Evangelho Lc 10, 38-42
“Naquele tempo, 38 Jesus entrou num povoado, e certa
mulher, de nome Marta, recebeu-O em sua casa. 39 Sua irmã, chamada Maria,
sentou-se aos pés do Senhor, e escutava a Sua palavra. 40 Marta, porém, estava
ocupada com muitos afazeres. Ela aproximou-se e disse: ‘Senhor, não Te importas
que minha irmã me deixe sozinha, com todo o serviço? Manda que ela me venha
ajudar!’. 41 O Senhor, porém, lhe respondeu: ‘Marta, Marta! Tu te preocupas e
andas agitada por muitas coisas. 42 Porém, uma só coisa é necessária. Maria
escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada’” (Lc 10, 38-42).
Comentário ao Evangelho – XVI Domingo do Tempo Comum - Ano C - 2013 Evangelho Lc 10, 38-42
Há neste Evangelho uma lição
para as almas “Marta”, e também para as almas “Maria”. Às primeiras, ensina
Jesus que uma só coisa é necessária: o amor; e às segundas, que não podem
desprezar a parte menos elevada.
Deus nos criou para a eternidade
Em razão de nossa natureza
humana, somos mais tendentes a prestar atenção nas coisas materiais, acessíveis
aos sentidos, do que nas espirituais.
Ora, Deus nos criou para a
eternidade e, para alcançarmos a bem-aventurança eterna, não importam tanto os
nossos atos externos quanto nossos méritos, virtudes e correspondência aos dons
d’Ele recebidos. Trata-se, portanto, de vencer esse pendor instintivo para o
que é inferior e procurar sempre aquilo que é transcendente.
Importa isso em desprezar tudo
quanto é palpável e entregar-nos exclusivamente ao estudo e à oração? Devemos
deixar de lado toda e qualquer atividade concreta, inclusive as mais nobres e
necessárias, a fim de jamais perdermos o contato com o sobrenatural?
O Evangelho de hoje tem por
cerne essa problemática. Nele, São Lucas apresenta em poucas linhas, com
inspirada pena, as figuras de Marta e de Maria, símbolos da vida ativa e da
contemplativa.
Marta e Maria
“Naquele tempo, 38 Jesus entrou num povoado, e
certa mulher, de nome Marta, recebeu-O em sua casa”.
Os irmãos Lázaro, Marta e Maria
pertenciam a uma das melhores famílias da Palestina e possuíam inúmeros bens,
entre eles a confortável herdade de Betânia, distante uns três quilômetros de
Jerusalém.1
O episódio narrado no Evangelho
de hoje corresponde a uma das estadias de Jesus nessa aldeia. Dirigia-se de
Jericó a Jerusalém e aproveitou o ensejo para fazer uma visita àquela família
unida a Ele por estreita amizade. A moradia de Marta em Betânia era um lugar
aprazível e recolhido, próprio ao repouso de Nosso Senhor, como salienta o
exegeta jesuíta Truyols:
“No ambiente de paz e de santo
deleite que se respirava na casa de Marta, Maria e seu irmão Lázaro, na
intimidade de uma inocente confiança, encontrava Jesus algum descanso das
contínuas hostilidades, embustes e malevolências de seus inimigos”.2
Bem podemos imaginar a
felicidade dessa família ao receber o Divino Hóspede, dispensando-Lhe os
melhores cuidados.
A Maria só interessava o Divino Mestre
39 “Sua irmã, chamada Maria, sentou-se aos pés do
Senhor, e escutava a Sua palavra”.
Chegando a Betânia, após os
calorosos cumprimentos e as habituais abluções, Jesus deve ter-Se recostado,
como era costume, em uma espécie de divã. Ou talvez, como imagina o mesmo
Truyols, tivesse tomado assento embaixo da parreira, no jardim da casa,
enquanto se preparava a refeição.
Maria logo se pôs a seus pés,
haurindo com amorosa admiração os divinos ensinamentos. Ali estava o Homem a
cuja palavra as tempestades obedeciam; que ameaçava os ventos, e eles
amainavam; olhava para os mares encapelados, e eles se aquietavam; dava ordem à
lepra, e ela desaparecia; tocava nos ouvidos de um surdo e este ficava
curado...
Enlevada com o Divino Mestre,
Maria por nada mais se interessava. Deixando de lado qualquer outra preocupação
— inclusive aquelas referentes ao atendimento do Senhor — permanece ela junto a
Jesus, de olhos fixos n’Ele.
Cabe notar, como bem observa
Maldonado, que Cristo, “mal entrara na casa, começou Sua tarefa de ensinar as
coisas divinas, desejoso de alimentar com esse manjar espiritual aquelas que
iam proporcionar-Lhe o alimento corporal”.3 Dessa atitude extrai São Cirilo uma
bela lição: com Seu exemplo, Jesus “ensina a seus discípulos como devem
proceder nas casas onde são recebidos, para que não fiquem ali ociosos, mas sim
dando santos e divinos ensinamentos àqueles que os acolhem”.4
Marta afana-se para dar ao Mestre uma recepção
à altura
40a “Marta, porém, estava ocupada com muitos afazeres”.
Correspondia a Marta, como irmã
mais velha, fazer as honras da casa. De muito boa educação, queria proporcionar
ótima acolhida ao Divino Mestre. Por isso, não deixava aos empregados a função
de atendê-Lo. Além do mais, segundo as boas normas vigentes na época, uma
visita de categoria deveria ser servida pelos próprios anfitriões.
Marta, afirma Santo Agostinho,
“demonstra uma generosa hospitalidade ao receber Jesus em sua casa; esta é uma
grande obra, pois está preparando a refeição para o Santo dos Santos e para os
seus santos”.5
Ora, Nosso Senhor viajava
acompanhado dos Apóstolos e discípulos, e talvez tivesse chegado de improviso.
Para dar-Lhe uma recepção à altura, não havia tempo a perder, motivo pelo qual
Marta “estava ocupada com muitos afazeres” e sentia a falta de outros braços
com os quais dividir o encargo. Maria, entretanto, tomada de alegria pela
presença do Divino Mestre, havia esquecido por completo suas obrigações de
anfitriã, deixando todo o serviço a cargo da irmã.
A recepção deve começar na própria alma
40b “Ela aproximou-se e disse: ‘Senhor, não Te importas
que minha irmã me deixe sozinha, com todo o serviço? Manda que ela me venha
ajudar!’”.
Não seria segundo a boa
educação Marta chamar a atenção da irmã diante de uma visita, sobretudo em se
tratando de Nosso Senhor. Por isso, dirige-se a Ele com nobre delicadeza
feminina, por meio de uma pergunta, para suplicar-Lhe Sua intervenção. O
pedido, de todo razoável naquelas circunstâncias, é formulado de forma muito
elegante e gentil, pois reconhece a autoridade do Divino Mestre e deixa a
última palavra em Suas divinas mãos.
Entretanto, provavelmente de
modo não consciente, estava Marta atribuindo aos cuidados práticos um valor
superior ao próprio Divino Hóspede. Pois suas queixas em relação a Maria
atingiam indiretamente o próprio Jesus “que, ao conversar com ela, parecia
aprovar o seu proceder”, como bem sublinha o conceituado Fillion.6 Quiçá sem
perceber, Marta faltava com o Primeiro Mandamento da Lei de Deus. E Nosso
Senhor vai adverti-la com muita suavidade.
A mais velha das duas irmãs,
observa Santo Agostinho, “servia bem o Senhor, relativamente à necessidade do
corpo [...]; entretanto, quem ali estava em carne mortal, desde o princípio era
o Verbo”.7
Ora, quando acolhemos alguém
superior a nós, a maior preocupação não deve ser a das providências práticas,
mas sim a de bem aproveitar a sua presença. Sendo aquele hóspede a Segunda
Pessoa da Santíssima Trindade, a boa recepção precisa começar na própria alma,
reconhecendo quem Ele é. O desejo de oferecer-Lhe uma boa refeição virá depois,
como corolário.
Nessa ocasião, sublinha Santo
Agostinho, “Maria estava pendente da doçura da palavra do Senhor. Marta pensava
em como alimentá-Lo, Maria em como ser por Ele alimentada. Marta preparava para
o Senhor um banquete, Maria já desfrutava do banquete do mesmo Senhor”.8 E São
Bernardo comenta, com muita propriedade: “Uma e outra receberam o Verbo: Maria
no espírito, Marta na carne”.9
Continua no próximo post
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Escreva seus comentarios e sugerencias