas” (id.), “víboras” (Mt 12, 34).
Ora, o ódio farisaico contra a Bondade também deveria se
refletir na repulsa que manifestavam em relação aos necessitados. E é,
portanto, no contraste com a acidez dos fariseus e escribas contra os pecadores
que vemos rebrilhar ainda mais a Bondade de Cristo. Ela se torna histórica
quando chega aos extremos limites de absolver uma Madalena (Lc 7, 47-48) ou, no
alto do Calvário, o bom ladrão (Lc 23, 43).
Os fariseus se indignavam contra essas atitudes de Jesus
porque seu puritanismo procedia de uma falsa justiça, toda feita de orgulho, e
por isso se afastavam dos miseráveis, desprezavam-nos e jamais demonstravam
sentimentos de compaixão por qualquer carente.
É no embate entre a Bondade infinita e o falso amor à Lei,
que se desenrola o drama do Evangelho de hoje.
Continua nos próximos posts.
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