Comentários ao Evangelho da Solenidade de Pentecostes Jo 20, 19-23
19 Chegada a tarde daquele mesmo dia, que era o primeiro da semana, e estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se encontravam juntos, por medo dos judeus, foi Jesus, colocou-Se no meio deles e disse-lhes: “A paz esteja convosco!” 20 Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos alegraram-se muito ao ver o Senhor. 21 Ele disse-lhes novamente: “A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também vos envio a vós”.
22 Tendo dito estas palavras, soprou sobre eles e disse-lhes: “Recebei o Espírito Santo. 23 Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados, àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos” (Jo 20, 19-23).
A IGREJA POR OCASIÃO DE PENTECOSTES
Oração numa atmosfera de harmonia e concórdia
Como outras tantas festas litúrgicas, Pentecostes nos faz recordar um dos grandes mistérios da fundação da Igreja por Jesus. Encontrava-se ela em estado ainda quase embrionário — alegoricamente, poder-se-ia compará-la a uma menina de tenra idade — reunida em torno da Mãe de Cristo. Ali no Cenáculo, conforme nos descrevem os Atos dos Apóstolos na primeira leitura, passaram-se fenômenos místicos de excelsa magnitude, acompanhados de manifestações sensíveis de ordem natural: ruído como de um vento impetuoso, línguas de fogo, os discípulos exprimindo-se em línguas diversas sem tê-las antes aprendido.
Enquanto figura exponencial, destaca-se Maria Santíssima, predestinada desde toda a eternidade a ser Mãe de Deus. Dir-se-ia que havia atingido a plenitude máxima de todas as graças e dons, entretanto, em Pentecostes, mais e mais Lhe seria concedido. Assim como fora eleita para o insuperável dom da maternidade divina, cabia-Lhe agora o tornar-se Mãe do Corpo Místico de Cristo e, tal qual se deu na Encarnação do Verbo, desceu sobre Ela o Espírito Santo, por meio de uma nova e riquíssima efusão de graças, a fim de adorná-La com virtudes e dons próprios e proclamá-La “Mãe da Igreja”.
Em seguida estão os Apóstolos; constituem eles a primeira escola de arautos do Evangelho. Observavam as condições essenciais para estarem aptos à alta missão que lhes destinara o Divino Mestre, conforme nos relata a Escritura: “Todos estes perseveraram unanimemente em oração, com algumas mulheres e com Maria, Mãe de Jesus, e com os seus irmãos” (At 1, 14). Essa perseverança na oração se realizou de forma continuada e no silêncio, na solidão e clausura do Cenáculo. A atmosfera era de máxima concórdia, harmonia e união entre todos, de verdadeira caridade fraterna. São Lucas em seu relato faz questão de realçar a presença de Maria, certamente para tornar patente o quanto Ela mesma se alegrava em ser uma fiel participante da Comunidade. Uma nota marcante é a submissão e obediência ao Vigário de Cristo tal qual transparece nos versículos subsequentes, ao relatarem o primeiro ato de governo e jurisdição de São Pedro (At 1, 15-22).
Em síntese, a verdadeira eficácia do apostolado está aí evidenciada, sob o manto da Santíssima Virgem, na união efetiva e afetiva de todos com a Pedra sobre a qual Cristo edificou sua Igreja.
A eficácia da ação encontra-se na contemplação
Esse grande acontecimento foi precedido não só dos dez dias de oração contínua, mas também de muitos outros momentos de recolhimento. O trauma havido por ocasião da dramática Paixão do Salvador exigia horas e horas de isolamento e reflexão. Ademais, o temor de novas perseguições e traições impunha-lhes prudência, além do abandono das atividades comuns do apostolado anterior.
Curiosamente, em geral, Cristo Ressurrecto escolhia oportunidades como essas — de reflexão e compenetração da parte de todos — para lhes aparecer, assim como o Espírito Santo para lhes infundir seus dons. Esta é uma importante lição que a Liturgia de hoje nos oferece: a verdadeira eficácia da ação encontra-se na contemplação. O próprio Apóstolo por excelência, que chegou a exclamar: Vae enim mihi est, si non evangelizavero! — “Ai de mim se eu não evangelizar!” (I Cor 9, 16), passou um longo período de oração no deserto a fim de preparar-se para a pregação.
Quem toma o trabalho de analisar passo a passo as atividades de um varão zeloso e apostólico pode vir a equivocar-se julgando serem elas puro fruto de sua personalidade empreendedora, ou de seu caráter dinâmico, ou até mesmo de sua constituição psicofísica. São numerosos os homens operantes e profícuos que arrancam de seu ser o inimaginável. Onde se encontram, de fato, as energias empregadas por esses leões da fé e da eficiência? Mais ainda poderíamos nos perguntar: como conseguem eles, em meio à avalanche de atividades, conservar um coração brando e suave no trato com os outros?
Lembremo-nos do conselho dado por São Bernardo de Claraval ao papa da época, Eugênio III: “Temo que em meio de tuas inumeráveis ocupações te desesperes de não poder levá-las a cabo e se endureça tua alma. Obrarias com cordura abandonando-as por algum tempo para que elas não te dominem nem te arrastem para onde não quiseras chegar. Talvez me perguntes: ‘Aonde?’ (...) Ao endurecimento do coração. Aí vês para onde te podem arrastar essas ocupações malditas se continuas entregando-te a elas totalmente, como até agora, sem reservar nada para ti” (2).
Trata-se de um Doutor da Igreja aconselhando o Doce Cristo na terra daqueles tempos, no exercício da mais alta função: o governo dessa instituição divina. Pois bem, segundo seu parecer, tão elevadas ocupações, sem o auxílio da vida interior, são malditas. Essa sempre foi a postura de alma dos santos, espiritualistas e Padres da Igreja. Santo Agostinho afirma, por exemplo: “Todo apóstolo, antes de soltar a língua, deve elevar a Deus com avidez sua alma, para exalar o que deva, e distribuir sua plenitude".
Continua no próximo post
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